1 de Maio, 2019 Carlos Esperança
A crença dos não crentes
Por
Onofre Varela
O último número do suplemento cultural Babelia, do jornal espanhol El País (Sábado, 27 de Abril) publica um interessante artigo sobre Ateísmo e fornece uma lista de nove livros sobre o tema, recentemente editados em Espanha (ou reeditados, no caso das obras de Nietzsche). A chamada de capa é feita com esta frase forte: En qué creen los ateos?
Perguntar: em que creem os ateus?, é como indagar: com que se droga quem não se droga?
Porquê?!… É absolutamente necessário consumirmos drogas?!… Não faz sentido!
Bem sei que o indagador parte do princípio de que o Ateísmo é, também, uma forma de crença… uma religião… e em parte tem razão. O Ateísmo é uma forma de Religião, tal como a Ciência também o é, no sentido etimológico do termo, que aponta para um sistema específico de pensamento, envolvendo uma posição filosófica e ética inspirada na Razão e na procura das causas, o que se entende na origem do termo latino religio, no sentido de “prática correcta”, cujo plural éreligiones. Já não como fé, mas como conhecimento sem qualquer conotação com a procura de deuses, como se entendia naRoma antiga e na Idade Média quando o conhecimento era puramente religioso, deixando de o ser depois do Renascimento,que assentou as bases para que fosse possível a eclosão do Iluminismo no século XVIII, o qual passou a ser referido pela História como o Século das Luzes (o Iluminismo foi uma forma de combater o seu contrário, o Obscurantismo, dirigido pela Igreja Católica durante cerca de 15 séculos).
O artigo do El País aborda questões interessantes e conclui ser difícil definir o Ateísmo e condensá-lo numa única fórmula, até porque há o “Ateísmo opressivo e claustrofóbico que reproduz as manias do monoteísmo”.
O seu autor (Juan Arnau) diz que os valores do Ateísmo têm algo de genético, e que não podemos renunciar àquilo que herdamos e respiramos na infância, seja a favor ou contra a Religião. Tem toda a razão porque, de facto, cada adulto é o resultado da criança que foi. As vivências da infância não se apagam com a idade… pelo contrário, enraízam-se, cimentam-se, e são as responsáveis por muitos dos pensamentos e actos de todos nós. Quer queiramos, quer não, a Religião tem uma forte influência na nossa educação e no nosso conhecimento.
A última sondagem em Espanha indica uma percentagem histórica de não crentes na ordem dos 27%, alcançando quase 50% nos jovens, e 62% dos crentes declara assistir a missas muito raramente. Perante esta realidade o autor pergunta: “podemos viver sem igrejas… mas, poderemos viver sem Religião?… As religiões não são teorias do universo, mas sim intenções de dar um sentido à experiência [de viver]. Podemos viver sem estarmos religados ao mundo?”
Na definição daquilo que é religioso, os antropólogos recorrem ao conceito do sagrado. As religiões não seriam um sistema de crenças, mas sim de práticas sociais, e desde Newton a Ciência tem vindo a desalojar o sagrado da vida civil.
(Texto de Onofre Varela a inserir no jornal Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 2 de Maio de 2019)