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22 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Blasfémia e liberdade de expressão

A blasfémia, definida como insulto a Deus, é um ‘crime’ sem vítimas, mas um conceito perigoso para a liberdade de expressão.

A defesa da ofensa faz-se apenas nos Tribunais, de acordo com o Código Penal (CP), e é duvidoso que Deus se constitua como queixoso ou os crentes apresentem procuração para o representar.

No entanto, o anacrónico “crime” medieval, que conduzia às fogueiras, ainda subsiste, no CP de 8 países europeus, laicos e civilizados (Dinamarca, Áustria, Finlândia, Grécia, Espanha, Irlanda, Itália e Portugal) e, disfarçado de “ofensa aos crentes”, desde 1972, em ‘França’, onde foi abolido em 1791. Até no Reino Unido, que o suprimiu em 2002, já apareceu o deputado Jeremy Corbyn a evocar a possibilidade de o reintegrar.

A blasfémia é uma arma política para erradicar religiões minoritárias e um instrumento para condicionar a liberdade de expressão. O Islão serve-se da alegada ofensa para ver nela a apostasia (direto inalienável em países democráticos), para a condenação à morte.

É curioso haver um ‘crime’ que não causa dano, e que muda de trincheira consoante a religião dominante. Chamar amoral a Maomé, quando a religião ainda permite práticas pedófilas, sob o disfarce de casamento, é motivo para condenação à morte.

Criminalizar a blasfémia é confundir o bom ou mau gosto com um delito, e mantê-lo no Código Penal é um anacronismo de legisladores que preferem o comunitarismo à defesa dos valores individuais e sujeitar as sociedades ao risco da ‘verdade divina’.

A jurisprudência lusa privilegia a liberdade de expressão em detrimento do anacronismo legal, mas o mimetismo islâmico aconselha a abolição da reminiscência medieval.

As sociedades democráticas não acolhem bagatelas penais, aliás, injustas, mas a doença endémica das religiões – o fundamentalismo – pode irromper, sendo urgente eliminar a blasfémia do Código Penal e deixá-la no catálogo dos pecados com jurisdição exclusiva do Tribunal divino.

Nada impedirá a forma popular com que os espanhóis se dirigem à hóstia ou nomeiam a Virgem e, ainda menos, as blasfémias italianas, em particular as calabresas, que juntam a bela sonoridade da língua italiana para se dirigirem ao seu Deus.

Sendo a liberdade religiosa legitimada pela liberdade de expressão, é inconcebível que possa deslegitimar a fonte da sua própria legitimidade.

21 de Maio, 2019 Carlos Esperança

A Rainha Isabel e a cidade de Coimbra

Isabel de Aragão, beatificada por Leão X, em 1516, foi canonizada por Bento XIV, em 1742, com mais de 4 séculos de defunção.

O milagre obrado à saída do castelo do Sabugal, transformando em rosas o pão que levava aos pobres, quando o rei a surpreendeu, valeu-lhe a veneração pública e tornou-a credora da devoção coimbrã.
A santidade mereceu-a com o casamento aos 12 anos, idade em que são recomendados brinquedos e não mancebos. Nem precisava do milagre.

D. Dinis encomendou-a em fevereiro e fez a boda em junho, no Ano da Graça de 1282, fazendo com que os reis da França e da Inglaterra fossem procurar outras para os seus filhos, pois o pai da futura santa, o rei Pedro III de Aragão, preferiu entregá-la a quem já era rei, em vez de um dos dois que viriam a sê-lo, perante três pretendentes.

A Rainha Isabel era sobrinha de outra santa do mesmo nome e também rainha, nascida 6 décadas antes e que fizera o mesmo milagre, o que levou alguns céticos a pensar que se tratava de um truque de família.

Não sendo a Rainha Isabel, a de Coimbra, tão santa como a tia, a quem apareceu a ‘Nossa Senhora’, cercada de anjos, e a prometer-lhe o céu dias antes de ser chamada à presença do seu divino filho, não deixou de entrar no devocionário dos autóctones.

Não sei se foi promessa ou subserviência pia o que levou o edil Carlos Encarnação, então autarca, a mandar arrasar as placas toponímicas da Ponte Europa e a substituí-las por outras com o nome de «Ponte Rainha Santa Isabel».

Não ficou mais rica a cidade, nem mais valorizado o autarca, mas ficou mais pia a ponte e mais desencardida a alma do ex-ajudante de Dias Loureiro, no consulado cavaquista.

Eu é que nunca lhe perdoei.

20 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Foi, antes, a ICAR (Igreja Católica, Apostólica, Romana).

A Reforma produziu lenha para as fogueiras da santa Inquisição… Os Huguenotes (ainda existirão alguns?…) principalmente, queixaram-se bastante. Mas os Cátaros, os Albigenses e outros troncos da floresta blasfema, também andaram, aleivosamente, a lamentar-se… Já para não falar de outros monoteísmos “ateus”.

20 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Um bispo do Concílio de Trento

Que o Sr. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa pela graça de João Paulo II, tenha como opção política a extrema-direita, é um direito que os democratas não podem negar, nem a fascistas, muito menos a um cripto-fascista.

Que o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, comprometa a Igreja católica, quando um único bispo, ao que julgo saber, o General Januário Reis Torgal, reformado das Forças Armadas e bispo emérito, contestou a reiterada propensão reacionária do prelado alfacinha, é sinal de que a Igreja católica ainda se rege pela Contrarreforma.

Em plena época eleitoral, foi de mau gosto o comício do dia 13 de maio, presidido por um purpurado importado das Filipinas, para proferir diatribes contra o comunismo, sob o alibi de que a alegada aparição de uma virgem, há 102 anos, saltitando de azinheira em azinheira, na Cova da Iria, veio prevenir três pastorinhos dos perigos do comunismo.

Enquanto o Papa Francisco, impotente para travar os milagres dos defuntos que a Igreja quer distinguir, mas desejoso de acertar o passo com a modernidade, não consegue que os cardeais tenham um módico de decoro e respeitem a lei dos países onde representam o bairro de 44 hectares, que Mussolini fez Estado (Vaticano), é difícil que os incréus vejam na Igreja católica superioridade moral em relação à concorrência.

O Sr. Manuel Clemente, ao estender o dedo com o anelão ao beija-mão, devia impedir o ato de subserviência e zurzir com o báculo quem ainda se curva, com moleza da coluna vertebral, para o ósculo reverencial, mas falta-lhe o pudor republicano a que a sacristia é alheia.

Lamentável foi a cobardia dos partidos políticos a perdoar a diatribe do exótico clérigo, sem, sequer, lhe imporem qualquer penitência.

Preferência do cardeal de Lisboa
cardeal dos negócios do ensino particular
19 de Maio, 2019 Carlos Esperança

O padre Sousa Lara e os exorcismos

O ex-subsecretário de Estado de Cavaco Silva, censor de um livro de Saramago, não foi apenas o devoto da missa e da hóstia, inimigo da cultura e da liberdade, foi o crente que mandou erigir uma Cruz do Amor, com 7 metros, destinada a “combater o comunismo e evitar o mal com a chegada do ano 2000”, no seu monte alentejano.

Entre as suas obras consta um filho, feito certamente de forma casta, a quem ofereceu a administração de uma empresa pública, o Estado é para os amigos e família, mas que preferiu ser padre e especializar-se em exorcismos, atividade que faz parte do alvará de padre mas que, com a escassez de Demónios, passou a ser uma especialidade canónica de autorização episcopal.

O padre Sousa Lara, homónimo do bem-aventurado papá, é um reputado exorcista que, munido de uma cruz e de umas tantas rezas, se atira aos demónios como Santiago aos mouros, na diocese de Lamego, uma zona onde grassam ainda o analfabetismo, a fome e os diabos, enfim, Terras do Demo.

Não há um único caso de possessão demoníaca em livres pensadores, ateus, agnósticos, céticos ou racionalistas. São os mais tementes a Deus, desgraçados e moles do miolo, os que deixam entrar, no corpo, o maligno. É para esses que os exorcistas arremetem com a cruz e as orações, numa peleja digna da Idade Média, com o Mafarrico a fugir, da cruz e do padre, como os carteiristas à polícia.

Benditos exorcistas, tão eficazes a tirar o Diabo do corpo dos crédulos como S. Roque as verrugas ou Santa Bárbara a amainar trovoadas.

Não lembrava ao Diabo que ainda houvesse quem vivesse à sua custa. Coisas do demo!

18 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Laicidade, crenças e liberdades

Quando a jihad islâmica começou a ameaçar a Europa, depois de o Islão ter sido aí irrelevante, várias vozes advogaram o diálogo entre civilizações, confundindo estas com as religiões, como se os valores civilizacionais fossem compatíveis com os preceitos e preconceitos das diversas crenças.

De algum modo, tentou fazer-se a síntese de preconceitos para criar um novo paradigma comum, esquecendo que a civilização europeia se tornou secular e laica e que, mesmo a contragosto do clero, já foi assimilada pelos cristãos.

O ecumenismo, a utópica busca unitária entre cristãos, passou a designar, na apressada aceitação da semiótica cultural, uma quimera, o fraterno e definitivo diálogo entre todas as religiões, de modo a banir a concorrência entre si e, quiçá, eliminar os não crentes.

Rejubilaram os clérigos no seu proselitismo, pensando na conjugação de esforços para a eliminação do ateísmo, agnosticismo, racionalismo e ceticismo, isto é, uma vitória sobre o livre-pensamento.

Esqueceram-se os almocreves da fé que a civilização originou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nomeadamente a igualdade de género e respeito pela orientação sexual como direitos inalienáveis, sendo incompatíveis com os códigos morais da Idade do Bronze que os monoteísmos perpetuam sem condescendências.

O caminho da paz não está na renúncia à laicidade e ao secularismo perante as religiões, mas na submissão destas à civilização, que permitiu o direito à crença, descrença e anti crença, sendo o Estado o garante da neutralidade e defensor das liberdades individuais.

Ninguém ignora que o desemprego, a pobreza e a segregação exacerbam a frustração e a violência, que a crise económica, social e política que atingiu a Europa cria as condições para a explosão da fé e das bombas, mas é no respeito pela diversidade étnica e não pela sujeição às religiões que passa a vitória da civilização contra o retrocesso civilizacional.

A liberdade dos homens é demasiado preciosa para ser deixada ao arbítrio de Deus cuja interpretação da vontade é reclamada pelo clero, que se reclama detentor do alvará.

17 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Fátima, terra de fé

Não sou insensível ao sofrimento dos desesperados que procuram uma boia de salvação, aos doentes que aguardam um milagre, aos crentes que se mortificam na esperança de serem ouvidos por um deus, através de uma imagem de barro, quando os homens os abandonam.

Confranjo-me com os deserdados da sorte a rastejar no genuflexódromo da Cova da Iria, com os que envergam os restos da farda que trouxeram das colónias para agradecerem o milagre do regresso, com os pobres que deixam os únicos brincos ou o cordão de ouro que lhes restava na feira da fé que uma legião de clérigos promove.

São assim os que sofrem. Seria injusto criticar a ingenuidade de quem foi condicionado na infância, de quem se deixa contagiar pelas multidões, de quem aproveita transportes pagos pelas autarquias em ano de eleições.

Vergonha é da multinacional da fé que explora um povo que sofre e a miséria humana ao som de cânticos a um ídolo de barro, que ajoelha a multidão aos pés de um cardeal a um gesto canónico e arrecada o óbolo da gente simples.

Condicionar a liberdade com gestos mecânicos e sinais cabalísticos, aspergindo com o hissope a multidão em transe, é o número de circo que os atores executam na perfeição e o público recebe em lágrimas de comoção.

16 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Mais um santo

Por

Onofre Varela

De entre as várias funções da Igreja Católica, há uma que tem gabinete especial no Vaticano e se dedica à criação de santas e santos para decoração das paredes dos templos e recolha de esmolas.

Trata-se da Congregação para a Causa dos Santos, que foi dirigida pelo especialista de santificações e cardeal Português José Saraiva Martins, natural de Gagos de Jarmelo, na Guarda, onde nasceu a 6 de Janeiro de 1932. Se ainda for vivo tem 87 anos e goza merecida reforma pois já foi substituído, no importante cargo de fabricar santinhos, pelo cardeal Angelo Amato.

Foi há cem anos que se registou a observação de um OVNI teimosamente aparecido e reaparecido na Cova da Iria, que fazia piruetas, mudava de cor, emitia forte calor que secava, nos corpos das testemunhas, as roupas ensopadas por forte chuva, e foi tomado pelo Sol numa valsa milagrosa orquestrada por Maria, mãe de Jesus, que periclitantemente se sustinha em equilíbrio impossível sobre o cocuruto de uma frágil azinheira e, espantosamente (para além de já ter falecido havia cerca de 1900 anos), falava em Português para três crianças pastoras analfabetas, induzindo-as ao sacrifício martirizando o corpo com cilícios ( cordões com nós ou incrustações metálicas contundentes, que se apertam na cinta provocando dor), para que assim salvassem o mundo da Primeira Guerra Mundial e do comunismo da Rússia… que ainda não havia sido instituído!

Duas das crianças, falecidas com nove e dez anos (Jacinta e Francisco) já atingiram a santificação. Lúcia ainda espera a decisão do Vaticano, mas já conta com mais de 1600 milagres a seu favor, desde que faleceu em 2005. É natural que o seu processo demore mais, porque também viveu muito mais tempo, durante o qual teve ocasião de fazer algo que não seja muito recomendável ler na biografia de uma santinha!… Por isso há que passar toda a sua vida pelo crivo apertado da investigação vaticana.

Outra personalidade ligada aos factos de 1917 também vai ser beatificada. E esta é que é a novidade desta crónica.

Trata-se do cónego Manuel Formigão, falecido em 1958 contando 75 anos, que espera pela decisão do Papa desde Abril de 2018. 

Francisco I já reconheceu as “virtudes heróicas” deste sacerdote que teve a missão de, em 1917, interrogar as crianças pastoras, no sentido de desmontar a tramóia que os três fedelhos teriam inventado para fazerem crer que viram e falaram com Nossa Senhora Mãe do Céu. O que é curioso… porque se aquilo que foi visto não era um OVNI… muito mais improvável seria a mãe de Jesus, o que, parece, a Igreja queria que fosse!

Isto de canonizar, leva tempo… só o Santo António bateu o record das pressinhas e foi canonizado 11 meses depois do seu funeral! 

O cónego Formigão está na calha, porque moeu a cabeça aos três pastorinhos e desinquietou as suas famílias.

(Artigo de Onofre Varela a publicar no jornal Gazeta de Paços de Ferreira de 16 de Maio de 2019)

15 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Basta!!!

As preferências do patriarca

O Sr. Manuel José Macário do Nascimento Cardeal Clemente (nome canónico) não é um mero clérigo de parca inteligência, medíocre entendimento e alarve. É um talibã romano dedicado à política, seja na defesa dos colégios amarelos ou a bolçar ódio contra a democracia. Não é um solípede, sem bridão, à solta na Internet, é um fascista purpurado que odeia a democracia.

Não se adivinhava que, sendo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, viesse a fazer campanha nas eleições europeias, ao assumir o ideário fascista, na defesa de um partido racista, xenófobo e trauliteiro, vinculando a sua Igreja no apoio aos partidos mais reacionários e ao mais assumidamente fascista.

Esta Eminência é um veículo litúrgico em rota de colisão com a democracia. Basta!

14 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Fátima, terra de fé – 13 de maio – Ontem

Nascida para lutar contra a República e transformada em arma de arremesso contra o comunismo, Fátima mantém-se como símbolo da crendice popular e caixa de esmolas que sustenta a máquina eclesiástica.

Os ateus são sensíveis ao sofrimento, às aflições, ao desespero e dramas das pessoas que exoneram da sua conduta a razão. Já não têm tanta benevolência para quem convence os crentes do gozo divino com as chagas nos joelhos e as maratonas pias ou com as ofertas de objetos de ouro que atravessaram gerações na mesma família para acabarem no cofre forte da agiotagem clerical.

As cambalhotas solares, as digressões campestres da Virgem e a aterragem do anjo no anjódromo de Fátima não foram originais e exclusivas da Cova da Iria. Foram tentadas em outras latitudes e repetidos em versões diversas até atingirem a velocidade de cruzeiro da devoção popular e o pico da fama que tornou rentável a exploração.

Em 2008, o cardeal Saraiva Martins, um clérigo atrofiado por longos anos de Vaticano, dedicado à investigação de milagres e à pesquisa da santidade, presidiu à peregrinação… contra o ateísmo. Podia ser a favor da fé, mas o gozo do conflito levou a Igreja a deixar cair a máscara da paz e a exibir o carácter belicista que carrega no código genético.

Há militares que regressaram há mais de cinquenta anos da guerra colonial e que, ainda hoje, vão a Fátima agradecer o milagre do retorno, prodígio negado a muitos, vítimas da civilização cristã e ocidental para cuja defesa o cardeal Cerejeira os conclamava.

Perdido o Império, desmoronado o comunismo, o negócio mudou de rumo e de ramo. É o emprego que se mendiga a troco de cordões de oiro, a saúde que se implora de vela na mão, a cura suplicada com cheiro a incenso e borrifos de água benta. Enquanto houver sofrimento o negócio floresce. Dos bolsos saem os euros dos peregrinos, e os olhos dos crentes marejam perante a imagem de barro que a coreografia pia carrega de emoção.

No próximo ano, no mesmo dia, repete-se o cenário, e os corações dos devotos exultam com fé igual à que os índios tributam às fogueiras para atraírem chuva. Com os joelhos esfolados, pés doridos e o coração a sangrar.