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26 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Há 4 anos

A Irlanda e os casamentos gay

A Irlanda foi, até há duas décadas, feudo do Vaticano. A IVG era interdita, mesmo em casos de violação, malformação do feto ou risco de vida da mãe. Em 1986, a proposta de eliminar a proibição constitucional do divórcio foi submetida a referendo e rejeitada. Só em 1995, uma emenda removeu a proibição, mas com restrições.

Só quando duvidou da virtude dos seus padres descreu do martírio do seu Deus.

A violência dos conventos, cárceres privados para a defesa da integridade de heranças e punição de mães solteiras cujos filhos eram retirados para adoção, associada à hipocrisia do clero, aceleraram o processo de secularização do País que a religião mantivera unido.

A pedofilia eclesiástica alastrou como nódoa imparável, sob a ocultação das dioceses e o silêncio receoso dos pais. Vários bispos defendiam os padres pedófilos e um, apoiante do celibato do clero, protegeu, com dinheiros da diocese, a filha que ocultava.

No dia 22 de maio de 2015, 22 anos depois da despenalização da homossexualidade, o casamento gay foi referendado por mais de 60% de eleitores num país onde a influência da Igreja católica, embora em declínio, parecia forte. Foi aprovado em força (62%). O direito à diferença impôs-se à discriminação e ao preconceito. Venceu a modernidade e a Irlanda foi o primeiro país a abrir as portas aos casamentos gay pela via referendária.

Segundo os exegetas, o Cânone 1331 do Direito Canónico – o Código Penal das Almas –, determina que «não podem casar, batizar-se e nem poderão ter um funeral religioso», os que votaram SIM, mas L’Osservatore Romano – o Correio da Manha do Vaticano –, disse que “Não há anátemas, mas antes um desafio a superar por parte de toda a Igreja”, e o Vaticano e o papa não reagiram oficialmente ao resultado do referendo irlandês.

Desta vez não houve imagens de virgens a chorar lágrimas de sangue, como sucedeu em Oleiros, no primeiro referendo sobre o aborto, em Portugal. O próprio bispo da Diocese de Portalegre-Castelo Branco disse que as lágrimas não eram humanas. E não eram, um bispo não mente. Frei Edmundo pôs a imagem da Virgem a chorar lágrimas de sangue… de pomba. Foi apanhado em flagrante. Tomou raticida mas não morreu. O raticida não mata ratos de sacristia.

Acabaram as romarias e oferendas. Frei Edmundo, reincidente em milagres, acabou internado no Hospital Sobral Cid, em Coimbra.

25 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Humor

23 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Os feriados, a laicidade e a propaganda católica

Em Portugal não há feriados religiosos, há apenas feriados católicos que tiveram origem na ditadura fascista de Salazar, o que a pia propaganda silencia.

Na monarquia, alcova comum de reis e clérigos, até 1910, não havia feriados. O próprio descanso semanal, coincidente com a tradição do domingo [dia do Senhor], teve lugar, em Portugal, em 1907, num governo de João Franco, confirmado por António José de Almeida, quando ministro do Interior do Governo Provisório (1910/1911), e que, como deputado republicano, defendera o descanso semanal no parlamento monárquico.

Só na I República, logo em 13 de outubro, aparecem os feriados, todos eles cívicos, em homenagem à República, à Pátria e à Humanidade:

1 de Janeiro – consagrado à «fraternidade universal»;
31 de Janeiro – consagrado aos «precursores e aos mártires da República» data da nossa primeira revolução republicana, no Porto, em 1891;
5 de Outubro – dia da revolução vitoriosa de 1910;
1 de Dezembro – consagrado à «autonomia da pátria portuguesa», dia da independência da Coroa de Espanha, em 1640;
25 de Dezembro – consagrado «à família» (laicização do Natal).
3 de Maio – Em 1 de maio de 1912, juntou-se a «data gloriosa do descobrimento do Brasil» [aliás, errada].
10 de Junho – Em 25 de maio de 1925, «é considerada nacional a Festa de Portugal que se celebrará em 10 de junho», data improvável da morte de Camões, já festejada em Lisboa.

E foram estes os 7 feriados da República, o regime que criou os feriados nacionais.

Durante o fascismo, quando os crucifixos já ornamentavam as paredes das escolas desde 1936 (Lei de Bases da Educação Nacional) e a Concordata alterara leis civis (1940), não havia ainda feriados católicos, apesar da cumplicidade entre a Igreja e a ditadura e da propaganda católica nas escolas. Só em 1948, aparece o primeiro feriado religioso, por lei da Assembleia Nacional, o 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, padroeira do reino de Portugal desde 1646, antes de ser imaculada por dogma de Pio IX, em 1854.

Verdadeiramente, como diz o historiador Luís Reis Torgal, os feriados religiosos só são introduzidos em 1952, com o sacrifício do 31 de janeiro e do 3 de Maio em favor de três datas católicas: o Corpo de Deus (móvel), a Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto) e Todos os Santos (1 de novembro). É então que o 25 de Dezembro se torna Natal e o 1 de Janeiro na Circuncisão de Cristo.

Depois do 25 de Abril surgem mais 2 feriados, o 1 de Maio (legislação de 27 de abril) e o 25 de Abril (fixado em 18 de abril de 1975) e, em manifesta capitulação da laicidade, na confusão iniciada na ditadura fascista entre o sagrado católico e o profano, em 12 de abril de 1976, transforma-se o feriado facultativo, Sexta-Feira Santa, data que celebra a morte de Cristo, em feriado obrigatório e, em 27 de agosto 2003, é considerado feriado o dia de Páscoa, naturalmente coincidente com um domingo.

Data de 21 de agosto de 1974 a tentativa de generalizar os feriados municipais, prática que tinha sido legalmente iniciada na I República.

Em 2012, o Governo, a maioria e o PR, eliminaram, a partir de 2013, dois feriados identitários, 5 de Outubro e 1 de Dezembro e, «apenas suspensos», durante 5 anos, para serem reconsiderados em 2018, dois católicos, escolhidos pelo Vaticano, os do Corpo de Deus e Todos os Santos, indiferentes à constitucionalidade da alteração ao Código de Trabalho. Só em 30 de agosto de 2013, os referidos feriados cívicos passaram também de eliminados a «apenas suspensos», esperando-se que a extinção do prazo de validade deste Governo, desta maioria e deste PR, os reponha.

Fonte: História, Que História? – Capítulo História e Intervenção Cívica, pág. 171/175, de Luís Reis Torgal, Ed. Círculo de Leitores, março de 2015.

22 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Blasfémia e liberdade de expressão

A blasfémia, definida como insulto a Deus, é um ‘crime’ sem vítimas, mas um conceito perigoso para a liberdade de expressão.

A defesa da ofensa faz-se apenas nos Tribunais, de acordo com o Código Penal (CP), e é duvidoso que Deus se constitua como queixoso ou os crentes apresentem procuração para o representar.

No entanto, o anacrónico “crime” medieval, que conduzia às fogueiras, ainda subsiste, no CP de 8 países europeus, laicos e civilizados (Dinamarca, Áustria, Finlândia, Grécia, Espanha, Irlanda, Itália e Portugal) e, disfarçado de “ofensa aos crentes”, desde 1972, em ‘França’, onde foi abolido em 1791. Até no Reino Unido, que o suprimiu em 2002, já apareceu o deputado Jeremy Corbyn a evocar a possibilidade de o reintegrar.

A blasfémia é uma arma política para erradicar religiões minoritárias e um instrumento para condicionar a liberdade de expressão. O Islão serve-se da alegada ofensa para ver nela a apostasia (direto inalienável em países democráticos), para a condenação à morte.

É curioso haver um ‘crime’ que não causa dano, e que muda de trincheira consoante a religião dominante. Chamar amoral a Maomé, quando a religião ainda permite práticas pedófilas, sob o disfarce de casamento, é motivo para condenação à morte.

Criminalizar a blasfémia é confundir o bom ou mau gosto com um delito, e mantê-lo no Código Penal é um anacronismo de legisladores que preferem o comunitarismo à defesa dos valores individuais e sujeitar as sociedades ao risco da ‘verdade divina’.

A jurisprudência lusa privilegia a liberdade de expressão em detrimento do anacronismo legal, mas o mimetismo islâmico aconselha a abolição da reminiscência medieval.

As sociedades democráticas não acolhem bagatelas penais, aliás, injustas, mas a doença endémica das religiões – o fundamentalismo – pode irromper, sendo urgente eliminar a blasfémia do Código Penal e deixá-la no catálogo dos pecados com jurisdição exclusiva do Tribunal divino.

Nada impedirá a forma popular com que os espanhóis se dirigem à hóstia ou nomeiam a Virgem e, ainda menos, as blasfémias italianas, em particular as calabresas, que juntam a bela sonoridade da língua italiana para se dirigirem ao seu Deus.

Sendo a liberdade religiosa legitimada pela liberdade de expressão, é inconcebível que possa deslegitimar a fonte da sua própria legitimidade.

21 de Maio, 2019 Carlos Esperança

A Rainha Isabel e a cidade de Coimbra

Isabel de Aragão, beatificada por Leão X, em 1516, foi canonizada por Bento XIV, em 1742, com mais de 4 séculos de defunção.

O milagre obrado à saída do castelo do Sabugal, transformando em rosas o pão que levava aos pobres, quando o rei a surpreendeu, valeu-lhe a veneração pública e tornou-a credora da devoção coimbrã.
A santidade mereceu-a com o casamento aos 12 anos, idade em que são recomendados brinquedos e não mancebos. Nem precisava do milagre.

D. Dinis encomendou-a em fevereiro e fez a boda em junho, no Ano da Graça de 1282, fazendo com que os reis da França e da Inglaterra fossem procurar outras para os seus filhos, pois o pai da futura santa, o rei Pedro III de Aragão, preferiu entregá-la a quem já era rei, em vez de um dos dois que viriam a sê-lo, perante três pretendentes.

A Rainha Isabel era sobrinha de outra santa do mesmo nome e também rainha, nascida 6 décadas antes e que fizera o mesmo milagre, o que levou alguns céticos a pensar que se tratava de um truque de família.

Não sendo a Rainha Isabel, a de Coimbra, tão santa como a tia, a quem apareceu a ‘Nossa Senhora’, cercada de anjos, e a prometer-lhe o céu dias antes de ser chamada à presença do seu divino filho, não deixou de entrar no devocionário dos autóctones.

Não sei se foi promessa ou subserviência pia o que levou o edil Carlos Encarnação, então autarca, a mandar arrasar as placas toponímicas da Ponte Europa e a substituí-las por outras com o nome de «Ponte Rainha Santa Isabel».

Não ficou mais rica a cidade, nem mais valorizado o autarca, mas ficou mais pia a ponte e mais desencardida a alma do ex-ajudante de Dias Loureiro, no consulado cavaquista.

Eu é que nunca lhe perdoei.

20 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Foi, antes, a ICAR (Igreja Católica, Apostólica, Romana).

A Reforma produziu lenha para as fogueiras da santa Inquisição… Os Huguenotes (ainda existirão alguns?…) principalmente, queixaram-se bastante. Mas os Cátaros, os Albigenses e outros troncos da floresta blasfema, também andaram, aleivosamente, a lamentar-se… Já para não falar de outros monoteísmos “ateus”.

20 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Um bispo do Concílio de Trento

Que o Sr. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa pela graça de João Paulo II, tenha como opção política a extrema-direita, é um direito que os democratas não podem negar, nem a fascistas, muito menos a um cripto-fascista.

Que o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, comprometa a Igreja católica, quando um único bispo, ao que julgo saber, o General Januário Reis Torgal, reformado das Forças Armadas e bispo emérito, contestou a reiterada propensão reacionária do prelado alfacinha, é sinal de que a Igreja católica ainda se rege pela Contrarreforma.

Em plena época eleitoral, foi de mau gosto o comício do dia 13 de maio, presidido por um purpurado importado das Filipinas, para proferir diatribes contra o comunismo, sob o alibi de que a alegada aparição de uma virgem, há 102 anos, saltitando de azinheira em azinheira, na Cova da Iria, veio prevenir três pastorinhos dos perigos do comunismo.

Enquanto o Papa Francisco, impotente para travar os milagres dos defuntos que a Igreja quer distinguir, mas desejoso de acertar o passo com a modernidade, não consegue que os cardeais tenham um módico de decoro e respeitem a lei dos países onde representam o bairro de 44 hectares, que Mussolini fez Estado (Vaticano), é difícil que os incréus vejam na Igreja católica superioridade moral em relação à concorrência.

O Sr. Manuel Clemente, ao estender o dedo com o anelão ao beija-mão, devia impedir o ato de subserviência e zurzir com o báculo quem ainda se curva, com moleza da coluna vertebral, para o ósculo reverencial, mas falta-lhe o pudor republicano a que a sacristia é alheia.

Lamentável foi a cobardia dos partidos políticos a perdoar a diatribe do exótico clérigo, sem, sequer, lhe imporem qualquer penitência.

Preferência do cardeal de Lisboa
cardeal dos negócios do ensino particular
19 de Maio, 2019 Carlos Esperança

O padre Sousa Lara e os exorcismos

O ex-subsecretário de Estado de Cavaco Silva, censor de um livro de Saramago, não foi apenas o devoto da missa e da hóstia, inimigo da cultura e da liberdade, foi o crente que mandou erigir uma Cruz do Amor, com 7 metros, destinada a “combater o comunismo e evitar o mal com a chegada do ano 2000”, no seu monte alentejano.

Entre as suas obras consta um filho, feito certamente de forma casta, a quem ofereceu a administração de uma empresa pública, o Estado é para os amigos e família, mas que preferiu ser padre e especializar-se em exorcismos, atividade que faz parte do alvará de padre mas que, com a escassez de Demónios, passou a ser uma especialidade canónica de autorização episcopal.

O padre Sousa Lara, homónimo do bem-aventurado papá, é um reputado exorcista que, munido de uma cruz e de umas tantas rezas, se atira aos demónios como Santiago aos mouros, na diocese de Lamego, uma zona onde grassam ainda o analfabetismo, a fome e os diabos, enfim, Terras do Demo.

Não há um único caso de possessão demoníaca em livres pensadores, ateus, agnósticos, céticos ou racionalistas. São os mais tementes a Deus, desgraçados e moles do miolo, os que deixam entrar, no corpo, o maligno. É para esses que os exorcistas arremetem com a cruz e as orações, numa peleja digna da Idade Média, com o Mafarrico a fugir, da cruz e do padre, como os carteiristas à polícia.

Benditos exorcistas, tão eficazes a tirar o Diabo do corpo dos crédulos como S. Roque as verrugas ou Santa Bárbara a amainar trovoadas.

Não lembrava ao Diabo que ainda houvesse quem vivesse à sua custa. Coisas do demo!

18 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Laicidade, crenças e liberdades

Quando a jihad islâmica começou a ameaçar a Europa, depois de o Islão ter sido aí irrelevante, várias vozes advogaram o diálogo entre civilizações, confundindo estas com as religiões, como se os valores civilizacionais fossem compatíveis com os preceitos e preconceitos das diversas crenças.

De algum modo, tentou fazer-se a síntese de preconceitos para criar um novo paradigma comum, esquecendo que a civilização europeia se tornou secular e laica e que, mesmo a contragosto do clero, já foi assimilada pelos cristãos.

O ecumenismo, a utópica busca unitária entre cristãos, passou a designar, na apressada aceitação da semiótica cultural, uma quimera, o fraterno e definitivo diálogo entre todas as religiões, de modo a banir a concorrência entre si e, quiçá, eliminar os não crentes.

Rejubilaram os clérigos no seu proselitismo, pensando na conjugação de esforços para a eliminação do ateísmo, agnosticismo, racionalismo e ceticismo, isto é, uma vitória sobre o livre-pensamento.

Esqueceram-se os almocreves da fé que a civilização originou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nomeadamente a igualdade de género e respeito pela orientação sexual como direitos inalienáveis, sendo incompatíveis com os códigos morais da Idade do Bronze que os monoteísmos perpetuam sem condescendências.

O caminho da paz não está na renúncia à laicidade e ao secularismo perante as religiões, mas na submissão destas à civilização, que permitiu o direito à crença, descrença e anti crença, sendo o Estado o garante da neutralidade e defensor das liberdades individuais.

Ninguém ignora que o desemprego, a pobreza e a segregação exacerbam a frustração e a violência, que a crise económica, social e política que atingiu a Europa cria as condições para a explosão da fé e das bombas, mas é no respeito pela diversidade étnica e não pela sujeição às religiões que passa a vitória da civilização contra o retrocesso civilizacional.

A liberdade dos homens é demasiado preciosa para ser deixada ao arbítrio de Deus cuja interpretação da vontade é reclamada pelo clero, que se reclama detentor do alvará.