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2 de Setembro, 2021 João Monteiro

Ainda os abusos sexuais exercidos por religiosos

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta Paços de Ferreira.

Já aqui divulguei que o jornal espanhol El País tem um departamento que se dedica a investigar casos de pedofilia protagonizados por sacerdotes, ou outros profissionais, em estabelecimentos de ensino administrados pela Igreja Católica. Tal departamento recebe depoimentos de ex-alunos (que dizem terem sido abusados sexualmente enquanto crianças ou jovens) e depois investiga.

(Bem sei que o abuso sexual não é exclusivo de agentes religiosos da fé católica com, ou sem, responsabilidades no ensino. Mas, dado o conceito de “amor” tão difundido pela Igreja, bastaria um único caso de crime sexual dentro da sua organização, para que o seu propalado amor fosse considerado uma farsa a merecer crítica severa).

Na sua edição de 24 de Julho último, o El País conta haver uma investigação criminal à instituição religiosa católica designada por Maristas, sediada em León. A investigação chegou a 20 colégios em todo o território espanhol e abarca casos de pedofilia cometidos entre as décadas de 1950 e 1990. Só na Galiza contam-se denúncias de 13 religiosos, e nas investigações já encetadas em 16 centros contam-se 18 vítimas. Em León há cinco acusados num só colégio.

As investigações espalham-se por instituições situadas em Madrid, Barcelona, Valência, Granada, Bilbao, Erandio (Biscaia), Artzeniega (Álava), Pamplona, Toledo, Badajoz, Málaga, Múrcia e Elche. Os abusos são relatados como sendo cometidos em salas de aula vazias e em dormitórios, por treinadores de basquetebol, pelo enfermeiro e pelo próprio tutor… todos eles professores com fama reconhecida.

A seu tempo houve várias denúncias de pais e alunos que não serviram de nada. Hoje, os queixosos são antigos alunos com idades que ultrapassam os 70 anos, contando-se entre eles profissionais como professores, médicos e empresários, que guardaram segredo por toda a vida, não revelando os abusos de que foram vítimas, nem às suas famílias nem às autoridades. A maioria dos sacerdotes acusados pelos ex-alunos mais idosos, já faleceram.

Nos últimos anos foram acusados 36 Maristas, maioritariamente em colégios catalães, onde a ordem religiosa chegou a acordo com a Justiça e as vítimas, pagando indemnizações no valor de 400.000€ a 25 famílias.

Os actuais responsáveis pela instituição Marista pedem perdão a todas as vítimas por terem falhado, reconhecendo que não foram capazes de proteger e cuidar dos seus alunos como era sua obrigação.

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Onofre Varela

Texto de opinião de Onofre Varela, sobre os abusos sexuais na Igreja.
Imagem de Zoltan Suga por Pixabay
21 de Julho, 2021 João Monteiro

Kurt Westergaard (1935-2021)

Kurt Westergaard foi um cartoonista dinamarquês que ficou reconhecido por ter retratado Maomé com um turbante em forma de bomba. Esta imagem originou manifestações na Dinamarca contra o jornal que publicou o cartoon – o Jyllands Posten – e levou a pedidos de legislação contra a blasfémia, por parte de muçulmanos. Em 2008 Kurt foi considerado pela polícia como uma pessoa em perigo e, em 2010, viu a sua casa ser invadida por um muçulmano somali armado, passando a viver escoltado até decidir habitar numa casa fortificada.

O cartoon da autoria de Westergaard que gerou polémica.

Este caso lembra-nos que também na Europa ateus ou críticos da religião podem sentir-se ameaçados – curiosamente nunca pelos supostos deuses todo-poderosos, mas pelos fanáticos que têm de atuar em nome do seu deus vingativo mas incapaz, mesmo que em causa esteja uma religião de paz (como supostamente são o judaísmo, cristianismo ou o islão).

Kurt via o seu trabalho, e as consequências do mesmo, como uma forma de colocar as pessoas, principalmente os crentes, a discutirem abertamente sobre religião.

Kurt Westergaard faleceu após doença prolongada a 14 de Julho de 2021.

Créditos: Wikipedia

Fontes:

Diário de Notícias
BBC
The New York Times

26 de Junho, 2021 João Monteiro

De regresso ao Diário

Este “Diário de uns Ateus” tem andado pouco diário. Mas isso está prestes a alterar-se: com a mudança de estação iremos regressar à publicação de textos. E nada melhor do que regressar com a partilha dos textos de opinião do nosso associado Onofre Varela. Amanhã de manhã publicaremos o primeiro de vários textos. Até breve.

13 de Maio, 2021 João Monteiro

Aparições em Fátima?

Chega a esta altura e não há como fugir ao tema. 13 de Maio marca o início das alegadas aparições da “Nossa Senhora” aos três pastorinhos. Estas crianças viriam a ser visitadas todos os meses, sempre no dia 13, até Outubro, quando se terá dado o suposto “milagre” do sol.

Embora tenha crescido num ambiente culturalmente católico, havia histórias e tradições que não conseguia aceitar. Esta é uma delas e por várias incoerências na descrição da situação: a mulher aparece apenas a três crianças e não adultos; uma das crianças vê, ouve e fala, a segunda só ouve e vê e a terceira só vê a mulher; se pretende trazer uma mensagem porque é que a leva só a alguns, pois se tem capacidade de aparecer e vontade de disseminar uma mensagem deveria aparecer a mais pessoas (isto é comum a diversas aparições religiosas); as contradições entre as versões das crianças; a perseguição da própria igreja numa fase inicial e a apropriação e aproveitamento da situação por parte da mesma entidade numa fase posterior; o contexto familiar e social da época que ajuda a compreender a obsessão das crianças com este tema; entre outros fatores. Já para não falar da improbabilidade de todo o fenómeno “milagroso” do 13 de Outubro. Mas isto será tema para outro texto futuro.

Custa-me a compreender que no século XXI, com a quantidade de informação disponível e com a quantidade de plataformas digitais que permitem o livre debate e troca de ideias, haja milhares de pessoas (talvez milhões, se considerarmos um contexto internacional) que ainda acreditam nesta história. Que as pessoas acreditem em Deus, eu ainda aceito a questão da Fé como resposta, mas neste caso trata-se de uma questão de bom senso e de implausibilidade. E quanto mais se lê sobre o assunto (inclusive fontes favoráveis e apologistas das aparições), mais dúvidas surgem sobre a possibilidade de tal relato ter mesmo acontecido.

Tenho esperança que, com o tempo, as pessoas se vão apercebendo da fragilidade dos argumentos desta história e que percebam que, atualmente, o fenómeno de Fátima mais não é do que uma máquina de fazer dinheiro – apenas e só – à custa dos que crêem. É este tipo de aproveitamento de pessoas que foram educadas a acreditar e de pessoas que peregrinam por estarem fragilizadas ou em desespero, que condeno.

Por estas razões, para mim, esta não é uma data de celebração.

7 de Maio, 2021 Abraão Loureiro

19 de Abril, 2021 Carlos Esperança

Massacre de Lisboa de 1506

Há 515 anos, em 19 de abril, em Lisboa, uma multidão perseguiu, torturou e matou mais de 4000 judeus. O Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, nove anos depois da conversão forçada dos judeus em Portugal, resultou da acusação de serem a causa da seca, fome e peste que assolavam o país.

Em 1506 os judeus eram os suspeitos do costume e aos cristãos-novos nem a conversão forçada lhes trazia a paz. A sua perseguição era uma tradição que a intensa devoção dos católicos exigia e os padres estimulavam.

Depois viria a Inquisição, para dar cobertura legal às fogueiras purificadoras, e reunir hereges, bruxas, sacrílegos, apóstatas e outros inimigos da fé na incineração dedicada.

Os livres-pensadores duvidam do mau-olhado, da feitiçaria e outros truques, e defendem a laicidade com a mesma tenacidade com que os devotos queimavam hereges. Perdeu-se a tradição ibérica que os reis de Espanha, Fernando e Isabel, cultivaram e impuseram a D. Manuel I. Ficaram na História, conhecidos por Reis Católicos, muito devotos à Igreja e alérgicos ao banho, que abominavam.

Hoje, apesar dos milagres que já obraram e do desejo de franquistas em canonizá-los, os papas têm resistido em reconhecer-lhes os milagres e em elevá-los à santidade.

Já não há devoções como antigamente, e a chaga da laicidade anda aí para perdição das almas e azedume dos católicos integristas, talibãs de Cristo-Rei, que gostam de levar as missas e orações aos hospitais, presídios, universidades, escolas e repartições públicas.

As Cruzadas foram a apoteose da fé, a Evangelização um momento alto do proselitismo e a Santa Inquisição um tribunal cujos métodos revelaram o desvelo dos inquisidores e a força da fé.

Razão tinha a Santa Sé em não aceitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, essa criação de ateus, livres-pensadores e outros malfeitores que impõem a igualdade de direitos para homens e mulheres, ao arrepio dos livros sagrados.

18 de Abril, 2021 Carlos Esperança

A castração de S. Sebastião em Coimbró (Crónica)

O historiador Augusto José Monteiro, generoso amigo, enviou-me, para usar como me aprouvesse, uma história autêntica, extraída de um livrinho de 2007: “Lendas, contos e tradições do Alto Tâmega e Barroso”.

Aqui fica, na nudez da narração, à guisa de exórdio da crónica, a deliciosa história que o investigador exumou, a explicar a origem da devoção popular a uma santa, em Coimbró, aldeia perto de Boticas (Chaves):

 «Os três santos de Coimbró

“Coimbró tinha como padroeiro São Sebastião. Só que era um santo muito pequenino, o que não agradava aos moradores da aldeia. Então um dia em que andavam zangados com Santa Marta, que era grande, disseram:

– Deixa, que nós vamos comprar um São Sebastião grande e vamos pô-lo no altar de Santa Marta.

Juntaram então dinheiro, com um peditório pela aldeia, e compraram um São Sebastião grande. Puseram-no no lugar de Santa Marta que foi para o lugar do São Sebastião pequeno.

Depois puseram-se a pensar o que haviam de fazer com o São Sebastião pequenino. Não iam ficar com dois santos iguais. E é então que um dos habitantes propõe:

– Não há problema nenhum. Capamos o São Sebastião pequenino e fazemos dele uma Santa Quitéria. E ficamos assim com três santos diferentes.

Meu dito, meu feito. Nasceu então uma Santa Quitéria, que é uma santa pequenina que existe numa capelinha situada num monte próximo de Coimbró”».

Esta é a história que acrescentou uma santa à devoção da aldeia que hoje, por economia de meios, faz uma festa, com procissão, em 13 de agosto, a Santo Amaro e Nossa Senhora da Saúde, duas homenagens numa única manifestação de fé, mantendo as orações a Santa Quitéria, talvez esmorecida já a excitação pelo mártir S. Sebastião.

Coimbró criou a devoção a uma das nove irmãs gémeas, cujos estudos hagiográficos a situam no século II como jovem mártir, filha de um nobre pagão, que começou a obrar milagres e a ser venerada no séc. VIII, ainda que o martírio só aparecesse referido, pela primeira vez, no séc. XII, com direito a inscrição no Martirológio Romano, depois de citada em dois Flos Sanctorum, graças ao empenho dos jesuítas e à provada eficácia da defunta donzela como advogada de defesa contra a raiva.

Nascida da remoção testicular do mártir trespassado de setas, Coimbró passou a venerar dois mártires, grande o varão e pequena a donzela, como mandou a fé e a anatomia dos géneros, num contexto a que não foi alheia a exaltada devoção a S. Sebastião.

Não foi maldade ao santo que tanto os fascinava, foi o horror ao desperdício da imagem pia, adicionado à dimensão da fé, onde sobra sempre lugar para mais uma devoção.

Esta história é uma deliciosa metáfora da religiosidade medieval dos meios rurais onde a ingenuidade e o apego ao divino seguiam a gestão criteriosa dos parcos haveres.

Coimbró foi buscar ao «Martirológio» – rol da Igreja católica que arrola todos os santos e beatos declarados desde o início da ICAR –, mais uma santa, enquanto centenas de povoações viram, em meados do século XX, exonerada Santa Filomena que cancelou festas, amargurou multidões de devotos e infligiu, na fé, feridas profundas que a benevolente reintegração da santa, recriada pelo papa João Paulo II, nunca cicatrizou.

Santa Quitéria é uma santa que resiste, ao contrário de S. Victor que, já neste século, foi exonerado, pela diocese de Braga, de patrono da paróquia e freguesia com o seu nome.

No séc. IV, o jovem Victor, segundo a tradição, fora condenado à morte por se recusar a participar numa cerimónia pagã, crime e castigo desmentidos dezasseis séculos depois, para amargura de 30 mil almas! Que importava a pequena mentira, em 2004, à diocese e à religião onde sobram prodígios?

Pelo sofrimento dos crentes da freguesia e paróquia de S. Victor, é fácil concluir o que padeceram os franceses quando o culto a S. Guinefort, cão e mártir, injustamente morto pelo dono, foi proibido, e o santo apeado dos altares e arrasado o templo em sua honra, por ser a santidade reservada a humanos, com Roma indiferente à tradição e ao martírio do quadrúpede.

De sinal contrário, foi o júbilo dos devotos de S. Sebastião, convictos de que a santidade se mede aos palmos, a ampliarem o taumaturgo que mais os atraía e a adicionarem uma peanha para Santa Quitéria, exposta à veneração dos paroquianos de Coimbró.

Eram assim as decisões expeditas em Terras do Barroso, muito semelhantes em todo o norte do País onde a fé criou raízes profundas e a os crentes nunca abdicaram de a gerir segundo os padrões profanos.

Coimbra, 17 de abril de 2021

14 de Março, 2021 Carlos Esperança

O PR e as visitas erráticas ao estrangeiro

Não se percebe o interesse, a urgência e as motivações das primeiras visitas do segundo mandato do PR a dois Estados monárquicos, um imposto pelo genocida Franco, e outro criado pelo ditador fascista Mussolini, nos Acordos de Latrão.

Sendo a política externa competência exclusiva do Governo, fica-se ainda mais perplexo com o tropismo irrefreável que o levou a uma monarquia em crise e à teocracia católica.

Sendo Portugal um país laico, o PR e os outros órgãos de soberania têm a obrigação de se comportar com absoluta neutralidade religiosa. Oficialmente não podem ser ateus ou crentes, céticos ou livres-pensadores, para poderem respeitar e defender todas as crenças e anti crenças.   

Pode o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, devorado pela fé, ansioso de se abastecer de um carregamento de indulgências, não resistir aos apelos da salvação da alma, mas não pode o PR, a expensas do Estado, sufragar eventuais pecados e aplainar os caminhos do Céu através do testemunho público da sua confissão particular, ferindo a dignidade da República laica e democrática de que é a máxima referência simbólica.

O PR não pode deixar-se levar pelo crente Marcelo sob pena de se genufletir perante um outro chefe de Estado e prestar-lhe vassalagem num ato que não dignifica a República laica e democrática a que tem a honra de presidir.

Em período de confinamento, não deu um passeio higiénico, fez um voo emocional ao encontro do CEO da multinacional da fé de que é exuberante praticante.

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8 de Março, 2021 João Monteiro

As Mulheres e o Ateísmo

Hoje assinala-se o Dia Internacional da Mulher para recordar que a luta por direitos iguais entre géneros ainda não está concluída.

É verdade que tem havido melhorias em vários sectores, mas ainda assim insuficientes. Poderíamos apontar a necessidade de nivelar salários, de haver mais oportunidades para mulheres em cargos de gestão (e se não estão nesses cargos não há-de ser por falta de mérito), de deixar de atribuir profissões a géneros específicos, de acabar com a violência doméstica e com situações de assédio em contexto social ou laboral, só para mencionar alguns exemplos. É um esforço conjunto que temos de fazer enquanto sociedade.

É também no contexto religioso e espiritual que encontramos disparidades de género: os padres, gurus ou líderes religiosos por norma são homens; a submissão e subalternidade é acentuada para o lado feminino; quando as mulheres participam nos rituais normalmente é como auxiliares embora na prática tenham um papel ativo junto das comunidades e no papel de evangelização. Esta situação é transversal às diversas religiões, em particular as monoteístas. Enquanto associação humanista, gostaríamos que esta situação mudasse.

No que concerne ao ateísmo, sabemos que muitas mulheres se reconhecem como ateias, mas poucas (ainda) são vocais quanto ao tema. Ao elaborar a lista para os órgãos sociais, procurei incluir mais mulheres, mas pouca foi a disponibilidade (as causas são várias). Assim, neste Dia Internacional da Mulher, exorto à participação feminina para que a sua voz seja ouvida, porque a vossa opinião conta muito. Mulheres e Homens devem fazer-se ouvir dentro e fora desta nossa comunidade que estamos a tentar congregar. Juntos, a nossa mensagem terá mais força.

Fonte: Super Interessante