Loading

Categoria: Não categorizado

13 de Maio, 2021 João Monteiro

Aparições em Fátima?

Chega a esta altura e não há como fugir ao tema. 13 de Maio marca o início das alegadas aparições da “Nossa Senhora” aos três pastorinhos. Estas crianças viriam a ser visitadas todos os meses, sempre no dia 13, até Outubro, quando se terá dado o suposto “milagre” do sol.

Embora tenha crescido num ambiente culturalmente católico, havia histórias e tradições que não conseguia aceitar. Esta é uma delas e por várias incoerências na descrição da situação: a mulher aparece apenas a três crianças e não adultos; uma das crianças vê, ouve e fala, a segunda só ouve e vê e a terceira só vê a mulher; se pretende trazer uma mensagem porque é que a leva só a alguns, pois se tem capacidade de aparecer e vontade de disseminar uma mensagem deveria aparecer a mais pessoas (isto é comum a diversas aparições religiosas); as contradições entre as versões das crianças; a perseguição da própria igreja numa fase inicial e a apropriação e aproveitamento da situação por parte da mesma entidade numa fase posterior; o contexto familiar e social da época que ajuda a compreender a obsessão das crianças com este tema; entre outros fatores. Já para não falar da improbabilidade de todo o fenómeno “milagroso” do 13 de Outubro. Mas isto será tema para outro texto futuro.

Custa-me a compreender que no século XXI, com a quantidade de informação disponível e com a quantidade de plataformas digitais que permitem o livre debate e troca de ideias, haja milhares de pessoas (talvez milhões, se considerarmos um contexto internacional) que ainda acreditam nesta história. Que as pessoas acreditem em Deus, eu ainda aceito a questão da Fé como resposta, mas neste caso trata-se de uma questão de bom senso e de implausibilidade. E quanto mais se lê sobre o assunto (inclusive fontes favoráveis e apologistas das aparições), mais dúvidas surgem sobre a possibilidade de tal relato ter mesmo acontecido.

Tenho esperança que, com o tempo, as pessoas se vão apercebendo da fragilidade dos argumentos desta história e que percebam que, atualmente, o fenómeno de Fátima mais não é do que uma máquina de fazer dinheiro – apenas e só – à custa dos que crêem. É este tipo de aproveitamento de pessoas que foram educadas a acreditar e de pessoas que peregrinam por estarem fragilizadas ou em desespero, que condeno.

Por estas razões, para mim, esta não é uma data de celebração.

7 de Maio, 2021 Abraão Loureiro

19 de Abril, 2021 Carlos Esperança

Massacre de Lisboa de 1506

Há 515 anos, em 19 de abril, em Lisboa, uma multidão perseguiu, torturou e matou mais de 4000 judeus. O Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, nove anos depois da conversão forçada dos judeus em Portugal, resultou da acusação de serem a causa da seca, fome e peste que assolavam o país.

Em 1506 os judeus eram os suspeitos do costume e aos cristãos-novos nem a conversão forçada lhes trazia a paz. A sua perseguição era uma tradição que a intensa devoção dos católicos exigia e os padres estimulavam.

Depois viria a Inquisição, para dar cobertura legal às fogueiras purificadoras, e reunir hereges, bruxas, sacrílegos, apóstatas e outros inimigos da fé na incineração dedicada.

Os livres-pensadores duvidam do mau-olhado, da feitiçaria e outros truques, e defendem a laicidade com a mesma tenacidade com que os devotos queimavam hereges. Perdeu-se a tradição ibérica que os reis de Espanha, Fernando e Isabel, cultivaram e impuseram a D. Manuel I. Ficaram na História, conhecidos por Reis Católicos, muito devotos à Igreja e alérgicos ao banho, que abominavam.

Hoje, apesar dos milagres que já obraram e do desejo de franquistas em canonizá-los, os papas têm resistido em reconhecer-lhes os milagres e em elevá-los à santidade.

Já não há devoções como antigamente, e a chaga da laicidade anda aí para perdição das almas e azedume dos católicos integristas, talibãs de Cristo-Rei, que gostam de levar as missas e orações aos hospitais, presídios, universidades, escolas e repartições públicas.

As Cruzadas foram a apoteose da fé, a Evangelização um momento alto do proselitismo e a Santa Inquisição um tribunal cujos métodos revelaram o desvelo dos inquisidores e a força da fé.

Razão tinha a Santa Sé em não aceitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, essa criação de ateus, livres-pensadores e outros malfeitores que impõem a igualdade de direitos para homens e mulheres, ao arrepio dos livros sagrados.

18 de Abril, 2021 Carlos Esperança

A castração de S. Sebastião em Coimbró (Crónica)

O historiador Augusto José Monteiro, generoso amigo, enviou-me, para usar como me aprouvesse, uma história autêntica, extraída de um livrinho de 2007: “Lendas, contos e tradições do Alto Tâmega e Barroso”.

Aqui fica, na nudez da narração, à guisa de exórdio da crónica, a deliciosa história que o investigador exumou, a explicar a origem da devoção popular a uma santa, em Coimbró, aldeia perto de Boticas (Chaves):

 «Os três santos de Coimbró

“Coimbró tinha como padroeiro São Sebastião. Só que era um santo muito pequenino, o que não agradava aos moradores da aldeia. Então um dia em que andavam zangados com Santa Marta, que era grande, disseram:

– Deixa, que nós vamos comprar um São Sebastião grande e vamos pô-lo no altar de Santa Marta.

Juntaram então dinheiro, com um peditório pela aldeia, e compraram um São Sebastião grande. Puseram-no no lugar de Santa Marta que foi para o lugar do São Sebastião pequeno.

Depois puseram-se a pensar o que haviam de fazer com o São Sebastião pequenino. Não iam ficar com dois santos iguais. E é então que um dos habitantes propõe:

– Não há problema nenhum. Capamos o São Sebastião pequenino e fazemos dele uma Santa Quitéria. E ficamos assim com três santos diferentes.

Meu dito, meu feito. Nasceu então uma Santa Quitéria, que é uma santa pequenina que existe numa capelinha situada num monte próximo de Coimbró”».

Esta é a história que acrescentou uma santa à devoção da aldeia que hoje, por economia de meios, faz uma festa, com procissão, em 13 de agosto, a Santo Amaro e Nossa Senhora da Saúde, duas homenagens numa única manifestação de fé, mantendo as orações a Santa Quitéria, talvez esmorecida já a excitação pelo mártir S. Sebastião.

Coimbró criou a devoção a uma das nove irmãs gémeas, cujos estudos hagiográficos a situam no século II como jovem mártir, filha de um nobre pagão, que começou a obrar milagres e a ser venerada no séc. VIII, ainda que o martírio só aparecesse referido, pela primeira vez, no séc. XII, com direito a inscrição no Martirológio Romano, depois de citada em dois Flos Sanctorum, graças ao empenho dos jesuítas e à provada eficácia da defunta donzela como advogada de defesa contra a raiva.

Nascida da remoção testicular do mártir trespassado de setas, Coimbró passou a venerar dois mártires, grande o varão e pequena a donzela, como mandou a fé e a anatomia dos géneros, num contexto a que não foi alheia a exaltada devoção a S. Sebastião.

Não foi maldade ao santo que tanto os fascinava, foi o horror ao desperdício da imagem pia, adicionado à dimensão da fé, onde sobra sempre lugar para mais uma devoção.

Esta história é uma deliciosa metáfora da religiosidade medieval dos meios rurais onde a ingenuidade e o apego ao divino seguiam a gestão criteriosa dos parcos haveres.

Coimbró foi buscar ao «Martirológio» – rol da Igreja católica que arrola todos os santos e beatos declarados desde o início da ICAR –, mais uma santa, enquanto centenas de povoações viram, em meados do século XX, exonerada Santa Filomena que cancelou festas, amargurou multidões de devotos e infligiu, na fé, feridas profundas que a benevolente reintegração da santa, recriada pelo papa João Paulo II, nunca cicatrizou.

Santa Quitéria é uma santa que resiste, ao contrário de S. Victor que, já neste século, foi exonerado, pela diocese de Braga, de patrono da paróquia e freguesia com o seu nome.

No séc. IV, o jovem Victor, segundo a tradição, fora condenado à morte por se recusar a participar numa cerimónia pagã, crime e castigo desmentidos dezasseis séculos depois, para amargura de 30 mil almas! Que importava a pequena mentira, em 2004, à diocese e à religião onde sobram prodígios?

Pelo sofrimento dos crentes da freguesia e paróquia de S. Victor, é fácil concluir o que padeceram os franceses quando o culto a S. Guinefort, cão e mártir, injustamente morto pelo dono, foi proibido, e o santo apeado dos altares e arrasado o templo em sua honra, por ser a santidade reservada a humanos, com Roma indiferente à tradição e ao martírio do quadrúpede.

De sinal contrário, foi o júbilo dos devotos de S. Sebastião, convictos de que a santidade se mede aos palmos, a ampliarem o taumaturgo que mais os atraía e a adicionarem uma peanha para Santa Quitéria, exposta à veneração dos paroquianos de Coimbró.

Eram assim as decisões expeditas em Terras do Barroso, muito semelhantes em todo o norte do País onde a fé criou raízes profundas e a os crentes nunca abdicaram de a gerir segundo os padrões profanos.

Coimbra, 17 de abril de 2021

14 de Março, 2021 Carlos Esperança

O PR e as visitas erráticas ao estrangeiro

Não se percebe o interesse, a urgência e as motivações das primeiras visitas do segundo mandato do PR a dois Estados monárquicos, um imposto pelo genocida Franco, e outro criado pelo ditador fascista Mussolini, nos Acordos de Latrão.

Sendo a política externa competência exclusiva do Governo, fica-se ainda mais perplexo com o tropismo irrefreável que o levou a uma monarquia em crise e à teocracia católica.

Sendo Portugal um país laico, o PR e os outros órgãos de soberania têm a obrigação de se comportar com absoluta neutralidade religiosa. Oficialmente não podem ser ateus ou crentes, céticos ou livres-pensadores, para poderem respeitar e defender todas as crenças e anti crenças.   

Pode o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, devorado pela fé, ansioso de se abastecer de um carregamento de indulgências, não resistir aos apelos da salvação da alma, mas não pode o PR, a expensas do Estado, sufragar eventuais pecados e aplainar os caminhos do Céu através do testemunho público da sua confissão particular, ferindo a dignidade da República laica e democrática de que é a máxima referência simbólica.

O PR não pode deixar-se levar pelo crente Marcelo sob pena de se genufletir perante um outro chefe de Estado e prestar-lhe vassalagem num ato que não dignifica a República laica e democrática a que tem a honra de presidir.

Em período de confinamento, não deu um passeio higiénico, fez um voo emocional ao encontro do CEO da multinacional da fé de que é exuberante praticante.

Errou.  132Sharesfacebook sharing button 15

twitter sharing button
8 de Março, 2021 João Monteiro

As Mulheres e o Ateísmo

Hoje assinala-se o Dia Internacional da Mulher para recordar que a luta por direitos iguais entre géneros ainda não está concluída.

É verdade que tem havido melhorias em vários sectores, mas ainda assim insuficientes. Poderíamos apontar a necessidade de nivelar salários, de haver mais oportunidades para mulheres em cargos de gestão (e se não estão nesses cargos não há-de ser por falta de mérito), de deixar de atribuir profissões a géneros específicos, de acabar com a violência doméstica e com situações de assédio em contexto social ou laboral, só para mencionar alguns exemplos. É um esforço conjunto que temos de fazer enquanto sociedade.

É também no contexto religioso e espiritual que encontramos disparidades de género: os padres, gurus ou líderes religiosos por norma são homens; a submissão e subalternidade é acentuada para o lado feminino; quando as mulheres participam nos rituais normalmente é como auxiliares embora na prática tenham um papel ativo junto das comunidades e no papel de evangelização. Esta situação é transversal às diversas religiões, em particular as monoteístas. Enquanto associação humanista, gostaríamos que esta situação mudasse.

No que concerne ao ateísmo, sabemos que muitas mulheres se reconhecem como ateias, mas poucas (ainda) são vocais quanto ao tema. Ao elaborar a lista para os órgãos sociais, procurei incluir mais mulheres, mas pouca foi a disponibilidade (as causas são várias). Assim, neste Dia Internacional da Mulher, exorto à participação feminina para que a sua voz seja ouvida, porque a vossa opinião conta muito. Mulheres e Homens devem fazer-se ouvir dentro e fora desta nossa comunidade que estamos a tentar congregar. Juntos, a nossa mensagem terá mais força.

Fonte: Super Interessante

28 de Fevereiro, 2021 Paulo Ramos

Historicidade de Jesus vs Pilatos

A expressão “foi crucificado sob Pôncio Pilatos” foi incluída no Credo católico no ano 381 EC. A História regista o momento em que a Igreja introduz no Credo a historicidade de Jesus da Nazaré! Ou seja, crer que Jesus é uma personagem histórica tal como Pôncio Pilatos passou a fazer parte do dogma por decreto de uma autoridade! Isto leva a suspeitar que antes deste momento haveria, dentro do cristianismo, quem não cresse que Jesus fosse uma personagem histórica e que, de alguma forma, a autoridade da Igreja achou por bem combater no concílio de Constantinopla.

Este dogma não tinha sido incluído no Credo de Niceia de 325 EC.
Quem escreveu torto por linhas direitas? – Século IV – Concílio de Niceia em 325 EC

Enquanto Jesus tem como fonte primária o Evangelho de Marcos, um texto marcadamente alegórico, Pilatos tem uma história atestada por Filo de Alexandria e Flávio Josefo em textos cujo o objetivo é descrever acontecimentos históricos.
Quem escreveu torto por linhas direitas? – Século I – Pilatos

Fresco da Capela Sistina, século XVI. Fonte: wikipedia
21 de Fevereiro, 2021 Carlos Esperança

França aprova lei ‘contra os muçulmanos’

Uma comissão extraordinária da Assembleia Nacional da França aprovou a “carta de valores republicanos”, proposta em 2 de outubro de 2020 pelo presidente Macron para combater o “separatismo islâmico”. As organizações do Conselho de Culto Islâmico da França (CFCM) denunciaram a “carta de princípios”, reiterando a coexistência do Islão com as outras religiões no país.

De facto, o Islão coexiste com as outras religiões, em França, o que não acontece nos países onde é maioritário e, mesmo em França, não coexiste com o respeito pelas leis da República, igualdade de sexos e civilização.

O Governo francês apresentou o projeto ao Conselho de Ministros a 9 de dezembro, no dia do 115.º aniversário da lei de 1905 que instituiu a liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado, em França.

Submetido à Assembleia Nacional da França foi largamente aprovado, apesar de críticas por discriminar a comunidade islâmica e impor restrições arbitrárias à vida quotidiana de cidadãos islâmicos. O texto, que reafirma o “respeito pelos valores da República”, teve 347 votos a favor, 151 contra e 65 abstenções, e, a partir de 30 de março, prossegue o seu processo no Senado.

A nova lei autoriza a intervenção e invasão a mesquitas e associações responsáveis pela administração, além de controlar as finanças de entidades e organizações não-governamentais pertencentes a muçulmanos. Em 2004 já a lei proibiu o uso ou exibição pública de símbolos religiosos nas escolas francesas, e proscreveu o ensino doméstico.
Qualquer das leis não é dirigida ao Islão, visa a defesa da República e da laicidade, uma resposta à apropriação do espaço público por manifestações pias, e a defesa da cidadania contra o comunitarismo.

Depois do Senado, serão os deputados da Assembleia Nacional a ter a última palavra sobre qualquer emenda. Tudo leva a crer que entrará brevemente em vigor.

O Partido Socialista Francês (social-democrata) considera uma abordagem repressiva a nova lei, e o grupo esquerdista ‘La France Insoumise’ que estigmatiza os muçulmanos. É essa cobardia, na procura de votos em autarquias de grande densidade de muçulmanos que leva à defesa do multiculturalismo contra a cidadania, à indiferença perante o apelo ao ódio em madraças e mesquitas onde se recrutam crentes para a Jihad.

A lei impõe neutralidade religiosa aos trabalhadores dos serviços públicos, protege-os de pressões radicais, e condiciona a concessão de subsídios públicos ao respeito dos valores republicanos, como o secularismo e a igualdade de género, às associações que os solicitam. Haverá aqui qualquer exigência antidemocrática?

Esta lei impede que as regras religiosas se sobreponham à legislação nacional e defende a penalização da emissão dos certificados de virgindade e o reforço de controlos contra casamentos forçados que, já proibidos, afetam atualmente cerca de 200.000 mulheres, de acordo com os números das organizações não-governamentais. Esta lei é injusta?

A decapitação, em 16 de outubro, do professor de liceu Samuel Paty, depois de ter mostrado caricaturas de Maomé nas aulas, o ataque ao Charlie Hebdo, o ataque de Nice, o massacre dos jornalistas do Charli Hebdo e numerosos assassinatos ao som do grito selvagem Allahu Akbar (Deus é grande), não são alheios a esta necessidade legislativa, assim como o facto de, desde 2014, 1.500 franceses aderirem ao Estado Islâmico na Síria e Iraque.

Há quem deixe para os fascistas o monopólio da luta contra o fascismo islâmico, a favor do fascismo católico ou protestante, quem minimize o perigo para a paz, a democracia e a civilização, ao permitir que as investidas beatas de qualquer religião contra a laicidade do Estado democrático.

O título deste texto, que não consegui mais curto, é enganador. A lei em que me revejo não é contra os muçulmanos, geralmente as maiores vítimas da fé que os envenena, é a favor da República e da laicidade, assumindo a superioridade dos valores civilizacionais sobre a vontade divina interpretada pelo seu clero, de diversas religiões.

Todos somos ateus em relação aos deuses dos outros. Os ateus só o são em relação a mais 1.

Fontes: Jornais franceses, espanhóis e portugueses.

9 de Fevereiro, 2021 Carlos Esperança

Salazar ou Cristo-Rei?

As pagelas que começaram a circular em Portugal no pós-guerra, guerra de que o Diabo terá sido responsável, atribuem à intervenção de Cristo a paz que imperou em Portugal, embora outras pagelas de igual proveniência a atribuam a Salazar.

Fosse de quem fosse o mérito, embora do primeiro se esperasse que tivesse evitado a guerra, o que admira são os títulos nobiliárquicos atribuídos pelo mais alto empregado de Deus, o cardeal Cerejeira, à família celeste.

Desde Cristo-Rei à Rainha dos Portugueses, esta a Senhora da Conceição, um de muitos heterónimos dados à mãe do primeiro, é de harmonia monárquica que se fala em plena ditadura, onde a Pide era mais expedita a manter a paz do que a família real celeste.

O comovedor pedido das criancinhas de Portugal, para que fosse erguido o monumento a Cristo-Rei, não surpreendeu quem as sabia pouco assíduas na escola, mas devotas da catequese. O que surpreende, ainda hoje, é o Cristo-Rei, vestido de Menino Jesus e com carácter reivindicativo, a afirmar categoricamente “Eu é que livrei Portugal da Guerra” e a exigir, de forma autoritária, pouco adequada à ternura que lhe está associada, “Quero o Monumento que Portugal me prometeu em troca”.

Esta linguagem parece mais própria do cardeal Cerejeira do que de crianças cuja oração, ‘indulgenciada com 100 dias’ pelo referido prelado, pedia à Senhora da Conceição, apelidada de Rainha dos Portugueses: “Fazei que Portugal erga depressa o Monumento a Cristo-Rei”, pressa que pode ter sido trágica para a estética, e reconfortante para a fé.

Ámen!

11 de Janeiro, 2021 Onofre Varela

Crentes, ateus e humor

Por Onofre Varela

Amos Oz foi um escritor israelita que nos deixou em 2018 contando 79 anos de idade. Era um defensor dos palestinianos e da paz que considerava dever existir entre Israel e Palestina. Uma voz discordante das relações azedadas entre os dois povos vizinhos, que não conseguiu fazer-se ouvir pelos (ir)responsáveis políticos que fazem a guerra em vez de construírem a paz. É dele a frase: “O sentido de humor é uma grande cura. Jamais vi, na minha vida, um fanático com sentido de humor”. Ao contrário dos fanáticos que militam numa qualquer religião, há ateus que alimentam um saudável sentido de humor (também os haverá sisudos!). Lembro que há mais de uma vintena de anos participei, em Coimbra, numa reunião preparatória para a legalização da Associação Ateísta Portuguesa. O evento aconteceu num hotel onde se encomendou um almoço para aquele grupo de ateus que se reunia pela primeira vez, sob o lema: “Vale mais o primeiro almoço do que a última ceia”.

Christopher Hitchens, escritor e jornalista britânico, autor do livro “deus não é Grande” (Dom Quixote, 2007), soube que, em consequência do cancro que lhe encurtava a vida, havia quem fizesse apostas na Net sobre se se converteria quando sentisse estar às portas da morte, e declarou com sarcasmo: “Se me converter é porque acho preferível que morra um crente do que um ateu”.

Voltaire, no seu leito de morte, teve à cabeceira um padre que pretendia convertê-lo para exibir a sua conversão como troféu. Ao aperceber-se da intenção do clérigo que queria ouvir o pensador a negar o diabo, Voltaire disse-lhe: “Não é o momento apropriado para criar inimigos”.

Também Jesus Cristo era um homem cheio de humor, embora o Novo Testamento não o afirme… mas também não diz que ele respirava!… O escritor espanhol Félix Caballero Wangüemert escreveu o livro “Jesús Humorista – Comicidad, Humorismo y Sátira en los Evangelios” (Madrid, 2019). O autor fez um estudo dos Evangelhos e escreveu 316 páginas, referindo o humor que neles encontrou. É evidente que para uma análise deste tipo o leitor tem de deixar a religiosidade no bengaleiro e ler o Evangelho com olhos de céptico.

Um bom exemplo do humor de Jesus pode ser aquela descrição da transformação de água em vinho na boda de Canaã na Galileia (João 2: 1-11), para a qual Jesus e os seus discípulos foram convidados. O vinho acabou-se antes de terminada a refeição, e Jesus mandou que enchessem seis talhas com água e a servissem como se fosse vinho. Quando o mestre-sala o provou, comentou: “Habitualmente é servido o melhor vinho em primeiro lugar, quando os convidados ainda estão capazes de o apreciar. Mas aqui guardaram o melhor para depois!”.

Conseguir um bom vinho usando no seu fabrico, apenas água, dispensando as melhores cepas… convenhamos que, não sendo truque de magia, só pode ser humor!

Tenham uma Boa Festa da Família em recato, resguardados do vírus que por aí anda. Abraço-vos.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV