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11 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

A Irmã Lúcia e as aparições sigilosas

Quando a Senhora do Rosário, heterónimo com que a Senhora de Fátima se apresentou na Cova da Iria, à Lúcia, ainda criança (a Lúcia, naturalmente), era imprevisível que se tornassem tão chegadas.

O pedido para que o Papa consagrasse o Mundo ao seu Imaculado Coração (da Virgem, claro) foi uma prova de simpatia para com uma criança do concelho de Ourém porque o poderia fazer diretamente ao representante do filho, no Vaticano.

Desse encontro e dos que se seguiram nasceu uma amizade para a vida da que viria a ser a Irmã Lúcia. Começou por promover o terço, exercício que aliviava os cavadores das posições viciosas da enxada e permitia às mulheres aliviar a coluna das lides do campo e da casa. Passou a ter uma interlocutora privilegiada no Paraíso, donde recebia ordens e sabia novas. Soube do valor do terço para a conversão da Rússia, dos humores de Cristo agravados pelos pecados dos homens e ausências à santa missa, e do epílogo da guerra.

Tal como os documentos do Pentágono e da CIA, desclassificados depois de 25 anos, também os escritos da Irmã Lúcia guardados numa gaveta fechada à chave no Carmelo de Coimbra, gaveta para a qual tinha uma autorização especial, foram agora publicados na extensa biografia da Irmã Maria Lúcia de Jesus.

Ficou assim a saber-se, que à sorrelfa, sem que a madre superiora suspeitasse, a vidente «recebeu, várias vezes, na clausura do convento em Coimbra, a presença de Nossa Senhora». São textos inéditos, num livro de 495 páginas, que Lúcia nunca compartilhou com as outras carmelitas, ora autoras da publicação.

Já não eram visões, como no princípio, eram aparições, como refere o livro, e não é uma questão de semiótica, uma alteração da significância das palavras, é uma transformação dialética de visões para aparições que, “além doutras, ocorreram a 22 de agosto de 1949, a 31 de dezembro de 1979 e em outubro de 1984”, segundo o DN de 8 de dezembro, da era vulgar de 2013, página 29.

A amizade era tal que, sobre a aparição de 1979, escreveu a Irmã Lúcia: “Assim orava com a fronte inclinada, na cela às escuras, com a janela cerrada, quando sinto uma mão suave pousar-me no ombro esquerdo”, para depois adicionar a mensagem que escutara: “Deus ouviu a tua oração e envia-Me [sic] para te dizer que é preciso intensificar a oração e o trabalho pela união da Igreja, dos bispos com o Santo Padre e dos sacerdotes com os bispos (…).

Estas descobertas valiosas, estes tesouros ocultos, só puderam ser desvendados após a morte da vidente, que se esqueceu de respirar em 13 de fevereiro de 2005.

Espero que estas informações agucem o apetite para a leitura pia de “Um caminho sob o Olhar de Maria: Biografia da Irmã Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado» (ed. Carmelo, 2013; 20 euros) – prefácio de D. Virgílio Antunes, atual bispo da diocese de Coimbra, onde se pode ler: “Acreditamos que as aparições de Nossa Senhora que a Irmã Lúcia teve no Carmelo de Coimbra, ao longo dos 57 anos que aí viveu, se tenham dado na sua cela, lugar de recolhimento, intimidade e oração da carmelita. Mas tudo se passou sempre com muita discrição e ninguém adivinhava quando andaria por aí Nossa senhora», um prefácio que é uma pérola e mais uma razão para comprar e ler o livro.

Observações:

1 – A discrição de “Nossa Senhora” teria de ser muita, para não derrubar uma cadeira, atirar com um castiçal ou esbarrar num crucifixo, o que levaria o pânico ao Carmelo;

2 – O recado de Deus para intensificar as orações, o trabalho, etc. ganham consistência pela semelhança com as orientações da troika, noutro campo, ao Governo português;

3 – O facto de Deus ter ouvido as orações da Lúcia foi motivo para uma aparição que o confirmou, o que pode levantar dúvidas sobre a audição das orações dos crentes que não privam com a Senhora de Fátima, mas um crente não pode ter dúvidas, tem certezas.

10 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

O Presépio

Por

ONOFRE VARELA

Estamos a viver a quadra natalícia que na cultura católica representa o nascimento de Jesus Cristo, e fora da Igreja é um tempo de comércio que anima as ruas das cidades na onda consumista habitual, salvadora dos lojistas que, fora das datas fomentadoras de vendas, quase agonizam pela falta do poder de compra dos trabalhadores obrigados a sustentarem a família com o ordenado mínimo.

Na cultura ocidental a Igreja Católica é a entidade que tem maior riqueza iconográfica, sendo, por excelência, uma religião de imagens que alimentou pintores e escultores através dos séculos, e por isso possui uma pinacoteca das mais importantes. A imagem cristã mais mostrada na quadra natalícia é o presépio que pretende ser uma representação do nascimento de Jesus Cristo.

Uma breve consulta ao Novo Testamento mostra-nos que, de entre os quatro evangelistas sinópticos que nos falam da história de Jesus, nenhum deles nos narra a cena que estamos habituados a ver designada por “presépio”. 

Mateus (2:11) diz-nos que os reis magos “entrando na casa acharam o menino com Maria”. Logo, o estábulo da tradição não existe nesta referência, já que o local do nascimento seria “uma casa”. 

Marcos omite o nascimento de Jesus, referindo-o já como adulto, quando é baptizado nas águas do rio Jordão por João Baptista (1:9). 

Lucas (2:7) já nos diz que Maria “deu à luz o seu filho primogénito e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”. Esta necessidade de josé e Maria terem uma estalagem para pernoitar, aconteceu pelo facto de se terem deslocado de Nazaré, onde viviam, para Belém no cumprimento de um decreto do imperador César Augusto que obrigava ao recenseamento de todo os cidadãos, e o casal partira para Belém (o local do recenseamento) quando Maria já estaria num estado avançado de gravidez. 

João (1: 29-34), tal como Marcos, só refere Jesus quando do baptismo no rio Jordão, omitindo o seu nascimento. (Este João [o Evangelista] não é o mesmo João [o Baptista] que baptizou Jesus e que tendo sido preso por Herodes Antipas I, acabou decapitado. Segundo a lenda, a sua cabeça foi oferecida, numa bandeja, a Salomé).

A imagem do presépio que hoje figura na maioria das casas e nas montras das lojas na época natalícia, teve origem numa ideia de Francisco de Assis que, em 1223 festejou o Natal fora da igreja, montando uma manjedoura na floresta de Greccio, Itália, colocando junto dela um boi e um burro como elementos tradicionais de um estábulo. O povo não entendeu de imediato o significado daquela encenação, mas durante a Idade Média o costume espalhou-se, e em 1567 a Duquesa de Amalfi mandou montar um grandioso presépio com 116 figuras representando o nascimento de Jesus Cristo com a adoração dos reis magos, dos pastores, e com anjos a cantar. 

A partir do século XVIII o costume espalhou-se pelas casas dos crentes, mantendo-se até hoje… e convenhamos que o presépio, enquanto decoração natalícia, fica muito bem nas montras e nos centros comerciais.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

9 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

A propósito do ateísmo

Há quem não compreenda que o ateísmo é uma opção filosófica de quem se assume responsável pelos seus atos; de quem respeita a vida, única e irrepetível, a sua e a dos outros; de quem defende a razão e confia na ciência para elaborar modelos de racionalidade, sem recurso a um ser hipotético ou à esperança de outra vida para além da morte.

Há quem não veja que o Deus abraâmico foi fruto dos patriarcas tribais que, na Idade do Bronze, o criaram à sua imagem e semelhança: violento, xenófobo, homofóbico, misógino e vingativo.

Há quem recuse o direito de não acreditar em afirmações sem provas e de sentir repulsa pela crueldade dos homens da Idade do Bronze, crueldade atribuída ao deus criado à sua imagem e semelhança, quando hoje a tolerância e o humanismo se vão impondo.

Há quem não repare que cada religião considera falsa todas as outras e o deus de cada uma delas, no que certamente têm razão, e que os ateus só consideram falsa mais uma religião e um deus mais, tornando-nos a todos, de certo modo, ateus.

Há quem não admita que todos somos ateus em relação a Zeus, Afrodite, Ísis ou ao Boi Ápis e que os deuses de hoje poderão um dia ser estudados na mitologia.

Há quem pense que o único deus verdadeiro é aquele que lhe ensinaram em criança e que há um Paraíso à espera de quem troca a vida por um mito, a felicidade pela oração e a compaixão pela guerra.

Há quem não saiba que a defesa dos crentes e descrentes não exclui combater as crenças que sustentam a discriminação de género, o ódio, as mutilações, as torturas, as guerras e as crenças num Paraíso para quem execute as patifarias do deus com que o intoxicaram.

Não se podem esquecer factos, por muito que desgostem os crentes. Sem islamismo não haveria Estado Islâmico nem o rapto de crianças cristãs da Nigéria, feitas escravas. Não foram ateus, disfarçados de muçulmanos que as raptaram. Sem cristianismo não teria havido Cruzadas e sem judaísmo não haveria sionismo.

Vale mais um só artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos do que todas as páginas do Antigo Testamento.

«E se todos os homens do mundo quisessem dar-se as mãos…» (De uma balada de Paul Ford)

8 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

O Vaticano, o Papa e a tradição

Em 2013, o Vaticano recusou informações a uma comissão da ONU sobre investigações internas de abusos sexuais de menores, cometidos pelo clero, sob o pretexto de que é política da Igreja manter sigilo sobre tais casos.

Ao recusar partilhar informações com a ONU, o Vaticano revelou uma duplicidade que mitigou a gigantesca campanha de promoção do Papa, ajudada pela figura retocada de simplicidade e determinação onde o despojamento pessoal, a atenção aos crimes do clero e as investigações ao Banco do Vaticano eram as linhas de força para o branqueio da imagem do Vaticano.

O Papa Francisco é uma fonte de contradições. Perante uma imagem de sinceridade e de bondade, estava subjugado à Cúria que parecia estar a caminho da cura. Face a uma ideia de modernidade, insistiu nos milagres e exorcismos que são mais mortíferos para a credibilidade da Igreja do que um PIM de Almada a fustigar o Dantas.

O Papa Francisco afirmou então, no Vaticano, que a fé na “ressurreição da carne”, referida no Credo, é uma “verdade”, que está ligada à ressurreição de Jesus. A fé e a razão detêm um litígio de difícil solução mas não se entende que a leitura literal de uma crença possa ser promovida sem reflexão crítica.

A antiguidade da Terra, biliões de mortos, 7,5 mil milhões de vivos e muitos biliões que ainda nascerão, são números colossais que o Antigo Testamento não previu. Como se convence um mortal, no pleno uso das suas faculdades, que no Vale de Josafá, ora Vale de Megido, terá lugar a Batalha do Armagedão, apenas para não deixar mal colocado o profeta Daniel, que a previu?

Quem pode crer na ressurreição física de todos os mortos no exíguo espaço do Vale de Megido, onde aos transplantados serão reclamados os órgãos alheios? Quem imagina as cinzas dos incinerados em vida, pela Inquisição, ou dos mortos, por vontade própria, a refazerem a anatomia do corpo e a complexidade do cérebro?

Do pavor que a Igreja insiste em infundir, escapam três anos e meio em que o anticristo, personagem escatológica que dominará provisoriamente o mundo, fará um reino de ‘paz mundial, estabilidade económica e liberdade religiosa’ antes do fim dos tempos, ou do Armagedão, a tragédia fatal para derrotar Satanás, como se o importante fosse dar razão ao profeta Daniel ou a Mateus (24:3, 21) cujas profecias eram o seu modo de vida.

Quem convencerá a Igreja católica , para além dos que se habituaram a crer nela desde o nascimento?

7 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

A Universidade de Coimbra e a missa da Imaculada – 2019

A Universidade de Coimbra não cria apenas cientistas de elevado mérito e académicos de referência, atrai beatos capazes de conduzirem a caldeirinha com o hissope, atrás das saias de um capelão. Mistura Matemática, Física, Biologia e outras ciências com missas e orações, trocando a laicidade a que a CRP obriga por indulgências para os devotos.

O Magnífico Reitor, Amílcar Falcão Ramos, depois de ter proibido a carne de vaca na U. C., como os talibãs a de porco, procura aliviar a alma com missas na capela privativa onde a tradição e dinheiros públicos mantêm um capelão. Ungido com missa integrada na cerimónia de posse, uma inovação do antecessor, começa o mandato, qual almuadem católico, a convidar docentes e discentes para cerimónias pias em honra da Imaculada.

Falcão Ramos não perde as asas com que voou para reitor, mas empenha a envergadura do cargo ao convidar, com o capelão, professores, alunos e funcionários, para a missa de homenagem à padroeira da Universidade – a Imaculada Conceição –, a 8 de dezembro, às 12H00, na capela de S. Miguel.

Aceita-se que o capelão, no exercício das funções, convide os crentes a assistirem a uma cerimónia da sua religião. Permite, aliás, visitar a magnífica capela, uma relíquia da arte sacra, e, aos devotos, adorarem um dos muitos avatares da mãe de Jesus, que o Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854, tornou dogmaticamente virgem, como é hábito milenar para as mães de diversos deuses.

O que é inaceitável é que a mais alta entidade académica, de uma Universidade pública, se comporte como diretor de uma escola confessional ou mullah de uma madraça. Quem preside ao areópago da Ciência não pode dedicar-se à fé, sobretudo num país laico, onde a separação das Igrejas e do Estado é obrigatória.

Há anos, uma docente beata, então vice-reitora, propôs a recriação da extinta Faculdade de Teologia, no que fracassou por ter prevalecido o bom senso e a formação cívica do corpo docente, mas teme-se que a onda beata, que ora percorre a Reitoria da U.C., traga na enxurrada o regresso do ensino da única ‘ciência’ sem método nem objeto.

Uma faculdade de Teologia teria certamente licenciaturas em islamismo, cristianismo e judaísmo, bacharelatos em hinduísmo, xintoísmo e budismo, graduações em lançamento de búzios, mestrados em tarô e bruxaria, e doutoramentos exotéricos.

A Universidade deve ser o último reduto da laicidade e não uma vanguarda do convite à genuflexão e à prática litúrgica. Em vez de santuário da sabedoria, onde a Ciência deve ser o único culto, transforma-se em madraça que concede à liturgia a mesma dignidade.

Se a Universidade de Coimbra persiste em homenagear a Virgem, de que necessita para padroeira, é tempo de transformar as igrejas, mesquitas e sinagogas em laboratórios, e a água benta em potável, através da química para que a formação farmacêutica preparou o Reitor.

Ámen.

6 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

A religião, a doença e o sofrimento

O prazer é o alimento da felicidade e do bem-estar. O hedonismo preserva a espécie e dá sentido à vida. A doença é o revés que devasta, e a dor a infortúnio que transforma a vida em tragédia e a morte na única forma de libertação.

A morte é aliciante para quem se alimenta dela, industriais funerários, gatos-pingados e funcionários de Deus. Estes últimos encontram no medo o húmus para a evangelização, o meio para a sua eficácia, e a estratégia para a manutenção do emprego.

O medo da morte criou os deuses, à imagem e semelhança dos homens, mas foram os chefes tribais da Idade do Bronze que criaram o deus misógino, xenófobo e vingativo que deu origem aos monoteísmos.

Confundir o direito à vida com a obrigação de a prolongar quando se torna insuportável, é a maldade de uns e o masoquismo de outros, a perversão pia que o sadismo sustenta e a crença que condena a vida com as dores inventadas para depois da morte.

Quando a crença se sobrepõe à razão, a insensibilidade resiste ao sofrimento, sobretudo dos outros, e cria o pensamento totalitário, que leva ao desprezo dos direitos individuais e à exaltação do sofrimento, como se o deus violento, que mora na imaginação dos seus funcionários, se rebolasse de gozo perante as dores humanas.

É a ausência de discernimento, que o embotamento da fé produz, que ateia fogueiras ou leva imbecis a atar um cinto com explosivos à barriga, a demência que criou cruzados e fabrica talibãs, a crença que leva um clérigo a trocar a compaixão por um versículo e a atormentar um moribundo para o levar a agradecer ao carrasco que inventaram.

2 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

A Irmã Lúcia e os folhetins dos segredos

Lúcia de Jesus dos Santos ou Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, Irmã Lúcia, para os mais chegados, fez a 1.ª comunhão aos 6 anos e aos 14 tornou-se reclusa, como pensionista, na escola das Irmãs de St.ª Doroteia, em Vilar, próximo do Porto.

A 3 de janeiro de 1944, já com letra aprimorada e intimidade com o divino, escreveu, a pedido, a “Terceira Parte do Segredo de Fátima”, quando ainda usava o pseudónimo de Maria das Dores e vivia enclausurada em Tui, Espanha.

Já era então vasto o currículo místico, com amplo traquejo no campo das visões, desde as entrevistas com a Virgem, que saltitava de azinheira em azinheira, até aos rodopios do sol, transformado em bola de fogo, a brilhar em numerosas cores, e à viagem ao Inferno onde encontrou o Administrador do Concelho de Ourém, a frigir como merecia, por, em vida, ter faltado à missa.

A Terceira Parte do Segredo de Fátima foi um ponto alto da sua bibliografia pois era a profecia que o papa João Paulo II, na sua superstição, entendeu ser a seu respeito. Esse recado celeste vai agora ser investigado por uma professora catedrática de Coimbra, Maria José Azevedo Santos, não porque tenha a santidade no apelido, mas por ser uma cientista em Paleografia, Diplomática e Codicologia, ciências terrenas que hão de ajudar a compreender as idiossincrasias do Paraíso.

A Congregação para a Doutrina da Fé, ex-Santo-Ofício, de passado pouco estimável, é a possuidora do valioso documento, ora emprestado, pelo prazo de 1 ano, ao Santuário de Fátima onde integrará a exposição «Segredo e Revelação», evento que acordará paixões pias e êxtases místicos.

Espera-se que no acervo dos alvitres da Senhora do Rosário – nome com que a virgem se apresentou aos pastorinhos –, não faltem as cartas que a experiente vidente dirigiu a Marcelo Caetano pedindo legislação adequada para a altura das saias e o tamanho das mangas dos vestidos femininos.

Sabe-se que a Ir.ª Lúcia está no Céu porque, no dia do seu funeral, o Papa João Paulo II e o futuro Papa Bento XVI disseram que ela iria para o céu e Deus seria incapaz de lhes contrariar as previsões.

1 de Dezembro, 2019 Carlos Esperança

O Estado e a Igreja

Apesar da separação ser uma imposição da Constituição, constando aliás dos limites à sua eventual revisão, que impõe o carácter laico do Estado, os dois últimos presidentes da República puseram a devoção acima da decência republicana.

Cavaco era um beato mal encarado, Marcelo é um beato simpático, com uma enorme sofreguidão pelo anelão dos bispos que oscula em voo picados de intensa sobrevivência pia.

27 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

Ficção, Razão e Fé

Por

ONOFRE VARELA

Michel Houellebecq, francês natural da Ilha de Reunião, onde nasceu em 1958, é escritor. No seu livro Submissão, embora se trate de um romance de ficção que nada tem de racionalmente premonitório, aborda a expansão do Islamismo na Europa, e fá-lo de um modo muito dramático afirmando que a França está a ser islamizada perante a inércia de uma classe política dirigente decrépita, apontando o dedo aos pontos débeis do Cristianismo e a uma Esquerda que navega num mar de erros.

Entrevistado pelo jornal El País (suplemento Babélia, 15 de Abril de 2015) o escritor diz que, na realidade, “a razão não se opõe à fé de uma maneira muito clara. Se tivermos atenção na comunidade científica, encontramos cientistas ateus sobretudo entre os biólogos. Ao contrário, entre os astrónomos encontra-se um grande número de cristãos. A explicação disto está no facto de ser possível encontrar uma boa organização no universo. Porém, quando se trata de seres vivos, a coisa é mais duvidosa. Os seres vivos não estão bem organizados e são, até, um pouco repugnantes. Um matemático não tem grande dificuldade em crer em Deus, porque trabalhar com equações liga bem com a ideia de uma ordem e de um criador dessa ordem”.

O livro está semeado de pessimismo, ao ponto de um seu crítico, Carlos Zanón, autor de um artigo sobre a obra, dizer que Michel Houellebecq “é um moralista que espera algo de um queijo ou de um polvo, mas não espera nada de um ser humano”.

No enredo da novela Submissão conta-se que os franceses acabam por votar maioritariamente no partido de estrema-Direita Frente Nacional, liderada por Marine Le Pen, e num partido islâmico moderado liderado por um tal Mohammed Ben Abbes. O livro alertou (e, principalmente, assustou) a opinião pública para o perigo islâmico de extremismo violento, desrespeitador e sanguinário, já hoje instalado na sociedade francesa.

Neste livro, que embora seja, assumidamente, uma ficção, as mentes mais receosas encontram alguma analogia com os discursos que alimentam medos semeados pela Frene Nacional.

Passando da ficção para a realidade, parece-me que os actos cometidos pelos extremistas islâmicos são de tal modo horríveis e desumanos, o que, por si só, afasta o perigo da vitória dos inimigos da cultura europeia e ocidental, da paz e da liberdade individual. É coisa que ninguém deseja, o que impede a hipótese de um acto eleitoral dar poderes a quem teria como primeira acção governativa, incendiar o Louvre e explodir o Museu do Homem!…

Mas também sabemos que o eleitorado é tão débil e tão facilmente manipulável… o que nos leva, a todos nós, a uma meditação séria sobre este problema… o qual, de facto, existe!

(A sair no jornal Gazeta de Paços de Ferreira, edição do dia 28/11/2019)