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24 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

A entrada da Irmã Lúcia no mundo da moda feminina

Em 24 de Fevereiro de 1971 a Irmã Lúcia, reclusa das Carmelitas Descalças em Coimbra, escrevia ao Presidente do Conselho, Dr. Marcelo Caetano, implorando medidas legislativas sobre as vestes femininas:

«…não seja permitido vestir igual aos homens, nem vestidos transparentes, nem curtos acima do joelho, nem decotes a baixo mais de três centímetros da clavícula. A transgressão dessas leis deve ser punida com multas, tanto para as nacionais como para as estrangeiras».

(In Arquivos Marcelo Caetano, citados em Os Espanhóis e Portugal de J.F. Antunes Ed. Oficina do Livro)

22 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

Humor e Religião (2)

Por

Onofre Varela

Os religiosos que se sentem ofendidos com uma comédia quando ela brinca com elementos da sua crença, devem protestar nos locais próprios que os regimes democráticos têm para esse fim. 

No caso do atentado brasileiro duvido do sentimento cristão do grupo de criminosos-nacionalistas, cuja reacção foi atacar à bomba!… Este acto poderá estar relacionado com o actual regime político que permite a violência e tem gente da IURD sentada no Parlamento, sendo que o próprio presidente é afecto a essa seita dita evangélica, e por muitos apontada como criminosa. 

Os extremistas muçulmanos também reagiram com metralhadoras contra o jornal satírico Charlie Hebdo, em 2015, matando 12 jornalistas-cartunistas, só porque não gostaram de uma crítica a Maomé! Os extremistas religiosos e patrióticos não pensam para além do tabu sacramental de Deus e da Pátria. Não têm sentido de humor, nem nenhum outro sentimento que não seja o da vingança violenta. A interpretação que fazem dos textos religiosos é programada pelos gurus das seitas e dos credos, e não pela sua capacidade de entendimento. 

No caso da comédia brasileira, aludindo uma hipotética homossexualidade de Jesus, ressaltam alguns condicionamentos mentais dos crentes que os levam à irritação, à fúria e ao crime. Desde logo, temos a própria homossexualidade que é condenada por si só e que os crentes rotulam de “pecado”. E depois… não lêem a Bíblia! Dizem ser o seu livro sagrado, mas não têm a mínima ideia do seu conteúdo! 

No Novo Testamento (João: 13; 21-30) é narrada uma cena incluída no capítulo onde se encontra a célebre frase de Jesus: “Na verdade vos digo que um de vós me há-de trair”. Perante esta denúncia, os seus discípulos olharam-se, perplexos com o que o Mestre lhes dizia. A parte curiosa desta narrativa está nesta frase: “um dos seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus”. Quer dizer que Jesus só amava um dos discípulos (ou amava-o mais, ou de modo diferente, do que a todos os outros?), que por acaso era aquele que se encontrava ao seu colo, na posição de reclinado… isto é, deitado… o que presumia alguma intimidade para além da amizade. 

Simão Pedro fez sinal a esse jovem a quem Jesus amava, para que perguntasse ao Mestre quem era aquele que o haveria de trair. O jovem aproximou a sua boca do rosto de Jesus e perguntou: “Senhor, quem é?”. Segundo esta narrativa, aquele a quem Jesus amava e que se reclinava sobre o seu seio, era seu confidente e porta-voz. Através dele os outros discípulos dirigiam-lhe as questões e ouviam a resposta (pelo menos naqueles versículos). 

A interpretação desta passagem bíblica pode ser variada… e uma das variações, tão válida como qualquer outra, pode ser entendida como havendo uma relação íntima entre aqueles dois homens. Não é à toa que os autores teatrais tratam os assuntos históricos ou míticos. Eles lêem, estudam e investigam, para poderem fundamentar as suas estórias que passam em palco, na televisão ou no cinema. Ao contrário, os fundamentalistas bíblicos só têm uma interpretação – a radical – e baseados nela arrogam-se o direito de lançar bombas contra aqueles que, dando cumprimento ao seu trabalho de criar rábulas teatrais (ou cartunes), atingem um nível de raciocínio que está vedado aos agressores. Por isso se radicalizam… e o governo brasileiro de Jaír Bolsonaro alimenta essa radicalização e parece apoiar os seus actos!… E se estes terroristas não forem apanhados e julgados… não parece que os apoia… apoia-os mesmo! 

Termino transcrevendo uma frase do meu camarada cartunista Zé Oliveira: “Produzir humor é um acto de inteligência. Produzir terror é um acto de estupidez bárbara”. (Fim)

(A sair no jornal Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 23 de Janeiro de 2020) 

20 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

Humor e Religião (1)

Por

Onofre Varela

Herman José, em 1994, teve um programa no canal 1 da RTP, denominado Herman Zap!, de grande audiência e agrado nacional. Um dia, nas suas rábulas, criou uma Última Ceia de Jesus, humorística. Caiu o Carmo e a Trindade!… A Igreja Católica não achou piada nenhuma àquele excelente trabalho de comédia, e protestou. O bispo Maurílio Gouveia, então responsável por um gabinete que julgo denominar-se “Episcopado para a Comunicação”, apressou-se a dizer que “O programa ridicularizou o que há de mais sagrado na fé dos cristãos: a eucaristia”. A série de programas foi interrompida e realizaram-se mesas redondas debatendo a questão religiosa e a liberdade de expressão. 

Marcelo Rebelo de Sousa, então presidente do PPD, declarou: “Vejo com preocupação que, sendo um canal de serviço público, nele se encontrem mensagens que podem ser consideradas ofensivas de valores partilhados pela maioria dos portugueses e também ofensivas de instituições particularmente relevantes como é a Igreja Católica”. Herman José mostrou-se surpreendido pela reacção da Igreja, e declarou: “Deus deve estar a rir-se às gargalhadas da mesquinhez de quem criticou o Herman Zap!”. 

Organizou-se uma mesa redonda na RTP onde se discutiu aquele programa televisivo de diversão transformado em tragédia nacional para a Igreja, e o frei Bento Domingues pareceu-me ser, de entre os vários intervenientes, aquele que teve a opinião mais lúcida. Declarou ter visto o programa e não ter encontrado nele nada que beliscasse a sua fé. Confessou que até lhe achou graça: “Aquilo tinha a ver com o meu riso, não com a minha fé”, disse.

Há cerca de 15 dias, uma notícia deu conta de um ataque, no Brasil, com cocktails Molotov, à sede da produtora de conteúdos televisivos Porta dos Fundos, na madrugada do dia 24 de Dezembro, como protesto pela transmissão televisiva de um sketch cómico com o título “A primeira tentação de Cristo”, na qual Jesus é representado como um jovem que terá tido uma experiência homossexual, e também insinua que o casal bíblico Maria e José viveram um triângulo amoroso com Deus. 

Eu vi o programa e não lhe achei a graça que, provavelmente, os seus autores pretendiam. Teve dois ou três momentos de humor, e o restante, para o meu gosto e de acordo com o excelente trabalho que já vi do mesmo grupo, era francamente mau. A qualidade daquilo era muito rasteira… mas, daí, até se lançarem bombas contra a empresa produtora do programa, vai uma distância abissal!… Pode-se gostar ou não gostar e criticar o programa. Se nos consideramos ofendidos apresentamos o nosso protesto às entidades competentes para julgar o caso, e esperamos que a Democracia e a Justiça façam o seu trabalho… mas um ataque à bomba é crime! 

No momento actual da política brasileira, com as acções da Direita mais extremista apoiada por Jaír Bolsonaro, a liberdade de expressão e de criação artística está comprometida. O próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, deputado por São Paulo, foi uma das figuras públicas a condenar o sketch. Os actores Gregório Duvivier e Fábio Porchat, responsáveis pela “Porta dos Fundos”, declararam: “Não nos vamos calar! Nunca!”. Eu apoio-os na sua luta, embora aquele seu trabalho não me agradasse, mas defendo a sagrada liberdade de expressão. 

Um dia depois do atentado, um grupo ultra-nacionalista intitulado Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integrista Brasileira, reivindicou a responsabilidade do atentado. O espírito que sobressai do nome deste grupo leva-me a entendê-lo como uma espécie de Ku-Klux-Klan e de agrupamento Nazi. Só grupos de tal índole atacam a liberdade de expressão, alegadamente em favor de um ultra-nacionalismo balofo, desusado e criminoso. (Continua)

19 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) à beira de um novo cisma

A alegada luta entre Bento XVI (B16) e Francisco (F1) é apenas a ponta do iceberg que emerge depois do funesto pontificado de JP2, que os corifeus da direita mais reacionária incensaram, e da continuidade de um papa muito mais inteligente e arguto, que o temor da Cúria fez abdicar da tiara sem renunciar às crenças.

O cardeal guineense Robert Sarah, que JP2 nomeou arcebispo aos 34 anos, é um clérigo profundamente reacionário. Foi apoiado pela ala mais retrógrada dos cardeais para ser o primeiro papa negro, mas um discreto jesuíta atravessou-se nos seus desígnios.

Quem vê a Igreja católica sul-americana, com bispos progressistas, em contraste com o clero espanhol, italiano, húngaro, polaco, austríaco ou francês, percebe que não há só a luta pelo poder, mas um confronto ideológico que passa pela sociedade profana, onde se jogam posições geoestratégicas e a consolidação de uma direita neoliberal e fascistoide, que conquistou os EUA e grassa em numerosos países europeus.

Francisco foi a pomba caída no ninho de falcões que povoam o antro do Vaticano e que veem o seu poder esvaziado e as posições reacionárias postas em xeque.

Robert Sarah, de 74 anos, cardeal desde 2010, encabeça o movimento conservador que encontra neste Papa um obstáculo que urge remover e a que não são indiferentes a atual presidência americana e os seus aliados mundiais.

Não é por retirar o seu nome de um livro que B16 deixa de legitimar a autenticidade das crenças que perfilha e colidem com as do sucessor, nem de conscientemente o fragilizar.

Francisco é hoje o único líder religioso preocupado com a paz, o respeito pelo ambiente, as alterações climáticas e a defesa da liberdade religiosa e dos direitos humanos.
A guerra entre B16 e F1 é a metáfora da religião que podia ser a referência dos crentes humanistas, ora dividida no confronto entre o tradicionalismo de um alemão que não se rende e um argentino que o poupou, cada um com os seus partidários.

Em Itália, segundo uma sondagem, são em maior número os bispos que apoiam Salvini, líder de extrema-direita, do que o Papa que os cardeais elegeram alumiados pelo Divino Espírito Santo. O que os divide não é Deus, essa criação humana que podia ter sido boa ideia e se converteu em pesadelo, mas as opções políticas e as alianças geoestratégicas.

B16 e F1 são dois clérigos com rara inteligência e enorme cultura. Ambos têm a noção de que podem destruir a Igreja, e nenhum capitula, embora só F1 tenha a legitimidade para fazer doutrina. O primeiro perdeu a infalibilidade quando a preservação da vida se sobrepôs à continuidade no cargo, e a infalibilidade é um dogma de Pio IX, deixado em herança, e em que nenhum deles acredita. Só crentes do tipo da Aura Miguel ou do João César das Neves são capazes de defender tal anacronismo na luta entre infalíveis.

Nas alfurjas do Vaticano e nas sucursais espalhadas pelo mundo trava-se uma luta surda entre a tradição e a modernidade. O ruído é o grito de desespero dos que temem perder o próximo conclave apesar da tentativa que se adivinha para comprar votos cardinalícios e os favores de uma entidade em vias de extinção, o Divino Espírito Santo.

16 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

Vaticano – A guerra dos papas

B16 e F1

Quando o Papa Francisco procurava timidamente abrir vagas a homens casados, isto é, normais, para o múnus eclesiástico, saiu um livro com o pensamento do antecessor que, receoso da Cúria, renunciou aos sapatinhos vermelhos, à tiara e outras mordomias, num gesto sem precedentes nos últimos seis séculos, desde 1415.

Francisco anunciara que na Amazónia poderiam ser ordenados padres casados, o que já acontece com trânsfugas de outras fés cristãs, mas Ratzinger, pastor alemão, conhecido por Rottweiler de Deus, surgiu como coautor de um livro, com um cardeal, a defender o celibato como virtude irrenunciável.

A três meses de fazer 93 anos, inteligente, culto e indesejável, afirma que não autorizou a inclusão do seu nome no livro, com o cardeal guineense Robert Sarah, mas o mestre da dissimulação e hipocrisia, afirmou ter autorizado a publicação dos textos.

Esta facada nas costas do Papa Francisco, que tratou o desertor com desvelo e respeito, está à altura da Cúria, que não tem cura, e de um exército de ressentidos celibatários que veem virtudes no celibato e na castidade, esta última pouco escrutinada, ambas de fácil cumprimento depois dos setenta anos, onde ainda se encontra grande parte do poder.

O que está em causa é a guerra surda contra o atual Papa, um homem inteligente e cauto que tem preservado a existência a navegar num mar infestado de tubarões com o saber milenar de atacar as presas.

Não sei o que têm preparado os purpurados turvos de ódio à modernidade, habituados a mordomias, contra o único Papa que procura acertar o passo ao compasso do tempo e às angústias comuns a quem tem um Deus privativo e a quem não tem qualquer deus.

Isto não é uma guerra de papas, é a história universal da pulhice humana feita por atores de báculo, mitra, vestidinhos de seda e meias coloridas, com anelões de diamantes incrustados e cérebros de conspiradores treinados.

O Céu pode esperar, e o Inferno para o Papa que preferiu defender a paz e a justiça, em vez de se colocar ao lado dos predadores, é o desejo obstinado da horda de clérigos que nunca aceitaram o Vaticano II e esperam o regresso a Trento e ao Vaticano I.

Deus nunca se intrometeu nas lutas do Vaticano, mas aqueles Diabos não perdoam a quem prefere homens casados, como funcionários de Deus, por enquanto só homens, a imaculados celibatários pedófilos a quem retirou a proteção.

15 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

À consideração dos crentes

À consideração dos leitores, especialmente dos crentes assumidos: Acham que devo respeitar o manual terrorista donde foram retirados os versículos que apresento a seguir?

VERSÍCULOS CORÂNICOS

II- 8 a 10: “Entre os homens há os que dizem: “ Cremos em Deus e no Último Dia”, mas não são crentes.
Esses querem enganar a Deus e aos que crêem, mas só se enganam a si mesmos, embora não o saibam.
Em seus corações existe uma enfermidade, que se agravará, terão um castigo doloroso por terem mentido.”

II-24: “Se não o fizerdes, e não o fazeis, temei então o fogo que tem por alimento os ídolos, e que foi preparado para os incrédulos.”

II-39: “Os que forem infiéis e recusarem a verdade contida nos nossos versículos irão para o Inferno, onde viverão eternamente.”

II-193: “Matai-os até que a perseguição não exista e esteja no seu lugar a religião de Deus. Se eles se converterem, não haverá mais hostilidade; esta não cessará senão para os injustos.”

V-33: “A recompensa dos que combatem Deus e o seu Enviado e se esforçam em espalhar pela Terra a corrupção, consistirá em serem mortos ou crucificados, ou no corte de sua mão e pé oposto, ou na expulsão da terra em que habitam. Isto será a sua recompensa neste mundo. Na outra terão um tormento enorme.”

V-36, 37, 38: ”Se os que não crêem tivessem tudo o que está na Terra e incluso outro tanto para com ele se resgatarem do tormento no Dia da Ressurreição, não se lho aceitaria: terão um castigo doloroso.
Quererão sair do fogo, mas não sairão. Terão um tormento permanente.
Cortai as mãos do ladrão (quer seja homem ou mulher) como castigo e aviso de Deus. Deus é poderoso, sábio.”

VIII-7: “…enquanto Deus queria que se tornasse patente a verdade das Suas palavras e exterminar até ao último dos incrédulos.”

VIII-12,13, 14, 15: “…Lançarei o pânico no coração dos que não crêem! Batei-lhes acima do pescoço! Batei-lhes nas pontas dos dedos!
Isto porque eles estão afastados de Deus e do seu Enviado, e os que se afastam de Deus e do seu Enviado são castigados, pois Deus é terrível no castigo.
Isso é vosso: saboreai-o e sabei que os incrédulos terão o castigo do fogo.
Ó vós que credes! Quando encontrardes os que descreem a avançar, não lhes volteis as costas.”

VIII-17: “Crentes! Não os matastes: Deus matou-os. Não atiras quando atiras: Deus é quem atira a fim de experimentar os crentes, pela sua parte, com uma bela prova.”

VIII-50: “Se pudésseis ver o momento em que os anjos chamam os que não crêem! Batem-lhes na face e nas costas, dizendo: “Saboreai o tormento do fogo!””

X-4: “…Os que não crêem terão uma bebida de água a ferver e um tormento doloroso, porque terão sido ímpios.”

XVIII-29: “…Preparamos um fogo para os injustos: as suas labaredas os rodearão. Se pedirem auxílio, serão socorridos com uma água semelhante a ácido, que queimará os rostos. Que péssimo refrigério! Que mau apoio!”

XXII-19 a 22: “Esses – os crentes e os descrentes – são dois inimigos que combatem acerca do seu Senhor. Aos incrédulos preparar-se-lhes-á uma vestimenta de fogo; do cimo da sua cabeça verter-se-lhes-á água a ferver.
Com ela se derreterá o que há em seu ventre e na sua pele.
Serão açoitados com barras de ferro.
Cada vez que, angustiados, quiserem sair do fogo, dir-se-lhes-á: “Provai o tormento do fogo!””

XLVII-4: “Quando encontrardes os que não crêem, golpeai-os no pescoço até os deixardes inertes; depois, concluí os pactos. Depois concedei-lhes favor ou libertai-os quando a guerra haja deposto as suas cargas. Assim agireis. Se Deus quisesse, vencê-los-ia sem combater, mas põe-vos à prova uns com os outros. As obras dos que sejam mortos na senda de Deus não se perderão.”

LIX-4: “Será assim, porque eles se afastaram de Deus e do seu Enviado. Quem se afasta de Deus sofre um castigo. Deus é duro no castigo.”

LXVI-9: “Ó Profeta! Combate os incrédulos e os hipócritas! Sé duro para com eles! O seu refúgio é o Inferno. Que péssimo destino!”

13 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

A Igreja católica espanhola

Filha do papa Pio XI, que concedeu à sedição de Franco o carácter de Cruzada, contra a República, é a Igreja que manteve silêncio face ao genocídio que, depois de ter ganhado a guerra, o ditador praticou contra o seu povo.

A Igreja que goza de pingues contribuições do Estado, isenções de impostos e, até há pouco, do direito à apropriação de bens públicos, é a Igreja que não tolera a democracia, humilha a mulher e esconjura os direitos humanos.

Os clérigos são ainda, na sua maioria, filhos da falange e de pai incógnito, guerrilheiros da extrema-direita e terroristas ideológicos. São talibãs romanos, com colar ao pescoço e batina sebenta a pedir a Deus que derrube o Governo, mantenha a mulher submissa e consinta aos padres o direito a decidir sobre a sexualidade.

A Igreja a quem João Paulo II criou cardeais reacionários, sagrou bispos ultramontanos e de defuntos pouco recomendáveis fez um ror de santos, continua a ser o alfobre onde germina a extrema-direita e nascem como cogumelos quadros para o VOX, saudosistas de Franco e falangistas fora de prazo.

A tomada de posse do novo primeiro-ministro, Pedro Sánchez, sem bíblia e crucifixo, deixou aquele bando de parasitas de Deus a espumar de raiva, a uivar imprecações, a ruminar vinganças, e a pedir ao seu Deus que amaldiçoe estes governantes, derrube o governo e faça ajoelhar a Espanha aos seus pés.

O cristo-fascismo está vivo na horda de clérigos saudosos da ditadura e da Reforma, a sonharem com a Inquisição e os autos-de-fé, enquanto rezam o breviário e, em êxtase, relembram bênçãos que em gozo místico lançavam aos fuzilados franquistas nas praças de touros.

É desta fauna clerical que se alimenta a contrarrevolução espanhola que só a pertença à União Europeia impede de porem em marcha.

Que choldra ignóbil!   

12 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

A ICAR e a mulher

Este excerto que se segue, foi retirado do livro “As Damas do Séc. XII. A Eva e os Padres” da autoria de George Duby, historiador medievalista, especialista da época designada por Idade Média. Vamos ler!

(…).

“Convidar as mulheres, pelos menos as mais nobres, a confiar-se a um homem da Igreja era tratá-las como pessoas, capazes de se corrigirem.

Mas era também capturá-las.

A Igreja apanhava-as nas suas malhas.

No limiar do segundo milénio, na época em que Burchardo de Worms* trabalhou, deu-se na Europa um acontecimento de considerável importância. Que, ao modificar as relações entre o masculino e o feminino, marcou profundamente toda a cultura europeia e as suas repercussões ainda hoje não se dissiparam por completo. Instituição de longe a mais poderosa de todas, tanto mais forte quanto depurava o seu pessoal e se desligava de qualquer outro controlo, a Igreja decidiu colocar sob o seu rigoroso domínio a sexualidade. A Igreja estava então dominada pelo espírito monástico.

A maior parte dos seus dirigentes, e dos mais empreendedores, eram antigos monges.

Os monges julgavam-se anjos.

Pretendiam, como estes, não ter sexo e viam honra na sua virgindade, professando horror pela mácula sexual. A Igreja, por conseguinte, dividiu os homens em dois grupos. Aos servidores de Deus, proibiu o uso do seu sexo; permitiu-o aos outros, nas condições draconianas que decretou.

Restavam as mulheres, o perigo, uma vez que tudo girava em redor delas.

A Igreja decidiu subjugá-las.

Para tal, definiu claramente os pecados de que as mulheres, pela sua constituição, se tornam culpadas. No momento em que Burchardo compunha a lista destes pecados específicos, a autoridade eclesiástica acentuava o seu esforço para reger a instituição matrimonial. Impor uma moral do casamento,

governar a consciências das mulheres: um mesmo projecto, um mesmo combate.

Foi longo.

Acabou por transferir para os padres o poder dos pais de entregar as mãos das filhas a um genro e por interpor um confessor entre o marido e a sua esposa” (Duby, 1996:39-40).

“Os padres tinham que ajudar os pecadores a purgar-se inteiramente, portanto, submetê-los ao questionário, forçá-los à confissão. Assim que o penitente começava a reconhecer os seus pecados, seria bom atiçar nele a vergonha, instá-lo a ir mais longe, a examinar lucidamente o mais profundo da sua alma” (Duby, 1996:21).

“O «Decretum» apresenta-se como ferramenta indispensável de purificação geral. Dos vinte livros que o compõem, os cinco primeiros tratam do clero e dos sacramentos, que ele distribui, isto é, dos agentes deste saneamento necessário. Vem a seguir um catálogo exaustivo dos pecados que há para extirpar punindo-os conforme a sua gravidade” (Duby, 1996:20).

“Burchardo de Worms insta o padre a interrogar directamente as mulheres. Depois de ter enunciado cento e quarenta e oito perguntas, o «Medicus» avisa:

«Se as perguntas supracitadas são comuns às mulheres e aos homens, as seguintes destinam-se especialmente às mulheres»” (Duby, 1996:23).

Transcrevo a seguir algumas perguntas que estava instituído fazer às mulheres durante a confissão, segundo as orientações fornecidas pelo penitenciário Decretum, obra do bispo Burchardo de Worms, um dos “fabricantes” e perpetuadores do pecado e dos interditos.

“«Fizeste o que certas mulheres têm o costume de fazer, fabricaste uma certa máquina do tamanho que te convém, usaste-a no lugar do teu sexo ou de o de uma companheira e fornicaste com outras ruins mulheres ou outras contigo, com esse instrumento ou com outro?»;
«Fizeste como essas mulheres que «para extinguirem o desejo que as atormenta se juntam como se pudessem unir-se?»;
«Fornicaste com o teu menino, isto é, pousaste-o sobre o teu sexo imitando assim a fornicação?»;
«Ofereceste-te a um animal, provocaste-o para o coito com algum artifício?»;
«Provaste a semente do teu homem para que ele arda mais de amor por ti?»;
«Misturaste, para o mesmo fim, no que ele bebe, no que ele come, diabólicos e repugnantes afrodisíacos, peixinhos que puseste a marinar no teu interior, pão de massa batida sobre as tuas nádegas nuas, ou então um pouco de sangue dos teus mênstruos, ou ainda uma pitada de cinzas de um testículo torrado?»;
«Exerceste o proxenetismo, de ti ou de outras? Quero eu dizer, vendeste, como as putas, o teu corpo a amantes para que dele gozassem? Ou, o que é mais maldoso e culpado, o corpo de outra, quero dizer, a tua filha ou a tua neta, outra cristã? Alugaste-a? Alcovitaste?»;
«Fizeste o que certas mulheres têm o costume de fazer quando fornicaram e querem matar o que trazem? Actuam para expulsar o feto da matrix, seja com malefícios, seja com ervas? Assim matam e expulsam o feto ou, se ainda não conceberam, fazem o que for preciso para não conceber»;
«Foi por pobreza, por dificuldade em alimentar a criança, ou por fornicação e para esconder o pecado?»” (Duby, 1996:24-26).
“Por outro lado, e é a principal razão, o homem é a cabeça da mulher. É responsável pelos actos e pensamentos daquela que desposou. O que a vê fazer abertamente, o que a ouve dizer abertamente e que desagrada a Deus, é seu dever proibir-lho. E se outras mulheres da sua casa, as suas filhas, suas irmãs e até serventes da cozinha, repetem em coro os refrãos que a Igreja reprova, terá que, de cacete em riste, as calar. (…) O homem é o seu «dono e senhor». Elas estão à sua mercê e, ao longo de todo o Decreto, muitas referências aos textos conciliares reforçam este postulado. Cito duas. No livro XI, Burchardo transcreve os termos do juramento que o marido e a sua cônjuge eram chamados a prestar quando o bispo os reconciliasse.

O homem diz simplesmente:

«Tê-la-ei doravante como um marido segundo o direito deve ter a sua mulher, acarinhando-a na necessária disciplina; não me separarei dela e não tomarei outra enquanto ela viva».

A mulher fala durante mais tempo porque se compromete mais.

«Doravante tê-lo-ei e enlaçá-lo–ei e ser-lhe-ei submissa, obediente, no serviço, no amor e no temor, como segundo o direito deve a esposa ser sujeita ao marido. Não me separarei mais dele e, sendo ele vivo, não me ligarei a outro homem por casamento ou adultério»” (Duby, 1996:33-34).

Conclusão

“Do lado feminino, a servidão, a tremura, a vergonha; deste lado, e só deste lado, o adultério e as terríveis sanções que o castigavam” (Duby, 1996:34).

* Burchardo de Worms – Bispo de Worms, antes monge de Lobbes, elaborou o Decretum, “que mostra onde está o direito reunindo, classificando os «cânones», as decisões tomadas ao longo da história nos concílios, nas assembleias de bispos, e as prescrições contidas nesses livros chamados «penitenciários», porque indicavam, para cada pecado, a pena que haveria de resgatá-lo” (Duby, 1996:18-19).

Bibliografia

DUBY, Georges. (1996). As Damas do Séc. XII. 3 Eva e os Padres. Teorema. Lisboa.

10 de Janeiro, 2020 Carlos Esperança

O proselitismo e a violência

O pior que algumas religiões encerram é o seu proselitismo. Não lhes bastam os crentes próprios, exigem a conversão dos alheios ou a sua eliminação. A evangelização cristã é hoje, felizmente, uma tara acalmada com a repressão política sobre o clero. Abandonou há muito os métodos cruéis de evangelização que usou em vários continentes e, de forma particularmente violenta, na América do Sul.

Na Europa , a paz de Vestefália, pôs fim à sangrenta Guerra dos 30 Anos e a Igreja católica só aceitou a liberdade religiosa na década de 60 do século passado, no concílio Vaticano II. O azedume de João Paulo II e de Bento XVI apenas fez mal aos próprios e foi irrelevante para a liberdade religiosa europeia onde o secularização dos países tornou impensável qualquer perseguição.

O Islão, pelo contrário, na cópia grosseira do cristianismo introduziu a guerra como um instrumento de contágio e submissão, agravado pela decadência da civilização árabe e o ressentimento dos crimes de que foi alvo por países saqueadores de matérias primas, em especial o petróleo.

É incontestável que os crentes não são piores nem melhores do que os não crentes mas ninguém faz o mal com tanto entusiasmo e satisfação como os que são movidos pela fé.

Não é inocentando os crimes sectários das religiões que se estabelece um modus vivendi num mundo onde as diferenças deviam ser fatores de enriquecimento e não motivos de conflito.

Quando os crentes se convencerem de que as suas religiões refletem as formas de pensar da época em que surgiram e não palavras ditas por um ser ilusório, sem aparelho fónico, podem cumprir os preceitos que se habituaram a observar, desde crianças, e deixar no templo a obsessão de submeter os outros às suas próprias convicções.

Ao proselitismo não se podem tolerar outras armas para além da palavra e do exemplo e as armas devem ser banidas da evangelização. As democracias, por mais que sangrem, não podem ultrapassar os limites do Estado de Direito contra o terrorismo, sob pena de perdermos o Estado e o direito e ficarmos apenas reféns do terrorismo recíproco.