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10 de Março, 2020 Carlos Esperança

Há maior pontaria a preservar a fé do que a combater as epidemias.
8 de Março, 2020 Carlos Esperança

A ICAR, a liturgia e os bispos

Os bispos queixam-se da falta de vocações e dedicam-se à defesa dos colégios particulares e à reflexão sobre a abstinência sexual dos casais.

Um bispo que abdique do Palácio Episcopal, dispa a mitra e a capa de asperges, pendure o báculo, aliene o anelão com ametista, dispense os fâmulos, reverências e beija-mãos, venda a custódia e ponha no prego a cruz de diamantes, pode tornar-se um cidadão.

Se o clero desistir do processo alquímico que transforma a água normal em benta, o pão ázimo em corpo e sangue de Jesus e as orações em moeda de pagamento de assoalhadas no Paraíso, pode recuperar a honestidade que o charlatanismo comprometeu.

Se renunciar às novenas, missas e procissões, ao lausperene e ao Te Deum, pode reservar as energias para o bem público.

Se a confissão, a terrível arma que viola a intimidade dos casais, a honra dos crentes e a confiança da sociedade, for abolida, deixando ao deus que dizem omnisciente a devassa dos pecados e o sigilo, o mundo fica mais tranquilo.

As religiões são especialistas em idolatrar o passado e mitificá-lo. Fazem piedosas falsificações, inventam documentos e fazem relíquias para embevecer os carentes do divino em busca de uma assoalhada no Paraíso.

O incenso e os sinais cabalísticos prejudicam a reflexão e o livre-pensamento.

7 de Março, 2020 Carlos Esperança

A religião, a democracia e a liberdade

Uma religião é um conjunto de indivíduos unidos por medos, hábitos e superstições comuns, transmitidos através de gerações, e ligados por um ódio coletivo aos medos, hábitos e superstições alheios.

As religiões monoteístas têm um deus verdadeiro privativo que garante aos crentes uma felicidade eterna, depois da morte, conquistada pelo sofrimento, resignação e obediência durante a vida. Cada religião acredita serem falsas as outras e falso qualquer outro deus. Nisso todas têm razão. Aliás, os ateus só consideram falsa mais uma religião e um deus mais, o que, no fundo, faz de todos ateus.

O proselitismo, característico do cristianismo e do islamismo, conduziram o primeiro à violência sectária contra os hereges, os judeus, os cátaros e outros e aos crimes bárbaros da evangelização. O cristianismo foi dominado pela repressão política contra o seu clero e tornou-se uma religião civilizada onde a laicidade contém os seus desvarios pios. Já o islamismo, que é poder em numerosos países, continua na implacável barbárie contra os desvios ideológicos da mais selvagem e cruel religião do globo.

Não devemos esquecer o judaísmo que, não sendo prosélito, encontrou no sionismo a forma de exercer a brutalidade religiosa imperialista através do mito bíblico de que lhes pertence a Palestina.

Muitos judeus de hoje são árabes convertidos tal como alguns talibãs são descendentes de judeus islamizados. A xenofobia é uma demência religiosa que tem menos a ver com questões étnicas do que a etnia tem a ver com circunstâncias políticas, administrativas e linguísticas que as moldaram.

Poucas mentiras são tão estimadas como as que se transmitiram, de geração em geração, através da fanatização religiosa.

6 de Março, 2020 Carlos Esperança

A Escalada Beata e as Agressões Religiosas

Enquanto os judeus ortodoxos se agarram à Bíblia e à faixa de Gaza, os muçulmanos debitam o Corão e se viram para Meca e os cristãos evangélicos dos EUA ameaçam o Irão e a teoria evolucionista, os conflitos religiosos e o terrorismo regressam à Europa.

A emancipação do Estado face à religião iniciou-se em 1648, após a guerra dos 30 anos, com a Paz da Vestefália e ampliou-se com as leis de separação dos séc. XIX e XX, sendo paradigmática a lei de 1905, em França, que instituiu a laicidade do Estado.

A libertação social e cultural do controlo das instituições e símbolos religiosos foi um processo lento e traumático que se afirmou no séc. XIX e conferiu à modernidade ocidental a sua identidade.

A secularização libertou a sociedade do clericalismo e fez emergir direitos, liberdades e garantias individuais que são apanágio da democracia. A autonomia do Estado garantiu a liberdade religiosa, a tolerância e a paz civil.

Não há religiões eternas nem sociedades seculares perpétuas. As três religiões do livro, ou abraâmicas, facilmente se radicalizam. O proselitismo nasce na cabeça do clero e medra no coração dos crentes.

Os devotos creem na origem divina dos livros sagrados e na verdade literal das páginas vertidas da tradição oral com a crueza das épocas em que foram impressas.

Os fanáticos recusam a separação da Igreja e do Estado, impõem dogmas à sociedade e perseguem os hereges. Odeiam os crentes das outras religiões, os menos fervorosos da sua e os sectores laicos da sociedade.

Em 1979, a vitória do «ayatollah» Khomeni, no Irão, deu início a um movimento radical de reislamização que contagiou Estados árabes, largas camadas sociais do Médio-Oriente e sectores árabes e não árabes de países democráticos.

Por sua vez, o judaísmo, numa atitude simétrica, viu os movimentos ultraortodoxos ganharem dinamismo, influência e armas, empenhando-se numa luta que tanto visa os palestinianos como os sectores sionistas laicos.

O termo «fundamentalismo» teve origem no protestantismo evangélico norte-americano do início do séc. XX. Exprimiu o proselitismo, a recusa da distinção entre o sagrado e o profano, a difusão do deus apocalíptico, cruel, intolerante e avesso à modernidade, saído da exegese bíblica mais reacionária. Esse radicalismo não parou de expandir-se e já contamina o aparelho de Estado dos EUA.

O catolicismo, desacreditado pela cumplicidade com regimes obsoletos (monarquias absolutas, fascismo, ditaduras várias), debilitou-se na Europa e facilitou a secularização. O autoritarismo e a ortodoxia regressaram com João Paulo II, que arrumou o concílio Vaticano II e recuperou o Vaticano I e o de Trento.

João Paulo II transformou a Igreja católica num instrumento de luta contra a modernidade, o espírito liberal e a tolerância das modernas democracias. Tem sido particularmente feroz na América Latina e autoritária e agressiva nos Estados onde o poder do Vaticano ainda conta, através de movimentos sectários de que Bento XVI foi herdeiro e protetor, se é que não esteve na sua génese.

A recente chegada ao poder de líderes políticos que explicitam publicamente a sua fé, em países com fortes tradições democráticas (EUA e Reino Unido), foi um estímulo para os clérigos e um perigo para a laicidade do Estado. Por outro lado, constituem um exemplo perverso para as populações saídas de velhas ditaduras (Portugal, Espanha, Polónia, Grécia, Croácia), facilmente disponíveis para outras sujeições.

A interferência da religião no Estado deve ser vista, tal como a intromissão militar, a influência tribal ou as oligarquias, como uma forma de despotismo que urge erradicar. A competição religiosa voltou à Europa. As sotainas regressam. Os pregadores do ódio sobem aos púlpitos. A guerra religiosa é uma questão de tempo a que os Estados laicos têm de negar a oportunidade. Só o aprofundamento da laicidade nos pode valer.

(Artigo publicado no semanário Expresso)
In Pedras Soltas (2006) – Ortografia atualizada

4 de Março, 2020 Carlos Esperança

A BURCA, A LEI E A LIBERDADE RELIGIOSA

O fracasso da civilização árabe exacerba o fundamentalismo islâmico que contamina os países não árabes, como o Irão e a Turquia, atingindo a Europa, EUA e África.

Em nome da liberdade religiosa poder-se-á dizer que falta legitimidade às democracias para proibir símbolos identitários, mas, em nome da liberdade, deverão ser proscritos os símbolos da submissão de género, situação agravada pelo facto de se saber que, por cada mulher que pretende usar a burca, há centenas a quem é imposta.

De menor importância, embora, a lei que impede o uso de máscaras na via pública, por razões de segurança, devia ser suficiente para impedir tais adereços que, além de discriminarem as mulheres, são um embaraço à identificação pessoal para prevenção e apuramento de autores de crimes.

Depois da proibição francesa, belga e holandesa, a discussão continuou em vários países europeus e a proibição ordenada há 7 anos por 13 municípios espanhóis, sofreu um revés legal, no Supremo Tribunal, contra o município de Lleida, o primeiro em Espanha a proibir o uso da burca e do niqab. O Supremo argumentou que o princípio que proíbe o véu integral só pode ser feito através de uma lei, como indicado pela Constituição espanhola, uma vez que é uma limitação ao exercício de um direito fundamental (a liberdade religiosa).

Sem debater a argumentação cujo fundamento era discutível, ressaltou a necessidade de se legislar, não a nível autárquico, mas a nível nacional. A Europa sabe que a liberdade de que frui foi conseguida com a repressão do proselitismo clerical. A Guerra dos 30 Anos (1618/1648) não pode ser esquecida, nem o sangue aí vertido, até à paz de Vestefália.

Dominado o totalitarismo católico que só viria a reconhecer a liberdade religiosa no concílio Vaticano II, não se pode permitir que o fascismo islâmico destrua a grande conquista civilizacional – a igualdade de género.

Já basta que nos países reféns do Islão não sejam permitidas outras religiões e a pena de morte seja ainda o castigo para a apostasia, um direito indeclinável de qualquer cidadão.

A má consciência do colonialismo europeu não pode condescender com anacronismos. Penso que a Espanha continua sem a lei que proíba a burca, tal como Portugal.

3 de Março, 2020 Carlos Esperança

Tão simples quanto isto

Por

ONOFRE VARELA

A maioria dos deputados da Assembleia da República aprovou todas as propostas apresentadas por diferentes partidos com o fim de se abrir a porta a uma lei que despenalize a prática da eutanásia (ou morte medicamente assistida) para quem a deseje reiteradamente. 

A lei que vier a ser discutida no sentido da sua aprovação, terá que definir muito bem as condições em que a eutanásia possa ocorrer.

Nesta primeira fase venceu a Razão e a Tolerância sobre a Crença Religiosa e a Intolerância. Votaram contra, os partidos de Direita aliados à Igreja e o Partido Comunista (PC). 

A Igreja é, como se sabe, uma instituição que vive da crença e da fé num deus de existência real impossível, valorizando o mito em desfavor da realidade dos factos que fazem a vivência de todos nós, com a agravante de querer impor as suas vontades medievais a toda uma sociedade, esquecendo que a Revolução Francesa (que a nós [re]chegou com o 25 de Abril de 1974) nos libertou dela.

O PC alinha com a Igreja na mesma negação do direito que cada um tem à sua própria vida e a pensar pela sua própria cabeça. O PC é defensor do colectivo… entenderá, por isso, que a vida dos seus militantes (e de todos os portugueses) também é colectiva, incluindo o pensamento de cada um, que também quererá “colectivizar”, negando o direito que temos ao nosso “pensamento privado” e à nossa própria vontade?

A Igreja também imagina dominar o pensamento da maioria dos portugueses e quer que pensemos de acordo com a sua vontade, para que, num referendo, saia vencedora impondo-se a todos nós!

Para que conste, sou filiado no PC e penso pela minha cabeça. Dispenso leis divinas ou ordens partidárias. Não obedeço a nenhum deus nem a nenhum partido. Obedeço ao meu raciocínio que foi construído por uma educação de qualidade, pela liberdade individual, pelo respeito devido aos outros e à Natureza, que os meus pais me deram. 

Por isso sou a favor de uma lei que despenalize a eutanásia. A razão que a tal me leva é tão simples quanto isto (que retirei do site Diário de uns Ateus):

A EUTANÁSIA não te obriga a morrer.

O ABORTO não te obriga a abortar.

O DIVÓRCIO não te obriga a divorciar.

O CASAMENTO HOMOSSEXUAL

não te obriga a casar com alguém do mesmo sexo.

OS DIREITOS NÃO TE OBRIGAM A NADA!

PORQUE ME QUERES IMPOR A TUA VONTADE, SE EU NÃO TE IMPONHO A MINHA?

Quem não percebeu, que ponha um dedo no ar…

Onofre Varela

2 de Março, 2020 Carlos Esperança

A islamofobia e o medo do Islão

A islamofobia, à semelhança de qualquer outra fobia, é doença psiquiátrica que exige terapia adequada. O medo do Islão é um reflexo legítimo de conservação, face ao perigo da religião política e do proselitismo demencial da jihad estimulado pelo Corão. Urge compreender a diferença e tomar precauções.

A UE tem matriz judaico-cristã, mas foram a luta contra o poder clerical e a progressiva secularização que fizeram a síntese entre os direitos individuais e a solidariedade social, através de Estados democráticos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos não nasceu nas sacristias, e o respeito pelos seus trinta artigos deve ser imposto a todos os que vivem dentro das fronteiras dos Estados democráticos, crentes e não crentes.

A aceitação de muçulmanos, como, aliás, de praticantes de qualquer outra religião, culto ou filosofia não exige a aprovação das crenças. O respeito aos crentes não se estende às suas crenças. O combate ideológico ao Islão é tão essencial como o foi, no passado, ao catolicismo, ao calvinismo e a todas as crenças que não desistiam da conversão dos que as recusavam. E como pode voltar a ser!

A Alemanha, o único país europeu com um memorial às vítimas do nazismo, expiou a crença na raça superior e na bondade da eugenia e do antissemitismo. Nos últimos anos, foi paladina da integração dos refugiados. Sob pena de renegarmos a civilização, temos o dever de os aceitar dentro das capacidades económicas e sociais da Europa para os integrar.

Há 3 anos, as autoridades alemãs encerraram a mesquita salafista “Fussilet 33”, em Berlim, uma escola de terrorismo que produziu quadros para o Estado Islâmico e cuja interdição pecou por tardia. Aliás, não há qualquer justificação para que as religiões sejam tratadas de forma diferente de quaisquer outras associações. A monitorização policial e a repressão devem ser proporcionais à perigosidade, dentro dos limites do Estado de Direito.

Afirmar que todas as religiões são pacíficas é uma mentira hipócrita e cínica. Insistir na mentira e na hipocrisia é comprometer o futuro da civilização e desistir da democracia.

1 de Março, 2020 Carlos Esperança

Maria de Magdala (História adaptada)

Naquele tempo, em Magdala, na antiga Palestina, uma multidão preparava-se para apedrejar Maria sobre quem recaía a acusação de pecadora. Fora um boato posto a correr, talvez por um corcunda da tribo de Manassé, ressentido por se ter visto recusado, que a sujeitara ao veredicto de que não cabia recurso.

O princípio do contraditório ainda não tinha sido criado, nem era hábito ouvir o acusado, jamais sendo mulher, nem a absolvição era previsível nos hábitos locais. A lapidação de Maria tinha transitado em julgado.

A lapidação era, aliás, um divertimento em voga, que deixava excitados os autóctones das margens do rio Jordão que atravessava o Lago Tiberíade a caminho do mar Morto. Diga-se, de passagem, que esse desporto ainda hoje é muito popular nos países islâmicos, para imenso gáudio das multidões e satisfação de Maomé.

Aconteceu que andando o Senhor Jesus a predicar por aquelas bandas, depois de indagar o que se passava, aproveitou a multidão para se lhe dirigir, e disse:

– Aquele de vós que nunca errou que atire a primeira pedra.

Todos pareceram hesitar. Muitos deixaram cair as pedras com que chegaram municiados. Havia crispação nos que vieram de longe, com sacrifício, e um certo desapontamento de todos os que esperavam divertir-se. Só o Senhor Jesus continuava sereno, a medir o alcance das suas palavras. Mas, eis que da multidão se ergueu um braço e Maria de Magdala caiu derrubada por uma pedra certeira.

Enquanto algumas pessoas a reanimavam, na esperança de repor o espetáculo que tão breve se esgotara, o Senhor Jesus foi junto do atirador e disse-lhe:

– Então tu, meu filho, nunca erraste?

– Senhor, a esta distância, nunca.

29 de Fevereiro, 2020 Carlos Esperança

O Islão e a teologia do cabotinismo – Escrito há 5 anos

Pegue-se numa cópia grosseira do cristianismo, com laivos de judaísmo, e faça-se um manual terrorista ao gosto de um beduíno boçal de há 14 séculos. Intoxiquem-se nele os povos e constranjam-se, torturem-se os réprobos e aliciem-se os devotos com rios de mel e virgens ansiosas. Produzem-se dementes fanáticos, embrutecidos pela fé.

Algures, no que resta do Iraque, entre os rios Tigre e Eufrates, onde nasceu a escrita e a civilização teve berço, despertaram selvagens em estado místico, primatas adestrados no uso de utensílios e armas sofisticadas, aptos a recriarem o habitat da Idade do Bronze.

Um dia servem-nos decapitações; no outro, assassínios; depois, homens enjaulados a arder lentamente ao som de gritos selvagens: “Deus é grande e Maomé o seu Profeta”.

É fácil identificá-los pelo aspeto simiesco, desprezo das fêmeas, comprimento dos pelos nas trombas e, sobretudo, pelo desprezo da vida e ódio à modernidade.

Bandos ensandecidos, suspeitando da inspiração do demo na arte assíria, destroem, com marretas e martelos pneumáticos, obras únicas, três milénios de arte preservados no Museu de Mossul, com a sanha com que queimaram milhares de manuscritos e de livros raros na Biblioteca Municipal. Viram infiéis nos sumérios e assírios e quebraram tábuas de gesso com escrita cuneiforme, com mais de cinco mil anos; na cabeça esculpida, da época suméria, imaginaram o busto de Maomé com um turbante carregado de bombas e partiram-na; e, no boi alado com três mil anos, divindade assíria, adivinharam escárnio ao arcanjo Gabriel fabricado na rotativa do Charlie Hebdo, e reduziram-no a cacos.

Há, nesta tragédia cultural, na metáfora do mais perverso monoteísmo, um apelo à raiva, à revolta e ao repúdio civilizacional contra a barbárie.

28 de Fevereiro, 2020 Carlos Esperança

Vaticano – O Papa, a teocracia e a liturgia 28-2-2013

B16 atirou com o chapéu de Papa

Há 7 anos, o Vaticano, bairro de 44 hectares, abriu vaga para Papa. Bento 16 deliberou manter-se vivo. Nos últimos dias procedera como os líderes profanos: continuou a fazer exonerações e nomeações. Substituiu-se a si próprio, dispensou o gerente do IOR, aceitou a resignação de cardeais pouco estimáveis, nomeou o novo bispo de Lisboa, futuro cardeal, e antecipou o consistório. O bispo de Lisboa, notoriamente reacionário, teve com Bento XVI uma oportunidade que dificilmente se repetiria.

Sendo o primeiro Papa a sair vivo do cargo, em quase 600 anos, criou alguns problemas à monarquia eletiva cujo sucessor, perdida a tradição dos Bórgias, deixou de ser filho ou familiar. A eleição do sucessor viria a ser feita pelos cardeais maioritariamente criados (termo canónico) pelo “Papa emérito”, título que demorou vários dias a encontrar, e foi igual ao dos bispos que terminam o prazo de validade.

Perdeu mordomias. Deixou o anel, que foi destruído, poupando o dedo; ficou impedido de usar a batina de peregrino; suspendeu o alvará da infalibilidade e criação de cardeais cujo trespasse passou para o novo pontífice; a interdição absoluta atingiu os sapatinhos vermelhos e o camauro. Manteve o direito a vestir-se de branco, ao uso do pseudónimo de Bento XVI e a tratamento de luxo com mordomos paramentados e freiras dedicadas.

Antes das 20H00 (19H00, em Lisboa) foi para Castel Gandolfo onde ficaria dois meses, até à conclusão das obras do convento, no Vaticano, onde estava previsto ficar até que o ciclo de vida se cumprisse. Admitiu-se que a euforia provocada pela eleição de um novo Papa rapidamente o fizesse esquecer, mas a sua sombra continuou a pairar através de sequazes que a correlação de forças não permitiu enxotar, como se viu com a publicação de um livro que impediu o sucessor de ordenar homens casados e, eventualmente, mulheres

Manteve o título de Santidade, título que designa a profissão e o estado civil, apesar da jubilação. E, como o cavalo de Jacques Prévert, pode gritar:

Eu estou vivo

É o principal

Bom apetite

Meu general!

(Tradução minha de um poema memorizado)