10 de Maio, 2020 Carlos Esperança
Sobre Anticlericalismo (3 e Fim)
Por
ONOFRE VARELA
Nos finais da Monarquia, os opositores à promiscuidade que havia entre Igreja e Estado eram os defensores da República, que repudiavam tanto a Monarquia quanto a Igreja (e já sabemos a razão desse repúdio). Para melhor se perceber a dimensão do anticlericalismo de Tomás da Fonseca, olhemos outra vez para a nossa História.
Quando o escritor e pensador Tomás da Fonseca nasceu, essa mistura dos poderes reais e eclesiásticos contava 736 anos. Houve tempo em que na Europa a Igreja interferia nos reinados de acordo com os seus interesses. Na verdade, o poder da Religião sobre a Política exerceu-se, oficialmente, por demasiado tempo, deixando marcas de subserviência no Povo que somos, e cuja factura ainda hoje pagamos!
Só nos últimos 44 anos vivemos sem essa ligação oficial da Igreja ao Estado, mas a ideia do poder da Igreja ainda mora em muitas mentes, incluindo cabeças eclesiásticas que se imaginam donas do pensamento e exercem poder sobre populações intelectualmente indefesas.
As mentalidades não se mudam por decreto nem por revoluções militares, mesmo que floridas. Mudam-se pelo ensino. Um ensino bem programado, cientificamente delineado e sem alterações constantes. E demora algumas gerações para colher bom fruto.
Voltemos à História: a primeira República, de pendor fortemente anticlerical, tinha na presidência Afonso Costa, a quem chamavam “mata-frades”. Apostado na naturalíssima laicização do Estado, aprova a Lei da Separação da Igreja do Estado em 1911. A Igreja é perseguida e confiscada (erro da República, sabemos nós hoje), e muitos clérigos exilam-se. O Povo, sempre crente e temente, maioritariamente não partilhava desta afronta republicana à Igreja, a qual adorava como antes da laicização do Estado, se não, mesmo, com mais fervor como desagravo das maldades que a República fazia aos padres! (Repare-se que não é raro autarcas a contas com a Justiça, serem reeleitos pelo Povo que adora as vítimas… na nossa História recente aconteceu em Felgueiras, Gondomar e Oeiras, nas Autárquicas de 2005!).
A Igreja era o símbolo da adoração de Deus, e a crença religiosa não era pertença exclusiva do Povo. Também na classe política dirigente havia quem não comungasse dos ideais anti-clericalistas de Afonso Costa. O estado-de-sítio conseguido entre República e Igreja, durou sete anos. Em 1918 Sidónio Pais restabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé, e a Igreja retomou o poder que lhe tinha sido retirado pela mesma República, que fazia marcha atrás nas suas decisões anticlericais.
Depois… chegou Salazar e o Estado Novo… os dois poderes reaproximaram-se, e a essência dos ideais republicanos que destronaram a Monarquia, ficou encostada à ombreira da porta do Parlamento, esperando por melhores dias. Só pela Revolução dos Cravos, em Abril de 1974 (56 anos depois) se restabeleceu a Democracia plena, e a Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária no dia 2 de Abril de 1976, aprovou a nova Constituição da República Portuguesa (com a oposição do CDS), que no seu artigo 41, §3, institui a separação do Estado da Igreja e das comunidades religiosas.
Por isso, hoje, não há clericalismo… nem o seu antídoto! O que há (isso sim) é a noção de a sensibilidade religiosa ser exactamente como o gosto: não se discute!… Mas, igualmente como o gosto, critica-se!… E a crítica não é anti-coisa-nenhuma. É um valor da Democracia, à qual muitos religiosos ainda têm imensa dificuldade de adaptação.
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)