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12 de Abril, 2014 Carlos Esperança

Com amigos assim, a Igreja não precisa de inimigos

Por

Henrique Raposo

8:00 Sexta feira, 11 de abril de 2014

Em dez anos de jornalismo, nunca falhei uma questão factual. Posso dizer disparates a jusante, mas a montante tenho sempre uma sólida base factual. Investigo, leio, sublinho, empilho recortes sobre o tema. Mas há sempre uma primeira vez: a base desta crónica é falsa , é uma piada que se transformou em mito urbano. Não, o arcebispo de Granada não disse para as senhoras pensarem em Deus enquanto fazem o fellatio da ordem aos maridos. Era bom de mais para ser verdade, não era? Como estava rodeado de amigos a comentar a notícia, nunca pensei que estava perante um mito urbano. Mas a culpa é só minha. Só tenho de pedir desculpas aos leitores.

Deus, porém, escreve direito por linhas tortas. Se não tivesse cometido este erro, nunca teria investigado a fundo esta personagem. E, depois de ler várias peças sobre Francisco Javier Martinez, só posso dizer o seguinte: com amigos assim, a Igreja não precisa de inimigos. Comecemos pelo soft porno. Martinez afastou um padre da vila de Albunol, porque o dito pároco acolhia imigrantes ilegais. O padre em questão, Gabriel Castillo, estava a fazer aquilo que a Igreja da caridade tem de fazer: ajudar os mais necessitados, acolher na sua própria casa os desgraçados que ali dão à costa em pele e osso. Mas, ora essa, Francisco Javier Martinez não admitiu tamanha heterodoxia no seu domínio e suspendeu Gabriel Castillo. Dentro do mesmo espírito, Martinez também expulsou noviças estrangeiras (indianas) de conventos. Um ecuménico, este Javier.

Mas deixemos o soft porno e passemos à pornografia moral pura e dura. Francisco Javier Martinez é daquele estirpe que, em nome de Deus e do Bem, entra em territórios mais do que questionáveis. Uma coisa é dizer que o aborto é um mal. E é, com certeza. Outra coisa, bem diferente, é dizer que o aborto voluntário dá aos homens a licença absoluta para abusar do corpo da mulher.

Eis a versão total e original: “matar a un nino indefenso, y que lo haga su propria madre, da a los varones la licencia absoluta de abusar del cuerpo de la mujer, porque la tragedia se la traga ella”. Preferia ter ficado na ignorância, preferia ter ficado no mito urbano, porque isto é muito pior.

Esta é a versão eclesiástica do ela-estava-mesmo-a-pedi-las, o arcebispo de Granada está a legitimar a violação das mulheres que abortam. O que é estranho para um suposto homem de Deus: um mal não se cura com outro mal, cura-se com o perdão, essa invenção de Jesus Cristo que muitos filisteus de batina nunca compreenderão.

Da série “És a minha fé”

Ler mais: http://expresso.sapo.pt/com-amigos-assim-a-igreja-nao-precisa-de-inimigos=f865007#ixzz2yaVw6YLF

11 de Abril, 2014 Carlos Esperança

Giordano Bruno vai ficar satisfeito e agradecido

O teólogo dominicano Frei Betto pediu ao papa Francisco a reabilitação de Giordano Bruno, o filósofo e astrónomo italiano condenado à fogueira pela Inquisição em 1.600 por considerar heréticos seus postulados filosóficos.

A revelação foi feita pelo teólogo em entrevista concedida ao jornal italiano ‘La Repubblica’ divulgada nesta quinta-feira. O encontro entre Frei Betto e Francisco ocorreu na residência do pontífice, a casa Santa Marta.

11 de Abril, 2014 Carlos Esperança

Ateísmo

Do álbum: Fotos da linha do tempo
De O Brasil contra a igreja católica e outras igrejas

9 de Abril, 2014 Carlos Esperança

João Paulo II (JP2) – a canonização agendada

A morte de JP2 relembrou a dor e sofrimento manifestados na URSS quando o pai da Pátria, José Estaline, exalou o último suspiro, e o histerismo demente que rodeou a morte do aiatola Khomeini em todo o mundo árabe, particularmente no Irão. Em comparação, as mortes de Franco, Salazar e Pinochet foram choradas de forma contida.

O absolutismo papal que restaurou com o apoio entusiástico do Opus Dei, Libertação e Comunhão, Legionários de Cristo e outros movimentos integristas, tornou JP2 o Papa da Contrarreforma, antimodernista, infalível, intolerante, substituindo os arcaicos autos de fé pela propaganda e pela diplomacia.

O Papa da Paz, como os adeptos o designam, apoiou a Eslovénia e a Croácia (católicas) e a Bósnia e o Kosovo (muçulmanos) contra a Sérvia cuja obediência à Igreja Ortodoxa constitui um entrave ao proselitismo papal que tem nos ortodoxos a principal barreira ao avanço do catolicismo para leste. Já assim foi na II Grande Guerra.

A proteção aos padres que participaram ativamente no genocídio no Ruanda é mais um desmentido ao boato sobre o alegado espírito de paz que o animava.

A intervenção de JP2 a favor da libertação de Pinochet, quando foi detido em Londres, é coerente com a beatificação de Pio IX, do cardeal Schuster, apoiante de Mussolini e do arcebispo pró-nazi Stepinac. O apogeu da afronta foi a canonização veloz do admirador de Franco e fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer.

JP2, ele próprio profundamente supersticioso e obscurantista, chegou a ser obsceno na forma como engendrou milagres para 448 santos e 1338 beatos cujos emolumentos contribuíram para o equilíbrio financeiro da Santa Sé e para o delírio beato dos fiéis.

Desde a prática do exorcismo à exploração de indulgências, da recuperação dos anjos à aceitação dos estigmas como sinal divino (canonizou o padre Pio), tudo lhe serviu para alimentar a fé de sabor medieval e o desvario místico.

O horror que nutria pela contraceção, o aborto, a homossexualidade e o divórcio são do domínio da psicanálise. O planeamento familiar era para o déspota medieval um crime. Considerava a SIDA um castigo do seu Deus e, por isso, combateu o preservativo, tendo o Vaticano recorrido à mentira, afirmando que era poroso ao vírus (2003). A misoginia, a conceção do carácter impuro da mulher e o horror à emancipação feminina foram compensados pelo culto insalubre da Virgem, recuperado da tradição tridentina.

Como propagandista da fé, pressionou Estados, intrometeu-se na política de numerosos países, ingeriu-se nos assuntos relativos ao aborto, à eutanásia ou ao divórcio e instigou populações contra governos legítimos, democraticamente eleitos. Apoiou os comandos antiaborto, estimulou a desobediência cívica, em nome da fé, pressionou a redação da prevista Constituição Europeia e chegou ao disparate de pedir aos advogados católicos que alegassem objeção de consciência e se negassem a patrocinar divórcios.

O Papa da Paz que condenou a atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago; que envidou todos os esforços para obter o da Paz para si próprio, que justamente lhe foi negado; que excomungou o teólogo do Sri Lanka, Tyssa Balasuriya por ter duvidado da virgindade de Maria e defendido a ordenação de mulheres; que perseguiu e reduziu ao silêncio Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Alessandro Zanotelli ou Jacques Gaillot; que marginalizou Hélder da Câmara e abandonou Oscar Romero; que combateu o comunismo e ficou em silêncio perante as ditaduras fascistas; João Paulo II morreu uns dias depois de o Vaticano ter proibido a leitura ou a compra do «Código Da Vinci», do escritor Dan Brown, e sem nunca ter censurado a fatwa que condenou à morte o escritor Salmon Rushdie.

O Papa que morreu, segundo a versão oficial, no dia 02-04-2005 (soma=13), às 21h37 (soma=13), curiosidades «assinaladas» pelo bispo de Leiria/Fátima, foi o beato algoz da liberdade, déspota persecutório, autocrata medieval e fanático supersticioso.

Foi ele que consternou chefes de Estado e de Governo, que alimentou os noticiários de televisões de todo o mundo, que rendeu biliões de ave-marias e de padre-nossos, que ocupou milhões de pessoas a rezar o terço, vestígio do Rosário da Contrarreforma, que recuperou.

O Papa que morreu era certamente uma pessoa de bem que escondeu essa faceta para ser celebrado por dignitários políticos, religiosos e outros hipócritas. É deste Papa de que falo, e que conheci, que deixo hoje, nesta página, o esboço.

A canonização de JP II é capaz de deslustrar a imagem que a propaganda construiu em torno do papa Francisco, um papa que tanto pode prorrogar o prazo de validade da sua Igreja como tornar-se para o Vaticano o que Gorbatchov foi para a URSS.

6 de Abril, 2014 Carlos Esperança

As Guerras da Fé (2/6)

Nicole Guardiola que acaba de ser publicado na revista “AFRICA 21”, edição n.º 84 de Abril 2014 e com o título “As Guerras da Fé.

A segunda evangelização de Africa

 

Nunca houve tantos cristâos no mundo e Africa é o continente onde o cristianismo ganhou mais adeptos nas ultimas décadas. Mas as Igrejas historicas e em particular a Catolica estão a perder terreno em proveito dos «neo cristãos» evangelicos e das seitas que semeiam a dúvida e o caos com o seu proselitismo agressivo e intolerante.

Em 1910 os cristãos de Africa eram cerca de 9 milhões e representavam 1,4 % da cristiantade. Um século mais tarde eram mais de 500 milhões ao sul du Sara, ou seja mais de metade da população e 23,6 % dos 2500 milhões de seguidores de Cristo – catolicos, protestantes ou ortodoxos- recenseados no mundo. A Nigeria com 80,5 milhóes de cristãos, a RDC (63,1) e a Etiopia (52,6) figuram no Top Ten das nações com o maior numero de fieis encabeçado pelos Estados Unidos (com 247 milhões) e o Brasil ( 176 milhóes).

Os protestantes são, de longe, os que mais contribuiram para esta expansão, dado representam 35,9 % dos cristãos africanos, contra 21,4 % de catolicos e 4,9 % de ortodoxos (concentrados essencialmente na Etiopia e no Egipto).

Não é preciso recorrer ao relatorio publicado em 2012 pelo Pew Forum on Religions, um instituto americano que estuda a evoluição das religões e do seu peso no mundo, para tomar conciencia de uma realidade bem visivel em todo o continente, dos suburbios das grandes cidades africanas á mais remota aldeia do mato. As igrejas proliferam em todo o lado, monumentais ou simples casebres, mas marcando todas a sua presença com o seu nome em letras grandes.

Os missionarios do século passado – catolicos ou protestantes – teriam alguma dificultade em reconhecer os seus discipulos nestas assembleias ruidosas que dansam, choram e entram em transe, gritando e cantando o seu amor por Jesus e invocando o Espirito Santo. E as Igrejas «historicas» não sao boas conselheiras para ajudar os governos africanos a por um minimo de ordem nesta cacofonia , separando o trigo do joio, a religião do charlatanismo, e as igrejas das seitas.
Novas igrejas ou seitas?

A doutrina evangelica que teve origem nos Estados Unidos tornou as diferenças mais indecifráveis. Os evangelicos não se tornam cristãos por um baptismo classico. Se tornam «verdadeiros cristãos» por via de um encontro directo com Jesus com um «homem de deus» que os ajuda a entender a Biblia, ver e ouvir Deus , abrir-se ao Espirito Santo e entrar numa «nova vida» (por isso são chamados Born Again, renascidos, e a nebulosa á que pertencem «Igrejas do Despertar»).

Ouvida a mensagem qualquer um pode escolher a igreja que mais lhe convem ou autoproclamar-se «profeta» e criar a sua. A Biblia que deve ser seguida á letra e o «amor de Jesus» que é incomensuravel são os argumentos avançados pelos «neo-cristãos» para rejeitar as acusações de charlatanismo. È Espirito Santo que confere o poder de converter e fazer milagres e segundo a Biblia, o espirito sopra onde quer: a justiça e as leis dos homens não tèm competencia nesta materia
Segundo os estudiosos da historia das religiões o sucesso estrondoso deste novo cristianismo é o resultado de uma dupla revolução iniciada logo apos a segunda guerra mundial.

A emergencia dos Estados Unidos como primeira potencia economica e militar do Ocidente reforçou nos cidadãos deste pais profundamente cristão a conviçcão de constituir um povo abençoado por Deus e vocacionado para conduzir os destinos do Mundo. Nesta visáo messianica da historia, a Casa Branca deveria ser a «Nova Jerusalem», o farol que iluminaria os povos em busca do caminho para sair das trevas.

Predicadores como Bill Graham ou Pat Roberson , criador da CBN (Christian Broadcasting Network) e da Christian Coalition(em 1988) conquistaram milhões de americanos e depois de ter sido conselheiros de vários presidentes conseguiram colocar o «born again» George W.Bush no poder. Nâo perderam muito com a vitoria do democrata Barrak Obama porque foi Rick Warren, considerado como o pastor mais influente dos EUA e o verdadeiro sucessor de Bill Graham o novo presidente escolheu para pronunciar a oração da sua primeira ceremonia de investidura, que foi impregnada de exaltação messianica.

È sob a influencia desta corrente que conquistou o espaço publico americano que a Casa Branca passou a seguir com atenção os progressos das igrejas e seitas evangelicas no resto do mundo, criando para o efeito um observatorio oficial da liberdade de culto no mundo que publica anualmente um relatorio com a chancela do Departamento de Estado onde são condenadas todas as politicas e medidas alegadamente anti-religiosas tomadas por estados tão dispares como a Arabia Saudita, Russia, China ou França.

Os evangelicos á conquista do mundo

A outra revolução, analisada pelo historiador britanico Philip Jenkins, da Universidade de Cambridge no seu livro «The Next Christendom» ( A cristandade do futuro) foi provocada pela demografia e abalou a base das igrejas historicas ao deslocar o centro de gravedade do cristianismo do Ocidente, prospero e liberal, para o hemisferio sul pobre e flagelado pela miseria, as doenças , a violencia e os abusos de poder.

A estes «danados da terra» , desiludidos dos «amanhas radiosos» prometidos pelos revolucionarios nacionalistas e/ou marxisantes (incluindos os teologos da libertação) as Igrejas cristãs «historicas» não tinham a oferecer mais do que paciencia e resignação, e a esperança do Paraiso no termo de uma vida de dores e sufrimentos.
Os evangelicos, pelo contrario, dispoem de um arsenal de respostas imediatas e de um Deus sempre presente e disponivel para responder aos pedidos mais trivais : a cura para os doentes, o fim das infidelidades e da violencia conjugal, o sucesso nos estudios e nos negocios

Inicialmente olhados de soslaio como ponta de lança do «imperialismo americano» (falou-se da «Jesus Connection» como braço da CIA) os novos missionarios são recebidos de braços abertos por uma juventude avida de modernidade e consumidora de outros produtos emblematicos da «american way of life» : fast food, coca-cola, tecno e telemoveis. As suas posições rigoristas nos grandes temas societais contra o divorcio, o aborto, a contracepção, a homosexualidade reconforta os sectores mais conservadores desnorteados perante o que chamam de « degradação dos valores e costumes tradicionais», a droga, o SIDA …
Os resultados estão a vista. Da America Latina ao Japão, passando por Africa e Europa as igrejas evangelicas não param de crescer. Já contam mais de 500 milhões de fieis e ao ritmo actual de mais de 50 000 conversões por dias dentro de duas décadas mais de metade dos cristãos de todo o mundo serão evangelicos..

Se a influencia anglosaxonica continua preponderante graças ás universidades, as edições e as novas tecnologias de comunicações, os norte-americanos já perderam o monopolio da mensagem e estão a perder a liderança em materia de evangelização. A Coreia do Sul é actualmente quem fornece o maior contingente de missionarios evangelicos a tempo completo(12 000), o Brasil e a Nigeria não estão longe (ver caixa) e criaram as suas proprias «multinacionais» religiosas.
A igreja catolica, que já têm as suas proprias igrejas carismaticas, poderá render-se a este neo-cristianismo sob a batuta do Papa Francisco que já aconselhou aos catolicos de andar sempre com a Biblia no bolso e exorta os sacerdotes á se virar para os pobres e os marginalizados com amor e compaixão.

A cruzada em Africa

África oferece um terreno de eleição para o desenvolvimento das igrejas neo-cristas por razóes culturais, sociais e até politicas.
Em primeiro lugar as crenças tradicionais africanas não estabelecem uma divisão intransponivel entre natural e sobrenatural, entre o mundo dos vivos e o dos antepassados e espiritos tutelares. Depois, e desde os alvores da evangelização, o continente gerou os seus proprios «profetas» – como Kimpa Vita , queimada viva pelos portugueses em 1706 cuja estatua se ergue á entrada da cidade angolana de Mbanza Congo – e as suas proprias igrejas separadas e em aberta rebelião contra as igrejas catolica ou protestantes importadas da Europa pelos colonizadores, o seu deus branco e o seu clero comprometido com o poder colonial «Liturgia oral, teologia narrativa, sentimentalismo agudo, comunitarismo» são segundo o pastor baptista Manuel Escobar, presidente da Aliança Biblica Universal algumas das razões que levam os africanos a se sentir bem e felizes nas «assembleias de Deus». Pregadores exaltados, invocações simples e ritmadas levam o auditorio ao rubro, ao transe e a este estado de conciencia alterado em que o «milagre» pode acontecer a todo o momento e se tornar visivel para todos, não se estáo longe de reproduzir o ambiente de um bom batuque que confere ao bruxo ou chamam africano o «poder» de comunicar e interagir com os espiritos e as forças protetoras do clã ou da tribo.

Mas as novas igrejas oferecem ao africano «destribalizado» mais do que um código de conduta alternativo, novos tabus e uma «familia de acolhimento» Vendem sonhos e esperanças de vida melhor neste mundo e não no alem, numa especie de livre-comercio no qual os favores divinos podem ser trocados por serviços. O que explica o recurso as tecnicas de marketing e ás concentrações de fieis : a força e a riqueza da igreja (e dos seus pastores) são benções, dádivas de Deus. Para serem recompensados da mesma forma os pobres, os doentes, os aflitos devem esforçar, dar mais – amor, dinheiro, dedicação, oração- . O enriquecimento de alguns (poucos) deixa de suscitar suspeitas e inveja, a ostentação desta riqueza um dever, uma forma de louvar o poder do Espirito Santo e de agradar a Jesus!

E não faltam predicadores capazes de convencer os politicos de a conquista e a conservação do poder dependem menos dos votos dos seus concidadãos que das intenções e projectos do Espirito Santo em relação á nação.
Os cavaleiros do Apocalipse

O aspecto mais problematico da doutrina evangelica – e das outras Igrejas aparentadas como os Mormons e as Testemunhas de Jeova é a sua intolerancia em relação a todas as outras religiões baseada numa interpretação literal (fundamentalista) da Biblia e em particular o Antigo Testamento e o Apocalipse.

Obsecados pelo «Fim dos Tempos» que julgam proximo, sobretudo depois dos atentados do 11 de setembro 2001, os «neo-cristãos» que se atribuiram a missão de preparar o regresso do Messias (que só acontecerá no termo de uma guerra em que todos os demonios e o proprio Diabo serão exterminados) reforçaram a sua militancia evangelizadora.

A tarefa não parece sobrehumana em relação aos Estados Unidos onde cerca de 90% da população cree em Deus mas é muito mais árdua e perigosa nos paises onde os propagadores da «verdadeira fé» estão em minoria e devem enfrentar fieis de outras creenças, não menos convictos da superioridade da sua religião. Em «terra de Islão» o proselitismo e a conversão são crimes que os estados que obedecem a charia punem de morte.

Os evangelicos se declaram dispostos ao martirio para levar a fé salvadora aos povos mais renitentes e os mais radicais não repugnam a recorrer à força para combater os «falsos profetas», expulsar os demonios e destruir todos os idolos. Já o fazem a pequena escala em vários paises africanos onde destruiram os terreiros e orixas do culto vodoo, queimaram as florestas sagradas , mataram bruxos e bruxas e torturaram e/ou ostracizaram crianças acusadas de serem «possuidas por espiritos malignos».

O choque dos fundamentalismos cristão e islamico pode ser ainda mais violento e dar lugar a verdadeiras guerras civis em vários paises africanos. O que acontece na Republica Centrafricana é uma pequena amostra do que pode vir a acontecer se a Nigeria se este pais vier a implodir.

6 de Abril, 2014 Carlos Esperança

As Guerras da Fé (1/6)

Nicole Guardiola que acaba de ser publicado na revista “AFRICA 21”, edição n.º 84 de Abril 2014 e com o título “As Guerras da Fé.

Guerras de religiões em Africa, fantasma ou realidade?

O surto de religiosidade que se regista em todo o planeta está a tomar proporções inquietantes em Africa onde o fenomeno religioso é particularmente explosivo.

O Islão ganha novos adeptos ao sul do Sara onde se assiste tambem á proliferação das igrejas e seitas cristãs e das crenças em poderes sobrenaturais e magicos vulgarmente conhecidas como «bruxaria» ou «feiticismo».

O fervor evangelizador dos «neo cristãos» e o medo do «terrorismo islamico» fazem recear a eclosão de novas formas de guerras civis como já acontece na Republica Centroafricana e pode acontecer amanha na Nigeria.

Depois de ter sido «refens da guerra fria» e de ter passado por sangrentas «guerras tribais» estarão os africanos condenados a morrer e matar em nome de Jesus ou de Allah?

A pergunta da escritora ruandesa Yolanda Mukasagana, sobrevivente do genocidio de 1994 no Ruanda faz todo o sentido e convida todos os dirigentes africanos a reflectir e concentrar as suas acções no combate contra á pobreza e aos outros problemas do continente em vez de se deixarem distrair por «causas que não são as nossas e nos empobrecem cada vez mais».

 

5 de Abril, 2014 Ludwig Krippahl

Teorias.

Por infeliz acidente histórico, “teoria” é a palavra que designa o nível mais alto do conhecimento humano: a teoria científica. Infeliz porque, durante um longo percurso, o termo acumulou muitos sentidos diferentes e, agora, quem quiser propor um qualquer conjunto de crenças como alternativa à ciência pode sempre apontar que a ciência “é só teorias”. Como se a ciência fosse equivalente, ou até inferior, aos disparates sem fundamento de coisas como o criacionismo, a teologia, as modas da new age e afins. Para desabafar sobre o erro destas alegações vou distinguir três tipos de produto da ciência e procurar o seu paralelo nas supostas alternativas.

Primeiro, a hipótese. A hipótese é uma proposição, uma expressão que pode ser verdadeira ou falsa. Pode ser “No princípio criou Deus os céus e a terra” ou “a massa do electrão é 1836 vezes menor do que a do protão”. Não interessa o tema. Há hipóteses em todos os sistemas de crenças, sejam ciência ou não, porque a crença, no fundo, é simplesmente a atitude de aceitar uma hipótese como verdadeira. Mas logo aqui há uma grande diferença entre a ciência, onde incluo a parte mais rigorosa da filosofia, e coisas como teologias, superstições e ideologias várias, onde incluo as partes mais vagas da filosofia, aquelas que facilmente se confundem com literatura, poesia ou má ficção. A diferença está na forma de encarar as hipóteses.

Do lado da ciência, as hipóteses são um ponto de partida. São matéria prima para desbastar, escavar e polir até encontrar algum cristal de verdade que resista à abrasão pelos factos. Do outro lado até evitam chamar-lhes hipóteses. São hipóteses à mesma, porque podem ser verdadeiras ou falsas. Normalmente até são falsas. Mas, para disfarçar, chamam-lhes dogmas, doutrina, revelação, intuição e essas coisas. Desse lado da cerca as hipóteses não são um ponto de partida e muito menos algo que possa rejeitar ou corrigir. São a Verdade. Algo perante o qual o crente se ajoelha em veneração e para além do qual se recusa ir. Esta é uma grande diferença entre a ciência e o resto: o ponto final do percurso dessas alternativas corresponde ao ponto de partida no caminho que a ciência faz até ao conhecimento.

Outro tipo de produto da ciência é o modelo. Por exemplo, a tabela periódica, as equações das orbitais atómicas do hidrogénio ou a maqueta do ADN que Crick e Watson fizeram com arame e cartão. Um modelo não é uma afirmação nem uma hipótese. Por si só, uma tabela, equação ou maqueta não é verdadeira nem falsa nem é objecto de crença. A particularidade do modelo é representar parte da realidade com suficiente detalhe e objectividade para que dele se possa inferir um conjunto coerente de hipóteses concretas. Sendo uma descrição detalhada e objectiva, o processo pelo qual se infere hipóteses a partir do modelo não depende da crença ou fé de cada um. Há uma maneira bem definida de ler e interpretar a tabela periódica que não depende de acreditarmos naquilo que lá está escrito. É muito difícil encontrar modelos fora da ciência. A astrologia recorre a modelos, mas são os da astronomia. O criacionismo faz de conta que tem um modelo de como surgiu a vida na Terra, mas acaba por não ter qualquer descrição coerente com o mínimo detalhe. Tem apenas um conjunto solto de hipóteses acerca de Deus ter feito este milagre aqui e aquele ali. Em geral, é isto que se passa com as religiões e restantes superstições. Interpretam textos sagrados, discorrem sobre intuições e alegadas revelações e invocam a fé mas nunca produzem uma representação detalhada que enquadre sem ambiguidade as hipóteses em que acreditam. Não há nada na teologia ou em qualquer esoterismo com o detalhe e a objectividade de uma fórmula química, um mapa ou uma equação.

Finalmente, a ciência produz teorias. Ao contrário da forma como muitos usam o termo, uma teoria não é um bitaite. É algo muito mais profundo e até difícil de apreciar sem ganhar primeiro alguma familiaridade com este tipo de coisas. Uma teoria é um esquema gerador de modelos. É uma estrutura rigorosa de conceitos e relações que especifica que modelos são possíveis, e é de tal forma restritiva que, normalmente, basta saber alguns parâmetros para reduzir as possibilidades a apenas um modelo. Por exemplo, a teoria da relatividade permite-nos saber onde um asteróide vai passar décadas mais tarde apenas observando a sua velocidade e posição (1). As teorias científicas são também muito abrangentes. Com a teoria da relatividade podemos modelar o movimento de planetas e estrelas, a trajectória de electrões num tubo de raios catódicos e até medir a perda de água no solo da Índia pelo efeito na órbita de satélites (2).

É um erro propor teologias ou misticismos como vias de conhecimento paralelas à ciência porque são meros vestígios de abordagens rudimentares. Admito que a crença nessas hipóteses possa ter valor subjectivo para algumas pessoas mas, por muito valor que tenham enquanto crença, como conhecimento não valem nada. Sem suporte na realidade, nunca passaram daquela fase especulativa inicial. Para organizar hipóteses em modelos detalhados é preciso testar e escolher com cuidado as que melhor correspondem à realidade. Senão, sempre que se entra em detalhes os erros tornam-se evidentes. O resultado é que, fora da ciência, as afirmações acerca da realidade ou são vagas demais para dizerem o que quer que seja ou são claramente disparatadas. E para encaixar os modelos em teorias que unifiquem aspectos da realidade tão diferentes como, por exemplo, galáxias e electrões ou baleias e vírus, é preciso uma compreensão profunda que só surge depois de séculos a corrigir erros e a rejeitar ideias falsas. Só então é que o que sobra começa a encaixar. Este percurso foi exclusivo da ciência. Não há nada fora da ciência com um palmarés tão grande de erros corrigidos. Não há nada fora da ciência que tenha ido tão longe. Por isso, não há nada fora da ciência que chegue a ter teorias. Se bem que o melhor que a ciência pode oferecer é, realmente, “só teorias”, as alternativas ficam todas muito atrás, sem passarem sequer das hipóteses.

1- Wikipedia, 99942 Apophis
2- NASA, NASA Satellites Unlock Secret to Northern India’s Vanishing Water

Em simultâneo no Que Treta!

30 de Março, 2014 José Moreira

A Metáfora

Confesso que não li a Bíblia. Ou antes, ainda não ti a Bíblia toda. Pela singela razão de que não gosto de prosseguir a leitura de um livro ser ter compreendido devidamente a leitura anterior. Ora, na Bíblia empanquei naquela parte que diz que Caim, depois de ter matado Abel e de Javé se ter chateado com ele quando descobriu, o que

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quer dizer que aquela cena do “Deus sabe tudo” é uma brande treta, dizia eu que Caim foi, segundo a Bíblia, ter à terra de Node. Aí conheceu sua mulher, mas em lado nenhum  diz donde veio essa mulher, o que é estranho se considerarmos que até ao episódio em questão só havia três pessoas à face da Terra, ou seja, Eva, Adão e Caim, já que Abel tinha entrado em defunção. Ora, não compreendendo isto, acho que é meu dever ético não prosseguir a leitura, não vá a compreensão do episódio fazer falta para compreender os episódios que, fatalmente, hão-de seguir-se.

Compadecido com as minhas dúvidas, e ansioso por que eu voltasse às sagradas leituras, o meu amigo Libório, católico confesso a compulsivo, elucidou-me: “Não tens de te preocupar. Até ao episódio de Abrão, a Bíblia é uma metáfora, nada daquilo é verdade. Só a partir de Abraão, ele incluído, é que passa a ter  foros de verdade, ou seja, tudo aquilo aconteceu mesmo!”

Acabei por me tranquilizar, mas logo outra dúvida me surgiu:

– Olha lá, Josué é antes ou depois de Abraão?

– É depois, naturalmente! Abrão é referido no Génesis, ao passo que Josué só surge no Êxodo.

– Então – prossegui eu – se tudo o que acontece após Abraão é verdade, parece não haver dúvidas de que o Sol anda à volta da Terra, e não o contrário.

E sem lhe dar tempo:

– Porque em Josué 10:12 refere-se que “Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor deu os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, e disse na presença dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeom, e tu, lua, no vale de Ajalom.” Ora, a Lua toda a gente sabe que gira à volta da Terra; quanto ao Sol, se Josué também o mandou parar é porque ele é que anda.

O meu amigo ficou de me dar uma resposta mais tarde.