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9 de Junho, 2020 Carlos Esperança

Uma velha história pia recreada com um tique jacobino e um toque de humor.

A vida, a morte, a ressurreição e o sermão ímpio

Na última sexta-feira, adjetivada de santa, a cristandade chorou a morte matada de Jesus Cristo (JC), judeu utilizado por Paulo de Tarso na cisão com o judaísmo, e às 00H00 de domingo houve euforia com a ressurreição, todos os anos repetida. Nos três dias de luto, nunca três dias tiveram tão poucas horas, puseram de lado a carne, sobretudo de porco e, presume-se, também aquela que dá origem ao pecado da luxúria.

JC, antes de proceder à sua ressurreição e de ter subido ao Céu com os órgãos intactos, incluindo o santo prepúcio que, só em Itália, chegou a gozar o ouro de igual número de relicários, antes de um papa acabar com as peregrinações e a disputa sobre o verdadeiro, com a alegação de que a subida ao Céu não podia deixar resíduos, JC já tinha treinado o truque da ressurreição num pobre diabo, que referirei adiante, onde ganhou prática.

Sabe-se que JC morreu no Gólgota onde o dedicado Cireneu o ajudou a arrastar a cruz e, embora com algumas discrepâncias, o Novo Testamento encarregou-se da narrativa da morte, da ressurreição e das conversas com pessoas das suas relações antes de subir ao Céu. Sabe-se que deu nas vistas nos últimos três anos de vida em que se dedicou aos milagres e à pregação, atividades frequentes para quem fugia ao setor primário. Um dos milagres, quiçá o que lhe valeu a divindade, milagre só repetido para si próprio, foi o da ressurreição de Lázaro. Hoje os milagres são pífios e basta a cura da queimadela de um olho com óleo de fritar peixe, suprindo o colírio, para canonizar um bem aventurado.

O homilia da ressurreição de Lázaro é, ainda hoje, um comovente exercício da divina omnipotência. Era este sermão que cabia fazer ao pároco de uma aldeia da Beira, num qualquer domingo depois do Pentecostes, quando ficou afónico. Não se atrapalhou o padre e ordenou ao sacristão, inexperiente na parenética, que fosse ele, a substituí-lo.

Depois das peripécias da recusa, que por economia dispenso de referir, o padre garantiu estar a seu lado para emendar algum erro improvável a quem sabia de cor o sermão que tinha ouvido dezenas de vezes. E assim fez.

Tal como combinado, o sacristão advertiu os paroquianos que ia dizer o sermão pelas razões conhecidas, e começou:

– Queridos irmãos, naquele tempo estava Jesus e alguns apóstolos, com a mesa e a mala, a fazer milagres à beira do Lago de Genesaré, hoje chamado de Tiberíades, e veio junto dele um coxo e disse: «Senhor, curai-me» e o Senhor curou-o; veio depois um cego com igual pedido e o Senhor curou-o; e fez o mesmo com sifilíticos, leprosos e paralíticos. Já Jesus tinha arrumado a mala e ainda vieram junto dele as irmãs de Lázaro, chorosas, e lhe disseram: «Senhor, o nosso irmão morreu; Senhor, valei-nos». O Senhor disse-lhes: ide e orai e elas assim fizeram.

O Senhor foi junto da campa de Lázaro e ordenou-lhe: Lázaro, levanta-te e anda. E ele andeu…

…«andou, estúpido!» balbuciou-lhe do lado o padre, afónico. E o sacristão continuou…

…andou estúpido algum tempo e depois curou-se.

8 de Junho, 2020 Carlos Esperança

Associação Ateísta Portuguesa (AAP) – 12.º Aniversário

No 12.º aniversário da reunião da 1.ª Assembleia Geral que elegeu os corpos sociais da AAP para o primeiro mandato, deixo aqui o Manifesto Ateísta divulgado na sequência do registo notarial, nove dias antes.

«Manifesto Ateísta»

Na sequência da legalização da Associação Ateísta Portuguesa (AAP), os outorgantes da respetiva escritura saúdam todos os livres-pensadores: ateus, agnósticos e céticos, que dispensam qualquer deus para viverem e promoverem os valores da liberdade, do humanismo, da tolerância, da solidariedade e da paz.

Os ateus e ateias que integram a AAP, ou a vierem a integrar, aceitam os princípios enunciados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e respeitam a Constituição da República Portuguesa.

O objetivo da AAP é mostrar o mérito do ateísmo enquanto premissa de uma filosofia ética e enquanto mundividência válida. Porque o ser humano é capaz de uma existência ética plena sem especular acerca do sobrenatural, e porque todas as evidências indicam que nenhum deus é real.

A AAP defende também os interesses comuns a todos os que escolhem viver sem religião, defendendo o direito a essa escolha e a laicidade do Estado, e combatendo a discriminação e os preconceitos pessoais e sociais que possam desencorajar quem quiser libertar-se da religião que a sua tradição lhe impôs.

A criação da AAP coincide com uma generalizada ofensiva clerical a que Portugal não ficou imune. Apesar de o ateísmo não se definir pela mera oposição à religião e ao dogmatismo, em nome da liberdade, da igualdade e da defesa dos direitos individuais a AAP denuncia o proselitismo agressivo e a chantagem clerical sobre as sociedades democráticas. O direito de não ter religião, ou de ser contra, é igual ao direito inalienável de crer, deixar de crer ou mudar de crença, sem medos, perseguições ou constrangimentos.

O ateísmo é uma opção filosófica de quem se assume responsável pelos seus actos e pela sua forma de viver, de quem dá valor à sua vida e à dos outros, de quem cultiva a razão e confia no método científico para construir modelos da realidade, e de quem não remete as questões do bem e do mal para seres hipotéticos nem para a esperança de uma existência após a morte. A AAP representa todos os que optem por esta forma de viver e defende a sua liberdade de o fazer.

Lisboa, 30 de maio de 2008
(Ortografia atualizada)

8 de Junho, 2020 Carlos Esperança

Violência contra as mulheres – os monoteísmos e a misoginia

A tara judaico-cristã, comum aos três monoteísmos, foi sendo atenuada pela civilização, mas permanece na matriz genética das religiões do livro e no espírito dos hierarcas que as divulgam, e delas vivem, bem como dos crentes que as seguem.

Paulo de Tarso, o autor da primeira cisão conseguida do judaísmo, preservou o horror à mulher, em perfeita consonância com a lei moisaica de que, aliás, só divergiu quando se convenceu de que o Messias anunciado era Jesus Cristo, um judeu que morreria sem se aperceber que originara uma nova seita, que o imperador Constantino, por necessidade de cimento para o Império Romano, havia de converter em religião, dando-lhe a liberdade de culto, em 313, o que seria fundamental para a futura conversão total do império. Teodósio, algumas décadas depois, em 380, tornaria obrigatório o cristianismo.

Todavia, o apogeu da demência misógina seria atingido com Maomé na cópia grosseira dos monoteísmos anteriores. E não vale a pena dizer que é a versão errada do islamismo que dá origem à violência. É isso que o Corão, manual terrorista elevado à categoria de livro sagrado, ensina. Foi assim que o «Profeta Maomé, o Misericordioso», alcunha do beduíno analfabeto e amoral, pensou.

O horror causado pela discriminação da mulher leva os crentes a desculpar as religiões o que, independentemente da crença ou descrença, não permite alhear-nos da influência no sofrimento secular imposto a metade da Humanidade, por discriminação sexual.

É verdade que o cristianismo se civilizou, graças à repressão política sobre o clero, e o judaísmo se reduz a menos de 20 milhões, a maior parte secularizados, o que não deixa de ter influência nefasta na violência sionista, mas existe a possibilidade de retrocesso.

Só o islamismo, no ocaso da fracassada civilização árabe, permanece virulento e não foi surpresa, para quem acompanha a sua deriva política, cunhada como fascismo islâmico, que o Estado Islâmico, à semelhança do que acontecera com os talibãs no Afeganistão, tenha ordenado às mulheres severas restrições à liberdade depois de, em junho de 2014, ter tomado Mossul. Foi assim que o uso do véu integral e a mutilação genital feminina [não sendo esta uma imposição de todo o Islão] foram exigidos, bem como a cobertura dos pés e mãos, sob pena de «castigos severos».

É difícil perceber que, sob o álibi do respeito pelas religiões, não se combatam no plano ideológico, à semelhança das doutrinas políticas consideradas perversas.

Deixo aqui a opinião de dois ‘santos doutores’ do cristianismo cuja censura me levaria à fogueira se não tivesse havido o Renascimento, o Iluminismo e a Revolução Francesa.

“No que se refere à natureza do indivíduo, a mulher é defeituosa e malnascida, porque o poder ativo da semente masculina tende à produção de um perfeito parecido no sexo masculino, enquanto que a produção de uma mulher provém de uma falta do poder ativo.” (Tomás de Aquino, Summa Theologica)

“Nada rebaixa tanto a mente varonil de sua altura como acariciar mulheres e esses contactos corporais que pertencem ao estado do matrimónio.” (Santo Agostinho, “De Trinitate”)

5 de Junho, 2020 Carlos Esperança

Desenhos

4 de Junho, 2020 Carlos Esperança

Terrorismo

É um erro tão grave atribuir o terrorismo à emanação da luta de classes como tolerar as madrassas e mesquitas que o promovem e, sobretudo, o livro que inspira os seus agentes.

Não podemos ver em cada crente um terrorista, mas não podemos ignorar a falsidade e a nocividade da doutrina que os intoxica.

O terrorismo não é monopólio de uma religião, é a bomba detonada de qualquer religião não submetida ao secularismo democrático e à repressão do clero que o fomenta.

1 de Junho, 2020 Carlos Esperança

Escrito há 4 anos

A Europa, o véu islâmico e a liberdade

A advogada-geral do Tribunal Europeu de Justiça, Julianne Kokott, considerou que as empresas podem não aceitar símbolos religiosos no interior das suas unidades e, assim, proibir o véu islâmico, porque vulnerabiliza a neutralidade religiosa.

É a primeira vez que a justiça comunitária se pronuncia sobre o que, aparentemente, se afigura como interferência nas liberdades individuais. Não faltará, pois, quem considere abusiva a medida e perigoso o precedente que mais não pretende do que evitar o desafio à laicidade e ao carácter secular da civilização europeia.
É um facto que algumas muçulmanas, por hábito e tradição, se sentem confortáveis com o adereço, mas, por cada uma que o aprecia, há centenas obrigadas a conformar-se.

Os constrangimentos sociais de guetos, onde as mulheres são a mercadoria que cabe aos homens transacionar, deve levar uma sociedade civilizada a evitar que comportamentos misóginos se perpetuem. O véu é o símbolo de submissão onde alguns veem um direito e quase todos a perpetuação de uma humilhação em função do sexo.

É a primeira vez que, perante um despedimento numa empresa que proíbe a exibição de símbolos políticos, religiosos ou filosóficos, se vai pronunciar o Tribunal Europeu de Justiça, que habitualmente acolhe a posição da sua advogada-geral. Se tal acontecer, faz jurisprudência que evitará a guerra dos símbolos religiosos que o proselitismo religioso gosta de travar.

A exibição de símbolos religiosos como manifestação pública de comunitarismo que se perpetua terá de dar lugar à cidadania integradora. A identidade que se preserva na luta contra a igualdade de género e na afronta às sociedades abertas e cosmopolitas não é um direito, é uma provocação.

Se o Tribunal Europeu produzir o acórdão que se espera, não é a liberdade que se limita, é o ataque que se previne, defendendo a laicidade.
http://internacional.elpais.com/…/ac…/1464685642_291140.html

30 de Maio, 2020 Carlos Esperança

O dia do Corpo de Deus

O dia do Corpo de Deus é, se a memória da catequese me não falha, a segunda quinta-feira depois do Pentecostes.

Em garoto achava graça a este acaso do calendário e não me admirava com a marcação litúrgica do dia santo que aceitava com a mesma tranquilidade com que aguardava o dia de mercado da Miuzela, este na 3.ª quinta-feira de cada mês, ritual que se mantém com menos gado e mais veículos motorizados.

A única coisa que sempre me surpreendeu no corpo de Deus, dada a sua dimensão, foi a quantidade de fazenda para um fato e a dificuldade do alfaiate em tirar-lhe as medidas.

Mas, nestas coisas do divino, o que pode saber um incréu?

Mas interrogo-me por não haver um dia para cada órgão do corpo divino, sobretudo para as vísceras.

28 de Maio, 2020 Carlos Esperança

A laicidade como condição de paz e sobrevivência

Repetir é didático. Reitero a minha determinação em defender todos os crentes de todas as religiões e em combater todas as crenças prosélitas, totalitárias, racistas, xenófobas e misóginas.

Os pregadores do ódio que nas mesquitas e madraças acirram os crentes contra os infiéis não fazem mais nem pior do que os cristãos, ao longo dos séculos, contra muçulmanos e judeus, ou estes contra os muçulmanos da Palestina.

Não podemos consentir que todos os crentes de uma ideologia totalitária vivam reféns do medo e da vingança tal como não podemos deixar-nos ficar à mercê dos que julgam ter o Paraíso à espera depois de nos liquidarem.

O primarismo islâmico, exacerbado pelo fracasso da civilização árabe, é terreno fértil para a conversão e espaço assassino para os apóstatas. O fanatismo dos convertidos é hoje tão ardente como o dos primatas que corriam ao apelo dos papas para as Cruzadas ou ao dos monges que ateavam as fogueiras da Inquisição.

É difícil convencer Governos democráticos a abstraírem-se dos votos, a pensarem nos deveres cívicos e de que é intolerável que as crianças cresçam sob a fanatização das crenças, tantas vezes patrocinadas por eles nas escolas públicas, mas é intolerável que qualquer religião goze de privilégios diferentes de outra associação cívica.

Não cabe aos Estados pronunciarem-se sobre as virtudes de um credo ou definir direitos em função do número de fiéis. Tal como acontece com os partidos políticos, que partem em igualdade de direitos para cada escrutínio, assim deve ocorrer com todas as crenças, em cada dia, e serem objeto de vigilância quando a sua perigosidade o justifique.

O racismo é execrável e o respeito pelas minorias uma exigência ética e democrática. Só não podemos conceder a nenhum Deus ou à sua ausência que o apelo à violência ou o direito de impor os preconceitos de uma religião se sobreponha ao Código Penal de um País laico e democrático.

Um incitamento ao crime é um crime em si mesmo, ainda que venha na Tora, Bíblia ou Corão, e não se vê que seja racional aceitar cultos de religiões que nos países onde são poder proíbem as que os consentem.

A paz e a liberdade não podem ser deixadas ao arbítrio de Deus, têm de ser a exigência de quem prefere morrer pela democracia a vegetar numa teocracia.