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30 de Julho, 2020 Carlos Esperança

Naquele tempo… (crónica ímpia)

Naquele tempo, Deus não era ainda o mito. Era apenas mitómano, a gabar-se de ter feito o Mundo em 6 dias, quatro mil e quatro anos antes da era vulgar, nem mais, nem menos, e descansado ao sétimo.

Era um celibatário inveterado que inadvertidamente criara Adão e Eva no Paraíso, onde matava o ócio na olaria. Fez o homem à sua imagem e semelhança e a mulher a partir de uma costela do homem.

Mandou que se afastassem da árvore do conhecimento, ordem que Eva logo desprezou, tentada por um demónio que por lá andava. O senhor Deus logo os expulsou do Paraíso, recriminando a malvada e condoído do tonto que se deixou tentar, enquanto o Demónio, igualmente expulso, foi viver num condomínio privativo – o Inferno.

Entretanto, na Terra, local de exílio, o primeiro e único casal logo descobriu um novo e divertido método de reprodução que amofinou o Senhor e multiplicou a espécie.Deus era bastante sedentário, mas as queixas que lhe chegaram pelos anjos, um exército de alcoviteiros hierarquizados, decidiram-no a deslocar-se ao Monte Sinai onde ditou a Moisés as suas vontades. Ensandecido pelo isolamento e pela castidade veio ameaçar os homens e exigir-lhes obediência e submissão.

Algum tempo depois, vieram profetas – vagabundos que prediziam o futuro –, lançando o boato de que o velho, tolhido do reumático, enviaria o filho para salvar o Mundo. Foi tal a ansiedade nas tribos de Israel que alguns logo vislumbraram, no filho da mulher de um carpinteiro de Nazaré, o Messias anunciado.Com falta de empregos, algum pó e líquidos capitosos à mistura, criaram a inverosímil história do nascimento do pregador com jeito para milagres e parábolas. Puseram a correr que Maria fora avisada pelo Arcanjo Gabriel – o alcoviteiro de Deus –, de que, na permanente castidade, ficara prenhe de uma pomba chamada Espírito Santo.

Nascido o menino que nunca mijou, usou fraldas, fez birras ou fornicou, foi discreto na adolescência e dedicou-se cedo aos milagres e à pregação. Falava no pai e na obrigação espalharem todos as coisas que dizia. Acabou crucificado e culparam os judeus, desde então os suspeitos do costume. Claro que JC era judeu, mas isso foi e é irrelevante.Admite-se que foi circuncidado e era exímio em aramaico, língua em que discutiu com Pôncio Pilatos, que apenas sabia latim, sem necessidade de intérprete.

Depois de crucificado, demorou-se três dias, provisoriamente morto, antes de ascender ao Céu com o prepúcio recuperado, o que desencadearia muitas discussões teológicas.

Os judeus ainda hoje são odiados porque o mataram, mas há exegetas que admitem que foi calúnia dos que criaram a nova religião e quiseram eliminar a antiga. Ódio de trânsfugas!

29 de Julho, 2020 Carlos Esperança

Há 7 anos

O papa Francisco defendeu a “laicidade do Estado”. O papa Francisco surpreendeu claramente ao defender o Estado secular: “a coexistência pacífica entre as diferentes religiões fica beneficiada pelo estado secular, que, sem assumir como própria, nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade “.Como se conciliam tais palavras, que admito sinceras, com o que se passa em Portugal:

– Isenções de impostos de que beneficia a Igreja católica Apostólica Romana (ICAR);

– Pagamento pelo Estado dos capelães militares, hospitalares e prisionais;- Existência de uma disciplina de EMRC;

– Contratação de professores da EMRC, livremente nomeados e exonerados por bispos;- Presença de cavalos, músicos e militares nas procissões e em outros espetáculos pios;

– Profusão da iconografia católica nas paredes dos edifícios públicos;- Presença de sotainas em cerimónias do Estado;

– Designação pia de hospitais quando não há uma só Igreja com nome de políticos;

– Com dificuldades orçamentais, uma embaixada exclusiva para o bairro do Vaticano, havendo outra em Roma;

– Etc., etc., etc..

25 de Julho, 2020 Carlos Esperança

Já faltou mais…

Um membro do Comité para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício (CPVPV), antigo Comité para a Propagação da Virtude e Eliminação do Pecado, (CPVEP) a orientar um pintor.

24 de Julho, 2020 João Monteiro

Madre Teresa: o anjo do inferno

Uma vez que chegámos ao final da semana e preparamo-nos para descontrair, partilhamos hoje o documentário Hell’s Angel, que retrata a vida de Madre Teresa de Calcutá, narrado pelo ateu Christopher Hitchens (1949-2011).

Este documentário, que é um clássico do movimento ateísta, pretendeu apresentar uma outra perspetiva, mais negra, mas também mais real e menos romanceada, da Madre Teresa, apresentando-a como uma mulher que incitava os pobres a aceitarem a sua condição social e negando-lhes cuidados de saúde essenciais, ao mesmo tempo que angariava quantias avultadas de dinheiro, por vezes junto de pessoas com percursos menos éticos. Este documentário antecedeu o livro “The missionary position: Mother Theresa in theory and practice” (1995).

Boa sessão!

https://www.youtube.com/watch?v=76_qL6fiyDw
23 de Julho, 2020 João Monteiro

A indignação de um profissional de saúde

Texto da autoria de Vítor Oliveira.

Liguei à enfermeira chefe do meu serviço, a tremer de excitação, assim que recebi a notícia.
“Boa noite, chefe. Soube que vamos receber doentes de COVID-19. É verdade?”
“É verdade, sim.”

Desde o início da pandemia, dizia aos meus colegas: “quero ir para a linha da frente”. A ideia era estimulante, o desejo dessa experiência altamente apetecível. Para um auxiliar de ação médica, como eu, os dias são bastante rotineiros e os novos desafios são escassos, especialmente depois de mais 10 anos no mesmo serviço. Não me interpretem mal, eu adoro o meu trabalho e, aliás, não me vejo a fazer outra coisa que não seja aquilo que faço. A desgraça que nos assolou a todos trouxe a perspectiva da possibilidade de me colocar à prova num novo ambiente, numa nova realidade que nunca havia experimentado. Estava ansioso por poder fazer parte da linha da frente e a voz do outro lado da linha dizia que o desafio havia sido lançado e eu havia sido chamado. Aceitei, mesmo sabendo os riscos que me esperavam e não estou arrependido. Tive (e ainda tenho) a oportunidade de assistir a extraordinários exemplos de superação humana.

Hoje, depois de quase 3 meses de batalha, o meu sangue ferveu quando me deparei com a notícia que me levou a escrever estas palavras.

Segundo o jornal Agência Ecclesia, realizou-se no Hospital de Gaia, dia 17 de julho, uma celebração de ação de graças pelos recuperados de COVID-19, onde as palavras do bispo auxiliar do Porto, D. Armando Esteves, foram de que o Serviço de Assistência Espiritual pretende “proporcionar um momento de manifestação de fé, renovando a esperança e reafirmando a confiança em Deus, agradecendo-lhe pela dedicação e pela coragem daquelas e daqueles que servem a nobre tarefa do cuidado dos doentes infetados”.

Reafirmar a confiança em Deus, agradecendo ao mesmo (Deus) a dedicação e a coragem dos que estiveram na linha da frente? Compreendi bem as suas desafortunadas palavras, caro D. Armando Esteves? Vossa Excelência não estará, acaso, a romantizar excessivamente os acontecimentos através de uma óptica que é favorável à sua fé naquilo que “está” no céu? Se esse é o caso, permita-me que eu, mísero mortal, o traga de volta à realidade na terra.

Dedicação e coragem vi eu, quando colegas meus deixaram de ver a família por semanas com medo de os infetar e mesmo assim, a enxugar lágrimas de receio e saudade, continuaram a trabalhar zelosamente, todos os dias, sem faltar ao trabalho. Deus não vi, não compareceu para os ajudar.

Dedicação e coragem vi eu, quando olhos atentos e mãos extremosas ajudavam na colocação dos fatos de proteção, tapando qualquer abertura nos mesmos de forma a manter protegidos os colegas que iam entrar. Deus não vi, não compareceu para os ajudar.

Dedicação e coragem vi eu, quando desgastados após horas a suar devido ao abafo dos fatos claustrofóbicos, com sede e fome e vontade de se aliviarem dos despojos das suas funções corporais, colegas meus continuavam a ser caridosos para com os utentes que estavam a cuidar. Deus não vi, não compareceu para os ajudar.

Dedicação e coragem vi eu, quando vários enfermeiros que ficaram com úlceras de pressão devido ao uso dos equipamentos de proteção, voltaram de novo a entrar quando chamados em situação de urgência, ignorando a ferida que lhes doía. Deus não vi, não compareceu para os ajudar.

Dedicação e coragem vi eu, quando imensos grupos de voluntários se uniram para, com o seu tempo e dinheiro, nos fazerem de raiz o material de protecção que não possuíamos. Foi-me impossível não ficar emocionado ao ver redes imensas de genuína empatia humana a expandirem-se pelo ciberespaço e a conseguir arrecadar milhares de euros para esta causa. Deus não vi, não compareceu para os ajudar. Vi uma tremenda força terrenal, todos os dias, a brotar de locais onde a esperança parecia perdida… no entanto, rejubilem-se os fiéis! Foi Deus! Deus, o maior interveniente nas acções fantásticas destes seres menores! É para ele que vai o agradecimento maior! Nunca as mãos humanas, nutridas apenas pela filantropia, conseguiriam materializar assim a esperança que parecia perdida! Aleluia! Aleluia! Manifestemos a nossa fé, renovemos a esperança! O Homem é secundário e a confiança está sempre em Deus!

Poderei perguntar que Deus é esse que, embora seja capaz de facilmente intervir e guiar a natureza humana, se demonstra ser incapaz de exterminar um pequeno vírus da mãe natureza? Que permite que esse mesmo vírus possa infectar e adoecer e matar e afectar a vida de milhões de pessoas? Onde lhe anda a pujante omnipotência, bíblica em proporções, nos dias de hoje? Será que a perdeu? Não existirá um fármaco celeste que lhe trate tal problema?

Eu tinha um preconceito que seguia a esta linha, “aquele que através da fé vislumbra a ilusão da bondade celeste, dificilmente deposita os olhos na verdadeira bondade humana”. Hoje, o preconceito desapareceu e tornou-se facto, ao perceber que os meus companheiros e companheiras ficaram desprovidos dos méritos que lhes são devidos, pois os louros acabaram predados a favor de um Deus ausente.

Imagem de Sasin Tipchai por Pixabay
21 de Julho, 2020 João Monteiro

Porque Deus nunca completou o Doutoramento?

1. Só teve uma publicação relevante;
2. Estava escrita em aramaico em vez de língua inglesa;
3. Não possuía referências;
4. Não foi publicada numa revista com revisão por pares;
5. Há dúvidas se foi Ele o autor;
6. Se assumirmos que foi Ele quem criou o mundo, o que é que fez para além disso?
7. Trabalho em equipa reduzido;
8. A comunidade científica tem tido dificuldade em replicar os seus resultados;
9. Praticou não só testes em animais como também em humanos, não seguindo as regras éticas estabelecidas;
10. Quando as experiências corriam mal, Ele tentava esconder o sucedido afogando os seus sujeitos de estudo;
11. Quando os sujeitos não se comportavam como previsto, Ele eliminava-os da amostra;
12. Raramente comparecia nas aulas, apenas mandava os Seus alunos lerem o livro;
13. Há quem diga que mandou o Seu filho dar as aulas;
14. Expulsou os seus primeiros dois alunos por obterem o conhecimento;
15. Apesar de só haver 10 objetivos, os seus alunos falharam o exame;
16. Passou a maior parte do tempo a fazer gazeta no topo da montanha.

Adaptado de: Atheist jokes

Deus o Paipintura a óleo por Cima da Coneglianoca. 1510.

19 de Julho, 2020 Carlos Esperança

Por

Onofre Varela

Abraão, o patriarca das três principais religiões monoteístas, teria vivido entre 1812 aC e 1637 aC. Foi exaltado por Moisés que só aparece na estória bíblica 500 anos depois. Hoje, Abraão é venerado por mais de metade da Humanidade, como pai espiritual da fé (cerca de 2000 milhões de Cristãos, 1300 milhões de Muçulmanos e 15 milhões de Judeus). Oriundo da família de Sem (filho de Noé, e de cujo nome deriva o termo “Semita”), teria nascido em Ur, cidade da Suméria a sul de Bagdad, na Mesopotâmia, local do nascimento da civilização cerca do ano 5000 aC. 

Consta que Deus lhe falou em sonhos, incentivando-o a partir para Canaã (actual Israel), cujas terras lhe seriam oferecidas para nelas fundar a sua nação, e aí poderem nascer, crescer e trabalhar, os seus descendentes. Canaã é a terra dos Cananeus, cujo termo significa “comerciantes activos”, o que conjuga com as actividades profissionais dos judeus. 

As estórias que se contam de Abraão não passam de lendas. Uma delas diz que nasceu numa gruta, e um dia depois de nascer já tinha envelhecido um mês, e fez 12 anos quando completou o seu primeiro aniversário! Talvez por isso (diz-se) viveu 175 anos!… Outra lenda diz que Abraão, levado pela fé que tinha na existência de um único deus, terá destruído figuras das divindades e de ídolos com culto no seu tempo. O rei Nimrod ficou furioso e condenou-o à morte na fogueira. No momento em que ateavam fogo à lenha sobre a qual Abraão estava amarrado, formou-se um enorme lago que neutralizou as chamas transformando-as em peixes, e estes libertaram o condenado. Ainda conforme a narrativa bíblica, Abraão estava velho e não tinha filhos. A sua mulher Sara não engravidava, o que impedia o povoamento daquelas terras que Deus programou para serem o país da sua prole.

Na sua viagem pelo Egipto, Abraão combinou com sua mulher dizerem-se irmãos, para que não zombassem de um homem velho ter uma mulher nova e, eventualmente, decidirem matá-lo para ficarem com a mulher. Foi assim que o faraó soube que Sara não era sua esposa, e gostando da sua beleza tomou-a para si. Mas Deus, que não dorme, através do sonho (o modo de difundir notícias preferido pela divindade) alertou o faraó para o parentesco de Sara com Abraão. Ao acordar, o faraó reuniu a corte, chamou Abraão, confessou não saber que Sara era casada e, devolvendo-a ao marido, declarou não lhe ter tocado sexualmente, mas expulsou o casal do Egipto. 

Abraão e Sara regressaram a Canaã, mas na companhia de Agar, uma escrava egípcia que os servia. Confrontada com a impossibilidade de ser mãe, Sara sugeriu a Abraão que fizesse um filho na criada Agar, cumprindo os desígnios de Deus. Assim se fez, e Agar terá sido a primeira barriga de aluguer da história! Mas as coisas não são assim tão fáceis quando o espírito feminino entra em funções específicas de confronto com uma rival, como se verá na próxima edição.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

17 de Julho, 2020 João Monteiro

Carta de protesto dirigida ao Conselho de Administração do CHVNG/E

A propósito de um convite feito pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho para a realização de uma Missa, enquanto Presidente da AAP, escrevi uma carta dirigida à instituição a demonstrar o meu desagrado (ver abaixo). Assim, a AAP junta-se à Associação República e Laicidade, que também enviou um comunicado, para protestar contra um convite que consideramos ferir o princípio do Estado Laico.

Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Doutor Rui Nuno Machado Guimarães,

A Associação Ateísta Portuguesa, tendo conhecimento da realização de uma missa católica no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, a ter lugar hoje, dia 17 de Julho, vem por este meio protestar por a mesma ter sido convocada pelo Conselho de Administração, em conjunto com a Capelania.

Esclarecemos que não está em causa a realização da missa ou ainda os vários direitos que assistem aos funcionários do Hospital, pacientes e familiares na participação do culto a título individual e no âmbito do exercício da sua liberdade religiosa. O que para nós está em causa, é que a mesma não deveria ter sido convocada pelo Conselho de Administração, uma vez que, como dita a Constituição da República Portuguesa, vivemos num país laico onde o Estado, e portanto os seus serviços, não pode privilegiar uma religião em particular.

Aproveitamos a oportunidade para relembrar a nossa oposição à remuneração pública dos sacerdotes das capelanias, resultado do acordo entre o Estado e a Igreja Católica, porque, uma vez mais, fere o princípio da Laicidade.

Com os melhores cumprimentos,

João Monteiro (Presidente da Direção)

Associação Ateísta Portuguesa

Lisboa, 17 de julho de 2020

Imagem de Peter H por Pixabay