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Categoria: Imprensa

20 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Humanidade e lei religiosa

Cada país rege-se pelas leis aprovadas no seu parlamento, formado pelo voto popular, ou impostas por um ditador. Retirando a segunda hipótese que as pessoas bem formadas rejeitam, é comum (por respeito à liberdade) não nos imiscuirmos na política interna dos outros países, tal como não ditamos leis na casa dos nossos vizinhos. Mas as leis não caem do céu como as folhas outonais caem das árvores… há uma “História das Leis” ligada ao desenvolvimento da Civilização. 

No Egipto Antigo, há 5.000 anos, já havia uma lei escrita para governar o país, baseada na tradição e na igualdade social, e há 3.800 anos o Código Hamurabi regia a lei na Babilónia.

O Antigo Testamento tem mais de 3.300 anos e assume a forma de imperativos morais (alguns deles duvidosos hoje, mas todos aceites naquele tempo, naquele lugar e por aquela gente) como recomendações para uma boa sociedade.

Há cerca de 2.900 anos, Atenas foi a primeira sociedade a basear-se na ampla inclusão dos seus cidadãos, mas excluindo mulheres e escravos. A lei romana foi influenciada pela filosofia grega e impôs-se na Europa Medieval após a queda do Império Romano, tendo sido retocada com preceitos religiosos. Depois surgiu a necessidade de redigir leis internacionais para regular o comércio em toda a Europa e no mundo.

Toda esta retórica me serviu para dizer que embora cada país tenha a autoridade legal e inalienável de ditar leis aos seus povos, é igualmente verdade que a liberdade de cada pessoa em qualquer parte do mundo é, também, inalienável à luz do Humanismo e do conceito da igualdade e do respeito pelo próximo. Nesse sentido há leis de governos que, pela sua desumanidade, merecem o repúdio de todos nós.

Podemos dizer que cada Povo tem a sua sensibilidade, e que esta será a base das leis que o rege. Porém, o Humanismo não está presente nas leis de alguns países… e o Ser Humano é igual em qualquer parte do mundo. Cada um de nós tem o mesmo sistema nervoso que permite sentir alegria e tristeza na mesma experiência de vida, independentemente do ponto cardeal em que se nasça ou viva, e não precisamos de estudar Direito nem tradições sociais, para sentirmos o que é justo e o que é injusto.

As tradições sociais e religiosas de um país ou de uma sociedade não legalizam a maldade. Numa aldeia transmontana era tradição prender um gato no cimo de um poste, ao qual se ateava fogo!… Numa outra localidade espanhola era tradição lançar uma cabra viva das ameias de um castelo para um penhasco!… Se eram “tradições culturais” comunitárias… eram, também, acções desumanas e cruéis que a lei de um país moderno não pode outorgar; por isso foram anuladas. As leis não podem ser desligadas do respeito devido a qualquer ser humano ou animal, seja aqui ou nos antípodas (por cá, espero que as touradas desapareçam brevemente).

No Irão pratica-se uma lei que não é modelo de respeito em lugar nenhum do mundo… começando por não o ser no próprio Irão. Notícia recente (JN, 15/10/2024) dá conta da publicação de nova lei sobre o uso do “hijab” (lenço de cabeça) que castiga com cinco anos de cadeia as mulheres que não o usem. Num comunicado da organização “Human Rights Watch” (HRW) – “Observatório dos Direitos Humanos”, uma organização não governamental – faz-se saber que a nova lei, intitulada “Proteção da família através da promoção da cultura do hijab e da castidade”, foi aprovada pelo Conselho dos Guardiões, o órgão religioso que faz a aprovação final das leis do país.

Tal lei afirma medidas que já vigoravam, e adiciona sanções mais severas, com multas e penas de prisão mais longas, bem como restrições ao emprego e às oportunidades de educação para os infractores.

Jina Mahsa Amini.
ZUMA Press, Inc./Alamy Live News/Alamy

A morte da jovem Mahsa Amini às mãos da polícia em Setembro de 2022, por não usar o hijab conforme a lei manda, desencadeou uma onda de protestos durante meses, com motins nas ruas e a polícia a matar e a prender manifestantes. O governo, em vez de responder ao movimento “Mulher, Vida, Liberdade” com as reformas fundamentais reivindicadas, decidiu “silenciar as mulheres com leis de vestuário ainda mais repressivas, que só podem gerar uma resistência e um desafio feroz entre as mulheres dentro e fora do Irão”, disse a responsável da HRW no Irão.

A nova lei castiga com penas de até cinco anos de prisão a falta de uso do véu e reforça o controle sobre a vida das mulheres e das instituições que não aplicam estas medidas.

Pelo que se vê, o Irão ainda não saiu da medievalidade do pensamento… no pior que a Idade Média continha!

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

24 de Junho, 2024 Onofre Varela

A ovelha Dolly e o mito da Eva

No dia 1 Abril de 1997 publiquei no Jornal de Notícias (JN) um texto interrogativo e bem humorado sobre a clonagem da Ovelha Dolly. (Não era uma “mentira de Abril”… a data da publicação foi um acaso!).

Recordando: a ovelha Dolly ficou mundialmente conhecida em Fevereiro de 1997 quando se divulgou a sua existência conseguida por experiência científica bem sucedida, de clonar o primeiro mamífero a partir de células da glândula mamária de uma ovelha adulta. Os seus autores foram os biólogos Keith Campbell e Ian Wilmut, do Instituto Roslin, na Escócia.

Aproveitando o facto científico que demonstrava a possibilidade de se conceber um mamífero dispensando o espermatozóide do pai (os homens que se cuidem… as mulheres não precisam de nós para coisa nenhuma… nem para conceber filhos!), escrevi no JN uma crónica onde dizia que, muito provavelmente, o primeiro clonador teria sido Deus ao fazer Eva a partir de uma costela de Adão. Entendi que a palavra “costela” podia ser um modo de dizer “célula”.

Ticiano: Adão e Eva no Jardim do Éden
Adão e Eva no Jardim do Éden, pintura a óleo de Ticiano, c. 1550; no Prado, Madrid.

O meu entendimento era lícito naquela linha de a Bíblia ser um poço a transbordar de possíveis entendimentos. Na Bíblia há textos cujas interpretações servem para alimentar todos os gostos e paladares que enformam as variadíssimas religiões e seitas bíblicas… mas também servem os seus críticos que a lêem divorciados de qualquer formato de fé deifica.

Quando o texto foi publicado… lá tornou a cair o Carmo e a Trindade!…

Naquela altura discutia-se na Assembleia da República a Lei da Liberdade Religiosa e o JN dedicava uma página diária ao assunto, entrevistando personalidades ligadas aos vários cultos da panóplia das igrejas estabelecidas em Portugal. O meu texto saiu ao lado do depoimento de um bispo da “Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica”; logo, todos os interessados em religião o leram.

O director do JN recebeu recados mal dispostos por permitir “a publicação de tamanha enormidade”! (Para melhor informação digo que o texto não lhe passou pelas mãos antes de ser publicado. Entreguei-o ao sub-director, que o aceitou e enviou directamente para a secretaria da Redacção… a partir daí estava implícita a autorização de o publicar).

Aquele lacaio da seita vaticana Opus Dei, que visitava directores de jornais a horas tardias, estava atento e não desarmava… tinha de estuporar o juízo ao director por deixar passar textos que a Igreja não aprova. A mentira bíblica (ou poema) da criação era intocável e não podia ser aflorada fora do entendimento religioso. A Igreja permite-se imaginar ser dona dos textos arqueológicos que fazem a Bíblia, não aceitando – condenando, até – interpretações diversas das suas.

Para além da possível clonagem de que teria resultado a Eva, permiti-me comentar alguns versículos bíblicos, de entre os quais refiro estes: “Quem violar uma virgem obriga-se a desposá-la”, “Os estrangeiros, as viúvas e os órfãos devem ser respeitados” (Êxodo: 22, 16-20). Isto são conselhos de um deus, ou de um sociólogo?;

“Todos os que toquem as roupas daqueles que têm ferimentos que libertem fluxos, devem lavar-se”. “Homem e mulher, depois de copular, devem lavar-se. Lavar-se-á também a roupa suja com sémen”, “A mulher menstruada guardará sete dias sem relações sexuais” (Levítico: 15, 2-19). Isto são conselhos de um deus ou de um técnico de saúde?;

“Não oprimirás o teu próximo nem o roubarás. Do mesmo modo não reterás o pagamento devido ao teu empregado” (Levítico: 19-13). Isto é conselho de um deus ou de um legislador? Quantos empregadores nós conhecemos que papam missas e não pagam devidamente, nem no dia certo, aos seus empregados?!

Neste caso de “censura à posteriori”, a minha opinião foi publicada e lida, permitindo a cada leitor fazer a sua própria interpretação do meu texto… e os desmiolados censores que apenas provam a nulidade das suas existências, não puderam retirar as prosas do jornal, onde permanecerão para a posteridade no arquivo das bibliotecas.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

19 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

O Dom do Dom Aguiar, Que Afinal é Política

Não foi uma grande entrevista, mas foi uma entrevista grande. Digo isto porque me chateou quase do início ao fim, a Grande Entrevista (Temporada 17, Episódio 7, 14 de fevereiro de 24) com Américo Aguiar. Ponderei se devia fazer aqui um comentário ou não. Em boa verdade, que é isto se não o dia a dia de uma ateia? Desculpem-me os meus consócios que preferem uma postura mais neutra quanto à influência da Igreja Católica em Portugal e no mundo, mas eu calada fico com azia e diz que isto dá úlceras.

Vítor Gonçalves caracteriza-o como o “rosto da JMJ” e como tendo tido uma “ascensão fulgurante na Igreja portuguesa”. Tudo coisas que eu não escolheria para elogiar alguém, mas que não deixam de ser verdade. Depois refere que Américo Aguiar decidiu encontrar-se com os cabeças de lista de todos os partidos que concorrem no círculo eleitoral de Setúbal. Eh lá, foi aqui que comecei a pensar, “dá-lhe o Papa um dedinho, já o homem quer um braço e uma perna”. Mais me espanta que os ditos partidos lhe tenham feito a vontade, mas sabemos que a Igreja continua a movimentar esse tipo de influência.

A ideia que Américo Aguiar passa de que a Igreja não se pode afastar da política não é nova. Aliás, o seu maior problema é ser antiga. Desde que conseguiu deitar a mão, ou a cruz, a meia dúzia de pessoas influentes, que a Igreja se tem dedicado historicamente a influenciar a política das nações. No passado, fê-lo com tanto sucesso que um rei não era rei na Europa, sem beijar o anel ao Papa em Constantinopla. Mais recentemente, a Igreja Católica abraçou o Estado Novo em Portugal até se tornar evidente que estava do lado da História que teria de perder. No pós-25 de Abril, lá se agarrou ao poder que pôde manter, com a segunda Concordata (2004) que lhe garantiu muitos dos privilégios que Salazar lhe havia concedido em 1940. Antes fosse uma ideia nova. Mas a Igreja tem esta tendência de estender tentáculos para todo o lado.

Que conhecimentos tem o Cardeal de política para ser convidado a fazer este comentário na RTP? Ora, sabe que a raiz da palavra “política” vem do grego antigo, πολιτεία (politeía), que se refere à participação na vida coletiva de uma sociedade. A partir daí a coisa deixa de correr tão bem. Se calhar é porque já há muito que abandonou a política e já só lhe ficaram os chavões. Portanto, para Dom Aguiar, justifica-se que a Igreja meta o proverbial nariz na política porque tem de estar envolvida “naquilo que são as alegrias e as tristezas, os sorrisos e as lágrimas” do povo a que se dirige. E até é tão inclusivo que refere outras religiões, não que tenham muita importância no seu discurso. E até respeita muito os não-crentes. Só não o suficiente para não se meter onde não é chamado.

Ora, as decisões políticas referem-se (não só, mas também, e principalmente) à alocação de recursos. Vulgo, onde se gasta o dinheiro público obtido por meio de impostos. Portanto, o Cardeal quer ter uma palavra a dizer naquilo para o qual não contribui, dado que impostos não é coisa que lhe assiste. Pensando bem, é a postura tradicional da Igreja. Uma instituição de homens a quererem ter uma palavra a dizer sobre o que a mulher pode ou não fazer com o seu próprio corpo, uma instituição de supostos celibatários a querer ter uma palavra a dizer sobre o que constitui ou não uma forma de amor válido, uma forma válida de constituir família, até uma forma válida de morrer. Um conjunto de homens cujo objetivo é viver o menos possível a querer cortar as asas a quem só quer ser livre.

A influência que Américo Aguiar quer vai da freguesia ao mundo. Já não me devia chocar, mas a esta altura ainda vou nos dois primeiros minutos desta entrevista de quase uma hora, e já o coração me quer saltar da boca. Ah esperem! A igreja não se pode meter em questões partidárias. E qual é a diferença? – pergunta Vítor Gonçalves. E eu queria ter estado lá, para dizer “nenhuma!”. Falei para a TV, como os adeptos de futebol mais irascíveis. Mas o Cardeal não explica a diferença. Deixai-me dizer eu contudo, oh gentes da minha terra: o padre não precisa de dizer aos crentes em quem votar. Basta defender ativamente a mesma postura que o seu partido de eleição para que o crente entenda em quem deve votar. E essa manipulação sempre foi feita de uma maneira ou de outra. Não tivesse o Cardeal começado a sua enumeração de partidos candidatos ao círculo eleitoral de Setúbal com… a Aliança Democrática.

Valeu-me concordar com o Bispo de Setúbal numa coisa, não se justifica a abstenção. Já dizer que é pecado, foi um momento de humor que apreciaria, se quando se falasse em pecados se falasse sempre com esse tom jocoso. Mas o alívio é momentâneo. É que dizer que a Igreja deve meter-se na política é fácil, difícil é quando se lhes pede para identificar um partido que esteja a ir contra a ideologia da Igreja Católica. E parece que para Américo Aguiar, a pergunta é tão difícil que o discurso ora anda em círculos ora anda a fugir. Para o cidadão consciente, a pergunta não é assim tão complicada. Pensando uns segundos, conseguimos todos identificar os partidos que defendem o que a Igreja diz defender, e os que defendem o que a Igreja não admite defender.

Ei-de rir sempre de um bispo de critica quem vota num dado partido sem nunca ler a sua proposta. É o melhor tipo de humor, aquele que se faz sem querer. A Igreja é a instituição que mais aceita e promove que os seus crentes não leiam o programa. É para isso que o sacerdote serve, para dizer o que diz na Bíblia. Ora agora, ler aquilo tudo, e com páginas tão fininhas. Nem o padre na missa lê tudo, escolhe sempre a dedo o que convém mostrar, vai agora o crente ler o programa todo. Ainda mudava de ideias.

Não discordo, contudo, que os programas são para ler, os objetivos de um partido são para conhecer e a posição da Igreja ou bem que é clara ou bem que se deve calar. E de preferência deve calar. Num país laico, tem de calar. O Bispo de Setúbal lá foi forçado a criticar os partidos que são a favor do aborto ou da eutanásia. Que choque! No entanto, antes tinha falado da dignidade humana, pelo que fiquei sem saber o que quer, afinal, o sacerdote.

Ao menos posso encontrar outro ponto de concordância com o Cardeal, que é o de aceitar e receber bem os imigrantes que cá chegam, tal como gostaríamos que os nossos tivessem sido aceites lá fora. Concordo, sim. Também concordo que há ameaças à democracia em Portugal, na Europa e no Mundo. Só não concordo que fuja à questão da ascensão da extrema-direita em Portugal preferindo referir-se às políticas europeias e criticar Putin, Trump e a guerra na Ucrânia apenas para mais uma vez, evitar falar do elefante na sala. Só não evita sublinhar que tem amigos em todos os partidos. Acredito que tem.

Chega-se ao fim e Américo Aguiar fala como cidadão e não como sacerdote. Pouco fala sobre a Igreja naquilo que são as decisões políticas e sociais do país. Mas pega nisso como mote para defender que a Igreja se deve meter na política. Não deve não. O cidadão, independentemente de ser ou não crente seja no que for, deve votar. Não é preciso vir um Cardeal dizer isso, mas dá jeito.

Estava eu já a entrar numa certa simpatia pelo Cardeal e eis que surge o tema das JMJ. Afinal, esperem lá, já não quero beber um copo com o Dom Aguiar. Começa por agradecer a Portugal e aos Portugueses. É bom que agradeça, porque ao que tudo indica, a coisa não ficou nada barata e teve momentos verdadeiramente vergonhosos. Diz o Cardeal que as JMJ deram lucro. Ultrapassa os 20 milhões, diz orgulhosamente. Falou muito, mas não disse de onde tirou 20 milhões em lucros. A organização lucrou 20 milhões? Ah bom! Isso acredito. E quanto gastou o Estado para proporcionar as condições para que a organização das JMJ lucrasse 20 milhões?

Cito: “O senhor patriarca acha que a Fundação deve continuar, para concretizar agora a materialização do que se venha a fazer com o lucro”. Faz-me lembrar as frases que se dizem em reuniões com empresas de atividade corporativa que levam a cabo projetos empresariais. Ou seja, coiso. E daí não melhorou a sua competência em explicar exatamente para onde vão os 20 milhões que tantos mais milhões custaram aos bolsos dos contribuintes. A meu ver, as contas que antecedem esse lucro é que devem ser revistas. Ou seja, quanto pagou afinal o Estado, a fundo perdido, para que o evento se realizasse?

Outra questão que não vi abordada e que me parece uma falha indesculpável, é a questão dos outdoors que foram retirados da via pública, que chamavam a atenção para as mais de 4800 crianças cujo abuso no seio da Igreja Católica é conhecido. Aliás fica aqui, que é para o Dom Aguiar não se esquecer, já que fala da dignidade humana com tanto afinco:

Outdoor “+49800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal” censurado durante as JMJ.

Dos problemas sociais que aponta, abusos sexuais dentro da Igreja Católica não foi tema. Para mim, foi o único tema que valia a pena discutir na farsa das JMJ. Surpreendeu-me que o entrevistador tenha decidido tocar nesse tema. E que suavemente até tenha tentado que o Bispo se focasse na realidade ao invés do que ele deseja que a realidade fosse. Doeu-me ouvir que ele quisesse corrigir os números. Não foram 4800 casos, foram 500 e tal denúncias que permitiram essa extrapolação. E isso em 70 anos, nem foram 70 dias. Ah! Bom! Então muito melhor. Afinal nem é nada de assim tão grave.  E o Cardeal está muito contente porque a transparência e a tolerância zero começa a ser normal.

Sou só eu que acho que dizer isto é absurdo? Está contente? Eu não estou e duvido que alguma das vítimas esteja. Já os padres que foram denunciados e que continuaram com as suas vidinhas, devem partilhar dessa felicidade. Resta-me questionar onde está mesmo a tolerância zero, ou a transparência. E já agora, perguntar se numa instituição que insiste representar um deus omnisciente, omnipotente e bom, há espaço para que estas coisas sejam ditas sem uma gargalhada de desespero como som de fundo.

Por fim, aborda-se o tema do momento: abençoar os casais em situação irregular. Só a frase arrepia. Existem casais em situação irregular? E isso da bênção, é esmola? Casar não, mas olha, ide lá com a graça do senhor. Mas é piada? É a isto que se bate palmas? A meu ver não há que abençoar casais, nem há que os unir em sacramento. É uma não-questão para mim porque sou ateia. Mas permite-me ver a hipocrisia desta instituição.

Vem agora o Cardeal falar em opções. Abençoa as duas pessoas (homossexuais) e não as suas opções. Alguém de Setúbal que esclareça o Bispo da sua terra que ninguém escolhe ser quem é. Nasce-se heterossexual, como se nasce homossexual ou qualquer outra variação naquilo que sabemos ser um espectro. Portanto, dado que esta pessoa acredita que deus nos fez à sua imagem e dado que ser homossexual não é escolha, foi deus que criou a pessoa com aquela orientação sexual. Alto, que isso já é muito inclusivo para a Igreja. Todos, todos, todos, mas vontade não é à vontadinha. Este discurso cheira à velha máxima cristã “odeia o pecado não o pecador”. Bafiento.

Em momento algum o Bispo de Setúbal diz que se presta a abençoar a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Apenas a abençoá-las individualmente. No entanto, quer que todos se sintam acolhidos. Não são acolhidos porque a Igreja Católica é o que toda a organização religiosa é: opressiva, restritora das liberdades pessoais e com um complexo de superioridade moral que não aplica quando encontra atrocidades no seu seio.

A minha conclusão é simples. O mote desta entrevista era que a Igreja se deve meter na política. Afinal foi um político que se foi meter na Igreja. Em todas as instâncias em que o Cardeal fala, refere sempre a religião em último lugar. Por pouco que não se esquecia de agradecer a deus o “sucesso” das JMJ. O Cardeal é certamente um homem da religião, só não me parece muito religioso, e por esse motivo quem sabe se não nos sentaríamos à mesa, como ele diz, a beber um copo, amigos como d’antes.

14 de Novembro, 2022 João Monteiro

Honestidade religiosa

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Enquanto ateu obrigo-me a conhecer o fenómeno religioso para me permitir criticar, concordar ou discordar, com aquilo, e daquilo, que à Religião pertence. Por isso sou leitor habitual de livros, notícias e artigos religiosos, científicos ou filosóficos que tratam do tema Religião (e também ouço missas… embora cada vez menos, porque me aborrecem cada vez mais). Nas edições de Domingo do jornal Público, leio, atentamente, os textos que Frei Bento Domingues escreve em favor da Religião, da fé e da crença, os quais considero muito interessantes, notando neles muito mais o estudioso honesto e o Homem Ético que Bento Domingues é, do que, somente, o religioso. E nunca neles detectei qualquer traço daquele fundamentalismo que, muitas vezes, contamina o discurso de outros religiosos.

No seu artigo intitulado “Não invocar o nome de Deus em vão” (publicado há meia dúzia de anos: 20/11/2016), Bento Domingues diz que, apesar das intenções carregadas de humanidade do papa Francisco, o fundamentalismo religioso, mesmo no seio da Igreja Católica, não desarma. E aponta vários exemplos negativos: os panfletos de uma folha dominical de uma paróquia da Califórnia que sentenciava, “votar no Partido Democrata é um pecado mortal”, numa clara declaração de apoio ao candidato Trump; um padre italiano que, aos microfones da emissora católica Rádio Maria, afirmou serem “os sismos, em Itália, um castigo divino pelas uniões civis de homossexuais”; e acaba com o infeliz comentário da psicóloga portuguesa Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, à revista Família Cristã, que declarou esta enormidade: “ter um filho homossexual, é como ter um filho toxicodependente”.

Afirmações deste género mostram que quem as profere não conta com um nível de inteligência razoável por ter o cérebro tomado pela crença em dose excessiva. E essa é a pior forma de se ser religioso, pois impede que o crente tenha um raciocínio verdadeiramente inteligente e, principalmente, livre de preconceitos… é que a religiosidade é como o vinho: em dose excessiva embebeda!… 

Na sua habitual eloquência e honestidade intelectual, o articulista Frei Bento Domingues diz que “Deus é inexprimível: nós não sabemos o que é Deus em si mesmo; dele captamos, apenas, um esplendor fraco através do mundo criado e no decurso da nossa história do mundo, história feita de acontecimentos felizes e de tragédias. Não é só o Deus incognoscível, mas também as expressões ou os dogmas sobre Deus que pertencem, à sua maneira, ao objecto da fé […] A auto-revelação de Deus é dada em experiências humanas interpretadas […] A Bíblia não é a palavra de Deus, mas um conjunto de testemunhos de fé de crentes que se situam numa tradição particular da experiência religiosa”. 

Esta honestidade de um religioso interessado pela História Antropológica que estuda as motivações religiosas a partir do conhecimento das atitudes humanas perante o conceito da divindade, deveria ser exemplo a levar em linha de conta por aqueles que, possuindo estudos académicos de nível superior (padres, médicos, economistas…) se permitem afirmar falsidades (ou idiotices), tentando passá-las à comunidade religiosa como coisas sérias e verdadeiras.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

1 de Outubro, 2021 João Monteiro

AAP condena a oferta autárquica de quadro religioso

29 de Setembro de 2021

Comunicado de Imprensa

Associação Ateísta Portuguesa condena a oferta autárquica de quadro religioso pago com o dinheiro dos contribuintes

A Câmara Municipal de Gaia pagou dez mil euros ao artista António Bessa por duas pinturas que assinalam a aprovação do concurso público para a ponte D. António Francisco Santos, nome do antigo Bispo da Diocese do Porto e cuja escolha a Associação Ateísta Portuguesa (AAP) já criticou. Os dois quadros, sob o título “A ponte que nos une”, retratam cada um respetivamente o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, e o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues. Em ambos os quadros cada presidente aparece acompanhado do antigo bispo portuense, de jovens, de uma “Nossa Senhora” e do Santuário de Fátima como pano de fundo.

Esta situação já confirmada pelo “Polígrafo”, plataforma de verificação de factos, levanta dois problemas: um de ordem material e outro de ordem simbólica.

Por vivermos num estado laico, em que há separação clara entre o Estado e a Religião, a AAP condena o facto de uma Câmara Municipal utilizar o erário público para comprar uma obra religiosa. 

Que fique claro que nada impediria que o cidadão e artista António Bessa oferecesse uma obra da sua autoria, mesmo que religiosa, aos autarcas. Diferente é ser pago por uma instituição autárquica laica para produzir uma obra religiosa, que ainda por cima favorece uma religião em particular: a católica. 

Além disso, uma obra de arte nunca é neutra, trazendo consigo vários significados, muitos deles simbólicos. Assim, “a ponte que nos une” pode ser entendida literalmente como a ponte que unirá as cidades de Porto e Gaia, mas também os laços estratégicos que unem os dois presidentes de autarquias vizinhas. Mas a obra pode ter ainda um terceiro significado: tendo como peça central o antigo bispo e como pano de fundo Fátima, a religião pode ser entendida como a ponte que une a política dos dois autarcas. Portanto, é também pelo valor simbólico da obra, e não apenas pelo valor pecuniário desviado ao erário público, que a AAP condena esta oferta do quadro do Presidente de Gaia ao Presidente do Porto. 

Lembramos que a esfera religiosa deve permanecer afastada da esfera política, em respeito aos valores da República e da Laicidade que tanto custaram a estabelecer. 

31 de Agosto, 2021 João Monteiro

Ser ateu é difícil… chiça!…

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim

O sentido religioso promove e alimenta o êxtase da fé. Criamos símbolos com o propósito de os adorarmos, tal como os Hebreus fizeram com o bezerro de ouro. Moisés insurgiu-se contra o povo idólatra… mas hoje os cultos do seu livro, e que pregam por ele, continuam a alimentar a idolatria, mormente o Catolicismo que é muito rico em iconografia, com as imagens de Jesus, Maria e uma imensidão de santinhas e santinhos que uma repartição do Vaticano não se cansa em fabricar!…

Os símbolos fazem parte da nossa natureza. Todos nós enfeitamos a nossa vida com símbolos, e a Igreja tem majestosos templos, estatuária e pintura, fabulosos utensílios de culto em prata e ouro, mais os paramentos, os hinos, as celebrações teatralizadas e os ritos. As religiões fabricaram todas as ferramentas para serem constantemente lembradas e acrescentadas de novos elementos para o culto, como as imagens dos “santos” que decoram os templos, as capelas e os nichos de estrada, sempre acompanhadas pela respectiva caixa com ranhura colectora de receitas na forma de dádiva voluntária. Sem este aspecto material… o espiritual não se governa!

O Ateísmo não possui nada disto!… Os ateus só são espirituais, descurando o aspecto material… são uns pobretanas!… Não constroem templos nem criam ícones para conquistarem aderentes. (A Associação Ateísta Portuguesa começou por usar como logotipo a representação do átomo; a menor partícula que compõe um elemento químico. Recentemente mudou-o para uma representação gráfica das iniciais da associação). Os ateus apenas têm a palavra para espalharem a sua filosofia, e não o fazem com o empenho de a propagar diariamente, como a Igreja o faz nas missas. Se a palavra é coisa pouca nesta era da imagem… acaba por ser suficiente porque a palavra é tudo. Assim haja quem a queira ouvir ou ler, e raciocinar sobre o que ouve e lê.

Para dificultar o caminho aos ateus, acresce que as sociedades estão formatadas em preceitos religiosos que fecham as portas ao discurso ateísta. O Ateísmo ainda é alvo de preconceitos e de uma censura que lhe impossibilita uma visibilidade franca para o tornar conhecido como realmente é, e não como alguns, maldosamente, pensam que é e afirmam ser. Tenho amigos de várias confissões religiosas, entre os quais há padres católicos, que já me disseram: “Tu não és ateu”. E porque o dizem? Não é pelo meu discurso em defesa da minha descrença, mas sim porque me conhecem bem e consideram que um fulano a comportar-se assim, não pode ser ateu!!… E isto não é mais do que preconceito!… Esses meus amigos têm gravado nas suas mentes religiosas uma figura de ateu que não corresponde à realidade. Provavelmente idealizam os ateus como anti-sociais, mal-comportados, patifes e mal dispostos… e como me conhecem bem… não posso ser ateu!… Oh meus amigos… isto é do caraças!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Free-Photos por Pixabay
3 de Abril, 2018 Carlos Esperança

Opus Dei

Alckmin se iguala a Bolsonaro no fascismo, por Altamiro Borges

Um dia após sua declaração de ódio, que gerou duras críticas nas redes sociais e mal-estar até no seu próprio partido, o tucano tentou reduzir o desgaste. Alckmin e Bolsonaro se igualam no ódio fascista, mas o primeiro ainda tenta disfarçar

Por Altamiro Borges*

O governador Geraldo Alckmin, presidenciável do PSDB, até tenta, mas não consegue esconder a sua origem política – quando participou de cultos da seita fascista Opus Dei no interior de São Paulo e até nos salões do Palácio dos Bandeirantes. Diante do grave atentado a balas contra a Caravana de Lula no Paraná, o “picolé de chuchu” deixou de lado a farsa da mídia de que seria o “candidato do centro” e escancarou seu ódio: “Estão colhendo o que plantaram”.

Quase com as mesmas palavras, seu rival na disputa eleitoral, o fascistoide Jair Bolsonaro, rosnou: “Lula quis transformar o Brasil em galinheiro e agora colhe os ovos”.

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D1A – Quanto às apreciações políticas, este blogue é neutro, salvo se a maldade tem origem religiosa.

24 de Maio, 2016 Carlos Esperança

A notícia

Um espião português foi ontem preso em Roma a tentar passar segredos ultrassecretos aos serviços de informação russa.

Desde a Irmã Lúcia que não há notícia de algum português ter aí passado, com êxito, algum segredo. A falta de mistério e da intermediação do Vaticano foram-lhe fatais.

15 de Abril, 2016 Administrador

Reacção de Carlos Esperança na rádio Paivense FM

Carlos Esperança, Presidente da Direcção da AAP – Associação Ateísta Portuguesa, reage, na “Paivense FM”, ao atropelo à laicidade cometido numa escola pública de Castelo de Paiva. A AAP já questionou o Ministro da Educação sobre mais um episódio que põe em causa valores fundamentais da Constituição da República Portuguesa.

Clique para ouvir:

13 de Abril, 2016 Raul Pereira

Ovelhas tresmalhadas na Dinamarca

Cerca de três mil pessoas abandonaram a “Folkekirken“, a igreja oficial do estado dinamarquês, após a “Ateistisk Selskab” ter feito uma campanha nacional alertando para a redução de impostos caso o fizessem.

Apesar de ser um dos países mais seculares do mundo, a Dinamarca continua a manter um ministério para a igreja do estado, que é financiada por impostos directos e largamente subsidiada pelo reino, entre outras particularidades curiosas.

A campanha da Sociedade Ateia Dinamarquesa está a ser considerada um caso de grande sucesso, pois o processo de abandono é complicado e moroso.