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Categoria: Humanismo

12 de Agosto, 2024 João Nascimento

Da Religião e do Sequestro da Alma Humana

Gosto de pensar que fui aluno de Carl Sagan, embora isso seja algo que muitos outros como eu poderão também facilmente afirmar. Cresci a ler os seus livros, a ver os seus documentários — Cosmos, por exemplo —, e apaixonei-me, tal como tantos outros, pela beleza da ciência por causa dele.

Arrisco a dizer que Carl Sagan foi quem me mostrou pela primeira vez o que era o numinoso, o que significa, o que representa e quão importante é. Senti-o pela primeira vez com ele.

No seu livro Pale Blue Dot, o Carl Sagan oferece ao mundo uma reflexão profunda, inspirada por uma fotografia que ele mesmo propôs que fosse tirada pela sonda Voyager 1, em 1990.

À medida que a sonda se distanciava para além das gélidas fronteiras do nosso sistema solar, a câmara foi então ajustada para capturar uma imagem da Terra. O resultado foi uma fotografia que nos revelou não mais do que um minúsculo ponto azul claro na escuridão cósmica. Acredito que este gesto aparentemente simples tornou-se uma sinopse visivelmente crua da nossa fragilidade, e da nossa poética insignificância no panorama universal.

Olha novamente para aquele ponto. É aqui. É o nosso lar. Somos nós. Nele, todos aqueles que amas, todos os que conheces, todos aqueles de quem já ouviste falar, todos os seres humanos que alguma vez existiram, viveram as suas vidas. O agregado do nosso júbilo e sofrimento, milhares de religiões confiantes, ideologias e doutrinas económicas, todos os caçadores e recolectores, todos os heróis e cobardes, todos os criadores e destruidores de civilizações, todos os reis e camponeses, todos os jovens casais apaixonados, todas as mães e pais, crianças esperançosas, inventores e exploradores, todos os professores de moral, todos os políticos corruptos, todas as “superestrelas”, todos os “líderes supremos”, todos os santos e pecadores na história da nossa espécie viveram ali — num grão de pó suspenso num raio de sol.

A Terra é um palco muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pensa nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores para que, em glória e triunfo, pudessem tornar-se os senhores momentâneos de uma fracção de um ponto. Pensa nas crueldades sem fim cometidas pelos habitantes de um canto deste píxel sobre os habitantes de algum outro canto, quão frequentes são os seus mal-entendidos, quão ávidos estão em matar-se uns aos outros, quão fervorosos são os seus ódios.

— Carl Sagan, Pale Blue Dot

Quando fui confrontado com esta incongruência entre o nosso solipsismo inato, e a ínfima impressão que deixamos no cosmos pela primeira vez, cresci.

Lembro-me do momento preciso, pois senti que esta discordância era um alerta valioso sobre a futilidade dos nossos conflitos terrenos, sobretudo quando ponderados à luz da escala incomensurável do universo. A revelação foi um momento de exaltação intelectual, um Eureka pessoal que potenciou e inspirou positivamente uma já irreversível e eterna viagem por mais conhecimento. 

Acredito não ser o único primata a ter sentido o mistério do transcendental, a ter experimentado algo maior que eu, mais importante e fantástico. Tenho a certeza disto.

Há mesmo momentos especiais nas nossas vidas em que o cosmos parece alinhar-se de forma quase mágica, e muitas vezes a nosso favor. Um breve instante em que a realidade deixa de ser o que parece e revela algo que ultrapassa o mundano e o habitual. Faz-nos sentir grandiosos, especiais, únicos, poderosos, extasiados, ansiosos, como tendo sido o melhor dia da nossa vida. O melhor evento, o quadro mais trágico, a canção mais lírica, o poema mais emocional, o livro mais bem escrito, etc.

Muitos, ao longo de milénios, têm interpretado estes vislumbres do transcendental como carícias divinas. Empurrões espirituais que levam muitos a percorrer caminhos ditos sagrados — seja pelo sacerdócio, pela conversão ao Islão, ao Hinduísmo, ao Judaísmo, ou por qualquer outra senda delineada pelo desonesto carimbo da religião.

E é precisamente aqui que a religião comete talvez a sua maior afronta: a audaciosa presunção de que apenas através dela, com os seus rituais, dogmas e insanidade em geral, é possível ao ser-humano experimentar o numinoso e sentir-se parte de algo maior e mais magnífico.

O transcendental, o numinoso, é aquela sensação que nos liga ao sublime, um grito trovadoresco que nos expõe a algo incrivelmente profundo. Desafia por vezes a lógica e leva-nos a confrontar uma realidade vasta em nuances e, por vezes, indescritível. E, ao contrário do que as religiões têm pregado há milénios, não são necessários mediadores, sacerdotes ou símbolos e rituais religiosos para o experienciar.

Este radar que temos para o detetar e sentir é intrínseco, uma parte essencial de todos nós, independentemente da fé — ou da ausência dela. Ao longo do tempo, a religião apoderou-se desta experiência profundamente humana da pior maneira possível. Ao sequestrar a nossa sensação de esplendor, a religião não só a conspurca continuamente e desde sempre, como também nos faz crer, de forma insidiosa, que apenas através das suas más ideias e práticas arcaicas poderíamos ter acesso a esta dimensão essencial da nossa existência.

Mas será que Michelangelo, o famoso pintor, ao criar as suas obras-primas sob a tutela financeira do Vaticano, estava realmente a expressar inspiração oriunda de fé fervorosa? Ou terá sido simplesmente a sua genialidade, a sua ligação natural ao numinoso, que brilhou apesar das imposições religiosas? Sabemos sequer se este artista era realmente devoto? Ou estaria ele apenas a tentar ganhar a vida?

A mente religiosa afirma ser impossível criar arte majestosa, música inspiradora ou escrever algo verdadeiramente belo e puro sem uma ligação íntima, e de forma altamente suspeita, com um ou mais deuses. Discordo.

Reivindicar algo tão humano como seu é nada menos que uma mentira, uma narrativa construída por homens prepotentes, cínicos, virgens e moralistas, para manter o seu domínio sobre as nossas vidas — aqui, no mundo real e mortal, onde conseguem verdadeiramente exercer o seu poder sobre as mentes mais incautas e controlá-las. Talvez seja esta a razão pela qual está tão profundamente enraizada na nossa psique colectiva, e tão difícil de erradicar ou domesticar.

Um ateu, um agnóstico, qualquer descrente, qualquer pessoa com cérebro e neurónios relativamente activos, tem tanta capacidade de sentir a beleza numinosa como qualquer devoto. A verdade é que esta manifesta-se de inúmeras formas que nada têm a ver com a institucionalização do sagrado.

Está presente na ciência que revela os mistérios do universo, na arte que expressa a profundidade e dificuldade da experiência humana, e nos actos de coragem e altruísmo que nos mostram o melhor da essência do ser humano.

A arte, a ciência, a exploração do desconhecido — todas estas são formas legítimas e poderosas de experienciar o numinoso, muitas vezes de forma mais pura e direta do que qualquer conjunto de regras ou dogma religioso permitiria. E, por conseguinte, com maior e melhor utilidade a curto e longo prazo.

Quando a religião — qualquer uma delas — afirma possuir o monopólio do transcendente, está apenas a tentar, de uma maneira extremamente venenosa, controlar a nossa relação com o mistério e a beleza do universo.

Acredito que chegou a hora de a resgatarmos, assim como a poesia da existência, das garras da religião, e de a reclamarmos como nossa, como parte da nossa herança humana universal.

O numinoso é livre.

3 de Agosto, 2024 João Nascimento

O Lamento da Existência

Gerado por Dall-E.

Porque é que existe maldade humana no mundo? Porque é que as pessoas sofrem? Porque é que as crianças suportam o horror inimaginável de serem violadas pelos próprios pais, depois mortas, desmembradas e descartadas como lixo?

Porque é que a vida é tão incrivelmente injusta? Porque é que nós, seres humanos, muitas vezes morremos miseravelmente e sozinhos?

Enquanto os apologistas cristãos tentam encontrar maneiras cada vez mais surpreendentes de desviar estas perguntas prementes sobre a frágil existência humana, nós, os descrentes, os ateus, os humanistas seculares, oferecemos uma resposta mais direta: somos primatas. Primatas superiores, mas ainda assim apenas mais um ramo na árvore da evolução, com um longo caminho pela frente, espero eu.

Como Charles Darwin escreveu, carregamos, todos nós, a humilde marca da nossa origem, e isto permanece uma verdade incontestável, quer gostemos ou não. As nossas glândulas supra-renais são demasiado grandes, os nossos lobos pré-frontais demasiado pequenos, e os nossos órgãos reprodutivos parecem ter sido construídos por um comité administrativo com objetivos claramente mal delineados.

Uma combinação que, sozinha ou em conjunto, levará certamente a alguma infelicidade, desordem e inevitável caos. Somos demasiado apaixonados por ideias, e normalmente só sabemos se são más ou boas quando já é tarde demais para refletir antes de agir.

Todos temos a habilidade de reconhecer padrões, e usamo-la desde o princípio em praticamente tudo. Em tudo o que nos rodeava, descobrimos uma maneira, subtil e automática, de construir realidades, à nossa medida, que nos ajudaram a compreender os vários ciclos da natureza, incluindo os nossos. 

Ajudou-nos a interpretá-los e a tirar ilações tão necessárias. E, permitiu-nos dar uma utilidade prática ao aparente caos à nossa volta. Aprendemos a construir a nossa realidade, que tem aquela tendência chata de ser um bocado diferente em cada um de nós.

Já houve uma altura em que a religião e a dimensão do sobrenatural poderiam ter tido uma palavra a dizer. Um género de filosofia insana, solipsista, carente, temente, ignorante, que tentou fornecer-nos as respostas que ninguém tinha, mas as quais todos ansiavam ter.

A doença e tudo o que assolava a humanidade, os fenómenos naturais, eventos geológicos, eventos humanos, políticos; tudo podia ser explicado recorrendo ao obscurantismo religioso. Não havia grande distinção entre a dimensão do sobrenatural e a realidade.

E, também, segundo estudiosos daqueles tempos mais antigos, se algumas pessoas morriam num povoado qualquer derivado a surtos de atacantes microscópicos, por exemplo, foi porque os judeus envenenaram os poços.

Quando uma catástrofe natural, como o terramoto que atingiu o Haiti em 2010, tira milhares de vidas, nós, ateus, entendemos que não se deve a qualquer interferência divina. Reconhecemos que vivemos num planeta ainda em fase de arrefecimento, e que atribuir tais eventos a uma causa sobrenatural não é boa ideia, no mínimo.

Atrevo-me a dizer, também, que culpar um evento natural na homossexualidade das pessoas não é só incrivelmente estúpido, como também se desvia descaradamente do tão amado conceito de livre arbítrio.

Considera isto: se Deus nos deu o livre arbítrio, não será matar-nos com catástrofes naturais uma violação dessa liberdade, mesmo que nos envolvamos em comportamentos pecaminosos? Se Deus está realmente a punir as pessoas causando tais mortes em massa, tem de haver algo extraordinariamente de errado com Ele.

Não concordas?

Outra pergunta, e esta eu fazia constantemente a mim próprio há umas décadas: será que o tão amado livre-arbítrio não perde o significado quando é dado? Quer dizer, “Deus, o Senhor dos Senhores, deu-me livre-arbítrio”. Detectam a ironia aqui, ou sou só eu?

Se Ele interfere, contradiz o pacto com a humanidade, destruindo qualquer noção de livre arbítrio. Como justificas então a morte de um recém-nascido às mãos de um dos seus pais? Ou a morte de um bebé sob os escombros de uma casa, após um terramoto? Se ainda consideras que estas tragédias são causadas pelos majestosos poderes de Deus, não terás tu também uma problemática a resolver na tua mente?

Usar Deus para explicar o mundo natural foi um dos grandes erros da humanidade. No entanto, seria arrogante da minha parte vilificar o desgraçado do Homo sapiens que nasceu com tudo contra ele. Sozinho, entregue às intempéries de um cosmos que nem sequer sabe que ele existe. Não quereria saber se deixasse de existir.

Contudo, já não vivemos na pura ignorância, e existem certas técnicas lógicas que nos fornecem as ferramentas de que necessitamos para nos protegermos das algemas mentais criadas por nós. Acredito que a religião seja apenas a principal dessas algemas.

A Navalha de Ockham, por exemplo, ajuda a libertar a mente para encontrar soluções reais para os verdadeiros problemas. Christopher Hitchens afirmava que este conceito filosófico era a morte da religião. Tendo a concordar.

Afirmar que Deus, ou a suposta imoralidade da sociedade, é a culpada por eventos naturais trágicos é apenas uma forma de ignorar as verdadeiras causas do sofrimento humano e animal, e permitir que persistam de formas cada vez mais variadas e, por sua vez, mais insidiosas.

Não há nada no mundo natural ou no nosso comportamento que exija uma explicação sobrenatural. Novamente: Deus é responsável por todo o mal, ou não é. Ele é indiferente ao nosso sofrimento, ou é a entidade mais sádica do cosmos.

A questão é que não tens de escolher entre nenhum destes extremos.

Pensa nisso.

24 de Junho, 2024 Onofre Varela

O HOMEM CRIOU DEUS

O Homem Criou Deus, de Onofre Varela. Apresentado no ATENEU COMERCIAL DO PORTO por Renato Soeiro. Este sábado, 29 de Junho, às 16h00.

Obviamente o Homem já existia quando lhe ocorreu a ideia de criar um deus que o criasse. Sem Homem não haveria Deus.

Onofre Varela – O Homem Criou Deus
24 de Junho, 2024 Onofre Varela

A ovelha Dolly e o mito da Eva

No dia 1 Abril de 1997 publiquei no Jornal de Notícias (JN) um texto interrogativo e bem humorado sobre a clonagem da Ovelha Dolly. (Não era uma “mentira de Abril”… a data da publicação foi um acaso!).

Recordando: a ovelha Dolly ficou mundialmente conhecida em Fevereiro de 1997 quando se divulgou a sua existência conseguida por experiência científica bem sucedida, de clonar o primeiro mamífero a partir de células da glândula mamária de uma ovelha adulta. Os seus autores foram os biólogos Keith Campbell e Ian Wilmut, do Instituto Roslin, na Escócia.

Aproveitando o facto científico que demonstrava a possibilidade de se conceber um mamífero dispensando o espermatozóide do pai (os homens que se cuidem… as mulheres não precisam de nós para coisa nenhuma… nem para conceber filhos!), escrevi no JN uma crónica onde dizia que, muito provavelmente, o primeiro clonador teria sido Deus ao fazer Eva a partir de uma costela de Adão. Entendi que a palavra “costela” podia ser um modo de dizer “célula”.

Ticiano: Adão e Eva no Jardim do Éden
Adão e Eva no Jardim do Éden, pintura a óleo de Ticiano, c. 1550; no Prado, Madrid.

O meu entendimento era lícito naquela linha de a Bíblia ser um poço a transbordar de possíveis entendimentos. Na Bíblia há textos cujas interpretações servem para alimentar todos os gostos e paladares que enformam as variadíssimas religiões e seitas bíblicas… mas também servem os seus críticos que a lêem divorciados de qualquer formato de fé deifica.

Quando o texto foi publicado… lá tornou a cair o Carmo e a Trindade!…

Naquela altura discutia-se na Assembleia da República a Lei da Liberdade Religiosa e o JN dedicava uma página diária ao assunto, entrevistando personalidades ligadas aos vários cultos da panóplia das igrejas estabelecidas em Portugal. O meu texto saiu ao lado do depoimento de um bispo da “Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica”; logo, todos os interessados em religião o leram.

O director do JN recebeu recados mal dispostos por permitir “a publicação de tamanha enormidade”! (Para melhor informação digo que o texto não lhe passou pelas mãos antes de ser publicado. Entreguei-o ao sub-director, que o aceitou e enviou directamente para a secretaria da Redacção… a partir daí estava implícita a autorização de o publicar).

Aquele lacaio da seita vaticana Opus Dei, que visitava directores de jornais a horas tardias, estava atento e não desarmava… tinha de estuporar o juízo ao director por deixar passar textos que a Igreja não aprova. A mentira bíblica (ou poema) da criação era intocável e não podia ser aflorada fora do entendimento religioso. A Igreja permite-se imaginar ser dona dos textos arqueológicos que fazem a Bíblia, não aceitando – condenando, até – interpretações diversas das suas.

Para além da possível clonagem de que teria resultado a Eva, permiti-me comentar alguns versículos bíblicos, de entre os quais refiro estes: “Quem violar uma virgem obriga-se a desposá-la”, “Os estrangeiros, as viúvas e os órfãos devem ser respeitados” (Êxodo: 22, 16-20). Isto são conselhos de um deus, ou de um sociólogo?;

“Todos os que toquem as roupas daqueles que têm ferimentos que libertem fluxos, devem lavar-se”. “Homem e mulher, depois de copular, devem lavar-se. Lavar-se-á também a roupa suja com sémen”, “A mulher menstruada guardará sete dias sem relações sexuais” (Levítico: 15, 2-19). Isto são conselhos de um deus ou de um técnico de saúde?;

“Não oprimirás o teu próximo nem o roubarás. Do mesmo modo não reterás o pagamento devido ao teu empregado” (Levítico: 19-13). Isto é conselho de um deus ou de um legislador? Quantos empregadores nós conhecemos que papam missas e não pagam devidamente, nem no dia certo, aos seus empregados?!

Neste caso de “censura à posteriori”, a minha opinião foi publicada e lida, permitindo a cada leitor fazer a sua própria interpretação do meu texto… e os desmiolados censores que apenas provam a nulidade das suas existências, não puderam retirar as prosas do jornal, onde permanecerão para a posteridade no arquivo das bibliotecas.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

20 de Junho, 2024 Eva Monteiro

Daniel Dennett

Cientista e filósofo, o Professor Dennett escreveu extensamente sobre a consciência e foi um dos Quatro Cavaleiros do Novo Ateísmo. O homem era genial, morreu aos 82 anos de doença pulmonar intersticial em abril passado. Não fez notícia nos meios de comunicação social portugueses e mesmo eu só soube há uns dias.

Dos Quatro Cavaleiros do Novo Ateísmo, restam-nos agora dois. Hitchens morreu há mais de uma década com cancro do esófago e agora Dennett abandona-nos também. Espero que Harris e Dawkins nos presenteiem com muitos anos da sua presença mas a verdade é que esta geração de livres pensadores está a envelhecer e não vai andar cá sempre. Que a comunidade de céticos e ateus produza mais Cavaleiros e mantenha viva a obra destes grandes homens.

Daniel Dennett morreu, mas a sua obra perdura. Que mais pode um ateu querer?

17 de Junho, 2024 Onofre Varela

A Liberdade Que Abril Nos Deu

Que Histórias se contam na Bíblia?

A minha experiência de ser silenciado pelo poder religioso e político em tempo de Democracia, aconteceu pela primeira vez em 1978 no jornal O Primeiro de Janeiro (PJ). Portanto, já com a Liberdade de Expressão instalada há quatro anos pela Revolução dos Cravos, e instituída há dois anos pela publicação da Constituição da República Portuguesa (1976).

Andava eu a ler o livro “A Bíblia e os Extraterrestres”, do advogado francês e perito em Língua Hebraica, Pierre-Jean Moatti, acabado de ser editado (pela Via Editora, Lisboa, 1978) e cujo conteúdo me remeteu para a leitura da Bíblia procurando comprovar as citações do autor.

Em Êxodo 19:16-20, é narrada a descida de Deus sobre o Monte Sinai do seguinte modo que me pareceu espectacularmente cinematográfico: “E todo o povo viu os trovões e os relâmpagos, e o sonido da buzina, e o monte fumegando” (?!). Fiquei curioso e intrigado!… Deus precisava de fazer um cagaçal de tal tamanho para se mostrar à malta?!… Esta imagem fantástica remeteu-me para a descida de uma nave espacial, com fogo e fumo dos jactos, mais um ruído de motores de tal modo ensurdecedor e potente que fez tremer o monte!…

Nesse tempo eu tinha iniciado uma rubrica onde escrevia semanalmente um texto com o título genérico OVNI’s EXISTEM, onde comentava as observações de Objectos Voadores Não Identificados, que estavam tão em voga e era raro o dia em que não houvesse notícia dando conta de uma estranha observação nos céus em qualquer parte do mundo.

Módulo Lunar, o engenho espacial que permitiu ao Homem pisar outro planeta. Repare-se no seu aspecto zoomórfico. O habitáculo e módulo de subida sugere-nos uma cabeça. As suas janelas triangulares são dois olhos de expressão agressiva, e a porta de entrada uma boca ameaçadora pronta a morder. O andar de descida é um corpo munido de possantes membros que o fixam ao chão.

Impressionado com a leitura da Bíblia e do livro de Pierre-Jean Moatti (que me remetia para a ideia de termos sido visitados, em tempo tão recuado, por seres oriundos de outras paragens cósmicas) publiquei no dia 5 de Novembro de 1978, o primeiro artigo de uma série de três, com o sugestivo título: “A Verdade da Bíblia (1) – Os Colonos que Vieram do Cosmos” com uma ilustração legendada (e publicada aqui).

Quando, no dia da publicação, entrei ao serviço no início da tarde, o director chamou-me. Na sua secretária tinha o jornal aberto na página onde saiu o meu artigo. Perguntou-me o que queria dizer aquele número um entre parêntesis. Ficou a saber que referia o primeiro artigo de uma série de três.

A sua reacção foi peremptória: proibiu-me de escrever mais sobre qualquer tema que abordasse a Bíblia, ou qualquer outro assunto relacionado com religião. Alegou ter recebido “telefonemas de leitores indispostos com o meu texto e não queria perder leitores”.

Assim ficou aquela série, de três artigos, pela publicação do primeiro!… Com o correr do tempo percebi que “os telefonemas de leitores indispostos com o meu texto” não era mais do que uma desculpa “de mau pagador”… fui-me apercebendo de factos que me levaram a concluir que aquilo não foi mais do que o cumprimento dos recados da Igreja levados ao director por um lacaio da seita Opus Dei que várias vezes por mês reunia com ele (e também com o director do JN) ao início das madrugadas!…

Tinham passado quatro anos após o 25 de Abril, e dois sobre a publicação da Constituição da República Portuguesa onde se afirmam as liberdades de expressão e de culto… mas o raciocínio daquele director ainda não se adaptara ao novo regime e parecia obedecer a ordens eclesiásticas.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

5 de Maio, 2024 Onofre Varela

Ser religioso e ser crente não é a mesma coisa

No jornalismo – mais concretamente no Jornal de Notícias (JN), já que, desde 1969 até ao ano 2000, passei pelas Redacções de todos os jornais diários editados no Porto – tive um chefe de Redacção que era sacerdote católico. Refiro-me a Rui Osório e ao JN. O nosso relacionamento sempre foi cordial e tínhamos conversas versando a fé, sabendo ele que eu era ateu. Lembro de, numa das várias conversas que mantivemos sobre Religião, ele ter comentado: “Não conheço ninguém que seja mais religioso do que tu”.

Só tive que lhe dar razão porque, realmente, ser “religioso” não é sinónimo de se ser “crente”, atendendo à acepção da palavra “Religião”, cuja raiz latina vem de “Religio” e “Religare”, no sentido da procura de visões do mundo enquadradas numa espiritualidade enquanto valor moral e social. Neste aspecto, também a Ciência é uma Religião.

Já não lhe dei razão no significado que aponta para a adoração de uma entidade abstracta criada com a finalidade de darmos um sentido filosófico à vida, na convicção de que ela nos foi dada por um deus criador. Este “deus criador” faz parte da “crença” e não é mais do que um produto da nossa imaginação… essa, sim… criadora.

O verdadeiro criador é o Homem. A necessidade que o “Homo sapiens sapiens” sentiu de criar Deus (deuses) remete-nos para o sentido da religiosidade deísta que alimenta as várias igrejas estabelecidas em todas as sociedades e que os crentes sentem como bálsamo, ou aspirina do espírito, para atalhar as maleitas que sempre nos afligem a vida. Os credos religiosos caracterizam-se por uma união de sentimentos, de emoções místicas e de modos de ver o mundo… consequentemente, reflectem uma cultura.

Foto da Unsplash

Quando várias pessoas se juntam a pretexto de um qualquer tema que apreciam, estão a afirmar a sua cultura e a sublinhar o seu respeito e admiração por aqueles que partilham as mesmas ideias. Esta união de sentimentos leva-nos a reunir no mesmo clube, no mesmo partido, no mesmo movimento cívico e na mesma igreja. Sendo certo que no seio de cada um destes grupos é suposto existir respeito entre os elementos que lhe dão corpo, também é certo que não sentem o mesmo afecto pelos frequentadores, ou aderentes, de outros clubes, partidos, movimentos ou igrejas.

Estas diferenças que nos aproximam dos outros (mas que também nos separam), no fundo, só afirmam o facto de todos nós sermos iguais em sentimentos. Guerreámo-nos e suportámo-nos. É a característica do animal predador que somos. Não há “grupos de humanos bons” e “grupos de humanos maus”.

A situação só é verdadeiramente grave e alarmante quando o verbo “guerrear” conduz a atitudes políticas e religiosas extremistas que fazem sofrer o semelhante. E por aí todos nós reconhecemos os exemplos de políticas e de religiões extremistas, que são desrespeitadoras do outro e que preenchem os telejornais com “noticiário apocalíptico” que sublinha o pior do nosso comportamento… quando somos, mesmo, criminosos!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

16 de Abril, 2024 Onofre Varela

Vamos enterrar Deus?

Não. Não vamos. O meu discurso de ateu não pretende acabar com a ideia de Deus. Não é essa a minha intenção nem tal coisa é possível. São bem profundas as raízes do divino na estrutura da mente e na história das civilizações. O Homem “criou Deus à sua imagem e semelhança” porque precisou dele… e contra tal necessidade não se pode lutar irracionalmente. Mas é sempre possível lançar na mente de quem ainda alimenta a curiosidade, a interrogação sobre o porquê das coisas, incluindo nelas a sua própria fé, não se deixando embebedar pelo “medo do castigo divino”.

A cabeça do crente é o verdadeiro “reino de Deus”… fora dela, não há Deus em lado algum, nem há castigos ou prémios divinos. Deus é um conceito civilizacional para ser guardado no baú dos avós como objecto de extrema importância na História do Pensamento… aí o devemos manter com a consciência de ter sido um elemento de peso na nossa evolução e na construção das civilizações, mas hoje não passa de elemento folclórico com valor antropológico. Pertence a uma “arqueologia do pensamento” e só é usado como artimanha fantasiosa pelos industriais da exploração da fé, no sentido de burlarem os necessitados da droga do divino na convicção de que a “necessidade de Deus” é fundamental para se “viver com decência religiosa”… o que me parece indecente!…

Gianni Vattimo em 1980. Adriano Alecchi /Alamy

Tal como diz o filósofo italiano Gianni Vattimo, “chega um momento em que [as religiões] já não são necessárias. E esse momento é a nossa época, porque, como pode ver-se em muitos aspectos da vida actual, as religiões já não contribuem para uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação. A Religião acaba por ser um poderoso factor de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes” (Gianni Vattimo, filósofo e político italiano, no artigo de opinião: “É a Religião Inimiga da Civilização?” Jornal El País, 1/3/2009).

O sentido religioso não está morto nem morrerá jamais… ele é intrínseco ao funcionamento do nosso cérebro. Somos um ser religioso por excelência. Mas a “morte de Deus” vaticinada por Nietzsche é factível e pode considerar-se, já, nesta realidade actual: “o que está morto, num sentido mais profundo, são as religiões morais como garantia da ordem racional no mundo”, como diz o filósofo citado. Hoje o valor da prática de uma qualquer religião só é encontrado a nível da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia, os ramos da Ciência que estudam os complexos sistemas de crenças que formatam as sociedades.

Desformatá-las desse modelo não é tarefa fácil nem é coisa que se consiga em duas ou três gerações. Aliás… entre nós podemos aquilatar dessa dificuldade olhando para o resultado da “Revolução dos Cravos” tão acarinhada há 50 anos pela esmagadora maioria dos Portugueses que tanto a desejavam como libertadora de uma ditadura. Duas gerações depois, os inimigos dos militares da Revolução e dos ideais que a fizeram, e que são amigos do regime deposto querendo recuperar sistemas sociais indesejados por quem respeita o próximo, sobem as escadas do poder empurrados, também, por seitas religiosas!…

É um fenómeno resultante dos problemas sociais que os governos que temos tido não foram capazes de resolver… e não os resolveram por uma questão muito simples: é que nas cadeiras do Poder nunca estão sentados os melhores de nós… são os mais “reguilas” (reguila é sinónimo de “burro-armado-em-inteligente”) que se perfilam nos actos eleitorais e são votados. E nós acorremos às assembleias de voto com a mesma convicção de “obrigação satisfeita” sentida pelo católico quando toma a hóstia na santa missa!…

Os cultos religiosos só são operantes porque há uma sedimentação do pensamento do divino como resquício do nosso primitivismo. Em alguns locais deste meu lindo país, quando me afirmo ateu pedem-me para “falar baixo”, olhando em todas as direcções para comprovarem a intimidade da minha declaração! É um medo patético semeado por quase nove séculos de monarquia de mãos dadas com a Igreja medieval, adubado por 40 anos de ditadura política de braço dado com a mesma Igreja, e pouco regado por cinco décadas de Democracia que se esqueceu de prolongar no tempo o Ideal Social da Revolução dos Cravos… a qual hoje é contestada, também, pelos piores de nós!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

20 de Março, 2024 Onofre Varela

Perdoar a quem nos agride

“A quem te bater na face direita, dá-lhe também a esquerda” (Mateus, 5: 39-42). Esta frase evangélica foi escrita num tempo em que a lei era “Olho por olho e dente por dente”. Convenhamos que a moral contida em Mateus é bastante mais positiva e pacífica do que o conflito que emerge da frase que então fazia lei e mandava tirar os olhos a quem cegasse alguém.

As frases moralistas que podem ser encontradas nos Evangelhos têm de ser entendidas à luz do tempo em que foram registadas e das razões que as motivaram. Dois mil anos depois de Jesus Cristo (JC), as sociedades evoluíram, os Códigos Comportamentais também, e nós… bem… nós continuamos a ser os mesmos animais de sempre!

A nossa mentalidade pouco mudou com o decorrer dos séculos! Em termos de Consciência, somos, hoje, os mesmos homens que escreveram a Bíblia e os Evangelhos. A técnica evoluiu; na escrita passamos das placas de barro para o papiro, do pergaminho para o papel e deste para o computador, mas a nossa mente bélica e de predador continua a mesma de antanho. O Homo sapiens é a última experiência da Natureza na vida do planeta (temos menos de 200.000 anos, em cerca de 4,5 biliões de anos que tem o planeta). Somos, ainda, primitivos, por mais evoluídos que, por vaidade, nos consideremos.

Quando oferecemos “a outra face” a quem nos bate, partimos do princípio que o outro vai entender a nossa posição e sentir-se envergonhado por nos ter agredido. A nossa atitude pacífica contrasta de tal modo com a do agressor que, este, se for inteligente e sensível, vai sentir-se mal e pedir perdão pelo seu acto hostil, abandonando as suas incorretas atitudes. É esta a intenção da frase evangélica atribuída a JC e escrita por Mateus provavelmente no ano 70 (40 anos depois da morte de JC).

E os ditadores? Serão inteligentes?… Provavelmente sim… talvez usem uma “sub-espécie de inteligência”… mas… serão sensíveis?!… Entenderão o discurso de JC e a razão do próximo?

Foto de Polina Petrishyna na Unsplash

É neste quadro que eu entendo a frase do Papa Francisco I (F1) tornada pública no último dia 10 de Março, quando pediu ao governo ucraniano que tenha “a coragem da bandeira branca e de negociar com a Rússia”, acrescentando que “a palavra «negociar» é uma palavra corajosa […] quando percebemos que estamos derrotados e que as coisas não estão a correr bem, é preciso ter a coragem de negociar”.

Obviamente que os responsáveis políticos ucranianos se sentiram indignados ao interpretarem esta atitude de F1 como um apelo à rendição do país perante a invasão russa. Também obviamente, Putin se regozijou com o apelo do Papa por o sentir do seu lado, e fez saber que está disponível para negociações e que a Ucrânia não quer terminar a guerra (?!). Obviamente (também) eu só posso pensar o contrário do ditador e de F1! Quem tem de terminar com a guerra é o país invasor que a começou… e não o país invadido que não faz guerra… apenas se defende!

Sublinhando a sua maldade de invasor, Putin acrescentou ao seu discurso de “paz”, este “pacífico” recado dirigido a todo o mundo: “a Rússia está pronta para uma guerra nuclear”.

F1 – que para mim é o melhor Papa de todos quantos no último século se sentaram na cadeira de S. Pedro – tem de perceber que as frases evangélicas são para consumo caseiro dos fiéis cristãos, mas nunca serão consumidas, nem entendidas, pelo mau vizinho que é a Rússia (sob a ditadura putinista) paredes meias com a Ucrânia.

Em resposta, a Polónia sugere a F1 que “encoraje Putin a retirar o seu exército da Ucrânia”. Por seu lado, Zelensky pediu ao Papa para apoiar o plano de Paz ucraniano onde se reitera a restauração da integridade territorial da Ucrânia, a retirada da tropa russa e a cessação das hostilidades. Este plano não está aberto a negociações… e eu assino por baixo.

Vamos lá a ver, leitor. Raciocine comigo: o seu vizinho invade-lhe o quintal que é seu, destrói-lhe parte da casa que é sua e mata a sua família. Depois quer que você “negoceie” com ele de acordo com a vontade dele, que nunca é a sua; ele propõe que você fique com o anexo do fundo do quintal que tem o telhado destruído pela bomba que matou a sua família, enquanto que ele fica com o quarto e a cozinha, únicas partes que se salvaram da destruição que as bombas dele provocaram na sua casa. Só assim o seu vizinho lhe “garante” a Paz. Você aceita?…

EU NÃO ACEITARIA!

A “Paz” alcançada deste modo não é Paz; é um conflito latente e não é por eu dar a outra face que vou viver bem e que o meu vizinho jamais me incomodará!… Não!… Este meu vizinho nunca deixará de me incomodar nem retirará a sua bota do meu pescoço.

Vamos aceitar “ultimatums” de todos os bandidos que nos invadem a casa e que nos matam a família? O que fazemos com um psicopata assassino? Ajoelhámo-nos perante ele, ou enclausurámo-lo?

Espero que o Mundo nunca deixe de se unir em favor do invadido, e condene o invasor… porque este é quem deve abandonar o país que invadiu, pagar a reconstrução das cidades que destruiu e indemnizar as famílias que enlutou. Se isto não acontecer assim… então vivemos num mundo imensamente pior do que aquilo que eu imaginava!…

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

18 de Março, 2024 Onofre Varela

Qual é a crença dos não crentes?

Quando o jornal espanhol El País ainda se vendia em Portugal (deixou de o ser em Fevereiro de 2021), a edição do seu suplemento cultural Babélia, de 27 de Abril de 2019, publicou um interessante artigo sobre Ateísmo e forneceu uma lista de nove livros sobre o tema que, recentemente, haviam sido editados em Espanha (ou reeditados, no caso das obras de Nietzsche).

A chamada de capa era feita com esta frase forte: “En qué creen los ateos?”.

Achei curiosa a indagação porque pensei que perguntar “Em que creem os ateus?”, é o mesmo que indagar “Com que se droga quem não se droga?”, resultando na natural estupefacção: “É absolutamente necessário consumirmos drogas?!”

Bem sei que o indagador parte do princípio de que o Ateísmo é, também, uma forma de crença… uma religião!… E em parte tem razão. 

O Ateísmo é uma forma de Religião, tal como a Ciência também o é, no sentido etimológico do termo que aponta para um sistema específico de pensamento, envolvendo uma posição filosófica e ética inspirada na Razão, tendo por missão a “procura das causas”, o que se entende na origem do termo latino “religio”, no sentido de “prática correcta”, cujo plural é “religiones”; já não como Fé, mas como Conhecimento, sem qualquer conotação com a procura de deuses como se entendia na Grécia e Roma antigas, bem como na Idade Média, quando o “conhecimento” era puramente religioso. Deixou de o ser depois do “Renascimento”, quando se assentaram as bases para que fosse possível a eclosão do “Iluminismo” no século XVIII, o qual passou a ser referido pela História como o “Século das Luzes” (o termo “Iluminismo” foi uma forma de identificar uma filosofia contrária ao “Obscurantismo” dirigido pela Igreja Católica durante cerca de 15 séculos). 

Retrato de Sir. Isaac Newton, atribuído a Ernest H. Edwards (1837 – 1903)

O artigo do El País aborda questões interessantes e conclui ser difícil definir o Ateísmo e condensá-lo numa única fórmula, até porque há o “Ateísmo opressivo e claustrofóbico que reproduz as manias do monoteísmo” (em todas as filosofias, sejam religiosas ou políticas, há radicais extremistas). O seu autor (Juan Arnau) diz que os valores do Ateísmo têm algo de genético, e que não podemos renunciar àquilo que herdamos e respiramos na infância, seja a favor ou contra a Religião. De facto, cada adulto é o resultado da criança que foi. As vivências da infância não se apagam com a idade… bem pelo contrário, enraízam-se, cimentam-se e são responsáveis por muitos dos pensamentos e actos de todos nós. Quer queiramos, quer não, a Religião tem uma forte influência na nossa educação e no nosso conhecimento. 

Na mesma altura uma sondagem, também em Espanha, indicava uma percentagem histórica de não crentes na ordem dos 27%, alcançando quase 50% nos jovens; e 62% dos crentes declarava assistir a missas muito raramente. Perante esta realidade o autor pergunta: “podemos viver sem igrejas… mas, poderemos viver sem Religião? As religiões não são teorias do universo, mas sim intenções de dar sentido à experiência [de viver]. Podemos viver sem estarmos «religados» ao mundo?”

Na definição daquilo que é religioso, os antropólogos recorrem ao conceito do sagrado. As religiões não seriam um sistema de crenças, mas sim de práticas sociais; e desde o tempo de Newton a Ciência tem vindo a desalojar o sagrado da vida civil.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV