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Categoria: Diário de uns ateus

29 de Janeiro, 2025 Eva Monteiro

Nem só de religião vive o ateu

O ateísmo, por si só e nos tempos que correm, não é nada de excitante. A ausência de alguma coisa não significa que haja um vazio a preencher. Ser-se ateu é apenas uma recusa em acreditar em deuses. Ora, posto isto a discussão acaba aqui. Não há uma mundividência ateia, um sistema ético ateu ou um modo de vida ateu. Este último no sentido em que o ateísmo não acrescenta, apenas retira. Não significa que o modo de vida de um ateu não seja rico e preenchido – por outros meios. Em suma, o ateísmo não é uma religião e não pretende oferecer nada além dessa ausência.

Para que eu seja ateia é necessário que exista religião e que ela seja prevalente. O ateísmo existe apenas como reação ao mundo infetado em que vivemos, tomado conta por um vírus existencial que recusa emancipar-se de um pai ultrapassado e senil que há muito devia ter deixado de ditar as regras lá em casa. Neste sentido, o ateísmo vive da religião porque na sua ausência seríamos apenas normais.

Não obstante esta luta entre acreditar e não acreditar numa ideia sobrenatural que pertence à infância da humanidade, nem só de religião vive esta ateia e, creio, outros ateus. Necessito de uma mundividência, de estabelecer valores éticos e um modo de vida. É o Humanismo Secular que preenche esse lugar onde recuso deixar entrar o dogma religioso e os sistemas arbitrários de falsa moralidade que as religiões oferecem. Se abraço assim a razão humana, a ética, a justiça social e o naturalismo, esta ateia vive também de política. Aliás, como ativista ateia, haverá pouco do que faço e vivo que não esteja imbuído desta coisa que se refere à vida em sociedade e a relação com o poder.

Neste sentido, é como humanista secular que hoje escrevo, além de enquanto ateia. Li ontem um artigo do Vatican News em que se dá conta de uma nota dos Dicastérios para a Doutrina da Fé (anteriormente chamados de Inquisição – sim essa) e para a Cultura e Educação em que “são destacadas as potencialidades e os desafios nos campos da educação, economia, trabalho, saúde, relações humanas e internacionais, bem como em contextos de guerra.”. À primeira vista não posso deixar de concordar que existem desafios. No entanto, basta continuar a ler para entender que o Sr. Jorge Mário tem umas ideias pouco originais sobre a IA, fruto de uma longa tradição católica de combater tudo o que é novo e que retire protagonismo ao seu modo de vida dogmático e redutor.

Nem tudo o que se diz na “Antiqua et Nova” é de deitar fora. Nem tudo, mas muito. Refiro-me à pressa em advertir os crentes que não endeusem a IA. Não que eu a queira endeusar, mas eu, pelo menos, não invento deuses para controlar grupos de pessoas. O Papa, vulgo Sr. Jorge Mário, tem receio do “Poder nas mãos de poucos”. A piada faz-se sozinha, claro.  Preocupa-o (além da guerra que também me preocupa), a “antropomorfização da IA” gerando relações fraudulentas. Mais uma oportunidade perdida de um gracejo pouco simpático. No seu costumeiro ímpeto de controlar a sexualidade humana, o documento avança que “usar a IA para enganar em outros contextos – como na educação ou nas relações humanas, incluindo a esfera da sexualidade – é profundamente imoral e exige vigilância rigorosa”. Mas quem vigia a igreja que há séculos o faz?

O texto fala de preconceito e discriminação, de perdas no desenvolvimento do pensamento crítico, de fake news e deep fakes, de manipulação, informações falsas, enganos, de alimentar o ódio e a intolerância, da desvalorização da beleza e intimidade da sexualidade humana e da exploração dos fracos e indefesos. O Sr. Jorge Mário vai mais longe e critica o controlo da consciência humana pela IA, a vigilância do cidadão comum para proveito de outros, a exploração de recursos naturais para alimentar a IA, mas acima de tudo, alerta que a “presunção de substituir Deus por uma obra de suas próprias mãos é idolatria”.

Em suma, depois de listar tudo aquilo que tem feito nos últimos 2000 anos e que sente ser apanágio da ICAR, o Sr. Jorge Mário identifica o busílis da questão: a Igreja sente-se gradualmente substituída por uma imaginada IA maldosa (quiçá competitiva também neste campo com as atrocidades que a ICAR cometeu ao longo de séculos) e isso não dá jeito nenhum.

Por fim, um campo em que eu e o Sr. Jorge Mário concordamos:

Em particular, no âmbito do trabalho, destaca-se que, se por um lado a IA tem “potencial” para aumentar competências e produtividade ou criar novos empregos, por outro, pode “desqualificar os trabalhadores, submetê-los a uma vigilância automatizada e relegá-los a funções rígidas e repetitivas”, a ponto de “sufocar” toda capacidade inovadora. “Não se deve buscar substituir cada vez mais o trabalho humano pelo progresso tecnológico: ao fazê-lo, a humanidade prejudicaria a si mesma”.

Dizia eu há pouco que nem só de religião vive o ateu. Eu vivo deste Humanismo Secular que me auxilia a identificar-me como pessoa que luta pelo bem estar de todos, em sociedades dignas e dignificantes sem recurso a falsas promessas de castigo ou recompensa após a morte. Eu concordo com o Sr. Jorge Mário no que diz respeito à IA no campo do trabalho ainda que não corra o risco de a endeusar e a enfiar na ausência de religião a que o meu ateísmo obriga.

Ao contrário do Sr. Jorge Mário, a minha solução proposta não é a fuga para um passado medieval de bruxas, demónios e fogueiras. Sugiro que todas as empresas que utilizem inteligência artificial ou outras tecnologias para substituir o trabalho humano sejam obrigadas a pagar impostos proporcionais aos encargos fiscais que teriam caso essas tarefas, funções ou postos de trabalho fossem ocupados por pessoas. Os valores arrecadados com este imposto teriam de ser direcionados para a criação de um rendimento básico universal, garantindo que os trabalhadores, em vez de serem simplesmente descartados, pudessem beneficiar dos avanços tecnológicos. Dessa forma, a automação não serviria apenas para maximizar os lucros dos CEOs à custa do desemprego em massa, mas sim para promover uma distribuição mais equitativa da riqueza gerada pela inovação. Ou seja, mais tempo para viver, com os meios para aproveitar esse tempo. Talvez o Sr. Jorge Mário devesse estar menos preocupado com a manutenção da imagem de infalibilidade da ICAR e da perda crescente de crentes (por consequência, do dinheiro que geram), e mais preocupado em realmente encontrar soluções para a sociedade em que vivemos. Nem só de pão vive o homem – dizem eles. É verdade, pessoalmente gosto de um bom Alvarinho e um queijo a acompanhar. E preferia ter como os pagar.

27 de Janeiro, 2025 Onofre Varela

AINDA SOBRE OS “DOIS PAIS” DE JESUS

No último artigo abordei o sentimento de ofensa que alguém possa deter perante conversas ou escritos que contrariem o seu modo de encarar o mesmo assunto, quando tratado de um outro campo que não o seu. É um sentimento natural que deve ser entendido com a mesma naturalidade, e nunca se deve ver, num ponto de vista contrário ao nosso, um insulto… se não, não fazemos nada mais na vida que não seja “insultarmo-nos constante e mutuamente”, porque não há duas pessoas que detenham “pensamentos, entendimentos e sentimentos, fotocopiados”.

Como ateu estou habituado a ver as minhas palavras interpretadas de modo ofensivo por religiosos, e quando me abordam nesse sentido faço a “prova dos nove”, lendo, ao pretensamente ofendido, o texto que o meu interlocutor diz ter sido uma ofensa à sua fé. Na maioria dos casos fica provado que o modo de ler (interpretar) faz a diferença entre a opinião e o insulto.

Gerado por IA.

Há quem inicie a leitura de um texto (sabendo que ele foi escrito por quem não alinha nas suas verdades políticas, religiosas ou futebolísticas), com intenção negativa e preparado para ver por ali ofensa ao seu modo de entender as coisas. E quando essa ofensa não existe, ele acaba por a “ver” porque está mentalmente preparado para a fabricar! Por isso aceito que o Bloco de Esquerda usasse aquela imagem e aquela frase (referidas no último artigo) sem pensamento ofensivo, por não ter essa intenção à partida.

Qualquer texto, incluindo os textos bíblicos do Velho Testamento, mais os neo-testamentários, está sujeito a interpretações várias, e não é lícito rotular de ofensiva qualquer interpretação que choque com entendimento diverso. Para um ateu (e para a própria História) a gravidez de Maria anunciada por um anjo não é um facto histórico nem científico, mas sim uma “estória de fé” que, merecendo respeito, também merece reparo ou crítica, numa sociedade maior, livre e consciente. O respeito não quer dizer “come, cala e não opines”. Respeitemos, mas opinemos… é isto a Democracia e o cumprimento do respeito que ela decreta.

A gravidez de Maria é uma cópia, na versão cristã, do mito grego da gravidez de Alcmena violada por Zeus para gerar Hércules, e que os escribas cristãos foram buscar à mitologia, retocando-a a seu jeito. Zeus lambuzou-se no leito de Alcmena tomando a forma de Anfitrião, o seu marido, para a enganar à boa maneira dos homens perversos e traidores (que eram sempre o espelho dos deuses).

A versão de Maria é mais cândida por escamotear o acto carnal da cópula, mas também mais irreal por nada ter de natural. Todos nós sabemos que uma gravidez precisa de um óvulo e de um espermatozoide que o fecunde… o que quer dizer: relações sexuais (naquele tempo não havia laboratórios de inseminação artificial, nem clonagem). Afirmar o contrário disto… é fé divorciada de qualquer realidade… e se a fé ofusca o entendimento… quem deve “desofuscar-se” é o religioso seguidista que desliga o seu motor de busca não procurando entendimento… e nunca o seu crítico. As lendas religiosas devem ser tomadas na sua realidade de lenda e de fé, respeitadas como tal, e nunca declaradas como “realidade sagrada” com ameaça de punição para quem não as aceite, como a Igreja fazia no tempo da Inquisição de má memória!

Por muito respeito que me mereçam os meus amigos crentes, eu tenho o direito de exercer o meu raciocínio. Não é falta de respeito questionar: se José é afirmado como pai adoptivo de Jesus… teve de haver um pai biológico e a biologia implica sexo. A fé tolda a razão?!… Se sim, é bom que quem assim sente tome consciência disso e deixe de se sentir ofendido pelas lícitas considerações de quem dispensa a fé e o mito por lhe bastar a realidade e a naturalidade das coisas naturais e reais. 

17 de Janeiro, 2025 Onofre Varela

SENTIR-SE E SER-SE OFENDIDO

A clérigo sandeu parece-lhe que todo o mundo é seu”

(Provérbio Popular)

A propósito de o Papa Francisco I condenar populismos e defender divorciados e homossexuais (tal como “O Cidadão” noticiou no último dia 15 de Janeiro), mostrando ser a primeira vez que o Vaticano tem na Cadeira de São Pedro um clérigo verdadeiramente sensível e fraterno na defesa das liberdades individuais, limpando – com as suas atitudes e os seus discursos – a parte mais negra da História que a Igreja Católica escreveu durante séculos, lembrei-me de um caso ocorrido em Fevereiro de 2016. Já lá vai quase uma década, mas o sentimento de escândalo que ele provocou, continua actual; por isso considerei lembrá-lo aqui e agora.

Nessa ocasião, para assinalar a aprovação da lei que permite a adopção de crianças por parte de parelhas do mesmo sexo (eu prefiro usar o termo “parelhas” em vez de “casais”, porque “um casal” implica dois indivíduos de sexo diferente: um macho e uma fêmea. O termo “parelha” designa “um par”… neste caso, “um par de pessoas – duas pessoas”, que é o que é, e não um casal!) o Bloco de Esquerda (BE) criou um cartaz que gerou controvérsia, representando, em desenho, a figura (graficamente esbelta e religiosamente correcta) de Jesus Cristo, com a frase “Jesus também tinha 2 pais”. Esta mensagem, sob o ponto de vista histórico, científico e filosófico, é imaculada… não ofende ninguém e sublinha o que as religiões cristãs afirmam: Jesus é filho de Deus, e José é o seu pai adoptivo! Logo, tendo um pai adoptivo, não resta dúvida de que conta com dois pais… o adoptivo… e o outro!

(Bem… aqui, “o outro” , refere o “pai biológico”. Mas na estória cristã, a Biologia não está presente… aquilo não se entende… é uma confusão em que entra a figura de uma casta e branca pombinha, chamada “Espírito Santo”, como portadora do esperma divino que depositou no ovário de Maria… o que dificulta a compreensão do acto!… Os crentes afirmam esta “narrativa de fé” como sendo realidade, mas eu desconfio que quem a afirma não a entende e só a defende “por fé” sem se preocupar com as explicações que devia exigir para, só depois, poder defender… ou não!).

A aprovação da Lei da Adopção foi confirmada na Assembleia da República no dia 10 de Fevereiro, depois de Cavaco Silva (então presidente da República) a ter vetado. Em termos de religiosidade, não há diferença no tratamento das leis por parte de Cavaco e de Marcelo. Ambos são católicos e, na presidência de uma República laica (repito, em maiúsculas: LAICA) perfilam-se ao lado da Igreja, desaprovando tudo quanto a LAICIDADE REPUBLICANA diz dever ser aprovado.

A Constituição Portuguesa permite que um qualquer cidadão fiel a uma qualquer fé religiosa, seja eleito para presidir à República que é LAICA!… E permite-o, exactamente, por atribuir legalidade ao sentimento religioso, à sua fé e à sua livre expressão, quer se seja a favor, ou contra… correndo-se o risco de a LAICIDADE republicana não ser cumprida. São as idiossincrasias da Democracia!…

O BE, fazendo Juz à política de Esquerda que representa, concordou com a lei da adopção de crianças por parelhas do mesmo sexo, bem como concorda com o casamento homossexual, porque respeita a dignidade do Ser Humano e as vontades individuais. A Igreja Católica é que não alinha com tal respeito e contestou a lei por se sentir ofendida (esquecendo que estava a ofender a Liberdade e a Dignidade de quem quer ver a lei aprovada, em nome da sua própria Liberdade que o espírito do 25 de Abril lhe deu). Numa atitude de assumir a figura do “politicamente correcto”, o BE reconheceu ter sido um erro usar aquela mensagem e desculpou-se, retirando os cartazes, demonstrando usar de muito mais compreensão do que aquela de que a Igreja Católica se diz portadora.

Quero aqui dizer que quando alguém se sente ofendido, esse sentimento não é, por si só, prova de que o tenha sido realmente. “Sentir-se” não é o mesmo que “ser-se”. Eu posso sentir-me rico e ser pobre (ou vice-versa)!… Qualquer ofensa só é real se for exercida com a consciência de ofender. Se na sua origem não estiver a atitude de ofender, a ofensa não passa de um incidente que foi lido como ofensa pelo receptor, independentemente da intenção do emissor.

Como ateu estou habituado a ver as minhas palavras interpretadas de modo ofensivo por religiosos, e quando me abordam nesse sentido faço a “prova dos nove”, lendo e comentando, ao ofendido, o texto que o meu interlocutor diz ter sido uma ofensa à sua fé. Invariavelmente fica provado que o modo de ler (interpretar) faz a diferença entre a opinião e o insulto.

Há quem inicie a leitura de um texto (sabendo que ele foi escrito por quem não alinha nas suas verdades políticas, religiosas ou futebolísticas), com intenção negativa e preparado para ver por ali ofensa ao seu modo de entender as coisas. E quando esta ofensa não existe, ele acaba por a “ver” porque está mentalmente preparado para a fabricar! Por isso aceito que o BE usasse aquela imagem e aquela frase, sem pensamento ofensivo, por não ter essa intenção à partida.

Qualquer texto, incluindo os textos bíblicos do Velho Testamento, mais os neo-testamentários, está sujeito a interpretações várias (por isso há tantas seitas religiosas baseadas no mesmo Livro), e não é lícito rotular de ofensiva qualquer interpretação só porque choca com entendimento diverso. Para um ateu (e para a própria História) a gravidez de Maria anunciada por um anjo não é um facto histórico, nem natural… não passa de uma “estória de fé” que, merecendo respeito, também merece crítica numa sociedade maior, livre e consciente da Liberdade que tem.

A gravidez de Maria é uma cópia, na versão cristã, da gravidez de Alcmena violada por Zeus para gerar Hércules, e que os escribas cristãos foram buscar à mitologia grega, retocando-a a seu jeito. Zeus lambuzou-se no leito de Alcmena tomando a forma de Anfitrião, o seu marido, para a enganar à boa maneira dos homens perversos e traidores (que eram sempre o espelho dos deuses).

A versão de Maria é mais cândida por escamotear o acto carnal da cópula, mas também mais irreal por nada ter de natural. Todos nós sabemos que uma gravidez precisa de um óvulo e de um espermatozoide que o fecunde. (Naquele tempo não havia laboratórios de inseminação artificial, nem clonagem). Afirmar o contrário disto… é fé divorciada de qualquer realidade.

A fé deve ser mantida por quem a tem, e respeitada por quem a não tem… mas não é matéria tabu! Nada o é. Numa sociedade maior (como é a nossa, liberta de ditaduras fundamentalistas religiosas) pode-se falar de tudo, seja elogiando ou criticando. E se a fé ofusca o entendimento… quem deve “desofuscar-se” é o seguidista de uma fé que desliga o seu motor de busca na procura de entendimento… e nunca o seu crítico.

Por muito respeito que me mereçam todos os crentes, eu tenho (tal como eles) o direito (e a obrigação) de exercer o meu raciocínio. Não é falta de respeito questionar: se José é afirmado como pai adoptivo de Jesus… teve de haver um pai biológico, e a biologia implica sexo. 

A fé tolda a razão?!… Se sim, é bom que quem assim sente tome consciência disso e deixe de se sentir ofendido pelas lícitas considerações de quem dispensa a fé e o mito por lhe bastar a realidade e a naturalidade das coisas reais e naturais. 

29 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

FakeNews: política, telenovelas e Bíblia

As notícias falsas (Fake News) estão tão enraizadas na sociedade que é difícil saber-se o que é verdadeiro e falso numa campanha eleitoral, numa mensagem publicitária ou numa discussão parlamentar. As Fake News são uma espécie de “informação” criada com o propósito de desinformar, de enganar quem as toma por verdadeiras. Divulgam mentiras por verdades, intoxicam a opinião pública e induzem “as suas vítimas” a pensarem e a fazerem como os seus promotores querem que elas pensem e façam. 

Neste momento temos nas Fake News (FN) criadas pela extrema-direita, a difusão da ideia de que os imigrantes são bandidos que infestam as ruas das nossas cidades, matam velhinhas e comem crianças ao pequeno almoço. As FN são usadas com fins políticos ou económicos para benefício de alguém ou algo. Todos nos lembramos da garantia que Cavaco Silva deu de o BES não ter problemas financeiros, que estava com os cofres cheios de dinheiro e os seus clientes podiam confiar na seriedade do banqueiro!… Quem discordaria da opinião avalizada de um economista de tal gabarito?!… E foi o que se viu! 

Foto de Jorge Franganillo na Unsplash

As Fake News foram usadas nos EUA em benefício de Donald Trump nas eleições de 2016 (e de 2024), e de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018, recorrendo a mensagens divulgadas massivamente nas redes sociais dizendo “cobras e lagartos” dos seus opositores, acenando o espantalho do comunismo. 

Para que as Fake News atinjam o alvo com eficácia, têm de ter algo de verdadeiro à mistura… algo que interesse à maioria de nós, levando-nos a aceitar todo o discurso como verdade, só porque uma parte dele é (ou parece ser) verdadeiro. Repare-se nos enredos das telenovelas. Aquilo é ficção, mas retrata a vida social como nós a conhecemos, e muitos dos conflitos narrados nos episódios já nós os vivemos de algum modo ou sabemos de quem os tenha vivido… mas é tudo mentira! 

É esta semelhança com a realidade que faz o interesse dos telespectadores. Esta artimanha de misturar realidade com ficção não é nova. As Fake News são velhas como o mundo, e a Bíblia é uma colecção enorme delas. À mistura com nomes de personalidades que a História nos diz terem existido, e de localidades reais, os Judeus construíram narrativas falsas afirmando-se “o Povo eleito de Deus”. Como se não bastasse a mentira histórica, ainda lhe acrescentam o maior embuste, que é a de terem sido ditadas por um deus inexistente!… 

Exemplo: Moisés é personagem do Antigo Testamento a quem se atribui o Êxodo (a retirada do povo hebreu do Egipto) e a espectacularidade das dez pragas que fizeram a rendição do faraó Ramsés II. A última delas foi a morte do próprio filho do faraó, o que nos mostra Deus como um ser infame, despótico e cruel. 

O problema desta narrativa está no facto de tais casos nunca terem existido!… Êxodos de hebreus, houve muitos… e as dez pragas narradas são tão espectaculares que teriam de fazer parte da História do Egipto… que não as regista!… A existência de Moisés não está provada pela História, e o que se conta de, em bebé, ter sido recolhido de uma cesta abandonada no rio Nilo, é cópia da história de vida que se conta de Sargão I, rei da Suméria, que viveu 600 anos antes de Ramsés II e de Moisés.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

22 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

Sobre a igualdade

O Cristianismo conseguiu impor-se graças a duas grandes ideias que constituem a linha de força que, em linguagem publicitária usada nos tempos em que fui criativo gráfico em agências de publicidade, podem ser referidas como “o eixo” das suas preocupações de marketing.

A primeira ideia tem a força da fé: é o desejo de vitória da vida sobre a morte, que no Cristianismo é simbolizada pela ressurreição. Constitui o motor da expansão do credo ao nível do irracional. A crença na ressurreição do corpo, num hipotético dia do juízo final, acrescentada da, também hipotética, viagem “pós-morten” que a alma empreenderia para junto do deus que enche de ventura aqueles que, em vida, só padeceram tormentos.

Foto de Jacob Amson na Unsplash

Esta suposta vida a usufruir depois da morte é a imagem de marca e a espinha dorsal que sustenta o Cristianismo ao nível do irracional, porque encerra o essencial da vontade de todos nós, que é a fantasia de contrariar a morte, prometendo-nos uma vida eterna no etéreo, sem necessidades materiais, onde o pobre e o rico serão, finalmente, iguais (derradeiro consolo!).

A segunda ideia contém força social e política ao apregoar a “igualdade entre os homens”. Igualdade reconhecida ainda em vida, o que acaba por ser uma ideia positiva… embora não seja biologicamente correcta!…

Na verdade científica os seres humanos “são semelhantes”, mas “não são iguais”. Os códigos genéticos são idênticos na forma, mas não são iguais no conteúdo. Cada um de nós é detentor de um código genético único, o que faz com que cada um seja, realmente, diferente do outro. Biologicamente, cada um de nós é único.

A igualdade apregoada deve ser entendida como conceito social: igualdade no tratamento e nas oportunidades, tal como a nossa Constituição regista.

O conceito religioso da igualdade (amarás o teu próximo como a ti mesmo) é referido no Velho Testamento (Levítico: 19; 11-18), foi relembrado nos Evangelhos (Mateus: 22;39) e já era sugerido no Código Hamurabi (na sociedade babilónica há cerca de 3.800 anos) onde os redactores da Bíblia foram beber a ideologia que transcreviam em nome de um deus hipotético…

É um conceito que se compreende e deseja sob o ponto de vista humanista na tentativa de se eliminar diferenças sociais. A originalidade ideológica do Cristianismo reside precisamente no lembrar desta ideia da universalidade do Ser Humano, negando discriminações na afirmação de que todos somos iguais, contrariando os sentimentos de classe, rácicos e nacionalistas que estão tão “na moda” hoje, usados pelos anti-humanistas radicais de Direita… que querem ser governo!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

15 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

O Natal de um ateu

Já me têm perguntado: “como é o Natal de um ateu?”. É uma curiosidade motivada pela ideia generalizada de que a sociedade está dividida em segmentos. Há o segmento religioso, o segmento político e o segmento futebolístico (no mínimo…). E também há quem pense que em cada segmento as pessoas funcionam de modo diverso das outras.

Para satisfazer os curiosos… cá vai:

Não posso falar pelos ateus em geral, porque cada pessoa é ela própria e não o decalque de quaisquer outras (consideração válida para ateus e religiosos); como os meus amigos sabem, religiosamente sou ateu, politicamente sou de Esquerda, e em futebol… sou contra! Não gosto de futebol, nunca joguei a bola nem entrei num estádio e não vejo campeonatos, nem pela televisão. Costumo dizer aos meus amigos que, para mim, o futebol está ao nível de Deus… não existe!

Quanto ao Natal… é uma festa religiosa das sociedades cristãs. Cada um de nós, embora seja dotado de raciocínio próprio, é sempre o resultado do meio em que nasceu – cresceu e foi educado – não lhe podendo fugir. O Natal e a Páscoa são festas religiosas do meio que me fez, mas também são profanas. A Páscoa nunca teve significado no meu meio familiar; é um Domingo como qualquer outro… sempre assim se procedeu em minha casa porque “a ressurreição” (no figurino em que os religiosos cristãos a apresentam) não tem sentido.

Já o Natal é a “Festa da Família”. É um dia em que se reúnem familiares mais chegados, habitualmente separados por factores profissionais ou de residência distante, num jantar comunitário (designado por Consoada, palavra derivada do latim Consolata que quer dizer “refeição partilhada”) onde se sacrifica um bacalhau salgado, já sacrificado no Mar do Norte, regado com azeite de Trás-os-Montes e acompanhado de um bom vinho. Há sobremesas doces e distribuição de prendas, e findo o serão vou dormir sem assistir “à missa do galo”.

Imagem da Unsplash

Portanto, retirando a missa e as orações dos Católicos (que nem todos cumprem), o meu Natal de ateu é igual ao Natal de um religioso!

As datas religiosas da Igreja Católica, como Páscoa e Natal, têm a ver com a vida de Jesus Cristo, enquanto ícone deífico dos cristãos… mas também estão ligadas à Natureza, aos equinócios do Inverno e da Primavera. Toda a vida dos Seres Humanos é baseada, em primeiro lugar, na Natureza, e depois na sociedade e no seu folclore próprio e sazonal, que pode ser laico ou religioso, mas que é, sempre, folclore inerente a cada grupo social, que a Antropologia, a Etnologia e a Sociologia, estudam e explicam.

O Pinheiro e o Presépio

Nos meus tempos de miúdo ia cortar, numa bouça próxima de casa, um pequeno pinheiro recém-nascido, que enfeitava com bugalhos forrados com prata retirada dos maços de cigarros (encontrados no lixo e no chão da rua) rematando a obra com bocadinhos de algodão a fingir de neve (se tivesse vinte e cinco tostões para comprar pequenas bolas de vidro, coloridas e muito frágeis, e dois pacotinhos de minúsculos chocolates amarrados com uma fita de seda, para pendurar na árvore… era uma festa e a obra ficava espectacular!) sem ter consciência de que a tradição da árvore de Natal estaria ligada às crenças dos povos pagãos do norte da Europa, principalmente à celebração do Solstício de Inverno – a noite mais longa do ano – como homenagem à Natureza adormecida.

Já o Presépio encerra uma outra história para além da relação com o Solstício de Inverno. Uma breve consulta ao Novo Testamento mostra-nos que de entre os evangelistas que nos falam da história de Jesus nenhum deles narra a cena que estamos habituados a ver designada por Presépio. Mateus (2:11) diz-nos que os reis magos “entrando na casa acharam o menino com Maria”. Logo, o estábulo da tradição não existe nesta referência, já que o local do nascimento seria “uma casa”.

Marcos e João omitem o nascimento de Jesus, referindo-o já como adulto, quando é baptizado nas águas do rio Jordão por João Baptista.

Lucas (2:7) já nos diz que Maria “deu à luz o seu filho primogénito e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”.

A necessidade de José e Maria terem um lugar para pernoitar, devia-se ao facto de se terem deslocado de Nazaré, onde viviam, para Belém, na obrigação de se recensearem, no cumprimento de um decreto do imperador César Augusto que obrigava ao recenseamento de todos os cidadãos; e o casal partira para o local quando Maria já estaria num estado avançado de gravidez.

A imagem do Presépio que hoje figura na maioria das casas e nas montras das lojas na época natalícia, teve origem numa ideia de Francisco de Assis que, em 1223, festejou o Natal fora da igreja, montando uma manjedoura na floresta de Greccio, Itália, colocando junto dela um boi e um burro como elementos tradicionais de um estábulo.

O povo não entendeu de imediato o significado daquela encenação, mas durante a Idade Média o costume espalhou-se e, em 1567, a Duquesa de Amalfi mandou montar um grandioso Presépio com 116 figuras representando o nascimento de Jesus Cristo com a adoração dos reis magos, dos pastores e com anjos a cantar.

A partir do século XVIII o costume espalhou-se pelas casas dos crentes, mantendo-se até hoje… e convenhamos que o Presépio, enquanto decoração natalícia, fica muito bem nas montras das lojas e nos centros comerciais, nesta época de chamamento ao consumo desenfreado… conotando uma festa de cariz religioso, com o consumismo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

Crer é um acto intelectual

Muito provavelmente a ideia de Deus (dos deuses) entrou em processo de depuração logo após a termos criado, por sentirmos que o caminho dos deuses, afinal, era uma vereda muito mais estreita do que a estrada que ambicionávamos pisar. Razões diversas estarão na base da motivação que nos levou à criação das divindades – que imaginávamos ter-nos oferecido o mundo, a vida e a felicidade eterna – e à eleição de um deus particular para cada momento dos dias que os deuses nos ofereceram para os cultuarmos. Começamos por criar um panteão onde colocamos os deuses da nossa invenção e, com o evoluir do pensamento,

destruímos o panteão e elegemos um único deus (um deus-single) para nos servir a todo o tempo e em cada situação de vida.

A ideia do divino é comum a todas as sociedades porque o Ser Humano é único e universal. Somos o mesmo ser em todas as latitudes e em todos os tempos, e as motivações que nos levam à adoração do que quer que seja, são universais; apenas modificadas por questões culturais de cada povo e em cada época.

Em todas as sociedades há um fundo comum embelezado com as crenças, às quais não é estranha a humana necessidade da introspecção, a inquietude do acaso, a fuga à solidão e às agruras da Natureza, e o sentimento da insegurança, acrescentando o medo da morte como “medo máximo” que eternamente nos consome.

O vencer do caminho que nos conduziu ao abandono de um panteão, pretensamente (mas também enganadoramente) protector de todos os males, e ao apuro de um único deus, acabará por dispensar, também, o deusJeová (Alá) – criado pelos Hebreus, reciclado por Jesus Cristo e adoptado (e adaptado) por Maomé – que sobrou da purga que o passar do tempo e o evoluir do pensamento promoveu no panteão que gregos e romanos herdaram da civilização mesopotâmica.

Na verdade antropológica, “deus habita em nós”. Isto é: existe no nosso pensamento… mas não passa de uma ideia, não se encontrando em mais lado algum fora da cabeça de quem crê. A crença num deus (ou em deuses e santos) é uma característica da nossa espécie de “Sapiens”, a qual nos diferencia de todos os outros animais nossos companheiros da vida na Terra.

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Porém devemos ter a consciência de que a crença é um acto intelectual. Aqueles ateus “em princípio de carreira” que vociferam contra tudo quanto “cheira a incenso”, se não tiverem essa consciência também não têm discurso que mereça ser ouvido. Se cremos, é porque sentimos que precisamos de crer; se criamos deus à nossa imagem e semelhança, foi porque sentimos necessidade de o fazer, já que o Homem só cria aquilo de que necessita. (A exploração social e económica que dessa ideia se faz, por uma elite exploradora de tal sentimento… é que já é outra conversa!…)

O sentimento da religiosidade é comum a todos os humanos independentemente das geografias em que se encontrem, e só está vedado aos restantes animais por não terem intelecto. Foi a nossa capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade e o sentido estético, que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo e à criação de deuses (que depois transformamos no Deus único).

Esta faceta criativa que nos caracteriza, faz de nós uns seres especiais. No entanto, quando em discordância com os nossos semelhantes, somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma!… 

Embora raciocinemos, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos tomando conta da razão… e, por esse caminho, se bem virmos, até ficamos em patamares inferiores relativamente aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que eles só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões dos irracionais que consideramos inferiores… e ainda acrescentamos a lista, deixando-nos tomar por uma irracionalidade e uma cupidez que demonstram o pior da nossa condição animal, incluindo na lista das malfeitorias a crença em Deus quando a usamos como arma discriminatória e até mortífera (embora, ao mesmo tempo, o louvemos e lhe cantemos loas… o que sublinha a nossa imponente estupidez).

Isto parece-me incongruente com a capacidade que temos de raciocinar… mas a verdade é que nós somos assim… somos um produto natural ainda muito mal acabado!… (Espero que a evolução natural “lime as arestas” e nos melhore… mas isto, se calhar, também já é crença!).

Nós só erramos porque somos imensamente ignorantes… alguém disse que  “o erro é uma ignorância que se ignora”. A ignorância também é uma das nossas características. Todos nós somos ignorantes, até mesmo os sábios… que só o são no seu tempo e no seu ramo… e, mesmo assim, com limites.

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

1 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

O mistério da água na Criação

Neste momento tenho em mãos a finalização de um projecto de livro onde abordo o Génesis bíblico sob o ponto de vista de um leitor laico da Bíblia.

Interpreto os textos bíblicos com o conhecimento do meu tempo (e apenas daquele conhecimento que detenho, ou imagino deter, porque sei que não sei tudo) sem esquecer que os autores das narrativas bíblicas não o possuíam, e só puderam registar o conhecimento que tinham no tempo e no lugar em que as escreveram há cerca de 3000 anos. Obviamente, os seus saberes (no âmbito das minhas premissas) seriam muitíssimo mais limitados do que são os de qualquer um de nós (dos interessados pelo mesmo tema), três milénios depois.

De acordo com isto, o que se narra no Génesis mereceu-me a apreciação que faço no referido projecto de livro, dando conta de que a simplicidade com que a “Criação divina” é descrita na Bíblia se assemelha a um conto infantil dos mais puros, cujas acções narradas não precisam de coerência, aparecendo do nada sem qualquer ligação com a realidade das coisas.

O infantil leitor não tem qualquer dúvida sobre a verdade do conto entendendo-o como verdade sem necessitar de o ver explicado.

Uma narrativa deste tipo não pode ser negada, porque é ficção poética… e é bonita!…

Como tal, não pede explicação nem merece contestação. Seria uma estupidez contestar um poema!

A liberdade criativa dos poetas, dos escritores e dos artistas em geral, não tem limites. A dos autores dos textos bíblicos também não… e devemos entendê-los num enquadramento temporal, geográfico, social e político, que hoje temos muita dificuldade em imaginar.

Porém, para os intrinsecamente crentes, isto não é poesia… é da melhor realidade histórica a merecer crédito imediato!

E é aí que começa a crítica que tais crentes merecem (não a poesia da Criação), por parte de quem ultrapassa as interpretações de fé, aceita a poesia, mas não permite que lha dêem como sendo notícia de um acontecimento real.

Uma narrativa deste tipo não pode ser contestada enquanto texto poético. Contestá-la seria uma atitude tão sem nexo como é afirmá-la… não se contestam brincadeiras de criança, nem lendas, nem poemas.

As lendas são para serem lidas e apreciadas nas suas poéticas, e apreendidas as lições subliminares que, eventualmente, possam conter, não sendo líquido que todas as contenham.

O Génesis nada mais é do que isso, e na sua apreciação devemos considerar as circunstâncias em que foram registadas estas ideias com a presunção de serem reais, não esquecendo que os autores do Velho Testamento as copiaram de narrativas da civilização Suméria, na pretensão (e presunção) de escreverem a história do povo judeu como sendo o “povo eleito de Deus”.

Porém, como as religiões gostam de afirmar a “realidade contida na palavra de Deus”, neste meu exercício lúdico de imaginação pura que transcrevo na hipótese de livro e que aqui comento, encaro a “veracidade da narrativa” conforme a vontade daqueles que a afirmam. Consequentemente, coloco no referido projecto de livro o rosário de dúvidas que tal “realidade” me suscita, sem pretender nada mais que não seja, simplesmente, fazer um exercício lúdico.

Vejamos: o Génesis diz-nos que Deus criou o mundo em nove etapas, ou tarefas. Quase dia sim, dia não, obrava duas delas, num total de seis criações, e as restantes três contaram com um dia para cada uma.

As tarefas do primeiro dia incluíam a criação “dos céus e da terra, da luz e da separação do dia e da noite”. No segundo dia foi criado “o firmamento”, e só no terceiro dia se procedeu “à separação da terra e do mar” (sendo o mar composto por água… é aqui que está o berbicacho!… Já volto ao assunto).

A grande obra de Deus iniciou-se com a tarefa de criar estes dois primeiros elementos: os céus e a terra. No contexto da criação do mundo entendo o termo Terra como substância constituinte do solo do planeta (Land, em inglês), e não no seu todo enquanto planeta (Earth, em inglês), porque Deus terá criado o mundo por etapas, e a terra (Land) foi uma delas. Se o termo Terra referisse o planeta (Earth) não haveria nada mais para criar depois dele, porque o planeta compreende um todo, incluindo o solo, a água, a atmosfera e todas as formas viventes, vegetais e animais que lhe são próprias, pelo que a obra ficaria completa na primeira tarefa.

É de notar que esta primeira criação foi obrada às escuras, pois a luz ainda não havia sido criada (e o termo céus, no plural, é enigmático). Portanto, após a primeira criação, não havia nada mais do que céu (não se sabendo bem o que isso seja) nas alturas, e rocha, terra e pó, no abismo.

Porém, prevalece este mistério: O início do Génesis começa por afirmar que “o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Génesis: 1;2)… que águas?!… De onde brotaram elas?!… Se foi o mesmo Deus quem as criou, os escribas esqueceram-se de registar tão importante e vital criação!

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Se o Génesis não refere a criação da água, mas afirma a sua existência após a primeira criação (os céus e a terra), devemos aceitá-la como existindo prévia e independentemente da obra e da vontade de Deus?!… E em que recipiente se encontrava ela?!…

Coisa estranha… mesmo para um poema!…

3 de Novembro, 2024 Onofre Varela

Halloween, o dia das Bruxas

As pessoas da minha idade que celebram o dia 1 de Novembro, atribuem à data duas recordações, sendo uma histórica e outra religiosa: a primeira, é o dia do terramoto que destruiu Lisboa no ano de 1755, e a outra é o “dia de todos os santos”, no qual a tradição manda lembrar os mortos da família numa romagem de saudade ao cemitério onde estão sepultados, dando uma ajuda ao negócio das flores que nesse dia triplicam ou quadruplicam o preço, de acordo com a regra económico-capitalista “da oferta e da procura”.

A estes dois eventos soma-se mais um que não era atendido na cultura portuguesa do meu meio social no tempo da minha meninice e primeira juventude, tendo sido importado de países ocidentais anglófonos. Refiro-me ao “Halloween”.

Celebrado na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, o Halloween é uma festa americana das crianças que escolhem guarda-roupa de fantasia fantasmagórica para, assim trajadas, baterem à porta de vizinhos, amigos e familiares, pedindo guloseimas (gostosuras) e fazendo travessuras se não forem atendidas.

A origem desta tradição, que pede uma decoração das casas usando abóboras-lanterna, o acender de fogueiras e o contar histórias de assombração, pode ser encontrada em rituais celtas ligados ao fim do Verão e às colheitas agrícolas, e remonta ao século XVIII nos territórios pagãos da Irlanda e da Escócia, cujos rituais foram exportados para o território norte-americano pelos colonos imigrantes que se fixaram na terra dos “peles-vermelhas” (que são os históricos, legítimos e verdadeiros donos daquelas paragens geográficas).

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Mas a história do Halloween tem uma origem mais alongada no tempo se lhe juntarmos as tradições semelhantes dos povos celtas que habitaram a Gália (França) entre os anos 600 aC e 800 dC. A par do folclore, misto de religioso e pagão, há uma história bem mais dramática ligada à data do “Dia das Bruxas”. Isto dito assim até parece comédia ligeira e faz sorrir… mas vivido no seu tempo constituiu intenso drama sentido pelas mulheres perseguidas por superstição, estupidez e vingança torpe.

Numa sociedade dirigida por homens, tradicionalmente as mulheres nunca foram consideradas na exacta medida da igualdade que naturalmente têm perante os homens. Remetidas para uma escala menor, as mulheres ainda hoje (na nossa sociedade ocidental considerada tão “avançada”), auferem vencimento inferior aos homens que executam a mesma tarefa. (“Desigualdade salarial entre homens e mulheres voltou a aumentar”. Notícia de 9 de Julho de 2024, no jornal Público).

Tempos houve em que qualquer mulher que fugisse do padrão comportamental estabelecido pelos machos da sociedade, passava a ser considerada “bruxa” e, como tal, era perseguida, insultada, presa, torturada e morta violentamente, incluindo ser queimada viva.

Para que uma mulher fosse considerada bruxa bastava que ela mostrasse ser mais inteligente do que os homens que lhe eram próximos. Mulheres que exerciam actividades sociais de relevo, como prestar ajuda a parturientes e preparar medicamentos tradicionais, como hoje se encontram nas ervanárias, podiam ser designadas como bruxas por terem conhecimentos importantes para a época… e no extremo seriam perseguidas pelo complexo de inferioridade dos homens que, na convicção de mostrarem a sua “grandeza enquanto machos”, só sublinhavam a sua extrema pequenez perante as mulheres.

A sociedade machista não tinha estereotipado tais características para as mulheres… por isso, qualquer uma que saísse do padrão subserviente e temente ao homem, estava sujeita à perseguição porque, acreditavam eles, ela “teria feito um pacto com o diabo”. A partir daí podia ser humilhada, torturada e morta.

Na verdade o que acontecia tinha uma razão mais evidente e igualmente triste: a sociedade machista via nessas mulheres uma “ameaça à dominação masculina”, cujo sentimento de prepotência remonta à tradição judaico-cristã de o homem dominar a mulher, não permitindo que ela tenha vida própria para além daquilo que ele estipula “ser legal” para ela, tal como ainda hoje se observa na tradição religiosa de países islâmicos extremistas… e também em algumas famílias portuguesas… já agora!

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

25 de Outubro, 2024 Eva Monteiro

Um Gesto de Altruísmo do Prof. Ricardo Oliveira da Silva

A AAP – Associação Ateísta Portuguesa teve recentemente o prazer de se fazer representar numa conversa online sobre o Ateísmo em Portugal e no Brasil. Esta conversa decorreu no dia 9 de Outubro no Canal de Youtube Ativistas Ateus do Brasil, com o objetivo de iniciar uma ponte entre as comunidades ateístas dos dois países.

Prof. Ricardo Oliveira da Silva

Desta conversa decorreu o contacto com o Professor Ricardo Oliveira da Silva que possui uma Graduação em História pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) e Mestrado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2008). É Doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Tem experiência na área de História, com ênfase em Historia das Ideias, Historiografia e teoria da História, História do Brasil republicano e História do Ateísmo. Atualmente é líder do Grupo de Pesquisa Ateísmos, Descrenças Religiosas e Secularismo: história, tendências e comportamentos, e faz parte do Grupo de Pesquisa História Intelectual, Produção de Presença e Construção de Sentido e do grupo História Intelectual e História dos Conceitos: conexões teórico-metodológicas. Esses grupos estão registrados no CNPq. É também membro do fórum acadêmico International Society for Historians of Atheism, Secularism, and Humanism (fonte).

Como autor prolífico na área do Ateismo, o Professor Ricardo Oliveira da Silva prontificou-se a disponibilizar aos nossos leitores algum do seu material sobre o tema, que aqui se reproduz.

A AAP agradece este gesto de incrível altruísmo que me muito ajudará a nossa comunidade a melhor compreender o ateísmo, em particular no Brasil.