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Categoria: Livros

25 de Junho, 2014 Raul Pereira

Dois parágrafos que valem bem mais do que 500 paus

É inato ao homem o querer saber: a poucos é dado o saber querer; a menos ainda o saber. Para mim não abriu a fortuna excepção. Desde o começo da minha vida que eu, dado à contemplação da natureza, tudo perscrutava sem descanso. A princípio o meu espírito, ávido de saber, contentava-se com qualquer alimento que se lhe oferecia; a breve trecho, porém, se lhe tornou impossível digerir e começou a vomitar tudo o que ingerira. Tratava eu já então de ver com todo o cuidado o que havia de dar-lhe que ele digerisse e assimilasse bem: nada havia que satisfizesse os meus desejos. Passava em revista as afirmações dos passados, sondava o sentir dos vivos: respondiam o mesmo; nada, porém, que me satisfizesse. Algumas sombras de verdade, confesso, me entremostravam alguns; mas não encontrei um só que com sinceridade e duma maneira absoluta dissesse o que das coisas devíamos julgar. Voltei-me então para mim próprio; e pondo tudo em dúvida como se até então nada se tivesse dito, comecei a examinar as próprias coisas: é esse o verdadeiro meio de saber.

Levava as minhas investigações até aos primeiros princípios. Iniciando aí as minhas reflexões, quando mais penso, mais duvido: nada posso compreender bem. Desespero. No entanto persisto. Mais. Consulto os Doutores buscando neles avidamente a verdade. Que respondem? Foi-se cada um deles construindo a ciência com alheias ou próprias fantasias: destas inferiram outras, e destas outras ainda; e assim, nada ponderando bem e afastando-se da realidade, arranjaram um labirinto de palavras sem algum fundamento de verdade. Aí não obterás a compreensão das coisas naturais, mas aprenderás a textura de novas coisas e ficções, de cuja inteligência nenhum espírito é capaz. Efectivamente, quem será capaz de compreender o que não existe?

Francisco Sanches (1550-1623), Quod Nihil Scitur (Que nada se sabe), trad. Basílio de Vasconcelos, Lisboa, Vega, 1991 (1.ª ed. Lyon, Ant. Gryphium, 1581) .

Francisco Sanches 500 escudos

12 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

DN – Suplemento Q – LER (2) – FIM

Suplemento Q_o convidado. DN – 10_06_2013

Convidado como presidente da Associação Ateísta Portuguesa, deixo aqui as respostas que dei:

LER

«Porque não sou cristão» – Neste livro, Bertrand Russel, insigne matemático, filósofo e escritor, galardoado com  o prémio Nobel da Literatura, prestou um enorme contributo à causa do ateísmo. O seu ateísmo, que não era militante, impediu-lhe a docência numa Universidade americana, tal a sanha que o ateísmo despertava, e ainda desperta.

No fundo invocou dois argumentos para justificar o título e o conteúdo do livro. Um argumento intelectual, que o impedia de acreditar em afirmações que não pudessem ser comprovadas; e outro, de natureza moral, que o impelia a ter valores civilizados e humanistas completamente inexistentes na época em que Deus foi criado.

De facto, hoje, quando a pena de morte é um símbolo de atraso civilizacional, é com espanto que vemos o Deus que os homens criaram a exigir tal sacrifício, por vezes por razões tão fúteis como a apostasia e a blasfémia. B. Russel foi um verdadeiro pedagogo.

***

Antigo Testamento – É uma obra cuja leitura é recomendada pela Associação Ateísta Portuguesa (AAP). Estando na origem dos três monoteísmos ninguém ficará indiferente ao potencial de violência que contém. São particularmente significativos o Levítico e o Deuteronómio cujos horrores ultrapassam os preconizados pelos três outros livros que integram o Pentateuco.

Não foi por acaso que a Igreja católica proibiu a leitura da bíblia durante muitos séculos. Desde as contradições que encerra, até à fragilidade das afirmações científicas, há matéria suficiente para desconfiar de um Deus, se o houvesse, que fosse tão violento e reduzisse a criação humana a um mero trabalho de olaria. Mas o que mais perturba, mesmo quem tem convicções firmes sobra a natureza humana do AT, é o seu carácter misógino, que está na origem de séculos de sofrimento por metade da Humanidade –as mulheres. Veja-se, aliás, que a libertação da mulher foi conseguida, onde foi, no último século e sempre contra a vontade das religiões que a reduzem à menoridade, com especial violência no Islão.

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Deus não é grande – Christopher Hitchens procura demonstrar através deste livro como a religião envenena tudo. Foi um ateísta militante que deu uma notável conferência, uma das últimas, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.  Este notável jornalista, escritor e crítico literário dedicou uma parte importante da sua vida a combater as religiões.

Talvez nenhum outro ateu tenha sido tão inflamado na defesa do ateísmo, uma opção filosófica que, contrariamente ao cristianismo e islamismo, não costuma ser prosélita.

A sua inteligência e sagacidade fez do livro «Deus Não É Grande» («God Is Not Great», no original), um libelo implacável contra a influência deletéria das religiões. Era temido pela rapidez do raciocínio e argúcia argumentativa.

Este livro é, para os ateus, uma referência que estimula o estudo das religiões. Hitchens, baseado nos textos ditos sagrados, documenta à saciedade como Deus é um reflexo do nosso medo da morte e desmascara, de forma inexorável, os dogmas responsáveis pela violenta repressão sexual e pelos caminhos ínvios que a humanidade, refém desses dogmas, percorreu.

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O Conde de Abranhos – Eça de Queirós é um notável retratista. No Conde de Abranhos, mais do que a ironia, é o sarcasmo que domina a imagem impiedosa de uma figura do Constitucionalismo. Misto de biografia e de romance, Eça escreve a história privada de Alípio Abranhos e a sua ascensão social, num delírio de humor e escárnio com que cria uma figura de que todos os regimes, todos os países e todas as épocas têm um avatar.

A descrição do Conde de Abranhos, cuja origem se perde numa genealogia suspeita, entre relações adúlteras e a roda de crianças abandonadas de um convento, é uma sátira ao oportunismo de um medíocre bacharel em direito que passa por deputado e chega ao ministério.

Este exercício de humor corrosivo ficou como imagem de marca do grande romancista. A biografia deste político constitucionalista, pela pena do seu secretário e dedicado biógrafo, Z. Zagalo, é uma das mais demolidoras críticas com que Eça de Queirós criou mais um personagem da sua imensa galeria de retratados.

11 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

DN – Suplemento Q – LER

Suplemento Q_o convidado. DN – 10_06_2013

Convidado como presidente da Associação Ateísta Portuguesa, deixo aqui as respostas que dei:

LER

Memorial do Convento é na obra do maior ficcionista português de todos os tempos a marca indelével do escritor que trago no meu devocionário há muitos anos, do escritor a quem sempre profetizei o Nobel da literatura e a quem o devemos.

Estou a reler o livro que me despertou para a leitura do enorme escritor, para a escrita do estilista que revolucionou a arte literária e elevou a ficção a um nível raramente atingido, neste livro, no Memorial do Convento, casando a beleza da escrita com o rigor da descrição.

É uma viagem na história, pela mão do erudito e observador atento da monarquia e da sociedade, no tempo da construção do convento de Mafra, quando a fé num milagre era mais eficaz para a gravidez da augusta rainha do que assiduidade  de D. João V a cumprir os deveres conjugais. Há personagens que vão resistir ao tempo, a todos os tempos, como Sete Luas e Sete Sois e tantas outras.

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Li «Velhos Marinheiros», de Jorge Amado, quando «A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água» e «Vasco Moscoso de Aragão Capitão de Longo Curso» ainda faziam parte do mesmo volume. Foi uma delícia percorrer S. Salvador da Baía, onde um dia, talvez influenciado por Jorge Amado, haveria de rumar.

Nunca mais esquecerei o boémio que prostitutas e amigos passearam pelas ruas de S. Salvador, já no seu caixão, a despedir-se dos botequins onde devorava aguardente e fazia amigos. O berro que lhe deu a alcunha, quando lhe trocaram a cachaça por água, ficou imortalizado na prosa humorada de Jorge Amado.

Também as peripécias de Vasco Moscoso de Aragão, que tinha comprado um título de capitão de longo curso, como hoje se compra em Portugal uma licenciatura, ficou célebre a  dar ordens para amarrar o navio que lhe coube comandar pela morte súbita do comandante. Foi o único navio que a ignorância do falso comandante salvou do vendaval que varreu o porto de S. Salvador da Baía.

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O Fim da Fé, Sam Harris – É um livro de um ateu militante que revela a origem humana das religiões e desmascara o potencial belicista dos livros sagrados. Nele, Sam Harris tem a coragem de denunciar o terrorismo islâmico não como obra de fanáticos mas como maldade intrínseca do mais implacável dos monoteísmos.

Mostra como um livro da Idade do Bronze, criação da sociedade tribal e patriarcal, deu origem aos três monoteísmos e perpetua valores desse período histórico. Fica a saber-se que não foi Deus que criou os homens mas estes que criaram Deus, à sua imagem e semelhança. Daí que o carácter xenófobo, violento, vingativo e misógino seja uma característica do Deus abraâmico que é comum às três religiões do livro. Quem ignora o sangue vertido em nome desse Deus cruel fica a saber como a humanidade sofreu por ser habituada, desde criança, a crenças que não resistem ao escrutínio da razão e se desmorona com os inúmeros exemplos de versículos que cita e dos factos históricos a que alude.

27 de Maio, 2013 Carlos Esperança

Aquilino Ribeiro – um escritor que fez escola

Há cinquenta anos faleceu Aquilino Ribeiro, o maior prosador da língua portuguesa da primeira metade do século XX.

A mãe quis destiná-lo ao sacerdócio e foi no seminário que aprendeu decerto o encanto da língua e o desencanto da fé. Aliou a carreira de êxito literário à intervenção política e ao combate cívico, primeiro pela República, depois contra a ditadura.

Sou suspeito a falar de Aquino, que li muito novo, onde encontrei palavras que do meu avô materno e pessoas iguais às que eu conheci. Escreveu sobre gente e paisagens que me eram familiares e o Malhadinhas era a síntese de vários aldeões vivaços e atrevidos que me tratavam por menino por não ter pergaminhos para me dizerem, ora oiça, meu fidalgo.

Escreveu «Quando os Lobos Uivam» num tempo em que as feras andavam à solta e os Tribunais Plenários ao serviço da canalha fascista. Com Aquilino vivi as histórias do volfrâmio de que o meu avô falava e apreendi que as sotainas não escondiam a virtude apregoada e que «Anda(va)m Faunos pelos Bosques».

Manejou a pena e a escopeta, com igual entusiasmo, ao serviço de uma República laica e democrática. A paixão da escrita e da liberdade foram o desígnio do beirão moldado pela rudeza das terras onde nasceu, donde resgatou para a literatura os regionalismos e para a sátira os costumes. A prosa fez dele o estilista que o salazarismo quis esconder e a democracia esqueceu mas a riqueza da sua escrita moldou os que aprenderam nele o gosto pela língua e o amor à liberdade.

Só em 2007 a Assembleia da República decidiu trasladar os restos mortais de Aquilino para o Panteão Nacional, perante o azedume dos que nunca o leram e viam no maçon e, quiçá, carbonário, um expoente da inteligência, cultura e espírito revolucionário.

No 50.º aniversário da sua morte, penso em « Príncipes de Portugal. Suas grandezas e misérias», e é a mestre Aquilino que agradeço ter-me ensinado a conhecer e a amar as terras e gentes da minha infância, a língua que escrevo do povo que sou e a irreverência que me acompanha.

As bombas do jovem anarquista detonaram sem estragos de maior mas a prosa deliciosa anda por aí à espera de quem frua o prazer de a resgatar das «Arcas Encoiradas» para visitar A Casa Grande de Romarigães, descobrir «S. Bonaboião, Anacoreta e Mártir»,e tantas outras pérolas da literatura portuguesa.

Mestre Aquilino, cinquenta anos depois da sua morte, é ainda o herói desconhecido e a referência culta que me conduziu até Saramago.

Foi ainda, através dele, que o clero começou a perder o poder e o respeito.

22 de Maio, 2012 Carlos Esperança

José, filho de Jacob e Raquel

Por

Leopoldo Pereira

Se leem a Bíblia, o que não me canso de recomendar, sabem que o casal só teve este filho depois de Deus interferir, pois até aí afirmava-se que Raquel era estéril. Entretanto Jacob não esteve parado e teve 10 filhos de outras mulheres, incluindo a cunhada. Escusado será dizer que o menino passou a ser o mais novo dos irmãos (meios-irmãos), mas também o mais querido dos pais. Pode parecer que isso nada tivesse de estranho, mas tinha! Lá na terra os mais novos deviam respeito e obediência aos mais velhos (hábito que nalgumas aldeias do concelho de Pinhel, por exemplo, ainda há pouco era observado). Ao que consta o José, protegido pelos pais, cedo provocou ciúmes nos irmãos; mais, ele gabava-se de ter sonhos onde aparecia sempre em posição cimeira relativamente aos manos.

Claro, foi a gota de água!

Interpretações fidedignas apontam para várias versões sobre a forma como os irmãos, que eram pastores, se desfizeram do maninho. Uma diz que o atiraram a um poço, indo de seguida lastimar-se junto dos pais, que uma fera o tinha devorado. Imagine-se a dor do casal perante tal desgraça, dor que jamais passou, ainda que tivessem tido outro filho: Benjamim.

José deve ter tido a sorte de haver pouca água no poço, ou a de se agarrar ao balde, que puxavam para as pessoas e animais beberem. Pouco depois desta cena horrorosa, passou no sítio a caravana de um ministro, de seu nome Putifar. Pararam para matar a sede e ao subirem o balde… quem havia de aparecer? Um belo rapazinho, que logo a sr.ª Putifar quis adotar, com a anuência do marido. O rapaz saiu atilado e dizem que chegou a obter o diploma das “velhas oportunidades”; a par disso cresceu tão ou mais belo do que era, levando a sr.ª Putifar a perder a cabeça. José não alinhou e lixou-se: A ofendida fez queixa ao marido, que José se tinha metido com ela, e o pobre foi parar à prisão. Podia ter sido pior…

Já na cadeia, o moço voltou aos sonhos, mas agora (com uma razoável formação intelectual), quis ir mais além e dedicou-se a interpretá-los. Foi tão bem sucedido, que a fama chegou aos ouvidos do Faraó. Este, supersticioso até dizer basta, teve uns sonhos esquisitos e quis pôr à prova os conhecimentos de José. O Faraó ficou a saber que a região ia ter uns anos agrícolas bons, mas que a seguir viriam uns maus! A confiança no rapaz foi tanta, que o hospedou no palácio e a breve trecho já era José quem superentendia nos celeiros. Ou seja, na hierarquia dirigente egípcia passou a ser a 2.ª figura. Casou com a filha de Putifar e teve dois filhos.

Como levou a sério a interpretação dos sonhos, encheu os celeiros enquanto pôde. Vieram os anos maus e, tanto os egípcios como os habitantes dos países vizinhos, iam aos celeiros comprar cereais (pão), que era vendido a dinheiro. Foi nesta fase que os malvados dos irmãos apareceram, também a comprar pão. José reconheceu-os, mas só da segunda vez lhes disse quem era. Então soube que tinha um irmão, que a mãe falecera e que o pai ainda estava vivo. Exigiu que lhe trouxessem Benjamim e ao vê-lo comoveu-se, tendo perdoado aos irmãos.

Depois pediu ao Faraó que autorizasse a família a fixar-se no Egipto (pedido logo deferido); o pai e os irmãos passaram a residir no Egipto, tendo sido bem aceites pela população local.

A certa altura os pobres camponeses já nem dinheiro tinham; então José aceitava, em troca do pão, animais domésticos. Depois já não tinham animais domésticos e José aceitava-lhes as terras, outrora de cultivo. Desta forma conseguiu encher os cofres do Faraó e torná-lo dono de praticamente tudo, inclusive das pessoas (suas escravas).

Esta história bíblica, como a maioria delas, apesar de “fidedigna” tem muito de fantasiosa. De qualquer modo e numa primeira fase, fiquei fã de José, pois me pareceu representar um final à altura do imortalizado amor que os pais protagonizaram. Mas depois desconfiei que José fosse mesmo o que à primeira vista supus ser. E não é.

Foi fiel ao Faraó e a Putifar, amigo da família, revelou ser inteligente e até admito que não ia à bola com os deuses egípcios, mas foi ESPECULADOR.

Viveu 110 anos (alimentação à base de cereais…) e foi sepultado num sarcófago egípcio.

Permaneço leitor assíduo do Livro Sagrado e, por via disso, porei ao dispor, dos aficionados como eu, mais histórias lá narradas, sempre que decida interpretá-las por escrito.

L. Pereira – 22/05/12

28 de Novembro, 2011 Carlos Esperança

O Homem Criou Deus

Novo livro de Onofre Varela

“O Homem Criou Deus”
– Livro de Onofre Varela

“O Homem Criou Deus” é o título do novo livro de Onofre Varela, cartunista e ilustrador, que, no campo das letras, percorre caminhos do humor e do ensaio. Aparentemente diversos entre si, o humor e o ensaio têm muito em comum, no entender do autor. Desde logo porque ambas as atitudes exigem uma observação atenta da sociedade para a criação do espírito crítico e analítico imprescindível ao ensaísta e
ao humorista.

A obra, editada pela Edium Editores, terá a sua sessão de lançamento e apresentação no próximo sábado, dia 3 de Dezembro, pelas 22 horas, no espaço Contagiarte, na Rua Álvares Cabral, 372, no Porto (próximo da Praça da República).

O autor (co-fundador da Associação Ateísta Portuguesa e seu dirigente, e com 67 anos de idade) diz que o seu ateísmo se deve às interrogações que desde muito novo faz sobre o conceito de Deus, o que o interessou pela antropologia religiosa, levando-o a ler filósofos, ensaístas, histórias das religiões, a Bíblia e o Alcorão, para além de, desde há mais de 30 anos, ser um atento leitor de jornais e das notícias que abordam atitudes do Vaticano e do Islão. Assiste a missas e a rituais religiosos de casamentos, baptizados, funerais e procissões, a programas televisivos de âmbito religioso, e priva com crentes de várias confissões. É essa a matéria prima das suas reflexões.

Em “O Homem Criou Deus”, Onofre Varela diz que expõe as suas opiniões com limpidez e total respeito pelas ideias dos crentes, os quais lhe merecem toda a consideração. Mas adverte que se, eventualmente, alguns religiosos se sentirem incomodados, isso é algo que não pode ser evitado, pois resulta da diversidade de sensibilidades impossíveis de contornar, o que não pode ser confundido com insulto ou falta de consideração pelas crenças e pelos crentes.

Ao mesmo tempo da apresentação do livro, e no mesmo espaço, será inaugurada uma exposição dos seus cartunes e caricaturas, que ficará patente ao público por cerca de um mês.

 

2 de Novembro, 2011 Raul Pereira

Livros de Humberto Eco e Jesse Bering

Umberto Eco

Construir o inimigo e outros escritos ocasionais (Costruire il nemico e altri scritti occasionali), Gradiva, 2011, 312 pg. (****)

Construir o Inimigo

Eco tem um apetite intelectual bulímico e omnívoro, de forma que esta recolha de 15 textos apresentados em conferências ou publicados na imprensa durante a primeira década deste século, vai do Ulisses de James Joyce à Balada do Mar Salgado de Hugo Pratt, das cogitações de São Tomás de Aquino sobre a alma dos fetos às raparigas de formas generosas que adornam as televisões do Sr. Berlusconi. Alguns textos perdem pertinência e inteligibilidade quando retirados do contexto em que foram apresentados – é o caso de “Delícias Fermentadas” ou “O Grupo 63, 40 Anos Depois” – mas a lucidez e engenho de cada um dos restantes seria, por si, só razão para adquirir toda a colecção.

“Construir o Inimigo”, o ensaio que dá título à antologia, é uma brilhante súmula de, como ao longo da história, cada povo ou raça foi concebendo o Outro. Outro texto de grande pertinência e actualidade é “Absoluto e Relativo”, que distingue os vários tipos de relativismo que o debate público confunde (ou faz por confundir).

A ironia de Eco assoma em “Andar em busca de tesouros”, que retoma um tópico já abordado em O Nome da Rosa: a proliferação de relíquias sagradas pelas igrejas e mosteiros da Europa. Veja-se o caso do prepúcio de Jesus, cuja posse é reclamada, simultaneamente, por Roma, Santiago de Compostela, Chartres, Besançon, Metz, Hildesheim, Charroux, Conques, Langres, Antuérpia, Fécamp, Puy-en-Velay, Auvergne e Calcata, embora esta última tenha perdido essa pretensão desde 1970, quando o pároco comunicou o seu furto. Já os cueiros do Menino Jesus são reclamados apenas por Aquisgrana (Aachen), o que se compreende pois nos tempos bíblicos a fralda descartável ainda não tinha sido inventada – um Jesus do século XXI deixaria um rasto capaz de satisfazer todos os santuários. Constantinopla (hoje Istambul) pôde orgulhar-se de uma extraordinária concentração de relíquias, mas a IV Cruzada levou à dispersão da maior parte, incluindo “uma porção de esterco do burro em cima do qual Jesus entrou em Jerusalém” (se o prezado leitor tiver notícia do seu paradeiro queira alertar as autoridades eclesiásticas).

A antologia encerra com umas “Reflexões sobre o Wikileaks” bem mais penetrantes e iluminadoras do que a maior parte do que se tem escrito sobre o assunto: “Todo o dossier construído pelos serviços secretos […] é feito exclusivamente de material já de domínio público. […] Preguiçoso o informador e preguiçoso, ou de mente estreita, o dirigente dos serviços secretos, que julga verdadeiro apenas aquilo que reconhece”.

Jesse Bering

O Instinto de Acreditar, Temas & Debates, 2011, 284 pg. (****)

O Instinto de Acreditar

No debate sobre Deus que anima o meio intelectual anglo-saxónico (por cá o debate anda mais em torno de Jesus e da sua capacidade em levar o Benfica a campeão) é desconcertante que este livro tenha sido recebido pelo sector religioso com bonomia. Bering não é tão agressivo como Richard Dawkins e Christopher Hitchens, mas não é menos assertivo.

Bering introduz a coscuvilhice como explicação do apetite por criar deuses: a conjugação de duas características únicas da espécie humana – a capacidade de imaginar e prever o pensamento e comportamento dos nossos pares (a “teoria da mente”) e a linguagem (que nos permite relatar os comportamentos dos nossos pares) – fez do mexerico um eficaz “dispositivo de policiamento” da sociedade.

Mais eficaz ainda é imaginar que existe um deus que nos observa mesmo quando os nossos pares estão distraídos. “A atracção inebriante das crenças no destino, de ver sinais numa série infinita de acontecimentos naturais inesperados, a ilusão inabalável da imortalidade psicológica, e a assumpção implícita de que os infortúnios estão ligados a um qualquer plano divino […], tudo isso amadureceu no cérebro humano, [levando] os nossos antepassados a sentir-se e a comportar-se como se as suas acções estivessem a ser observadas, etiquetadas e julgadas por uma audiência sobrenatural”. Ao refrear o comportamento egocêntrico e impulsivo, “a ilusão cognitiva de um Deus omnipresente e atento foi útil para os nossos genes, e isso é razão suficiente para que a natureza mantivesse a ilusão bem viva no cérebro humano”.

— José Carlos Fernandes —

❖ Críticas publicadas na Time Out: Lisboa a 19 e a 26 de Outubro de 2011, respectivamente. Agradeço ao autor a autorização para as publicar também no Diário Ateísta.

26 de Outubro, 2011 Raul Pereira

A melhor publicidade vem de borla…

basta provocar a ira das sotainas. Foi o que fez José Rodrigues dos Santos com o seu novo romance, intitulado O Último Segredo.

Como não li o livro (nem tenciono ler), transcrevo, sem mais comentários, a resposta dada pelo jornalista/escritor à nota publicada pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura:

 

«O Secretariado da Pastoral de Cultura da Igreja emitiu um comunicado a criticar em termos violentos o meu romance O Último Segredo. O mais interessante nessa crítica da Igreja é que não é negada uma única das afirmações sobre Jesus e a Bíblia que eu faço nesse romance. Em vez de negar a substância do livro, a Pastoral de Cultura prefere concentrar-se em questões laterais. Fá-lo, claro, porque não pode negar o essencial da obra.

José Rodrigues dos SantosVejamos as questões laterais que são levantadas:

Diz o Secretariado da Pastoral de Cultura que “José Rodrigues dos Santos propõe-se, com grande estrondo, arrombar uma porta que há muito está aberta.” Esta afirmação é interessante, porque se trata de um reconhecimento implícito de que as afirmações que constam no livro são verdadeiras. De facto, no livro nada é dito de novo – para o mundo académico, claro. Porque a verdade é que o cidadão comum nunca ouviu ninguém dizer que Cristo não era cristão, que há indícios no Novo Testamento que questionam seriamente a virgindade de Maria e que existem textos fraudulentos na Bíblia. Os académicos sabem disto, a Igreja também. O público é que não. De facto não arrombei nenhuma porta. Limitei-me a trazer esta informação para o grande público.

Diz o Secretariado da Pastoral de Cultura que “A quantidade de incorrecções produzidas em apenas três linhas, que o autor dedica a falar da tradução que usa, são esclarecedoras quanto à indigência do seu estado de arte.

(mais…)

13 de Setembro, 2011 Raul Pereira

Ensinar a magia da realidade

O novo livro para crianças de Richard Dawkins, The Magic of Reality: How We Know What’s Really True, fala sobre os Pastorinhos de Fátima.
Faço um apelo à Casa das Letras para que o disponibilize rapidamente na nossa língua, pois vou querer oferecê-lo a todos os infantes que me são próximos.

(se tiver problemas em ver o vídeo, carregue aqui.)
6 de Setembro, 2011 Raul Pereira

A propósito das 7 Maravilhas da Gastronomia

Comentário de um amigo:

A proliferação de infames ateístas e suas sinistras organizações é preocupante, mas acabo de descobrir o golpe de misericórdia do mundo moderno contra os sagrados valores do cristianismo: a Bertrand anuncia para breve um livro intitulado Cozinha conventual com a Bimby