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Categoria: Cristianismo

19 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

O Dom do Dom Aguiar, Que Afinal é Política

Não foi uma grande entrevista, mas foi uma entrevista grande. Digo isto porque me chateou quase do início ao fim, a Grande Entrevista (Temporada 17, Episódio 7, 14 de fevereiro de 24) com Américo Aguiar. Ponderei se devia fazer aqui um comentário ou não. Em boa verdade, que é isto se não o dia a dia de uma ateia? Desculpem-me os meus consócios que preferem uma postura mais neutra quanto à influência da Igreja Católica em Portugal e no mundo, mas eu calada fico com azia e diz que isto dá úlceras.

Vítor Gonçalves caracteriza-o como o “rosto da JMJ” e como tendo tido uma “ascensão fulgurante na Igreja portuguesa”. Tudo coisas que eu não escolheria para elogiar alguém, mas que não deixam de ser verdade. Depois refere que Américo Aguiar decidiu encontrar-se com os cabeças de lista de todos os partidos que concorrem no círculo eleitoral de Setúbal. Eh lá, foi aqui que comecei a pensar, “dá-lhe o Papa um dedinho, já o homem quer um braço e uma perna”. Mais me espanta que os ditos partidos lhe tenham feito a vontade, mas sabemos que a Igreja continua a movimentar esse tipo de influência.

A ideia que Américo Aguiar passa de que a Igreja não se pode afastar da política não é nova. Aliás, o seu maior problema é ser antiga. Desde que conseguiu deitar a mão, ou a cruz, a meia dúzia de pessoas influentes, que a Igreja se tem dedicado historicamente a influenciar a política das nações. No passado, fê-lo com tanto sucesso que um rei não era rei na Europa, sem beijar o anel ao Papa em Constantinopla. Mais recentemente, a Igreja Católica abraçou o Estado Novo em Portugal até se tornar evidente que estava do lado da História que teria de perder. No pós-25 de Abril, lá se agarrou ao poder que pôde manter, com a segunda Concordata (2004) que lhe garantiu muitos dos privilégios que Salazar lhe havia concedido em 1940. Antes fosse uma ideia nova. Mas a Igreja tem esta tendência de estender tentáculos para todo o lado.

Que conhecimentos tem o Cardeal de política para ser convidado a fazer este comentário na RTP? Ora, sabe que a raiz da palavra “política” vem do grego antigo, πολιτεία (politeía), que se refere à participação na vida coletiva de uma sociedade. A partir daí a coisa deixa de correr tão bem. Se calhar é porque já há muito que abandonou a política e já só lhe ficaram os chavões. Portanto, para Dom Aguiar, justifica-se que a Igreja meta o proverbial nariz na política porque tem de estar envolvida “naquilo que são as alegrias e as tristezas, os sorrisos e as lágrimas” do povo a que se dirige. E até é tão inclusivo que refere outras religiões, não que tenham muita importância no seu discurso. E até respeita muito os não-crentes. Só não o suficiente para não se meter onde não é chamado.

Ora, as decisões políticas referem-se (não só, mas também, e principalmente) à alocação de recursos. Vulgo, onde se gasta o dinheiro público obtido por meio de impostos. Portanto, o Cardeal quer ter uma palavra a dizer naquilo para o qual não contribui, dado que impostos não é coisa que lhe assiste. Pensando bem, é a postura tradicional da Igreja. Uma instituição de homens a quererem ter uma palavra a dizer sobre o que a mulher pode ou não fazer com o seu próprio corpo, uma instituição de supostos celibatários a querer ter uma palavra a dizer sobre o que constitui ou não uma forma de amor válido, uma forma válida de constituir família, até uma forma válida de morrer. Um conjunto de homens cujo objetivo é viver o menos possível a querer cortar as asas a quem só quer ser livre.

A influência que Américo Aguiar quer vai da freguesia ao mundo. Já não me devia chocar, mas a esta altura ainda vou nos dois primeiros minutos desta entrevista de quase uma hora, e já o coração me quer saltar da boca. Ah esperem! A igreja não se pode meter em questões partidárias. E qual é a diferença? – pergunta Vítor Gonçalves. E eu queria ter estado lá, para dizer “nenhuma!”. Falei para a TV, como os adeptos de futebol mais irascíveis. Mas o Cardeal não explica a diferença. Deixai-me dizer eu contudo, oh gentes da minha terra: o padre não precisa de dizer aos crentes em quem votar. Basta defender ativamente a mesma postura que o seu partido de eleição para que o crente entenda em quem deve votar. E essa manipulação sempre foi feita de uma maneira ou de outra. Não tivesse o Cardeal começado a sua enumeração de partidos candidatos ao círculo eleitoral de Setúbal com… a Aliança Democrática.

Valeu-me concordar com o Bispo de Setúbal numa coisa, não se justifica a abstenção. Já dizer que é pecado, foi um momento de humor que apreciaria, se quando se falasse em pecados se falasse sempre com esse tom jocoso. Mas o alívio é momentâneo. É que dizer que a Igreja deve meter-se na política é fácil, difícil é quando se lhes pede para identificar um partido que esteja a ir contra a ideologia da Igreja Católica. E parece que para Américo Aguiar, a pergunta é tão difícil que o discurso ora anda em círculos ora anda a fugir. Para o cidadão consciente, a pergunta não é assim tão complicada. Pensando uns segundos, conseguimos todos identificar os partidos que defendem o que a Igreja diz defender, e os que defendem o que a Igreja não admite defender.

Ei-de rir sempre de um bispo de critica quem vota num dado partido sem nunca ler a sua proposta. É o melhor tipo de humor, aquele que se faz sem querer. A Igreja é a instituição que mais aceita e promove que os seus crentes não leiam o programa. É para isso que o sacerdote serve, para dizer o que diz na Bíblia. Ora agora, ler aquilo tudo, e com páginas tão fininhas. Nem o padre na missa lê tudo, escolhe sempre a dedo o que convém mostrar, vai agora o crente ler o programa todo. Ainda mudava de ideias.

Não discordo, contudo, que os programas são para ler, os objetivos de um partido são para conhecer e a posição da Igreja ou bem que é clara ou bem que se deve calar. E de preferência deve calar. Num país laico, tem de calar. O Bispo de Setúbal lá foi forçado a criticar os partidos que são a favor do aborto ou da eutanásia. Que choque! No entanto, antes tinha falado da dignidade humana, pelo que fiquei sem saber o que quer, afinal, o sacerdote.

Ao menos posso encontrar outro ponto de concordância com o Cardeal, que é o de aceitar e receber bem os imigrantes que cá chegam, tal como gostaríamos que os nossos tivessem sido aceites lá fora. Concordo, sim. Também concordo que há ameaças à democracia em Portugal, na Europa e no Mundo. Só não concordo que fuja à questão da ascensão da extrema-direita em Portugal preferindo referir-se às políticas europeias e criticar Putin, Trump e a guerra na Ucrânia apenas para mais uma vez, evitar falar do elefante na sala. Só não evita sublinhar que tem amigos em todos os partidos. Acredito que tem.

Chega-se ao fim e Américo Aguiar fala como cidadão e não como sacerdote. Pouco fala sobre a Igreja naquilo que são as decisões políticas e sociais do país. Mas pega nisso como mote para defender que a Igreja se deve meter na política. Não deve não. O cidadão, independentemente de ser ou não crente seja no que for, deve votar. Não é preciso vir um Cardeal dizer isso, mas dá jeito.

Estava eu já a entrar numa certa simpatia pelo Cardeal e eis que surge o tema das JMJ. Afinal, esperem lá, já não quero beber um copo com o Dom Aguiar. Começa por agradecer a Portugal e aos Portugueses. É bom que agradeça, porque ao que tudo indica, a coisa não ficou nada barata e teve momentos verdadeiramente vergonhosos. Diz o Cardeal que as JMJ deram lucro. Ultrapassa os 20 milhões, diz orgulhosamente. Falou muito, mas não disse de onde tirou 20 milhões em lucros. A organização lucrou 20 milhões? Ah bom! Isso acredito. E quanto gastou o Estado para proporcionar as condições para que a organização das JMJ lucrasse 20 milhões?

Cito: “O senhor patriarca acha que a Fundação deve continuar, para concretizar agora a materialização do que se venha a fazer com o lucro”. Faz-me lembrar as frases que se dizem em reuniões com empresas de atividade corporativa que levam a cabo projetos empresariais. Ou seja, coiso. E daí não melhorou a sua competência em explicar exatamente para onde vão os 20 milhões que tantos mais milhões custaram aos bolsos dos contribuintes. A meu ver, as contas que antecedem esse lucro é que devem ser revistas. Ou seja, quanto pagou afinal o Estado, a fundo perdido, para que o evento se realizasse?

Outra questão que não vi abordada e que me parece uma falha indesculpável, é a questão dos outdoors que foram retirados da via pública, que chamavam a atenção para as mais de 4800 crianças cujo abuso no seio da Igreja Católica é conhecido. Aliás fica aqui, que é para o Dom Aguiar não se esquecer, já que fala da dignidade humana com tanto afinco:

Outdoor “+49800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal” censurado durante as JMJ.

Dos problemas sociais que aponta, abusos sexuais dentro da Igreja Católica não foi tema. Para mim, foi o único tema que valia a pena discutir na farsa das JMJ. Surpreendeu-me que o entrevistador tenha decidido tocar nesse tema. E que suavemente até tenha tentado que o Bispo se focasse na realidade ao invés do que ele deseja que a realidade fosse. Doeu-me ouvir que ele quisesse corrigir os números. Não foram 4800 casos, foram 500 e tal denúncias que permitiram essa extrapolação. E isso em 70 anos, nem foram 70 dias. Ah! Bom! Então muito melhor. Afinal nem é nada de assim tão grave.  E o Cardeal está muito contente porque a transparência e a tolerância zero começa a ser normal.

Sou só eu que acho que dizer isto é absurdo? Está contente? Eu não estou e duvido que alguma das vítimas esteja. Já os padres que foram denunciados e que continuaram com as suas vidinhas, devem partilhar dessa felicidade. Resta-me questionar onde está mesmo a tolerância zero, ou a transparência. E já agora, perguntar se numa instituição que insiste representar um deus omnisciente, omnipotente e bom, há espaço para que estas coisas sejam ditas sem uma gargalhada de desespero como som de fundo.

Por fim, aborda-se o tema do momento: abençoar os casais em situação irregular. Só a frase arrepia. Existem casais em situação irregular? E isso da bênção, é esmola? Casar não, mas olha, ide lá com a graça do senhor. Mas é piada? É a isto que se bate palmas? A meu ver não há que abençoar casais, nem há que os unir em sacramento. É uma não-questão para mim porque sou ateia. Mas permite-me ver a hipocrisia desta instituição.

Vem agora o Cardeal falar em opções. Abençoa as duas pessoas (homossexuais) e não as suas opções. Alguém de Setúbal que esclareça o Bispo da sua terra que ninguém escolhe ser quem é. Nasce-se heterossexual, como se nasce homossexual ou qualquer outra variação naquilo que sabemos ser um espectro. Portanto, dado que esta pessoa acredita que deus nos fez à sua imagem e dado que ser homossexual não é escolha, foi deus que criou a pessoa com aquela orientação sexual. Alto, que isso já é muito inclusivo para a Igreja. Todos, todos, todos, mas vontade não é à vontadinha. Este discurso cheira à velha máxima cristã “odeia o pecado não o pecador”. Bafiento.

Em momento algum o Bispo de Setúbal diz que se presta a abençoar a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Apenas a abençoá-las individualmente. No entanto, quer que todos se sintam acolhidos. Não são acolhidos porque a Igreja Católica é o que toda a organização religiosa é: opressiva, restritora das liberdades pessoais e com um complexo de superioridade moral que não aplica quando encontra atrocidades no seu seio.

A minha conclusão é simples. O mote desta entrevista era que a Igreja se deve meter na política. Afinal foi um político que se foi meter na Igreja. Em todas as instâncias em que o Cardeal fala, refere sempre a religião em último lugar. Por pouco que não se esquecia de agradecer a deus o “sucesso” das JMJ. O Cardeal é certamente um homem da religião, só não me parece muito religioso, e por esse motivo quem sabe se não nos sentaríamos à mesa, como ele diz, a beber um copo, amigos como d’antes.

12 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Provada a passividade de Pio XII perante o Holocausto Judeu

A cidade-estado do Vaticano existe desde 1929. Foi criada no dia 11 de Fevereiro pelo Tratado de Latrão entre a Santa Sé e o Reino de Itália, assinado pelo chefe do governo Benito Mussolini, em nome do rei Victor Emmanuel III, e pelo cardeal secretário de Estado Pietro Gasparri que representava o Papa Pio XI.

O mundo vivia, então, um “interregno de guerras”, entre a Primeira Guerra Mundial, que terminou em 1918, e a segunda, que se iniciou em 1939. Exactamente nesse ano de 1939 foi eleito o Papa Pio XII (1939-1958) e a História do Vaticano diz que ele “seguiu uma política de neutralidade” em relação ao conflito armado. Esta neutralidade sempre foi suposta de contar com uma grande dose de passividade do Papa perante o extermínio do povo judeu pelo nazismo de Hitler, mas faltava provar tal suposição.

Recentemente (19/09/2023) o jornal espanhol “El País” noticiou que um arquivista do Vaticano encontrou uma carta onde se prova “o triste testemunho da passividade do Papa Pio XII perante o terror nazi”. A carta em questão foi publicada no fim-de-semana de 16 e 17 de Setembro último no jornal italiano “Il Corriere della Sera”, na razão directa da desclassificação do documento pelo Papa Francisco I em 2 de Março de 2020.

Tal desclassificação permitiu que, da suspeita de que Pio XII sempre fizesse um “inquietante silêncio” sobre o extermínio Judeu pelos alemães, se passasse à certeza da inacção de Pio XII sobre o Holocausto. A carta que alertava o Papa para o crime nazi tem a data de 14 de Dezembro de 1942, foi escrita pelo padre Lother Koenig “um jesuíta que participou na resistência anti-nazi na Alemanha” e enviada ao secretário pessoal do Papa no Vaticano, mas acabou nos arquivos sem que a importância histórica e o dramatismo do seu conteúdo merecessem qualquer acção de Pio XII.

A carta confirmava que cerca de “6000 polacos e judeus eram assassinados diariamente nos fornos crematórios das SS, no campo de concentração de Belzec”, próximo de Rava-Ruska, que fazia parte da Polónia ocupada pelos nazis e hoje se integra no território ucraniano.

A importância deste documento está no facto de “agora termos a certeza de que a Igreja Católica da Alemanha enviou a Pio XII notícias exactas e detalhadas sobre os crimes que se perpetravam contra os hebreus”. Na carta também há referência a outros campos nazis, como Auschwitz e Dachau.

Os defensores de Pio XII dizem que ele “trabalhou nos bastidores para ajudar os judeus, e só não falou para evitar piorar a situação dos católicos na Europa ocupada pelos nazis”. Os seus detractores, pelo contrário, culpam Pio XII “de lhe faltar coragem para falar sobre a informação que possuía”, fazendo orelhas moucas, também, aos pedidos de potências aliadas que lutavam contra a Alemanha, para que fizesse algo em favor dos perseguidos pelos nazis.

Esta desclassificação dos documentos ordenada pelo Papa Francisco I também demonstra outra verdade: a de que no Vaticano existe (agora) o desejo de uma avaliação cuidadosa de tais documentos, a partir da perspectiva científica, sejam quais forem as conclusões a que se chegue, quer elas se revelem favoráveis, ou desfavoráveis, para a História da Igreja.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

7 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Não Blafesmarás

Fiz dois anos de catequese nos anos 90, que culminaram na primeira comunhão. Desde já, não recomendo. Aliás, por princípio, considero uma violação dos direitos da criança, dado que não tem idade para escolher se quer ou não associar-se a uma fé, e está longe da idade da razão, em que poderia ter o discernimento para recusar ideias dogmáticas e medievais. Em todo o caso, mandaram-me para lá, e para lá fui.

Para quem não sabe, não me bastou nascer mulher, tive que nascer canhota. Outrora juntar-se-iam esses dois elementos a uma personalidade pouco obediente ao dogma e ter-se-ia uma bruxa prontinha a assar no espeto. Ironicamente, na minha juventude, dediquei-me ao neopaganismo e a todo o tipo de espiritualidade new age. Não, não adivinhei o número do Euromilhões. Devo também acrescentar que, durante o primeiro ano da escola primária, a criatura de deus que me deu aulas tentou forçar-me a escrever com a mão direita. Desengane-se quem acha que nos anos 90 já tínhamos ultrapassado este tipo de ideias.

É importante este contexto porque há um episódio que não me canso de contar porque ilustra exatamente o que a Igreja Católica e a religião no geral representam para mim. Lembro-me de pouco dos ensinamentos de Cristo, a não ser que a maioria me pareceram ou fantasiosos ou de simples senso comum. Estes últimos mais raros. Lembro-me de um livro fino com uma capa branca ilustrada com um Jesus muito eurocêntrico, rodeado de crianças. Lembro-me que gostava tanto da catequista que arranjava qualquer desculpa para não comparecer. E lembro-me em específico, de aprender a fazer o sinal da cruz. Há que ajoelhar ao entrar na Igreja, tocar com a mão direita na testa -“Em nome do pai” – tocar com a mão no peito – “do filho” – no ombro esquerdo – “e do espírito” – e no ombro direito – “santo” – juntando as mãos – “amém”. Razão para fazer isto à entrada da Igreja? Disseram-me que era porque estava a entrar na casa de deus. Eu aprendi para que as beatas não ficassem a olhar para mim.

Ora, como mencionei, sou canhota, verdadeiramente infernal na mão com que escrevo e conduzo todo o tipo de funções terrenas. E esta é uma característica que uma criança não controla – é a sua mão dominante. Assim sendo, eis que, às vésperas da primeira comunhão, uma pequena Eva se levanta a mando da catequista e faz orgulhosamente o sinal da cruz. Sentia que era um momento decisivo, estava perante outras crianças e perante uma autoridade, que me solicitava que mostrasse o que tinha aprendido. Devo dizer que teria sido um sinal da cruz irrepreensível, não tivesse sido feito com a mão esquerda. Aqui d’el rei que a criatura estava a chamar o diabo. O senhor padre que não visse uma coisa dessas, dizia ela. Deus castiga! E ela também, se bem que não me recordo do castigo recebido. Sei que eventualmente o excelso senhor padre foi lá passar vistoria e eu já sabia que se não fizesse o sinal da cruz com a mão direita, estava em grandes sarilhos, quiçá entregue aos demónios e à blasfémia, qual verdadeira Eva caída de uma macieira.

Fui pesquisar os Dez Mandamentos, porque apesar de os ter aprendido à força, fiz todos os possíveis por mantê-los fora da mente na minha vida adulta. Encontrei um resumo no site da Opus Dei, que os resume.

Eu sou o Senhor teu Deus:

  1. Amar a Deus sobre todas as coisas.
  2. Não invocar o santo nome de Deus em vão
  3. Santificar os Domingos e Festas de Guarda
  4. Honrar pai e mãe
  5. Não matar
  6. Não cometer adultério
  7. Não roubar
  8. Não levantar falsos testemunhos
  9. Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos
  10. Não cobiçar as coisas alheias
Versão catequética dos 10 Mandamentos

Não acreditei muito nesta versão porque sabia que um dos mandamentos é não cobiçar a mulher do próximo. Desse lembrava-me porque é dos que mais se presta ao humor. Por isso, fui a uma das muitas versões da bíblia que os cristãos juram a pés juntos ser a original mensagem de deus, a mais correta e fiel e encontrei esta versão menos… catequética.

  1. Não terás outros deuses além de mim.
  2. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zelo­so, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus man­damentos.
  3. Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.
  4. Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, o teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou.
  5. Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá.
  6. Não matarás.
  7. Não adulterarás.
  8. Não furtarás.
  9. Não darás falso testemunho contra o teu próximo.
  10. Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.
10 Mandamentos segundo a bibliaon.com

Cada um destes mandamentos merece um texto que lhe seja exclusivamente dedicado e hoje não será o dia. Mas queria focar-me no segundo mandamento. E prometo que, tendo dado todas as voltas às rotundas cristãs, tenho um ponto a fazer.

A Queda e Expulsão do Jardim do Éden,1509-10, MICHELANGELO Buonarroti
Capela Sistina, Vaticano

Hei-de dizer que, de todos os mandamentos da cristandade, não invocar o nome de deus em vão é o mais importante. Sim, sim, mesmo acima de não matar e não roubar e até acima de não ter outros deuses. Mais valia ter-lhe chamado “Não blafesmarás”. Suponho que não é muito fácil de pronunciar. É que vivemos hoje numa sociedade em que ser ateu não é problema, desde que não se fale nisso. Ser ateu não é problema, desde que se respeite as crenças supersticiosas dos outros. E que se quer dizer com respeitar? Não criticar.

Ora, eu considero que tenho sim, um dever de aceitar o direito das pessoas a terem crenças. Não as posso querer impedir de as terem ou de regerem as suas vidas de acordo com preceitos religiosos. Mas as crenças não são senão ideias. E como ideias, podem ser criticadas. Devem ser criticadas. Um cristão pode dizer-me que se não me converter vou sofrer a eternidade no inferno com o a tortura de satanás como companhia. Reparem na ameaça. Ou fazes isto, ou acontece-te aquilo. Mas eu, como ateia canhota caída da macieira, não posso dizer “as tuas crenças são um bocado parvas”.

Ao longo da minha longa caminhada de desconstrução e de libertação do pensamento mágico, fui entendendo que a blasfémia é um ato de catarse, de purga, até de exorcismo diria eu. Por quê dizer em voz alta, isto é falso, isto não existe? Por que é que os satanistas ritualizam a blasfémia? Porque a forma de remover o medo da criança que acredita que o bicho papão está escondido no armário é abrir a porta e dizer “anda cá que não tenho medo de ti”. E quando nada acontece, a criança entende que o bicho papão não existe.

Temos medo. Já abrimos o armário e o bicho papão não nos papou. Mas quando o colega de escola vem dormir lá a casa e se cobre até aos olhos com medo que venha por aí o homem do saco, nós não nos permitimos rir. Não dançamos libertos no meio do quarto, com os pés expostos ao que o outro imagina que está debaixo da cama. Não lhe dizemos que cresça. Não dizemos a verdade. Não lhe tiramos os braços de debaixo das cobertas para mostrar que ninguém está ali para lhe agarrar as mãos. Que acreditar no bicho papão é estúpido.

Ah Eva, sua canhota do demo, comedora de maçãs. Mas tu também recorres à metáfora para dizeres o que realmente queres dizer. Que atrevimento!

É que a lei protege a religião. E apesar de ter a liberdade de não acreditar, e até de criticar a religião, seja ela qual for, não me posso dirigir a uma pessoa a dizer-lhe que as suas crenças são absurdas e que o seu deus é uma besta cruel, criatura abominável que, se fosse real, eu me recusaria a reconhecer ou adorar, já a pessoa se pode ofender. Se eu for para a frente de uma Igreja durante a missinha de domingo com um cartaz a dizer “párem de endoutrinar crianças”, estou a perturbar o ato de culto. E ambos são puníveis por lei. Contudo, se a um domingo de manhã uma parelha de Testemunhas de Jeová decidir vir proletarizar para a minha porta, acordando-me do meu merecido e mui antecipado sono matinal, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante a páscoa não posso escapar ao odioso dling dlong da sineta que acompanha a entourage das amêndoas e do peditório, já os meus direitos não estão a ser violados. Se durante as festas religiosas instalam colunas de som por todo o lado e decidem que toda a gente há-de ouvir a missinha, seguida da pior música que por cá se faz, já os meus direitos não estão a ser violados.

Só peço igualdade. Se não posso ofender o religioso, o religioso não pode proletarizar. Não me pode forçar a ouvir a missa, os sinos das igrejas, as celebrações religiosas que são dele e só dele. Não me pode impingir os santinhos e as rezas. Não me pode vir cá dizer “vai com deus”, “deus te guarde”, “deus a tenha”. O religioso não devia, também, misturar crença com a res publica. O religioso que mantenha resguardadas as suas crenças e deixe de usar símbolos religiosos no exercício de funções públicas, que não recrute para a igreja, templo, clube superticioso. O religioso que páre de impingir a sua crenca arcaica a uma criança que não se pode defender.

Ah Eva, canhota invertidora de sinais da cruz, mas os paizinhos é que sabem como educar um filho!

Sim? Experimentem tirar uma criança da escola sem mais nem menos que vêem logo a CPCJ a bater à porta com mais força que uma parelha de Testemunhas de Jeová. Se podemos exigir aos pais que permitam aos filhos um certo nível de educação, que dura um mínimo de 12 anos, não devemos impedir que durante esses anos de formação uma criança seja endoutrinada? Se temos provas concretas que o mundo não foi criado por deus há 6 mil anos, não devemos ter a expectativa que a criança não seja enganada?

Acima de tudo, dá-se um respeito desproporcional à fé. Não blasfemarás. Tudo o resto? Desde que varrido para debaixo de um tapete, faz-se. Podes matar, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes trair, desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Podes [inserir acto horrendo], desde que te arrependas e peças perdão ao senhor padre. Falar contra a fé, alertar para as armadilhas mentais, para a subjugação da mente, a endoutrinação pelo medo, o condicionamento à criatividade e sentido inquisitivo das crianças, isso é que não. Isso, meus amigos, não se diz, é perseguição. E coitadinhos daqueles que, pertencendo inegavelmente ao status quo, são perseguidos pelos mauzões ateus. Deles será o reino dos céus.

Bom proveito.

29 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Mais uma atitude positiva do Papa Francisco – I

A seita de extrema-direita católica denominada Opus Dei (OD) nasceu na mente do beato Balaguer em 1928 e teve o seu desenvolvimento durante o Franquismo. Admirador confesso de Hitler e de Francisco Franco, o padre Balaguer odiava republicanos e comunistas. Disse, um dia, que “era um exagero afirmar que Hitler tinha matado seis milhões de judeus”… pois, na sua opinião, “Hitler não era mau. Só tinha matado três ou quatro milhões” (?!). 

O Papa João Paulo II (JP2) promoveu a seita OD por dívidas de gratidão que contraíu com Balaguer por ter sido fornecedor de dinheiro ao Vaticano nos momentos difíceis. Durante o seu papado a OD tomou excessiva dimensão dentro da Igreja, o que não era bem visto por muitos bispos… e, provavelmente, nem o próprio Balaguer teria imaginado ter sido possível conseguir tanto poder dentro da Santa Sé.

A OD sempre funcionou com secretismo na aproximação aos poderes políticos e económicos dos países onde se estabelece, assumindo atitudes semelhantes às acções desenvolvidas pelos partidos da Direita, incluindo os não democráticos. A seita está hoje presente em 68 países e, segundo as suas próprias informações, é composta por cerca de 93.500 membros laicos e 2000 sacerdotes (El País Semanal de 27/08/2023). 

Não é possível confirmar estas declarações exactamente pelo secretismo em que a OD está envolvida. O seu património não é totalmente conhecido pelas mesmas razões, mas sabe-se que é imenso. A “Obra” (termo com que os seus membros gostam de referir a seita), está muito bem implantada na Europa e na América Latina, possuindo vários estabelecimentos, desde grandes empresas a Universidades. Eu próprio tenho um certificado de uma formação de jornalista que fiz no Centro de Formação de Jornalistas, no Porto, em Junho de 1995, ministrada pela Universidade de Navarra que pertence à OD. 

Os Jesuítas nunca foram “às missas de Balaguer” nem aprovam a imagem do “santinho” já colocada numa parede do Vaticano. Recentemente (8 de Agosto último) o Papa Francisco I promulgou leis que retiram à OD a excessiva influência que JP2 lhes conferiu e que mantinha na Igreja desde há 50 anos. Os observadores da Igreja vêem nesta atitude de Francisco o epílogo de crescentes tensões entre a organização conservadora OD, e os Jesuítas que (muitos dos seus membros) têm uma visão mais progressista da Igreja.

Com este “motu próprio” de Francisco, a seita Balagueriana fica impedida de ordenar sacerdotes, e o seu máximo responsável não pode ser bispo. Perde independência e tem de prestar contas ao Vaticano. 

Esta é mais uma atitude positiva de Francisco I a merecer o aplauso dos ateus pela decência nela contida. 

Embora os ateus não façam parte da Igreja (logo, não teriam direito à opinião sobre as coisas internas do culto), na verdade fazem parte da sociedade onde a Igreja Católica se estabelece… por isso não podem alhear-se dos fenómenos sociais que, em algum momento, acabam por tomar parte da vida de todos nós… ateus incluídos. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

15 de Janeiro, 2024 Eva Monteiro

Reflexões sobre a Origem da Crença

O nosso medo da inevitável finitude da vida humana levou-nos a procurar o divino. É certo que devemos ter questionado acerca dos fenómenos naturais que nos rodeavam e que não tínhamos ainda como explicar. Mas creio que acima de tudo, em algum momento da nossa existência como seres pensantes mas também profundamente emocionais, alguma mãe deve ter passado dias a cuidar de um filho moribundo em absoluto desespero. Algum caçador se deve ter visto caçado e, tendo a natureza como leito da morte em solidão, deve ter-se questionado se aquele momento seria mesmo o fim.

Não me inclino a pensar que a crença no divino tenha resultado na expetativa de uma vida pós-morte. Pelo contrário, parece-me que a esperança de que “isto” não fosse a nossa única existência, nos levou a imaginar um ser que pudesse garantir que o nosso sofrimento não seria em vão, nem que o fim fosse só isso.

Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta.

Mateus 7:7-8

Sendo o ser humano dotado de infinita imaginação, neste caso, procurar leva mesmo à descoberta. Dizem os americanos que devemos parar de escavar quando encontramos um buraco. Foi precisamente isso que nos falhou. Em vez de criarmos uma ideia que nos aliviasse o fardo da morte, conseguimos ir muito além e criar um conceito que não só justifica a morte, como a torna apetecível. Pior do que isso, nem tampouco nos ficamos pelo desejo da morte individual, tivémos que extrapolar para o coletivo. Deixou de nos bastar que a morte passasse a ser uma sedutora amiga, para a desejarmos para toda a humanidade. Há-de vir o profeta, ou voltar, consoante o delírio. E com ele virá o apocalipse em que os vivos e os mortos (não-mortos? só um pouco mortos?) serão julgados e assistirão ao fim dos tempos.

O Juízo Final (Hieronymus Bosch) 1482

Para muitos, o apocalipse está iminente. Aliás, muitas pessoas viveram vidas inteiras convencidas de que veriam o fim dos tempos. E de que o fariam com prazer, vendo vizinhos e familiares arder no fogo eterno, num julgamento divino que não poderia distinguir-se do seu próprio. Questiono-me com frequência que tipo de dissonância cognitiva leva a que uma pessoa que se considera suficientemente merecedora de estar na presença do inefável divino, se comporte com esse nível de mesquinhez. Será porque acreditam que basta arrependerem-se? Será que é porque se consideram parte do povo escolhido de deus? E assim sendo, estão acima da moral que se exige aos restantes mortais?

Eles receberam ordens para não causar dano nem à relva da terra, nem a qualquer planta ou árvore, mas apenas àqueles que não tinham o selo de Deus na testa.

Apocalipse, 9:4

Ver o fim dos tempos é apenas ver o fim dos vivos, não o fim de tudo – tudo, tudo, mas mesmo tudo. E nem é um conceito particularmente original. Pelo contrário, vai aparecendo em quase todas as culturas ao longo dos tempos, num esforço de, digamos, acertar contas. É que mais uma vez, encontrámos um buraco mas continuámos a escavar. Já os antigos egípcios acreditavam que as suas almas seriam pesadas em comparação com uma pena. Só os justos, os que viveram de acordo com as regras divinas poderiam sentir essa leveza de espírito e entrar no reino dos bem aventurados. Mas, em data a anunciar, eis que viria, para muitas outras culturas, incluíndo aquela que melhor conhecemos hoje, a morte das mortes, o fim dos fins, o julgamento final.

Não lhe retiro valor pelo dramatismo, ainda que apresente graves problemas logísticos, que rivalizam apenas com a noção de que dois pinguins da Antártida viajaram mais de 13 mil quilómetros para entrarem na arca de Noé. É estrondoso pensar num evento dessa envergadura. Os mortos todos a voltar à vida, para serem julgados novamente, alguns a gritar “non bis in idem”! Quem acredita que está entre aqueles que vão sair ilesos desse espetáculo pirotécnico bem pode rir dos desgraçados dos pecadores, pior, ateus, a sofrer a maior confusão das suas vidas. Ou mortes. É que, para quem tem deus ao seu lado, há permissão para tudo, até para ser cruel. E para quem está acima do bem e do mal, até se pode julgar duas vezes o mesmo crime.

Disseram-me muitas vezes que sem deus não há moral. Sem deus, não resta ninguém acima de mim que eu tema. Sem esse temor, não há castigo que me obrigue a viver de forma justa. Sem deus, eu aparentemente sentir-me-ia tão livre, tão soltinha, que desatava a matar e a roubar, a pilhar e a esquartejar. Como ateia e até à data, diz a totalidade desses atos que me apeteceu. Ora, sendo que não vos escrevo de nenhum estabelecimento prisional, é fácil concluir que, por ser ateia, não me apetece propriamente arrancar os órgãos internos a ninguém. Pelo menos não depois de sair do trabalho. É que a justiça dos homens faz um excelente trabalho a manter-me nos eixos. Quem dera que a justiça divina tivesse impedido fosse quem fosse de cometer crimes horrendos, especialmente aqueles que aconteceram e acontecem no seio de muitas (todas? quase todas?) as organizações religiosas que conheço.

Pior do que isso. Significa então que os crentes só ajudam o próximo por temor a deus? Só amam por temor a deus? É apenas medo que os impede de cometer atrocidades? Às vezes penso que sim, que é isso que pensam sobre si próprios. E às vezes, cai-lhes um pouco os véus de moralidade divina. É nessas alturas em que vejo pessoas que rezam todas as noites, dizer que os sem-abrigo não querem é trabalhar, que quem anda de mini-saia é que anda aí a pedi-las, que não ser igual à regra é só moda para chamar à atenção, que tanto aperta a mão a este como o pescoço àquele. Se são todos? Não. Mas são muitos e eu cresci rodeada deles.

A diferença entre o ateu e o crente não é que o ateu não tem medo da morte. É que o ateu escolhe não se iludir. E ao fazê-lo, vive mais plenamente a sua vida, com a consciência de que não vai a lado nenhum depois, nem voltar de lá eventualmente. Ama mais livremente, porque ama sem motivos ulteriores. Quando faz algo pelo próximo, é porque realmente quer ajudar, não porque está a somar pontos. Vive consciente de que é insignificante neste universo que ninguém criou. Vive sabendo que ao morrer, devolve a matéria às estrelas.

Não me digam que não tenho pelo que viver por não acreditar numa vida após a morte e no deus que a garante. Para parafrasear Seth Andrews, não deixei de ter uma razão para viver, deixei de ter uma razão para ansiar a morte.

8 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

A visitação

A “Senhora da Visitação” é uma devoção criada pelos primeiros frades franciscanos que se inspiraram no Novo Testamento.”

Talvez para espanto da maioria dos meus leitores, digo-vos que sou um ateu que ouve missas. Nos funerais de familiares e amigos, assisto sempre à cerimónia religiosa e tenho toda a atenção no discurso do padre, o qual, demasiadas vezes, me leva a tomar notas para depois, já em casa, me inteirar da profundidade ou da superficialidade do discurso sacerdotal para, só então, poder comentá-lo, criticá-lo ou elogiá-lo.

Hoje (Domingo, dia 11 de Junho) ao acordar tive o gesto do costume: liguei o rádio. A Antena 1 transmitia a costumeira missa dominical a escassos dois minutos do seu final, pelo que não ouvi o discurso total que estava a ser transmitido. Porém deu para me aperceber de que se fazia referência à “Senhora da Visitação” numa alegoria (pelo que entendi) à esperada boa recepção aos jovens e menos jovens que peregrinarão a foz do rio Trancão no Encontro Mundial da Juventude que se avizinha. A ideia provocou-me um sorriso (o que é sempre bom experimentar ao acordar) e obrigou-me à investigação para me documentar.

A “Senhora da Visitação” é uma devoção criada pelos primeiros frades franciscanos que se inspiraram no Novo Testamento (Lucas: 1;39-56) onde se conta o anúncio do anjo Gabriel a Maria, informando-a de que estava grávida de Jesus. Mas o anjo não se ficou por aí: à boa maneira das vizinhas que não têm travão na língua, também lhe disse que a sua prima Isabel, já velha para engravidar, afinal também estava “de esperanças” havia já seis meses, por um milagre de Deus!… Esta gravidez resultaria no nascimento de João, que haveria de ser “o Baptista”, primo de Jesus em segundo grau e que o baptizaria nas águas do rio Jordão.

Perante este anúncio, Maria não se preocupou com mais nada, se não com a vontade de estar com a sua prima e comunicar-lhe que ela estava grávida. Por isso se apressou a visitá-la, antes mesmo de dizer a José, seu marido já velho e sem vigor sexual, que iria ser pai… o que é, no mínimo, estranho! Como se sabe José ficou registado na história religiosa cristã como pai adoptivo de Jesus Cristo, o qual passou a ter dois pais: o adoptivo (José) e o biológico (Deus)… mas aqui o termo “biológico” não é bem empregue por não se entender uma “gravidez divina” em termos de biologia!

Acontece que a sua prima Isabel vivia em Aim Karim, localidade dos arredores de Jerusalém, e Maria estava em Nazaré. A distância entre as duas localidades é aproximada à do Porto a Coimbra, então sem transportes públicos nem estradas bem pavimentadas… o que não impediu Maria de vencer a distância (em burro ou a pé) e abraçar a prima, valendo-lhe a categoria franciscana de “Senhora da Visitação”.

Não sei se também aproveitaram o encontro para coscuvilharem sobre as suas estranhas gravidezes sem terem experimentado o delicioso prazer sexual… disso não há registo… mas também não interessa para esta prosa.

Quando Maria disse à sua prima que ela (a prima) estava grávida de seis meses (como se ela não soubesse!) Lucas escreveu que “a criança estremeceu no seu seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo”… o que é um espanto!…

Retirado o folclore religioso desta “visitação”, podemos encontrar nesta estória neo-testamentária um exemplo para se fazer moralidade actual, e que pode ser este: uma visita pessoal, com um abraço, um sorriso e o calor do contacto, é bem mais importante do que um frio telefonema. Um telemóvel não substitui um encontro com olhos nos olhos e o aperto de um abraço.

Se esta é a lição a retirar desta parte do Evangelho, não duvido que é uma mensagem positiva que sublinha o valor da palavra “visitação”… mas já duvido do seu entendimento pela maioria dos religiosos que assistem a missas, que batem no peito e ingerem hóstias, fazendo-o por uma habituação cultural-religiosa sem qualquer conotação com a vida real e prática, num total “marimbanço” para os problemas dos outros!…

Mas isto digo eu, que sou um má língua… e só espero estar enganado, que a amizade franca e sadia predomine entre as comunidades religiosas em perfeita comunhão com os outros… incluindo na figura dos “outros”, os não religiosos do mesmo clube!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Dorothée QUENNESSON por Pixabay
2 de Dezembro, 2023 Eva Monteiro

Da Infância à Apostasia

Nenhuma criança devia ser sujeita a qualquer tipo de ato religioso, já que carece da maturidade e discernimento para julgar por si mesma se dele quer tomar parte. Por outro lado, suspeito que é precisamente esse o objetivo. Começar cedo a combater o poder construtivo da indagação e da exploração na mente das crianças.

Há alguns dias fiz o meu pedido de apostasia, sobretudo porque não partilho da fé dos meus pais. Parece-me contudo, que a ausência de fé não é uma falha, assim como ter fé não é uma virtude. Não há nenhuma falha em recusar ideias dogmáticas sem fundamento, ou provas tangíveis. Não há nada de virtuoso em acreditar numa divindade que, sendo omnisciente, omnipotente e o expoente máximo da bondade, pudesse ter criado um mundo de infindável sofrimento. E sem que esse masoquismo lhe chegasse, esperar que nos vergássemos em adoração constante. Não há nada de virtuoso em apoiar instituições que deliberadamente passaram toda a sua existência a tentar atrasar o progresso da humanidade, opor-se à ciência, à liberdade e à decência do senso comum. Não há nada de virtuoso em acreditar que, nascendo numa aleatória localização geográfica, qualquer que seja a fé ali praticada, é convenientemente a única religião verdadeira e capaz de conceder salvação.

Não há nada de virtuoso em desperdiçar a única vida que temos, na expectativa de uma eternidade a adorar um ditador celestial. Ainda menos virtuoso é continuar a insistir nas supostas verdades da bíblia quando a Teoria da Evolução as deita por terra, a História as contradiz e a coerência as nega. E menos virtuoso ainda é atribuir a deus milagres nas pequenas coisas boas da vida e ignorar cataclismos, genocídios e atrocidades inimagináveis, votando-os ao misterioso plano divino. Isto, quando não é atribuído a um castigo pelos pecados da Humanidade, como se coisas como as placas tectónicas tivessem alvos a abater. Assim como dizer que se tem uma relação pessoal com essa insondável entidade que desaparece sempre que é necessária ou desejável, não é virtude, é delírio.

Sou ateia. Orgulho-me de o dizer publicamente e de não me esconder atrás da ridícula denominação “católica não praticante”. Fazê-lo apenas engrossa os falsos números que continuam a justificar uma Concordata que impede a plena laicidade deste país. Não acredito na existência do deus da bíblia, da tora, do corão ou de qualquer outro livro de ficção. Tal como não acredito em nenhuma divindade, nem em fadas, duendes e unicórnios. Aceitemos com honestidade intelectual que o que pode ser afirmado sem provas também pode ser rejeitado sem provas. Sou ateia. Afirmo-me absolutamente contra o poderio e compadrio de uma instituição religiosa que continua a sufocar uma sociedade que não obtém qualquer benefício na infantilidade de um amigo imaginário.

Sou ateia, nasci ateia. Fui batizada num momento em que não podia opor-me ou compreender o abuso a que estava a ser sujeita, ainda que os meus pais o tivessem feito de boa-fé, por tradição ou pressão de pares. Fui forçada a frequentar a catequese, numa das piores experiências de que tenho memória da minha infância. Fui forçada a assistir a missas que nunca me disseram nada, porque em nada podem acrescentar a um ser humano racional.

Fui forçada a ir confessar pecados que não tinha nem podia ter. Eram, afinal, tão imaginários quanto a autoridade divina de que se investia o padre, na primeira e última vez que coloquei os pés num confessionário. O mesmo que me afirmou que eu tinha que ter pecados e que me pressionou, naquela tenra idade, a não sair do confessionário sem que confessasse alguns, questionando-me sobre eventuais pensamentos contra a minha família. Afinal, era preciso vergar-me desde cedo à doutrina da culpa e da contrição, à perseguição do pensamento, ao alerta de que um deus cruel e desocupado me vigiava até no pensamento. Fui repetir umas avés-maria e uns pai-nossos como instruída, sem qualquer contrição, sem qualquer pecado. Fi-lo nas escadas da igreja da minha paróquia, juntamente com outras crianças que também não tinham idade para compreender a noção de pecado, quanto mais para o ter. O único pecado presente, e por pecado quero dizer falha moral, foi que aquilo nos tivesse sido solicitado. Pairava sobre nós a pressão de também ser pecado desobedecer ao Sr. Padre.

E assim fui obrigada a fazer uma “Primeira Comunhão” sem que tivesse idade para entender o que estava a fazer, de que comunhão estava a tomar parte. Para mim, era apenas um dia em que seria obrigada a usar um vestido branco, ir em fila comer uma hóstia que, diziam-me, não podia mastigar porque se tratava do corpo de Cristo. Sabia lá eu o que significava a transubstanciação ou quão ridícula e falsa é esta noção de canibalismo divino. Mas aterrorizava-me a noção de poder acidentalmente morder a carne de deus, principalmente quando se colou ao meu céu da boca, e eu achei com igual terror que teria de espetar um dedo numa parte desconhecida do corpo de Cristo para o desalojar.

Nenhuma criança devia ser sujeita a qualquer tipo de ato religioso, já que carece da maturidade e discernimento para julgar por si mesma se dele quer tomar parte. Por outro lado, suspeito que é precisamente esse o objetivo. Começar cedo a combater o poder construtivo da indagação e da exploração na mente das crianças. E assim, serão bons cristãos, bons muçulmanos, bons judeus, bons seja o que for. Porque nem lhes passará pela cabeça questionar. Sou ateia, nascemos todos ateus. Tentam retirar-nos essa virtude de questionar o mundo e buscar a verdade, convencendo-nos de que esta nos pode ser oferecida pelos senhores de paramentos mágicos num altar.

A minha experiência nesta instituição foi de opressão e culpabilização, de indoutrinação. Outros tiveram piores experiências ainda, e já não é possível à Igreja Católica esconder as suas muitas falhas, nem as disfarçar com as suas obras aparentemente altruístas. Por todos aqueles que foram abusados, psicológica, física, financeira e sexualmente, nenhum ateu de postura humanista pode aceitar ter o seu nome associado a esta instituição.

10 de Julho, 2023 João Monteiro

Amor, Sexo e Catolicismo

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

«À Igreja falta amor. Enquanto Jesus significava amor, solidariedade e compaixão, a Igreja tornou-se seca, árida, quezilenta, e sempre contra tudo. É um espaço de exclusão e não de abertura».

Estas palavras não são de um ateu, mas sim de uma pessoa crente. Proferiu-as Maria João Sande Lemos, co-fundadora do PPD com Sá Carneiro, e activista de várias causas destacando-se a “Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres”, e do braço português do movimento internacional católico denominado “Nós Somos Igreja”. Divulgou-as a revista Visão na edição de 24 de Agosto de 2012.

A palavra “amor”, tomou-a a Igreja Católica como um patamar superior das relações humanas, elevada a uma condição quase sagrada, com regras que o credo propaga como sendo “a vontade de Deus”, e qualquer fuga à rigidez da regra, representará um “pecado”. Há outras religiões do naipe das cristãs que conseguem ser mais fundamentalistas ainda, impondo regras muito mais apertadas nas relações humanas, quando essas relações são entre um homem e uma mulher.

Entre nós, portugueses (e latinos), essa malha acabou por ser mais alargada, talvez porque uma “religião oficial” (como entre nás foi designada a Igreja Católica no tempo da Ditadura) acaba por ser desrespeitada na “oficialidade” que pretende impor. As pessoas não são máquinas… têm cérebro próprio que dispensa o “cérebro-colectivo” de uma religião… daí haver entre os católicos a modalidade de “católico-não-praticante” (que é uma espécie de mal casado… que não dorme com a mulher!), mas também porque a nossa latinidade é incontornável, e a frase “fazer amor” é sinónimo de “fazer sexo”, com ou sem amor na origem do acto puramente carnal. 

No catolicismo sempre se viu o acto sexual como pecado. Tudo quanto ao sexo diga respeito e que ultrapasse o acto puramente animalesco de procriar, é alvo de condenação. Começando na masturbação e terminando nas relações homossexuais, tudo quanto cheire a sexo para além de “fazer filhos”, é um hediondo pecado mortal. 

Esta atitude de ódio perante o sexo poderá dever-se ao facto de os sacerdotes católicos serem obrigados à castidade. Acredito que um homem (e uma mulher) que renuncie à prática sexual, se sinta feliz e realizado(a), quando essa renúncia parte da sua própria vontade e não seja uma condição imposta. 

Na Igreja a castidade não é uma escolha do candidato ao sacerdócio… é uma imposição do credo… e a diferença entre as duas situações de castidade (voluntária, ou imposta) é abissal. A condição animal do homem traz nos genes todas as características da sexualidade que pede uso a partir da juventude. Homem e mulher têm as mesmas necessidades sexuais, e a prática sexual ultrapassa o acto de procriar; é, também, um modo de descomprimir das aflições diárias pelo prazer que provoca. 

A homossexualidade cumpre as mesmas funções, excepto a de procriar, e quem a pratica está a “fazer amor”. Esse amor que a Igreja apregoa do púlpito, mas que os mais fundamentalistas do mesmo credo condenam na vida prática.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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5 de Julho, 2023 João Monteiro

O Presépio

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita, a propósito das celebrações natalícias.

Estamos a viver a quadra natalícia que na cultura católica representa o nascimento de Jesus Cristo e, além da Igreja, é um tempo de comércio que anima as ruas das cidades na onda consumista habitual, salvadora dos lojistas que, fora das datas fomentadoras de vendas, quase agonizam pela falta do poder de compra dos trabalhadores obrigados a sustentarem a família com o ordenado mínimo… e cujo sustento está agora agravado pelos reflexos económicos da guerra que Putin faz à Ucrânia.

Na cultura ocidental a Igreja Católica é a entidade que tem maior riqueza iconográfica, sendo, por excelência, uma religião de imagens que alimentou pintores e escultores através dos séculos, e por isso possui uma pinacoteca das mais importantes. A imagem cristã mais mostrada na quadra natalícia é o presépio que pretende ser uma representação do nascimento de Jesus Cristo.

Uma breve consulta ao Novo Testamento mostra-nos que, de entre os quatro evangelistas sinópticos que nos falam da hipotética história de Jesus Cristo, nenhum deles nos narra a cena que estamos habituados a ver designada por “presépio”. 

Mateus (2:11) diz-nos que os reis magos “entrando na casa acharam o menino com Maria”. Logo, o estábulo da tradição não existe nesta referência, já que o local do nascimento seria “uma casa”. 

Marcos (1:9) omite o nascimento de Jesus, referindo-o já como adulto, quando foi baptizado nas águas do rio Jordão por João Baptista.

Lucas (2:7) já nos diz que Maria “deu à luz o seu filho primogénito e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”. 

Esta necessidade de José e Maria terem uma estalagem para pernoitar, deveu-se ao facto de se deslocarem de Nazaré, onde viviam, para Belém, no cumprimento de um decreto emanado pelo fundador do Império Romano, e seu primeiro imperador, Caio Júlio César Octaviano Augusto (27 aC – 19 dC) que havia anexado o território da Judeia. O representante de Roma naquelas paragens era Copónio que, como primeira função governativa, ordenou um censo na Judeia e Samaria com o fim de obter uma listagem de cidadãos, actualizada, para efeitos de cobrança de impostos. O casal partiu para Belém (o local do recenseamento) quando Maria já estaria num estado avançado de gravidez. 

João (1: 29-34), tal como Marcos, só refere Jesus quando do baptismo no rio Jordão, omitindo o seu nascimento. (Para informação dos distraídos: este João [o Evangelista] era irmão de Tiago e filho de Zebedeu; e não é o mesmo João [o Baptista] filho de Zacarias e Isabel, e primo de Jesus, o qual baptizou, e que, tendo sido preso por Herodes Antipas I acabou decapitado. Segundo a lenda, a sua cabeça foi oferecida numa bandeja a Salomé. O outro apóstolo João, o Evangelista, morreu de morte natural contando 94 anos).

A imagem do presépio que hoje figura na maioria das casas e nas montras das lojas na época natalícia, teve origem numa ideia de Francisco de Assis que, em 1223 festejou o Natal fora da igreja, montando uma manjedoura na floresta de Greccio, Itália, colocando junto dela um boi e um burro como elementos tradicionais de um estábulo. O povo não entendeu de imediato o significado daquela encenação não lhe tendo prestado grande atenção. Mas durante a Idade Média aquele costume espalhou-se e ganhou tal importância que, já no século XVI (em 1567), a Duquesa de Amalfi mandou montar um grandioso presépio com 116 figuras representando o nascimento de Jesus Cristo com a adoração dos reis magos, dos pastores e com anjos a cantar. A partir do século XVIII o costume espalhou-se pelas casas dos crentes, mantendo-se até hoje e promovendo colecções que vão das mais simples representações até às mais complexas e valiosas. 

Convenhamos que o presépio, enquanto decoração natalícia, fica muito bem nas montras de lojas e nos centros comerciais… animando o consumo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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7 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Francisco I e Xi Jinping

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

O Papa Francisco I foi ao Canadá “pedir perdão pelo mal cometido pela Igreja Católica contra povos indígenas”. Esta prática não é inédita na igreja do Vaticano. Já João Paulo II, por altura do Jubileu da Igreja, no ano 2000 [o que acontece no fim de cada quarto de século], pediu perdão “por todos os males causados pela Inquisição Católica à Humanidade”.

Se é verdade que “um pedido de perdão não indemniza prejuízos”, também não é menos verdadeiro que ter a consciência de os ter provocado… já é ter alguma coisa de positivo para partilhar com o ofendido. O que é preciso é que a instituição que se penitencia pelos males provocados na sociedade onde se instala, não venha a repeti-los… o que não é inteiramente líquido.

No Canadá, perante milhares de indígenas, o Papa reconheceu a responsabilidade da Igreja Católica num sistema em que “as crianças sofreram abusos físicos, verbais, psicológicos e espirituais”.

Os pedidos de perdão foram feitos, particularmente, pelos crimes cometidos nos internatos para crianças geridos pela Igreja Católica, e lamentou que alguns dos seus membros tenham “cooperado” em políticas de “destruição cultural”.

“Estou triste. Peço perdão”, disse Francisco I a milhares de indígenas em Maskwacis, no Oeste do Canadá. “Um erro devastador”, foi como o Papa rotulou os abusos cometidos pela Igreja contra os povos indígenas do Canadá. Concretamente, o Papa pediu perdão por, entre os finais do século XIX e a década de 1990 (um período de cem anos) terem sido recrutados, à força, cerca de 150.000 crianças indígenas que foram distribuídas por mais de 130 instituições católicas numa operação de lavagem cerebral, isolando-as das suas famílias, da sua língua e da sua cultura, atropelando a dignidade a que tinham direito e destruindo-lhes a identidade. Para além disso, pelo menos 6000 crianças teriam morrido vitimadas por maus tratos infligidos nessas instituições religiosas.

Em 2021 foram descobertas “mais de 1300 sepulturas anónimas perto dessas escolas católicas, o que provocou uma onda de choque no país, levando, lentamente, a abrir os olhos para este passado descrito como genocídio cultural por uma comissão nacional de inquérito”.

Francisco admite que “as políticas de assimilação acabaram por marginalizar sistematicamente os povos indígenas. As suas línguas e as suas culturas foram denegridas e suprimidas”.

Não é só a Igreja que tem de pedir perdão por casos desta índole. Também é necessário que Xi Jinping, presidente da China, o faça aos povos que persegue (e deixe de perseguir), não só no Tibet, em Macau e Hong Kong, mas também pelo genocídio do povo Uigure submetido a “doutrinação” e a maus tratos no sentido de lhes destruir a identidade étnica “reeducando-os”… o que é crime!

Francisco I tem consciência histórica e humanista… Xi Jinping… não!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV