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Categoria: Cristianismo

29 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Mais uma atitude positiva do Papa Francisco – I

A seita de extrema-direita católica denominada Opus Dei (OD) nasceu na mente do beato Balaguer em 1928 e teve o seu desenvolvimento durante o Franquismo. Admirador confesso de Hitler e de Francisco Franco, o padre Balaguer odiava republicanos e comunistas. Disse, um dia, que “era um exagero afirmar que Hitler tinha matado seis milhões de judeus”… pois, na sua opinião, “Hitler não era mau. Só tinha matado três ou quatro milhões” (?!). 

O Papa João Paulo II (JP2) promoveu a seita OD por dívidas de gratidão que contraíu com Balaguer por ter sido fornecedor de dinheiro ao Vaticano nos momentos difíceis. Durante o seu papado a OD tomou excessiva dimensão dentro da Igreja, o que não era bem visto por muitos bispos… e, provavelmente, nem o próprio Balaguer teria imaginado ter sido possível conseguir tanto poder dentro da Santa Sé.

A OD sempre funcionou com secretismo na aproximação aos poderes políticos e económicos dos países onde se estabelece, assumindo atitudes semelhantes às acções desenvolvidas pelos partidos da Direita, incluindo os não democráticos. A seita está hoje presente em 68 países e, segundo as suas próprias informações, é composta por cerca de 93.500 membros laicos e 2000 sacerdotes (El País Semanal de 27/08/2023). 

Não é possível confirmar estas declarações exactamente pelo secretismo em que a OD está envolvida. O seu património não é totalmente conhecido pelas mesmas razões, mas sabe-se que é imenso. A “Obra” (termo com que os seus membros gostam de referir a seita), está muito bem implantada na Europa e na América Latina, possuindo vários estabelecimentos, desde grandes empresas a Universidades. Eu próprio tenho um certificado de uma formação de jornalista que fiz no Centro de Formação de Jornalistas, no Porto, em Junho de 1995, ministrada pela Universidade de Navarra que pertence à OD. 

Os Jesuítas nunca foram “às missas de Balaguer” nem aprovam a imagem do “santinho” já colocada numa parede do Vaticano. Recentemente (8 de Agosto último) o Papa Francisco I promulgou leis que retiram à OD a excessiva influência que JP2 lhes conferiu e que mantinha na Igreja desde há 50 anos. Os observadores da Igreja vêem nesta atitude de Francisco o epílogo de crescentes tensões entre a organização conservadora OD, e os Jesuítas que (muitos dos seus membros) têm uma visão mais progressista da Igreja.

Com este “motu próprio” de Francisco, a seita Balagueriana fica impedida de ordenar sacerdotes, e o seu máximo responsável não pode ser bispo. Perde independência e tem de prestar contas ao Vaticano. 

Esta é mais uma atitude positiva de Francisco I a merecer o aplauso dos ateus pela decência nela contida. 

Embora os ateus não façam parte da Igreja (logo, não teriam direito à opinião sobre as coisas internas do culto), na verdade fazem parte da sociedade onde a Igreja Católica se estabelece… por isso não podem alhear-se dos fenómenos sociais que, em algum momento, acabam por tomar parte da vida de todos nós… ateus incluídos. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

15 de Janeiro, 2024 Eva Monteiro

Reflexões sobre a Origem da Crença

O nosso medo da inevitável finitude da vida humana levou-nos a procurar o divino. É certo que devemos ter questionado acerca dos fenómenos naturais que nos rodeavam e que não tínhamos ainda como explicar. Mas creio que acima de tudo, em algum momento da nossa existência como seres pensantes mas também profundamente emocionais, alguma mãe deve ter passado dias a cuidar de um filho moribundo em absoluto desespero. Algum caçador se deve ter visto caçado e, tendo a natureza como leito da morte em solidão, deve ter-se questionado se aquele momento seria mesmo o fim.

Não me inclino a pensar que a crença no divino tenha resultado na expetativa de uma vida pós-morte. Pelo contrário, parece-me que a esperança de que “isto” não fosse a nossa única existência, nos levou a imaginar um ser que pudesse garantir que o nosso sofrimento não seria em vão, nem que o fim fosse só isso.

Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta.

Mateus 7:7-8

Sendo o ser humano dotado de infinita imaginação, neste caso, procurar leva mesmo à descoberta. Dizem os americanos que devemos parar de escavar quando encontramos um buraco. Foi precisamente isso que nos falhou. Em vez de criarmos uma ideia que nos aliviasse o fardo da morte, conseguimos ir muito além e criar um conceito que não só justifica a morte, como a torna apetecível. Pior do que isso, nem tampouco nos ficamos pelo desejo da morte individual, tivémos que extrapolar para o coletivo. Deixou de nos bastar que a morte passasse a ser uma sedutora amiga, para a desejarmos para toda a humanidade. Há-de vir o profeta, ou voltar, consoante o delírio. E com ele virá o apocalipse em que os vivos e os mortos (não-mortos? só um pouco mortos?) serão julgados e assistirão ao fim dos tempos.

O Juízo Final (Hieronymus Bosch) 1482

Para muitos, o apocalipse está iminente. Aliás, muitas pessoas viveram vidas inteiras convencidas de que veriam o fim dos tempos. E de que o fariam com prazer, vendo vizinhos e familiares arder no fogo eterno, num julgamento divino que não poderia distinguir-se do seu próprio. Questiono-me com frequência que tipo de dissonância cognitiva leva a que uma pessoa que se considera suficientemente merecedora de estar na presença do inefável divino, se comporte com esse nível de mesquinhez. Será porque acreditam que basta arrependerem-se? Será que é porque se consideram parte do povo escolhido de deus? E assim sendo, estão acima da moral que se exige aos restantes mortais?

Eles receberam ordens para não causar dano nem à relva da terra, nem a qualquer planta ou árvore, mas apenas àqueles que não tinham o selo de Deus na testa.

Apocalipse, 9:4

Ver o fim dos tempos é apenas ver o fim dos vivos, não o fim de tudo – tudo, tudo, mas mesmo tudo. E nem é um conceito particularmente original. Pelo contrário, vai aparecendo em quase todas as culturas ao longo dos tempos, num esforço de, digamos, acertar contas. É que mais uma vez, encontrámos um buraco mas continuámos a escavar. Já os antigos egípcios acreditavam que as suas almas seriam pesadas em comparação com uma pena. Só os justos, os que viveram de acordo com as regras divinas poderiam sentir essa leveza de espírito e entrar no reino dos bem aventurados. Mas, em data a anunciar, eis que viria, para muitas outras culturas, incluíndo aquela que melhor conhecemos hoje, a morte das mortes, o fim dos fins, o julgamento final.

Não lhe retiro valor pelo dramatismo, ainda que apresente graves problemas logísticos, que rivalizam apenas com a noção de que dois pinguins da Antártida viajaram mais de 13 mil quilómetros para entrarem na arca de Noé. É estrondoso pensar num evento dessa envergadura. Os mortos todos a voltar à vida, para serem julgados novamente, alguns a gritar “non bis in idem”! Quem acredita que está entre aqueles que vão sair ilesos desse espetáculo pirotécnico bem pode rir dos desgraçados dos pecadores, pior, ateus, a sofrer a maior confusão das suas vidas. Ou mortes. É que, para quem tem deus ao seu lado, há permissão para tudo, até para ser cruel. E para quem está acima do bem e do mal, até se pode julgar duas vezes o mesmo crime.

Disseram-me muitas vezes que sem deus não há moral. Sem deus, não resta ninguém acima de mim que eu tema. Sem esse temor, não há castigo que me obrigue a viver de forma justa. Sem deus, eu aparentemente sentir-me-ia tão livre, tão soltinha, que desatava a matar e a roubar, a pilhar e a esquartejar. Como ateia e até à data, diz a totalidade desses atos que me apeteceu. Ora, sendo que não vos escrevo de nenhum estabelecimento prisional, é fácil concluir que, por ser ateia, não me apetece propriamente arrancar os órgãos internos a ninguém. Pelo menos não depois de sair do trabalho. É que a justiça dos homens faz um excelente trabalho a manter-me nos eixos. Quem dera que a justiça divina tivesse impedido fosse quem fosse de cometer crimes horrendos, especialmente aqueles que aconteceram e acontecem no seio de muitas (todas? quase todas?) as organizações religiosas que conheço.

Pior do que isso. Significa então que os crentes só ajudam o próximo por temor a deus? Só amam por temor a deus? É apenas medo que os impede de cometer atrocidades? Às vezes penso que sim, que é isso que pensam sobre si próprios. E às vezes, cai-lhes um pouco os véus de moralidade divina. É nessas alturas em que vejo pessoas que rezam todas as noites, dizer que os sem-abrigo não querem é trabalhar, que quem anda de mini-saia é que anda aí a pedi-las, que não ser igual à regra é só moda para chamar à atenção, que tanto aperta a mão a este como o pescoço àquele. Se são todos? Não. Mas são muitos e eu cresci rodeada deles.

A diferença entre o ateu e o crente não é que o ateu não tem medo da morte. É que o ateu escolhe não se iludir. E ao fazê-lo, vive mais plenamente a sua vida, com a consciência de que não vai a lado nenhum depois, nem voltar de lá eventualmente. Ama mais livremente, porque ama sem motivos ulteriores. Quando faz algo pelo próximo, é porque realmente quer ajudar, não porque está a somar pontos. Vive consciente de que é insignificante neste universo que ninguém criou. Vive sabendo que ao morrer, devolve a matéria às estrelas.

Não me digam que não tenho pelo que viver por não acreditar numa vida após a morte e no deus que a garante. Para parafrasear Seth Andrews, não deixei de ter uma razão para viver, deixei de ter uma razão para ansiar a morte.

8 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

A visitação

A “Senhora da Visitação” é uma devoção criada pelos primeiros frades franciscanos que se inspiraram no Novo Testamento.”

Talvez para espanto da maioria dos meus leitores, digo-vos que sou um ateu que ouve missas. Nos funerais de familiares e amigos, assisto sempre à cerimónia religiosa e tenho toda a atenção no discurso do padre, o qual, demasiadas vezes, me leva a tomar notas para depois, já em casa, me inteirar da profundidade ou da superficialidade do discurso sacerdotal para, só então, poder comentá-lo, criticá-lo ou elogiá-lo.

Hoje (Domingo, dia 11 de Junho) ao acordar tive o gesto do costume: liguei o rádio. A Antena 1 transmitia a costumeira missa dominical a escassos dois minutos do seu final, pelo que não ouvi o discurso total que estava a ser transmitido. Porém deu para me aperceber de que se fazia referência à “Senhora da Visitação” numa alegoria (pelo que entendi) à esperada boa recepção aos jovens e menos jovens que peregrinarão a foz do rio Trancão no Encontro Mundial da Juventude que se avizinha. A ideia provocou-me um sorriso (o que é sempre bom experimentar ao acordar) e obrigou-me à investigação para me documentar.

A “Senhora da Visitação” é uma devoção criada pelos primeiros frades franciscanos que se inspiraram no Novo Testamento (Lucas: 1;39-56) onde se conta o anúncio do anjo Gabriel a Maria, informando-a de que estava grávida de Jesus. Mas o anjo não se ficou por aí: à boa maneira das vizinhas que não têm travão na língua, também lhe disse que a sua prima Isabel, já velha para engravidar, afinal também estava “de esperanças” havia já seis meses, por um milagre de Deus!… Esta gravidez resultaria no nascimento de João, que haveria de ser “o Baptista”, primo de Jesus em segundo grau e que o baptizaria nas águas do rio Jordão.

Perante este anúncio, Maria não se preocupou com mais nada, se não com a vontade de estar com a sua prima e comunicar-lhe que ela estava grávida. Por isso se apressou a visitá-la, antes mesmo de dizer a José, seu marido já velho e sem vigor sexual, que iria ser pai… o que é, no mínimo, estranho! Como se sabe José ficou registado na história religiosa cristã como pai adoptivo de Jesus Cristo, o qual passou a ter dois pais: o adoptivo (José) e o biológico (Deus)… mas aqui o termo “biológico” não é bem empregue por não se entender uma “gravidez divina” em termos de biologia!

Acontece que a sua prima Isabel vivia em Aim Karim, localidade dos arredores de Jerusalém, e Maria estava em Nazaré. A distância entre as duas localidades é aproximada à do Porto a Coimbra, então sem transportes públicos nem estradas bem pavimentadas… o que não impediu Maria de vencer a distância (em burro ou a pé) e abraçar a prima, valendo-lhe a categoria franciscana de “Senhora da Visitação”.

Não sei se também aproveitaram o encontro para coscuvilharem sobre as suas estranhas gravidezes sem terem experimentado o delicioso prazer sexual… disso não há registo… mas também não interessa para esta prosa.

Quando Maria disse à sua prima que ela (a prima) estava grávida de seis meses (como se ela não soubesse!) Lucas escreveu que “a criança estremeceu no seu seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo”… o que é um espanto!…

Retirado o folclore religioso desta “visitação”, podemos encontrar nesta estória neo-testamentária um exemplo para se fazer moralidade actual, e que pode ser este: uma visita pessoal, com um abraço, um sorriso e o calor do contacto, é bem mais importante do que um frio telefonema. Um telemóvel não substitui um encontro com olhos nos olhos e o aperto de um abraço.

Se esta é a lição a retirar desta parte do Evangelho, não duvido que é uma mensagem positiva que sublinha o valor da palavra “visitação”… mas já duvido do seu entendimento pela maioria dos religiosos que assistem a missas, que batem no peito e ingerem hóstias, fazendo-o por uma habituação cultural-religiosa sem qualquer conotação com a vida real e prática, num total “marimbanço” para os problemas dos outros!…

Mas isto digo eu, que sou um má língua… e só espero estar enganado, que a amizade franca e sadia predomine entre as comunidades religiosas em perfeita comunhão com os outros… incluindo na figura dos “outros”, os não religiosos do mesmo clube!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Dorothée QUENNESSON por Pixabay
2 de Dezembro, 2023 Eva Monteiro

Da Infância à Apostasia

Nenhuma criança devia ser sujeita a qualquer tipo de ato religioso, já que carece da maturidade e discernimento para julgar por si mesma se dele quer tomar parte. Por outro lado, suspeito que é precisamente esse o objetivo. Começar cedo a combater o poder construtivo da indagação e da exploração na mente das crianças.

Há alguns dias fiz o meu pedido de apostasia, sobretudo porque não partilho da fé dos meus pais. Parece-me contudo, que a ausência de fé não é uma falha, assim como ter fé não é uma virtude. Não há nenhuma falha em recusar ideias dogmáticas sem fundamento, ou provas tangíveis. Não há nada de virtuoso em acreditar numa divindade que, sendo omnisciente, omnipotente e o expoente máximo da bondade, pudesse ter criado um mundo de infindável sofrimento. E sem que esse masoquismo lhe chegasse, esperar que nos vergássemos em adoração constante. Não há nada de virtuoso em apoiar instituições que deliberadamente passaram toda a sua existência a tentar atrasar o progresso da humanidade, opor-se à ciência, à liberdade e à decência do senso comum. Não há nada de virtuoso em acreditar que, nascendo numa aleatória localização geográfica, qualquer que seja a fé ali praticada, é convenientemente a única religião verdadeira e capaz de conceder salvação.

Não há nada de virtuoso em desperdiçar a única vida que temos, na expectativa de uma eternidade a adorar um ditador celestial. Ainda menos virtuoso é continuar a insistir nas supostas verdades da bíblia quando a Teoria da Evolução as deita por terra, a História as contradiz e a coerência as nega. E menos virtuoso ainda é atribuir a deus milagres nas pequenas coisas boas da vida e ignorar cataclismos, genocídios e atrocidades inimagináveis, votando-os ao misterioso plano divino. Isto, quando não é atribuído a um castigo pelos pecados da Humanidade, como se coisas como as placas tectónicas tivessem alvos a abater. Assim como dizer que se tem uma relação pessoal com essa insondável entidade que desaparece sempre que é necessária ou desejável, não é virtude, é delírio.

Sou ateia. Orgulho-me de o dizer publicamente e de não me esconder atrás da ridícula denominação “católica não praticante”. Fazê-lo apenas engrossa os falsos números que continuam a justificar uma Concordata que impede a plena laicidade deste país. Não acredito na existência do deus da bíblia, da tora, do corão ou de qualquer outro livro de ficção. Tal como não acredito em nenhuma divindade, nem em fadas, duendes e unicórnios. Aceitemos com honestidade intelectual que o que pode ser afirmado sem provas também pode ser rejeitado sem provas. Sou ateia. Afirmo-me absolutamente contra o poderio e compadrio de uma instituição religiosa que continua a sufocar uma sociedade que não obtém qualquer benefício na infantilidade de um amigo imaginário.

Sou ateia, nasci ateia. Fui batizada num momento em que não podia opor-me ou compreender o abuso a que estava a ser sujeita, ainda que os meus pais o tivessem feito de boa-fé, por tradição ou pressão de pares. Fui forçada a frequentar a catequese, numa das piores experiências de que tenho memória da minha infância. Fui forçada a assistir a missas que nunca me disseram nada, porque em nada podem acrescentar a um ser humano racional.

Fui forçada a ir confessar pecados que não tinha nem podia ter. Eram, afinal, tão imaginários quanto a autoridade divina de que se investia o padre, na primeira e última vez que coloquei os pés num confessionário. O mesmo que me afirmou que eu tinha que ter pecados e que me pressionou, naquela tenra idade, a não sair do confessionário sem que confessasse alguns, questionando-me sobre eventuais pensamentos contra a minha família. Afinal, era preciso vergar-me desde cedo à doutrina da culpa e da contrição, à perseguição do pensamento, ao alerta de que um deus cruel e desocupado me vigiava até no pensamento. Fui repetir umas avés-maria e uns pai-nossos como instruída, sem qualquer contrição, sem qualquer pecado. Fi-lo nas escadas da igreja da minha paróquia, juntamente com outras crianças que também não tinham idade para compreender a noção de pecado, quanto mais para o ter. O único pecado presente, e por pecado quero dizer falha moral, foi que aquilo nos tivesse sido solicitado. Pairava sobre nós a pressão de também ser pecado desobedecer ao Sr. Padre.

E assim fui obrigada a fazer uma “Primeira Comunhão” sem que tivesse idade para entender o que estava a fazer, de que comunhão estava a tomar parte. Para mim, era apenas um dia em que seria obrigada a usar um vestido branco, ir em fila comer uma hóstia que, diziam-me, não podia mastigar porque se tratava do corpo de Cristo. Sabia lá eu o que significava a transubstanciação ou quão ridícula e falsa é esta noção de canibalismo divino. Mas aterrorizava-me a noção de poder acidentalmente morder a carne de deus, principalmente quando se colou ao meu céu da boca, e eu achei com igual terror que teria de espetar um dedo numa parte desconhecida do corpo de Cristo para o desalojar.

Nenhuma criança devia ser sujeita a qualquer tipo de ato religioso, já que carece da maturidade e discernimento para julgar por si mesma se dele quer tomar parte. Por outro lado, suspeito que é precisamente esse o objetivo. Começar cedo a combater o poder construtivo da indagação e da exploração na mente das crianças. E assim, serão bons cristãos, bons muçulmanos, bons judeus, bons seja o que for. Porque nem lhes passará pela cabeça questionar. Sou ateia, nascemos todos ateus. Tentam retirar-nos essa virtude de questionar o mundo e buscar a verdade, convencendo-nos de que esta nos pode ser oferecida pelos senhores de paramentos mágicos num altar.

A minha experiência nesta instituição foi de opressão e culpabilização, de indoutrinação. Outros tiveram piores experiências ainda, e já não é possível à Igreja Católica esconder as suas muitas falhas, nem as disfarçar com as suas obras aparentemente altruístas. Por todos aqueles que foram abusados, psicológica, física, financeira e sexualmente, nenhum ateu de postura humanista pode aceitar ter o seu nome associado a esta instituição.

10 de Julho, 2023 João Monteiro

Amor, Sexo e Catolicismo

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

«À Igreja falta amor. Enquanto Jesus significava amor, solidariedade e compaixão, a Igreja tornou-se seca, árida, quezilenta, e sempre contra tudo. É um espaço de exclusão e não de abertura».

Estas palavras não são de um ateu, mas sim de uma pessoa crente. Proferiu-as Maria João Sande Lemos, co-fundadora do PPD com Sá Carneiro, e activista de várias causas destacando-se a “Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres”, e do braço português do movimento internacional católico denominado “Nós Somos Igreja”. Divulgou-as a revista Visão na edição de 24 de Agosto de 2012.

A palavra “amor”, tomou-a a Igreja Católica como um patamar superior das relações humanas, elevada a uma condição quase sagrada, com regras que o credo propaga como sendo “a vontade de Deus”, e qualquer fuga à rigidez da regra, representará um “pecado”. Há outras religiões do naipe das cristãs que conseguem ser mais fundamentalistas ainda, impondo regras muito mais apertadas nas relações humanas, quando essas relações são entre um homem e uma mulher.

Entre nós, portugueses (e latinos), essa malha acabou por ser mais alargada, talvez porque uma “religião oficial” (como entre nás foi designada a Igreja Católica no tempo da Ditadura) acaba por ser desrespeitada na “oficialidade” que pretende impor. As pessoas não são máquinas… têm cérebro próprio que dispensa o “cérebro-colectivo” de uma religião… daí haver entre os católicos a modalidade de “católico-não-praticante” (que é uma espécie de mal casado… que não dorme com a mulher!), mas também porque a nossa latinidade é incontornável, e a frase “fazer amor” é sinónimo de “fazer sexo”, com ou sem amor na origem do acto puramente carnal. 

No catolicismo sempre se viu o acto sexual como pecado. Tudo quanto ao sexo diga respeito e que ultrapasse o acto puramente animalesco de procriar, é alvo de condenação. Começando na masturbação e terminando nas relações homossexuais, tudo quanto cheire a sexo para além de “fazer filhos”, é um hediondo pecado mortal. 

Esta atitude de ódio perante o sexo poderá dever-se ao facto de os sacerdotes católicos serem obrigados à castidade. Acredito que um homem (e uma mulher) que renuncie à prática sexual, se sinta feliz e realizado(a), quando essa renúncia parte da sua própria vontade e não seja uma condição imposta. 

Na Igreja a castidade não é uma escolha do candidato ao sacerdócio… é uma imposição do credo… e a diferença entre as duas situações de castidade (voluntária, ou imposta) é abissal. A condição animal do homem traz nos genes todas as características da sexualidade que pede uso a partir da juventude. Homem e mulher têm as mesmas necessidades sexuais, e a prática sexual ultrapassa o acto de procriar; é, também, um modo de descomprimir das aflições diárias pelo prazer que provoca. 

A homossexualidade cumpre as mesmas funções, excepto a de procriar, e quem a pratica está a “fazer amor”. Esse amor que a Igreja apregoa do púlpito, mas que os mais fundamentalistas do mesmo credo condenam na vida prática.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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5 de Julho, 2023 João Monteiro

O Presépio

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita, a propósito das celebrações natalícias.

Estamos a viver a quadra natalícia que na cultura católica representa o nascimento de Jesus Cristo e, além da Igreja, é um tempo de comércio que anima as ruas das cidades na onda consumista habitual, salvadora dos lojistas que, fora das datas fomentadoras de vendas, quase agonizam pela falta do poder de compra dos trabalhadores obrigados a sustentarem a família com o ordenado mínimo… e cujo sustento está agora agravado pelos reflexos económicos da guerra que Putin faz à Ucrânia.

Na cultura ocidental a Igreja Católica é a entidade que tem maior riqueza iconográfica, sendo, por excelência, uma religião de imagens que alimentou pintores e escultores através dos séculos, e por isso possui uma pinacoteca das mais importantes. A imagem cristã mais mostrada na quadra natalícia é o presépio que pretende ser uma representação do nascimento de Jesus Cristo.

Uma breve consulta ao Novo Testamento mostra-nos que, de entre os quatro evangelistas sinópticos que nos falam da hipotética história de Jesus Cristo, nenhum deles nos narra a cena que estamos habituados a ver designada por “presépio”. 

Mateus (2:11) diz-nos que os reis magos “entrando na casa acharam o menino com Maria”. Logo, o estábulo da tradição não existe nesta referência, já que o local do nascimento seria “uma casa”. 

Marcos (1:9) omite o nascimento de Jesus, referindo-o já como adulto, quando foi baptizado nas águas do rio Jordão por João Baptista.

Lucas (2:7) já nos diz que Maria “deu à luz o seu filho primogénito e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”. 

Esta necessidade de José e Maria terem uma estalagem para pernoitar, deveu-se ao facto de se deslocarem de Nazaré, onde viviam, para Belém, no cumprimento de um decreto emanado pelo fundador do Império Romano, e seu primeiro imperador, Caio Júlio César Octaviano Augusto (27 aC – 19 dC) que havia anexado o território da Judeia. O representante de Roma naquelas paragens era Copónio que, como primeira função governativa, ordenou um censo na Judeia e Samaria com o fim de obter uma listagem de cidadãos, actualizada, para efeitos de cobrança de impostos. O casal partiu para Belém (o local do recenseamento) quando Maria já estaria num estado avançado de gravidez. 

João (1: 29-34), tal como Marcos, só refere Jesus quando do baptismo no rio Jordão, omitindo o seu nascimento. (Para informação dos distraídos: este João [o Evangelista] era irmão de Tiago e filho de Zebedeu; e não é o mesmo João [o Baptista] filho de Zacarias e Isabel, e primo de Jesus, o qual baptizou, e que, tendo sido preso por Herodes Antipas I acabou decapitado. Segundo a lenda, a sua cabeça foi oferecida numa bandeja a Salomé. O outro apóstolo João, o Evangelista, morreu de morte natural contando 94 anos).

A imagem do presépio que hoje figura na maioria das casas e nas montras das lojas na época natalícia, teve origem numa ideia de Francisco de Assis que, em 1223 festejou o Natal fora da igreja, montando uma manjedoura na floresta de Greccio, Itália, colocando junto dela um boi e um burro como elementos tradicionais de um estábulo. O povo não entendeu de imediato o significado daquela encenação não lhe tendo prestado grande atenção. Mas durante a Idade Média aquele costume espalhou-se e ganhou tal importância que, já no século XVI (em 1567), a Duquesa de Amalfi mandou montar um grandioso presépio com 116 figuras representando o nascimento de Jesus Cristo com a adoração dos reis magos, dos pastores e com anjos a cantar. A partir do século XVIII o costume espalhou-se pelas casas dos crentes, mantendo-se até hoje e promovendo colecções que vão das mais simples representações até às mais complexas e valiosas. 

Convenhamos que o presépio, enquanto decoração natalícia, fica muito bem nas montras de lojas e nos centros comerciais… animando o consumo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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7 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Francisco I e Xi Jinping

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

O Papa Francisco I foi ao Canadá “pedir perdão pelo mal cometido pela Igreja Católica contra povos indígenas”. Esta prática não é inédita na igreja do Vaticano. Já João Paulo II, por altura do Jubileu da Igreja, no ano 2000 [o que acontece no fim de cada quarto de século], pediu perdão “por todos os males causados pela Inquisição Católica à Humanidade”.

Se é verdade que “um pedido de perdão não indemniza prejuízos”, também não é menos verdadeiro que ter a consciência de os ter provocado… já é ter alguma coisa de positivo para partilhar com o ofendido. O que é preciso é que a instituição que se penitencia pelos males provocados na sociedade onde se instala, não venha a repeti-los… o que não é inteiramente líquido.

No Canadá, perante milhares de indígenas, o Papa reconheceu a responsabilidade da Igreja Católica num sistema em que “as crianças sofreram abusos físicos, verbais, psicológicos e espirituais”.

Os pedidos de perdão foram feitos, particularmente, pelos crimes cometidos nos internatos para crianças geridos pela Igreja Católica, e lamentou que alguns dos seus membros tenham “cooperado” em políticas de “destruição cultural”.

“Estou triste. Peço perdão”, disse Francisco I a milhares de indígenas em Maskwacis, no Oeste do Canadá. “Um erro devastador”, foi como o Papa rotulou os abusos cometidos pela Igreja contra os povos indígenas do Canadá. Concretamente, o Papa pediu perdão por, entre os finais do século XIX e a década de 1990 (um período de cem anos) terem sido recrutados, à força, cerca de 150.000 crianças indígenas que foram distribuídas por mais de 130 instituições católicas numa operação de lavagem cerebral, isolando-as das suas famílias, da sua língua e da sua cultura, atropelando a dignidade a que tinham direito e destruindo-lhes a identidade. Para além disso, pelo menos 6000 crianças teriam morrido vitimadas por maus tratos infligidos nessas instituições religiosas.

Em 2021 foram descobertas “mais de 1300 sepulturas anónimas perto dessas escolas católicas, o que provocou uma onda de choque no país, levando, lentamente, a abrir os olhos para este passado descrito como genocídio cultural por uma comissão nacional de inquérito”.

Francisco admite que “as políticas de assimilação acabaram por marginalizar sistematicamente os povos indígenas. As suas línguas e as suas culturas foram denegridas e suprimidas”.

Não é só a Igreja que tem de pedir perdão por casos desta índole. Também é necessário que Xi Jinping, presidente da China, o faça aos povos que persegue (e deixe de perseguir), não só no Tibet, em Macau e Hong Kong, mas também pelo genocídio do povo Uigure submetido a “doutrinação” e a maus tratos no sentido de lhes destruir a identidade étnica “reeducando-os”… o que é crime!

Francisco I tem consciência histórica e humanista… Xi Jinping… não!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

7 de Novembro, 2022 João Monteiro

A Guerra

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

Na Europa alastra uma guerra que na Ucrânia ensombra a vida de crianças, mulheres e homens, e de muita gente com idade avançada que mal consegue deslocar-se com a intenção de fugir à morte violenta, não sabendo como nem para onde ir, na expectativa de conservar a vida.

Para trás ficam ruínas de cidades com corpos mortos nas ruas como assinatura do Exército Russo apostado em cumprir as ordens do seu chefe supremo Vladimir Putin, na aniquilação de um povo e de um país. Exército que também comporta cerca de 10 mil (número anunciado pela imprensa) assassinos profissionais Chechenos, aos quais estão colados os adjectivos de sanguinários, cruéis e impiedosos.

A Igreja Católica tem como líder um homem com um carácter único, impossível de encontrar, sequer parecido, na colecção de Papas recentes. Francisco I (F1) tem demonstrado ser um homem comum, sem tiques de superioridade nem de figura cimeira, dispensando mordomias habitualmente concedidas a um Papa como se fosse um animal raro com o rótulo de “representante de Deus na Terra”.

F1 tem-se afadigado na tentativa de convencer os responsáveis pelo fazer da guerra a fazerem o contrário: a desfazê-la!…

“A guerra é sempre cruel e desumana” disse F1 em reacção às notícias do massacre de Bucha, e afirmou-se “disposto a fazer tudo o que puder” para que se ponha fim a esta guerra tão estúpida por todas as razões e mais uma: a de russos e ucranianos serem povos irmãos.

Considerou, até, viajar a Kiev ou encontrar-se no Médio Oriente com o líder da Igreja Ortodoxa Russa que tem relações de amizade com o ditador Vladimir Putin, candidato a imperador em tempo de não haver impérios.

No plano diplomático F1 está a tentar contribuir para o fim desta guerra ignóbil como são todas as guerras e cujos resultados são sempre a crueldade da morte impossível de se entender por quem defende a Paz. A realidade deste conflito, por se encontrar em variadas geografias diferentes das nossas, tem alicerces que se aprofundam em situações sociais, históricas e antropológicas muito diversas das que nos são familiares no Ocidente e que ditaram a nossa formação humanística.

Esta realidade faz com que o Papa e outros agentes políticos apostados no fim da guerra, tratem este conflito com pinças, evitando ferir sensibilidades tão irritáveis. Nesse sentido F1 já cancelou o seu esboçado encontro com o patriarca Ortodoxo Cirilo (acusado de ter ligações com a KGB durante boa parte do período soviético), o qual apoia a invasão Russa da Ucrânia!

O diálogo inter-religioso nunca foi fácil. E se pode ser compreensível a dificuldade encontrada no tratamento do tema entre credos com origens e filosofias diversas, como, por exemplo, entre Cristãos e Islâmicos extremistas, já se me afigura de difícil compreensão a discórdia sobre a “legitimação” da guerra entre dois credos Cristãos… pois, sendo Jesus Cristo o mesmo defensor da Paz e o veio-rotor de ambos os credos (Católico e Ortodoxo) na defesa da concórdia, da fraternidade e do amor concedido ao outro do mesmo modo que o desejamos para nós… resulta muito difícil compreender a tomada de posição a favor de Putin – invasor cruel da casa do vizinho – por parte do líder de um ramo do Cristianismo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

4 de Novembro, 2022 João Monteiro

Pedidos de perdão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

Neste tempo de guerra na Europa, em que um candidato a imperador fora do tempo dos impérios, invade e destrói um país vizinho, matando cidadãos inocentes na ânsia de tomar territórios para ampliar o seu “império”, dei comigo a pensar que se a Humanidade não estiver totalmente louca, o agressor terá de se sentar no banco dos réus de um tribunal competente para julgamento dos seus actos, tal como aconteceu em Nuremberga, em Novembro de 1945, a 24 proeminentes membros da liderança política da Alemanha Nazi. 

Por analogia lembrei-me da viagem que Barak Obama, enquanto presidente dos Estados Unidos da América (EUA) fez a Hiroshima em Maio de 2016. Foi a primeira visita de um presidente norte-americano ao Japão desde o fim da Segunda Grande Guerra. 

Em 6 de Agosto de 1945, já com a Guerra terminada pela capitulação dos Nazis, os japoneses continuavam o conflito, o que levou os EUA a lançarem uma bomba atómica sobre Hiroshima, provocando a destruição da cidade e a morte instantânea de mais de 70.000 pessoas, repetindo a destruição dias depois em Nagasaki, causando mais de 60.000 mortos. 

Foi notícia por demais divulgada, o facto de Obama não ter pedido desculpas por esse facto que enlutou o Japão há mais de sete décadas e que pôs fim àquela guerra. O seu objectivo foi “honrar todos os que morreram na Segunda Grande Guerra Mundial”, insistiu Barak Obama perante a pergunta se pedia perdão ao Japão pelo deflagrar das bombas atómicas. 

E era aqui que eu queria chegar para dizer que o pedido de perdão por actos cometidos no percurso que faz a História do Homem, não tendo sido apresentado pelos próprios intervenientes imediatamente a seguir aos acontecimentos, deixa de ter cabimento fazê-lo sete décadas depois… altura em que já nada significam para além da hipocrisia que representam, já que actos bélicos continuam a ser praticados com resultados idênticos, provocando sofrimento. 

Também a Igreja Católica (IC), no seu Jubileu do ano 2000, pela voz do Papa João Paulo II, dirigiu dezenas de pedidos de perdão, dos quais destacarei uns poucos: pelos males provocados pela IC aos Judeus por parte do Papa Pio XII; pelo anti-semitismo no tempo de Mussolini; por todos os crimes cometidos pela Inquisição; por todas as vítimas abandonadas pela Igreja; pelos actos praticados pelo Vaticano contra os cientistas; por queimar vivo Giordano Bruno e João Hus; pelas divisões no seio das várias sensibilidades cristãs; pelas repressões aos Protestantes e Ortodoxos; pelos pecados cometidos contra o amor, a paz e os direitos dos povos, e pelos pecados cometidos com as mulheres, os pobres e os marginalizados; e também pela inoperância da IC perante o Ateísmo (!); a Igreja Espanhola pediu perdão pela atitude nada evangélica demonstrada perante os elementos da ETA, e a Igreja da Argentina pediu perdão pelos pecados por ela cometidos durante a ditadura do general Videla. (Curiosamente a IC Portuguesa não pediu perdão algum, nem, sequer, pelo mal que fez ao poeta Bocage!). 

Até Junho de 2001 contabilizei 94 pedidos de perdão, e numa cerimónia litúrgica celebrada no Vaticano, o Papa pediu perdão pela soma de todos os pecados cometidos no passado remoto e recente. 

Pedidos de perdão patéticos, porque a Igreja que se considera modelo moral, não os deveria ter cometido. Mas cometeu-os!… É facto histórico que o perdão não elimina. 

Importante não é o perdão panfletário, mas sim a consciência que se tem do mal feito e proceder de modo a que jamais haja lugar a pedidos de perdão, não praticando injustiças. 

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
2 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Vaca é a tua mãe!…”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

A reacção violenta do actor Will Smith à piada do comediante Chris Rock, o apresentador do espectáculo da entrega dos Óscares em Hollywood, que a televisão mostrou em directo para todo o mundo interessado nas novidades da Sétima Arte, fez vir à tona da minha memória uma experiência que vivi uma vez, há muito tempo. 

Encontrava-me em casa de um amigo que recebeu a visita de um outro seu amigo, um jovem Franciscano. O seu aspecto agradou-me esteticamente, pelo hábito castanho e a sua barba ruiva longa até ao peito, cuja imagem me pareceu arrancada de um retábulo do pintor gótico Fra Angélico. Igualmente como os retábulos, o semblante daquele frade era inexpressivo. Nada de sorriso nem olhar brilhante. Embora de olhos intensamente azuis acinzentados, o seu olhar era baço e a boca não passava de um corte horizontal fazendo fronteira entre o bigode e a barba. 

Quando tenho a oportunidade de me encontrar com um religioso não perco esse momento mágico que me pode permitir aprender algo sobre religião “partidária”, já que, como ateu, não sinto a fé do mesmo modo como a sente um religioso, nem o meu espírito se deleita durante a celebração de uma missa… e enquanto leitor de religião, o que encontro nos livros que escolho é História… a qual não explica o sentimento religioso que, para mim, resulta enigmático! Na presença de um agente religioso, parto do princípio de que aquela pessoa é versada em religião e em todos os elementos que lhe são pertença e dão forma, tornando-o uma enciclopédia viva. 

Abordei o tema do sagrado, o que é matéria da minha admiração mas também do meu desconhecimento. Para início de conversa (a qual esperava frutífera) comecei por dizer que a “coisa sacra” de um, pode não ser (e habitualmente não é) o sagrado de outro que, embora sendo também religioso, “milite” noutra modalidade de fé. Exemplifiquei com o tótem (um tronco de madeira esculpida e pintada) que tem, para o índio norte-americano, o mesmíssimo valor sagrado que uma imagem de Fátima (um tronco de madeira esculpida e pintada) tem para um católico… e nenhum deles dá qualquer importância ao objecto sagrado do outro!… No entanto, enquanto peças de adoração, uma não é menos sagrada do que a outra, e para um antropólogo têm o mesmíssimo valor. Até as capelas quando deixam de ser locais de culto e são reconvertidas para qualquer outra actividade, são “dessacralizadas”… o que quer dizer que o sagrado pode deixar de o ser… ao contrário da Arte que nunca deixa de ser uma obra artística independentemente do lugar onde se encontre, quer esteja exposta ou arrecadada. 

Também as mulheres religiosas do Sri Lanka (Ceilão) adoram as vacas consideradas sagradas. Vi num documentário televisivo um grupo delas rodeando uma vaca que pastava, e quando a rês levantou a cauda (sinal de que ia urinar), elas apressaram-se a recolher a urina num copo que transportavam para o efeito… e beberam-na!… Tal acto é igualmente sagrado para aquelas mulheres… é como tomar a hóstia!… E concluí (talvez erradamente, mas com a intenção de fazer humor, como foi a anedota do apresentador da entrega dos Óscares) que se a imagem de Fátima urinasse, também haveria quem lhe bebesse a urina.

Resposta imediata do jovem Franciscano: “Vaca é a tua mãe”!

Respondi-lhe com uma sonora gargalhada, porque não há nada melhor do que o riso para responder a uma reacção (e provocação) destas. E naquele caso não aprendi nada!… Mas sublinhei o que já sabia: o fanatismo elimina o raciocínio… o que é lixado!… 

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay