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Categoria: Ciência

21 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

Ausência de fé não é fé

Há religiosos que gostam de dizer que os ateus têm fé de que «Deus» não existe, e que portanto têm tanta fé como os crentes.

É uma afirmação absurda. Ausência de fé não é ter fé, do mesmo modo que a careca não é um penteado e a saúde não é uma doença. Pode estar-se doente com gripe, arteriosclorose, varicela, diabetes, gonorreia ou cancro, mas estar saudável não é uma doença: é o estado de ausência de doença. Da mesma forma, pode ser-se muçulmano, católico, cientologista, mórmone ou budista, mas ser ateu não é outra forma de ter fé; é ausência de fé.

18 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

«Vida espiritual»

«Vida espiritual» é só um nome pretensioso para a actividade cerebral.

Aos religiosos que argumentam que os pensamentos de cada um de nós são mais do que função da matéria que nos constitui, gostaria de perguntar qual foi o primeiro animal que teve «vida espiritual» (ou «alma», já agora). Foi o nosso antepassado comum com os chimpanzés e os orangotangos? Foi o Neanderthal? Começámos a pensar de modo diferente com o Neolítico? Antes? Depois? Quando?

17 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

O agnosticismo superficial

Há um certo agnosticismo superficial que os crentes tentam, por vezes, invocar a seu favor. Parte da premissa de que «a ciência não pode refutar a existência de Deus», se esse «Deus» encolher para dimensões deístas (iniciou o universo e remeteu-se à inactividade) ou ainda menores (existe fora de um universo que não criou mas que observa sem fazer nada). Tendo lidado com a contradição entre ciência e teologia dessa forma superficial, alguns crentes partem depois para uma defesa dos dogmas das religiões reveladas, ou, quando é a política que lhes interessa, para uma defesa dos valores morais mais ou menos reaccionários das igrejas tradicionais.

Acontece que da premissa de que a ciência tenha dificuldade em dizer algo sobre um «Deus» situado fora do universo não se segue, em primeiro lugar, que a religião tenha algo de válido a dizer sobre essa mesma hipótese. Em segundo lugar, ao agnosticismo face a um «Deus» indetectável deveria seguir-se uma equidistância face às diversas religiões com ele compatíveis, e até a oposição às religiões que se acham «reveladas» (para nada dizer dos respectivos valores morais).

No entanto, deve sublinhar-se que se os humanos criadores das diversas religiões reveladas tivessem inventado deuses meramente ausentes, e tranquilamente exteriores ao universo, jamais teriam tido sucesso. Esses deuses nunca teriam garantido as formas de relação com os falecidos que constituem o apelo maior comum a tantas religiões, ou os argumentos de autoridade que permitiram aos sacerdotes aliar-se aos poderes políticos. A crença no «Deus» ausente, no fundo, só serve mesmo para fins de credibilidade filosófica.

15 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

Nota sobre o acaso

Os crentes costumam afirmar que, na ausência de crença em «Deus», «nós estamos aqui por acaso». Esta afirmação presta-se a confusões.

Em primeiro lugar, os crentes costumam englobar no «acaso» dois conceitos distintos: a aleatoriedade e a ausência de propósito ético. Fazem-no porque na sua cosmovisão a distinção não existe ou é nebulosa, uma vez que atribuem ao universo simultaneamente uma criação divina (que inclui as leis que o regem), e um propósito ético, que remetem para a mesma entidade.

No entanto, a existência do nosso planeta, da nossa espécie animal, ou de cada um de nós individualmente, considerados os constrangimentos das leis físicas e as inevitabilidades dos sistemas biológicos, é tanto um acaso como a verticalidade da queda do meu telemóvel se eu o largar no ar. Não são acasos no sentido de aleatório.

E a existência da nossa espécie tem tanto propósito ético, à partida, como a existência dos chimpanzés ou dos caranguejos. O desenvolvimento de uma linguagem complexa, e depois de uma cultura, convenceram-nos do contrário. E quem conta estórias grandiosas, mesmo que falsas, engana os incautos.

10 de Janeiro, 2008 Carlos Esperança

Andar aos gambozinos

Na minha infância soía enganar os pacóvios com um animal imaginário que habitava os campos das aldeias. Havia sempre um pateta disponível para segurar um saco junto de um buraco de qualquer parede, enquanto os foliões iam tocar os gambozinos que viriam parar ao saco que o idiota segurava e logo fecharia quando os ditos entrassem.

Era a chacota que o esperava quando, farto da demora, desistia e voltava á aldeia. Não sei como uma ideia tão próxima da de Deus não deu origem a uma cadeira universitária, a Gambozinologia, tão próxima da teologia, uma ciência sem objecto.

Se a ideia lograsse o êxito da invenção de deus, teríamos hoje gambozinólogos de muito prestígio que nada ficariam a dever aos santos doutores da Igreja e aos eruditos teólogos que fazem a exegese de textos pouco recomendáveis onde os instintos mais primários dos homens contaminaram o deus que inventaram.

Certamente que, à semelhança de Agostinho, o santo que inventou o Limbo para as almas das crianças não baptizadas, teríamos gambozinólogos a estudarem a vida dos gambozinos, filhos de virgens, espetados em cruzetas para salvação dos outros, que se fingiam mortos durante algum tempo e ressuscitariam ao terceiro dia.

Hoje, quando perguntassem a uma criança, quem fez o mundo ela responderia com a maior convicção: foram os gambozinos que ao 7.º dia descansaram.

28 de Dezembro, 2007 ricardo s carvalho

“o homem”: criação especial de deus…ou não?! (2)

«[…] Os macacos sabem fazer contas de somar de cabeça tão bem como qualquer estudante universitário – é a conclusão de um estudo de Elizabeth Brannon e Jessica Cantlon, da Universidade de Duke (nos EUA), publicado na revista online “PLoS Biology” […]

Se os macacos tocassem na caixa com a soma correcta, eram recompensados. Já em relação aos estudantes, foi-lhes pedido que escolhessem a soma correcta sem contar os pontos individualmente. Os humanos acertaram em 94 por cento das vezes, contra 76 por cento nos macacos, mas o tempo de resposta foi idêntico em ambas as espécies (cerca de um segundo).

Já se sabia que humanos e animais partilhavam a capacidade de representar mentalmente números e de os comparar, mas desconhecia-se se os animais também sabiam fazer operações mentais de aritmética. Quais são as origens evolutivas da aritmética? […]»

(PÚBLICO.PT -- 18.12.2007)

28 de Dezembro, 2007 Ricardo Alves

Sam Harris lança o «Projecto Razão»

Sam Harris, depois do sucesso do seu primeiro livro e da publicação de um segundo, prepara-se para lançar uma fundação («The Reason Project») dedicada a «difundir o conhecimento científico e os valores laicos» na sociedade, com o propósito de contribuir para a «erosão (…) do dogmatismo, superstição e fanatismo». A fundação contará, no seu conselho consultivo, com figuras como Richard Dawkins, Daniel Dennett, Rebecca Goldstein, Ayaan Hirsi Ali, Steven Pinker, Ibn Warraq e Steven Weinberg, e promoverá conferências, produzirá filmes e fornecerá bolsas.

Em muitos casos, o ateísmo militante é uma porta de entrada para a militância laicista ou para a divulgação científica. Em Setembro, na conferência da Atheist Alliance (aqui referida pelo Ricardo Silvestre e pelo Helder Sanches), Sam Harris mostrara já ter compreendido que a religião não vai desaparecer, talvez nem no século 4º da era iluminista, e que os ateus, de facto, têm pouca apetência para «converter» crentes. Efectivamente, não existem, em todo o mundo, muitas organizações ateístas. Os ateus que decidem associar-se optam ou pela intervenção política laicista, ou pela difusão do pensamento crítico e céptico (nalguns casos, pelos dois caminhos), em ambas as situações misturados com outros que não são ateus ou não se definem nesses termos. Em Portugal, temos a Associação República e Laicidade e a Associação Cépticos de Portugal.

6 de Outubro, 2007 Ricardo Alves

A ciência explicará a religião

Todos imaginamos o nosso corpo, e carregamos connosco uma imagem dele. Há pessoas que já descreveram situações em que se «sentiram» fora do próprio corpo e o «observaram». Algumas dessas situações são patológicas (epilepsia, acidentes vasculares cerebrais), outras induzidas por substâncias alucinogéneas, outras acontecem na sequência de acidentes.

Recentemente, alguns cientistas tentaram induzir essas experiências em pessoas, utilizando técnicas de realidade virtual. Os resultados indicam que a sensação de estar fora do próprio corpo pode ser induzida por um «conflito multi-sensorial» entre a informação que chega ao cérebro.

Estas «experiências extra-corpóreas» poderão explicar uma boa parte da religião, particularmente a ideia (recorrente em muitas tradições religiosas) de que o «eu» (a corrente de consciência que o nosso cérebro produz continuamente) é, de alguma forma, separável do corpo. Concorrem, com o medo da morte, para explicar a obsessão com a «alma». E banalizam as experiências místicas reportadas por monges budistas, as «revelações» alegadas por Paulo de Tarso e Maomé, ou a «meditação transcendental».

Um dia, a ciência explicará a totalidade da religião.