18 de Fevereiro, 2011 João Vasco Gama
Fontes fidedignas, e Evangelhos – III
No primeiro texto a este respeito concluí que, para que um conjunto de relatos mereça muita confiança em relação à descrição de um ou mais eventos, estes devem corresponder às seguintes condições:
-serem feitos por quem observou o(s) evento(s)
-serem recentes face ao(s) evento(s) descrito(s)
-serem feitos por parte desinteressada
-serem de fontes independentes entre si
-serem consistentes
No texto anterior abordei a posição da generalidade dos académicos que estudam este assunto face ao cumprimento, ou não, das primeiras duas condições. Concluí afirmando que a maioria dos académicos acredita que os evangelhos não foram escritos por quem observou os eventos, e a quase totalidade acredita que os evangelhos a que temos acesso foram redigidos décadas depois dos eventos neles descritos.
Basta que uma condição entre várias não se cumpra para que a conjunção delas fique por cumprir. Ainda assim, pretendo analisar neste texto se os evangelhos verificam as duas condições seguintes – serem da autoria de parte desinteressada, e serem de fontes independentes entre si.
Independência das Fontes
Tanto quanto se sabe, os evangelhos emergem da comunidade cristã, que, apesar da seperação geográfica e da informalidade da organização inicial, mantém um grau de união no que diz respeito aos ritos, às crenças, aos valores, que o concílio de Jerusalém procura consolidar. Esta origem, por si, é suficiente para rejeitar a independência destas fontes umas face às outras.
Acrescente-se que, no que diz respeito à origem dos evangelhos segundo S. Lucas e segundo S. Mateus, a maioria dos académicos subscreve a hipótese das duas fontes, segundo a qual os mesmos teriam sido baseados no evangelho segundo S. Marcos e num hipotético documento Q ao qual não temos acesso. Outros subscrevem a hipótese das quatro fontes, onde novamente os evangelho segundo S. Lucas e S. Mateus teriam sido baseados no evangelho segundo S. Marcos, no documento Q, e ainda em outros dois documentos aos quais não temos acesso. No que diz respeito ao evangelho segundo S. João, poucos disputam que o seu autor teve acesso aos restantes evangelhos.
É assim claro que os quatro evangelhos não constituem várias fontes independentes.
Autoria desinteressada
Creio que poucos disputarão o incumprimento desta condição. Ela acontece a dois níveis. Em primeiro lugar, mesmo que os evangelhistas tivessem procurado aferir e descrever os factos de forma independente e desinteressada, ser-nos-ia sempre impossível garantir que o tivessem conseguido. Aliás, são os crentes cristãos os primeiros a laudar a componente transformadora e radical da «Fé em Cristo», e o seu impacto emocional profundo.
Em segundo lugar, nem sequer era essa a intenção dos autores dos evangelhos. Estes foram escritos não com o propósito de efectuar uma descrição desinteressada dos factos ocorridos, mas sim de apelar à conversão dos povos à «Fé em Cristo». Nesse sentido, dada a autoria e o propósito, os evangelhos não se limitam a não cumprir esta condição – eles estão o mais longe possível do seu cumprimento.