26 de Novembro, 2024 João Monteiro
Poesia de António Gedeão – Química
Continuando na senda de homenagens ao professor e divulgador de ciência Rómulo de Carvalho, hoje trago um poema de António Gedeão, pseudónimo com que assinava as suas obras poéticas. Um dos poemas que mais admiro é “Lágrima de Preta”, pela capacidade de entrelaçar com mestria a química com os princípios da igualdade e do humanismo. Este é, pois, um poema anti-ódio, anti-preconceito e anti-racismo. Um poema que merece ser recordado e divulgado nos dias conturbados de intolerância que vivemos.
Este poema encontra-se no livro “Máquina de Fogo”, publicado em 1961.
Lágrima de Preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão