9 de Agosto, 2012 Carlos Esperança
ACERCA DA “INFALIBILIDADE” PAPAL
Por
ONOFRE VARELA
Os papas são homens como você, eu e o meu avô.
O meu avô, que era padeiro, por muito bom pão que fabricasse, não tinha só opiniões sapientíssimas. O mesmo acontece aos papas, por muito boas missas que celebrem.
Opinar é sempre um risco pela variedade de sensibilidades daqueles que ouvem ou lêem a nossa opinião e a analisam de outro ângulo, que é o seu ponto de vista. Não acredito que haja quem opine sobre o que não sabe. Todos os opinadores o fazem sobre aquilo que sabem ou “julgam saber”, o que pode não coincidir com o saber autêntico, mas estão protegidos pela presunção de saberem. Eu incluído.
Nesse sentido, o maior disparate proferido por alguém, coincidindo com o ponto de vista do outro, é, por este, entendido como coisa sapientíssima… embora não passe de disparate!
O inverso também é verdadeiro. A maior verdade que alguém profira, se não for aferida pelo entendimento do outro, acaba por se perder como verdade que é, e pode ser transformada numa mentira irrelevante ou incómoda, a não merecer qualquer crédito.
Exemplos destes, carregados desta negatividade do descrédito de relevantes verdades científicas, fazem a história negra da Igreja Católica (e de todas as religiões), o que se comprova com a trágica história de Galileu.
Na hilariante efabulação dos religiosos, em matéria de fé ou moral (os costumes), o papa goza da “Assistência Sobrenatural do Espírito Santo” (coisa perfeitamente ridícula), o que o preserva do erro, assim a modos como a vitamina C nos preserva da gripe. Esta “infalibilidade” (ia dizer infantilidade!…) criou os dogmas, que são “verdades imutáveis e infalíveis” para serem aceites pelos fiéis, com os olhos fechados e o cérebro lacrado.
O papa, como homem que é, é tão, ou mais, falível, do que o Orçamento Geral do Estado. Mesmo assim, desde o ano 90 dC que a infalibilidade papal é afirmada, e o papa Clemente I garantia falar “em nome do Espírito Santo”. No século XI afirmou-se, e registou-se para todo o sempre, que o papa “Nunca errou e não errará nunca”, frase copiada nove séculos depois, por Cavaco Silva, na versão “Nunca tenho dúvidas e raramente me engano”!
Num mundo onde tudo é temporário, mutável e falível, afirmar uma enormidade destas, só é possível na cabeça de um cavaco, ou de um crente, num tempo em que o “saber” era religioso. Quer dizer, num tempo em que o saber não era saber algum…
Hoje há uma instituição que produz saber: a Ciência. Mas os papas continuam “infalíveis”!… Não por serem ignorantes, já que ignorância é coisa que não existe nas cúpulas da hierarquia da Igreja… mas por necessidade de alimentarem a ignorância na cabeça dos crentes-militantes-de-base, para resguardo das suas lautas refeições, poderes temporais e mordomias sociais (sempre o poder terreal!).
Às vezes os papas (e outros religiosos) até opinam acertadamente! Mas a Maya faz a mesma coisa com o Horóscopo! Aliás, acertar de vez em quando, não é difícil: reparem que até um relógio parado acerta nas horas duas vezes por dia!
Os homens são todos tão iguais, têm atitudes tão previsíveis, que o difícil seria não se acertar em alguns prognósticos. Mas os papas têm um azar dos diabos… acertam menos do que a Maya!
Em matéria de “disparates infalíveis” proferidos pelos papas de todos os tempos, atente-se nestas autênticas pérolas de disparates papais, lembrados pelo filósofo espanhol Fernando Savater (Jornal El País, 5/11/2005):
Em 1791, como resposta à proclamação dos Direitos do Homem pelos revolucionários franceses, o papa Pio VI afirmou que “não se pode imaginar maior disparate do que entender que todos os homens são livres e iguais”.
Em 1832, o papa Gregório XVI sentenciou que “a liberdade de consciência é um erro venenosíssimo”. Tal sentença foi reafirmada por Pio IX, em 1864, condenando os principais erros da modernidade democrática, entre os quais incluía “a liberdade de consciência”.
Em 1888, Leão XIII, sentado no trono da Igreja Católica, proferiu mais um dos infalíveis disparates papais: “não é lícito defender ou conceder uma liberdade de pensamento, de imprensa, de palavra, de ensino e de culto, como se fossem direitos naturais do homem”. (Como se vê, os extremistas islâmicos que vociferam contra caricaturas, a liberdade de expressão e a igualdade da mulher, não inventaram nada.
Os papas já sabiam tudo há muito mais tempo!).
E Pio X, em 1906, tentou fulminar a lei francesa que determinou a separação entre Igreja e Estado, declarando que “a necessidade de separar Estado e Igreja é uma opinião falsa e mais perigosa que nunca, porque limita a acção do Estado, apenas, à felicidade terrena, descuidando o que deve ser a meta principal dos cidadãos, que é a beatificação eterna para além desta breve vida”. Esta beatitude parece ter sido a semente que produziu a erva daninha social chamada Escrivá de Balaguer, que já tem estátua a enfeitar a fachada da sede da multinacional Igreja Católica, no Vaticano.
Perante tais disparates, que dizer das minhas opiniões? Não direi que serão conclusões enciclopédicas… mas, no mínimo, perante as baboseiras solenemente proferidas do trono do Vaticano, sinto-me com o direito de, igualmente, dizer o que entendo da matéria, mesmo correndo o risco de proferir algum disparate que, a sê-lo, não molestará ninguém porque será um disparate sem a oficialidade dos disparates papais.
Isto mostra que o disparate é livre e está universalizado. A Humanidade tem caminhado de disparate em disparate e já, por variadíssimas vezes, atingiu o disparate total. A maioria delas conseguiu-o pela via das religiões.
A Igreja precisou de esperar que o cadeirão de onde foram proferidos tais infalíveis disparates fosse ocupado por Paulo VI para, no Concílio Vaticano II (1962-1965), finalmente reconhecer “a liberdade de consciência a que todas as pessoas têm direito, a qual não deve ser coarctada nem pelo Estado nem pela Igreja”!
Onofre Varela.