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Categoria: Ateísmo

12 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

BÍBLIA E EXTERMÍNIO (2 de 2)

Por

João Pedro Moura

“Quando profeta ou sonhador de sonhos se levantar no meio de ti, e te der um sinal ou prodígio,
E suceder o tal sinal ou prodígio, de que te houver falado, dizendo: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los;
Não ouvirás as palavras daquele profeta ou sonhador de sonhos; porquanto o Senhor vosso Deus vos prova, para saber se amais o Senhor vosso Deus com todo o vosso coração, e com toda a vossa alma.
(…)

E aquele profeta ou sonhador de sonhos morrerá, pois falou rebeldia contra o Senhor vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito, e vos resgatou da casa da servidão, para te apartar do caminho que te ordenou o Senhor teu Deus, para andares nele: assim tirarás o mal do meio de ti.”

Deuteronómio 13: 1-5

Claro! Um “profeta” ou “sonhador de sonhos” que apresente outros deuses como alternativa ao velho estratosférico hebraico só pode ter um destino: a morte redentora, por rebeldia contra o encanecido celeste.

“Quando te incitar teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo, que te é como a tua alma, dizendo-te em segredo: Vamos, e sirvamos a outros deuses que não conheceste, nem tu nem teus pais;
Dentre os deuses dos povos que estão em redor de vós, perto ou longe de ti, desde uma extremidade da terra até à outra extremidade;
Não consentirás com ele, nem o ouvirás; nem o teu olho o poupará, nem terás piedade dele, nem o esconderás;
Mas certamente o matarás; a tua mão será a primeira contra ele, para o matar; e depois a mão de todo o povo.
E o apedrejarás, até que morra, pois te procurou apartar do Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão;”
Deuteronómio 13: 6-10

Pois, tais assassínios, por motivos religiosos, também são extensivos ao “teu irmão, teu filho, tua filha, tua esposa, teu amigo”… cruelmente a serem lapidados, por mudarem de deus…

Está justificado o corte de relações que as Testemunhas de Jeová fazem aos seus familiares e amigos, que abandonem tais testemunhos…

… Só falta matarem os apóstatas à pedrada, à moda da Bíblia…

… Já sei onde os fundamentalistas islâmicos se inspiraram…

“Uns homens, filhos de Belial, que saíram do meio de ti, incitaram os moradores da sua cidade, dizendo: Vamos, e sirvamos a outros deuses que não conhecestes;
Então inquirirás e investigarás, e com diligência perguntarás; e eis que, sendo verdade, e certo que se fez tal abominação no meio de ti;
Certamente ferirás, ao fio da espada, os moradores daquela cidade, destruindo a ela e a tudo o que nela houver, até os animais.
E ajuntarás todo o seu despojo no meio da sua praça; e a cidade e todo o seu despojo queimarás totalmente para o Senhor teu Deus, e será montão perpétuo, nunca mais se edificará.”
Deuteronómio 13:13-16

Ora aqui temos mais um genocídio citadino de trânsfugas religiosos…

Desta vez, até os animais seriam exterminados!…

… E todos os despojos seriam amontoados num braseiro, “no meio da praça”…

Assim nasceu e procedeu a Inquisição contra os cátaros, no séc. XII…

Assim procede a hedionda escumalha islâmica, nas suas sanhas mais tresloucadas e assassinas…

… Quiçá, inspiradas na religião de Abraão…

“E aconteceu que, ao terceiro dia, quando estavam com a mais violenta dor, os dois filhos de Jacó, Simeão e Levi, irmãos de Diná, tomaram cada um a sua espada, e entraram afoitamente na cidade, e mataram todos os homens.
Mataram também ao fio da espada a Hamor e a seu filho Siquém; e tomaram a Diná da casa de Siquém, e saíram.
Vieram os filhos de Jacó aos mortos e saquearam a cidade; porquanto violaram a sua irmã.”
Genesis 34:25-27

Mais um genocídio para a coleção hebraica…

Desta vez foi porque violaram a irmã de um dos chefes…

… Sob a bênção do Senhor, que, pelos vistos, ficava a assistir…

“Ah! filha de Babilónia, que vais ser assolada; feliz aquele que te retribuir o pago que tu nos pagaste a nós.
Feliz aquele que pegar em teus filhos e der com eles nas pedras.”
Salmos 137:8-9

E terminamos a epopeia genocidária hebraica com este salmo, um exemplo excelso de bondade, paz e amor:

Feliz aquele que pegar nos bebés babilónios e os esborrachar contra as pedras…

Matar criancinhas tenrinhas???!!! Que mal lhes fizeram???!!!

Assim obrou o deus veterotestamentário, na sua campanha para a acomodação do seu povo hebraico, nas terras palestinianas…

É certo que tão bondosa, amorosa e pacífica entidade do jardim celestial poderia (quem lho coibiria?!) chegar mais para o lado os povos atravessados no caminho hebraico, evitando cenas sanguinárias de ódio, guerra e extermínio.

Enfim, Deus pode tudo!…

Mas não! Optou pelo excídio implacável…

…E como não há nada acima de Deus, exceto os ateus que não lhe ligam nada nem obedecem aos seus ditames, então, os religionários da Bíblia, judeus e cristãos, terão que assumir o preceituário bíblico, exicial e protetor…

Um deus de “paz e amor”, sobretudo “amor” aos inimigos…

… E os inimigos são o outro, o diferente…

Quanto ao deus neotestamentário, e seu ectoplasma messiânico, hebreu e continuador da obra emérita dos seus antepassados, também tinha um plano exterminador, como se pode ver na hiperligação abaixo…

… Mas era mais para o futuro…

http://www.diariodeunsateus.net/2013/09/06/jesus-cristo-o-exterminador-implacavel/

6 de Outubro, 2013 David Ferreira

Hóstia dominical – XII

Guardarei o meu ateísmo para mim próprio assim que mantiveres a tua
religião dentro da tua igreja. Depois de lançados ao ar, todos os conceitos
estão sujeitos ao vento e às tempestades e os teus não são diferentes de outros
quaisquer.

4 de Outubro, 2013 Carlos Esperança

Deus está em parte incerta

Deus, cansado das asneiras que fez, das maldades que praticou ou envergonhado dos seus preconceitos, afastou-se para lugar incerto e, depois da invenção da escrita, nunca mais deu sinais de vida. A Revolução Francesa veio criar um habitat incompatível com a presença divina. O sufrágio universal reduziu-o à sua insignificância e, por não se ter inscrito nos cadernos eleitorais, passou a valer menos do que qualquer eleitor.

Aqueles truques que fazia no Mar Vermelho, as brincadeiras com que embasbacava os primitivos, contrariando as leis da Física, os milagres que exibia para estupefazer os terráqueos, tudo isso foi sendo desmascarado pela ciência ao mesmo tempo que o progresso criou espaços de liberdade que um Deus violento e autoritário não suportava. Tal como o patrão que arruinou a fábrica, desapareceu, indiferente à sorte dos operários e fiéis servidores, e nunca mais foi visto nem levado a juízo.

Claro que os empregados mais devotos, os espíritos timoratos e os oportunistas mais descarados continuaram a garantir a sua existência e a ameaçar com os castigos de que ele era capaz. Procuram fabricar indigentes mentais como os que em Portugal esperam por D. Sebastião ou aliciar oportunistas com benefícios garantidos, mas sem resultados práticos.

A excomunhão e a fatwa são duas armas que permanecem carregadas de ódio; o Inferno é ainda um destino com que os clérigos assustam os incréus; a penitência e a oração continuam a fazer parte das penas suaves, sempre que meios mais expeditos não são consentidos: a lapidação, a fogueira, a decapitação, a amputação de membros, a explosão bombista e outras manifestações da justiça, aviadas a mando de clérigos com procuração divina, para supremo deleite do Omnipotente.

Ultimamente, Deus começou a imiscuir-se, em rigorosa clandestinidade, nos processos eleitorais. Em países democráticos faz pender o prato eleitoral para o lado pior, nos outros vai impedindo eleições com o argumento de que a lei divina não é passível de julgamento pelos homens. Há suspeitas de que Deus passa largas temporadas no Médio Oriente, percorre os países mais pobres de África e anda em campanha por algumas repúblicas da antiga URSS. Onde lhe cheirar a sangue, Deus não falta, para dilatar a crueldade.

Há, contudo, um método, destinado à multiplicação da espécie humana, que lhe saiu mal – a reprodução por estaca (usou um ramo ‘costela’ de um homem para o duplicar). Os humanos descobriram outro método muito mais fácil e imensamente mais agradável.

Dizem os beatos que é um método obsceno, apenas tolerável para fazer filhos e nunca para obter o mais leve prazer. Pensa-se que este método tinha-o Deus reservado para o fabrico de tratores mas os humanos apropriaram-se dele muito antes de os tratores terem sido inventados sem ajuda divina.

 

30 de Setembro, 2013 David Ferreira

Teísmo, ateísmo e agnosticismo

Um crente, um ateu e um agnóstico decidem organizar um jogo de futebol com fins caritativos. O agnóstico, que não gostava de desporto competitivo por ter receio de se lesionar, resolve ser o árbitro.

No início da partida, juntam-se os três no centro do relvado para sortear a bola e o campo. O crente, com o peito inchado de fé e esperança, olha o ateu nos olhos e diz, esfregando as mãos:

– Está no papo!

O ateu, mirando o crente de alto a baixo, retorque, condescendente:

– Tu estás mas é maluco. Como podes tu ganhar? Tu és só um e eu tenho 11 jogadores na minha equipa. Para além do mais tu só tens uma perna!

Ao que se interpõe o agnóstico:

– Prognósticos só no fim do jogo! Prognósticos só no fim do jogo! Enquanto a bola rolar, não se pode conhecer o resultado…

28 de Setembro, 2013 David Ferreira

A César o que é de César

Não sei o que mais me aborrece no abominável César das Neves. Se aquele ar insosso de cordeiro manso desmamado a hóstia e água benta, se o seu discurso bolorento impresso em pergaminhos que o progresso civilizacional se encarregou de apodrecer. Ambos me provocam uma náusea profunda e, a julgar pela avalanche de insultos com que as suas crónicas são mimadas, sou apenas um de muitos.

Em longa entrevista ao Jornal de Notícias de hoje, a personagem revela toda a sua ideologia reaccionária, que impressiona não tanto pela incapacidade de análise objetiva e lúcida sobre as realidades sociais, mas sobretudo pelos motivos que levam a que seja dado tanto relevo a esta caricatura antropóide nos meios de comunicação social.

Abstenho-me de comentar as suas análises académicas acerca de economia, as quais, não tendo formação ou conhecimentos que considere consistentes nesta área, e sendo mantido, como a maioria dos cidadãos, num permanente limbo inconclusivo pelo excesso de propaganda política e opinião ideológica facciosa que deliberadamente minam o juízo e confundem o espírito crítico, deixo à consideração de quem domina a matéria.

É em todo o esplendor que o pusilânime vaticinador se solta por momentos da cruz, oxigena as chagas e dá folga ao cilício, para se apresentar à nação como o profeta do retrocesso civilizacional, redimindo-se, como sói, em nome da salvação a que tanto aspira. Critica o que ele designa de certas elites que se manifestam nas ruas única exclusivamente por interesses partidários e institucionais, onde se incluem professores, funcionários públicos e, pasme-se, até médicos, esquecendo-se que faz parte de uma obscura elite fidalga que perdeu significância após abril e que tem vindo, aos poucos, a conquistar terreno, em estreito conluio com uma determinada hierarquia católica, alcançando um peso enorme durante a década de noventa do século passado e cuja ideologia é hoje em dia transversal a todas as mais importantes instituições nacionais, com tiques tirânicos mas sempre abençoados, das forças de segurança às faculdades, dos tribunais à comunicação social.

Revela ao mundo que nestas hipócritas manifestações de indignação social não estão presentes os verdadeiros pobres (e como gostam os senhores, ele e o seu dono, dos pobres!), seja qual for o critério que o Espírito Santo que lhe anima a caixa craniana utiliza para definir a pobreza, mas apenas os que ficaram com a barriga um pouco menos cheia, esses que, imbuídos do intrínseco espírito parolo nacional, aceitaram compulsivamente, salivando, a galinha mais gorda que a da vizinha, que lhes ofereceram com um verdadeiro e honesto sorriso capitalista.

Um bom reaccionário, saudosista do sal e do azar e da vergastada no lombo com verga de cerejeira, não dispensa a caridade com que alivia o peso da consciência, por isso gosta tanto de pobrezinhos, mas dos que não se manifestam nem se revoltam, por tal ser pecado aos olhos de quem faz criação de carneiros obedientes, alimentados a esperança e a “Sim, senhor! Ai, senhor!”. Por isso propõe, inteligentemente, mais um resgate, que é como quem diz, mais uma fornada de pobres para alimentar as pias almas caritativo dependentes, assim como as filas de bocas cariadas que se acotovelam, à míngua de sopa, em frente às igrejas, a ver a cruz ao fundo da fila.

Já em final de entrevista, a ressacar as dores da crucificação, prega-se de novo à cruz e sangra as chagas, preparando-se para traduzir a mensagem da pomba que, entretanto, lhe voltara a pousar no leigo frontispício por escanhoar.

Interrogado sobre as observações do novo Papa relativamente ao aborto e à homossexualidade, opina, como bom apologista cristão, que tem que se saber interpretar bem o sentido das coisas e que este Papa vem de paragens diferentes, de uma cultura diferente. Vê-se, e sabemo-lo, que não partilha da mesma opinião, mas um bom carneiro nunca critica o pastor. Então divaga. Aceita a descarga teológica, mas não engole. Cospe e deita fora, ficando apenas o sabor a incenso e mirra a escorrer-lhe dos beiços.

Continua para bingo e doutrina que matar uma criança no seio da mãe não é uma coisa que possa ser boa em qualquer circunstância. Como se as próprias mães não o soubessem ou o não sentissem. Como se as mulheres abortassem alegremente e por prazer. Como se o ato medicamente assistido fosse pior que o alguidar de uma qualquer vidente ou bruxa em part time de parteira. Remata forte, em jeito de remissão dos dislates, e marca golo na própria baliza: “Que essa desgraçada, depois de ter feito isto, tenha de ser acolhida e acarinhada, com toda a certeza.” Essa desgraçada!… Diz essa, a distanciar-se, logo a julgando como desgraçada, a substituir-se ao Mestre. Sabemos hoje que o excesso de benzeduras conduz à artrose cerebral…

Para finalizar, diz que a homossexualidade é um desvio sexual que está a tentar fingir que não é… E que fosse? Que tem esta gente contra quem nasce diferente? Ou contra quem escolhe ser diferente? Não são estas pessoas dignas do amor do seu Senhor que dizem ser o amor em estado puro, seja lá o que isso for? Ou do respeito dos seus concidadãos e semelhantes? Que medo reprimido afeta assim tanto esta gente ultraconservadora? E porque não os vejo serem tão diligentes na crítica aos pederastas que abundam na instituição que tanto defendem cegamente? Não considerarão eles a pederastia um desvio sexual? Ou será que somente dentro de uma sotaina se pode aceitar a lascívia, porque santificada?

Dizem que disseram, que disseram, que alguém disse, que Jesus disse: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Demos, pois, nós também, a César o que lhe pertence – um profundo e gigantesco desprezo.

27 de Setembro, 2013 Carlos Esperança

Irlanda dará lições sobre ateísmo em algumas escolas

Irlanda dará lições sobre ateísmo em algumas escolas

 Algo se move na católica Irlanda. Antes do verão, o Parlamento aprovou o que noutros países pode parecer uma reforma modesta para facilitar o aborto mas na república constitui uma novidade importante ao permitir interromper uma gravidez para proteger a vida da mãe. E agora chega o ateísmo às escolas. Bom, a algumas escolas: as que gere Educate Together y não estão adstritas a nenhuma fé em particular. E não é que chegue o ateísmo, mas a possibilidade de aprender o que é.

26 de Setembro, 2013 David Ferreira

Deus num tubo de ensaio

Deparo-me amiúde com a afirmação falaciosa de que os sentimentos não são susceptíveis de demonstração ou de aferição, tal como Deus. Não creio que a afirmação seja deliberadamente falaciosa com o intuito de justificar um conceito improcedente, mas apenas o resultado de uma análise superficial e dedutiva, um mero erro de perspectiva.

De facto sabemos hoje que os sentimentos são o produto das reacções químicas que ocorrem no sistema límbico, região do cérebro responsável pelas emoções e pelos comportamentos sociais, e que não são exclusivos à nossa espécie. Sabemos, de igual modo, que toda esta maravilhosa obra da engenharia do acaso não é, nem nunca foi, uma construção definitiva, mas sim a consequência de um longo processo de evolução biológica que nos foi apurando até ao estado em que nos encontramos. Toda a intrincada panóplia de componentes químicos que compõem o nosso sistema nervoso não é mais que um complexo mecanismo organizado de modo a permitir-nos a ilusão de um formato de realidade ao qual nos adaptámos e nunca o contrário, evoluindo para sobreviver. O que nos permite concluir, com toda a certeza, que o conceito de Deus apenas surgiu com o advento do aparecimento dos seres que agora designamos como espécie humana, tendo essa conceção sofrido, de igual modo, um processo evolutivo intrinsecamente relacionado com a evolução sociocultural da humanidade desde o seu estado mais primitivo, iniciado em África há aproximadamente 200 mil anos.

Habitamos um insignificante planeta que se formou há 4,54 biliões de anos perdido num Universo que surgiu há mais de uma dezena de biliões de anos. Existimos num Universo inefavelmente gigantesco, quiçá apenas um de uma infinidade de outros universos paralelos. Não obstante estas medidas astronómicas de tempo e espaço, somos menos que um grão de areia nesta imensidão de matéria e energia e um evento demasiado recente para que possamos concluir de ânimo leve que fomos criados por uma entidade infinitamente grandiosa e absoluta com algum hipotético objetivo. Quem aceitar o conceito de um criador omnipotente, e se for intelectualmente honesto e saudavelmente lúcido (excluo, à partida, todos os criacionistas), não pode fugir ao quesito pertinente que surge, inevitavelmente, após uma simples reflexão: que andou essa inexprimível entidade a fazer durante tanto tempo? Ou, para ser mais categórico, porque demorou essa entidade tanto tempo para se decidir a criar vida, ou seja, matéria consciente de si própria, e com que propósito? Obviamente não existem respostas válidas, teológicas ou filosóficas (a distinção é propositada), que satisfaçam a pertinência destas questões. E eu também não tenho respostas para propor. Só que o motivo por que não tenho respostas para elas é o mesmo que me faz ser ateu e não agnóstico. Pura e simplesmente não coloco essas perguntas. Não porque não tenham valor intelectual, mas por não serem conformes à própria realidade, uma vez que partem de conjeturas que considero surreais e não de premissas conformes à natureza dessa realidade que conseguimos apreender, seja pela razão, pela observação ou pela possibilidade de experimentação. Se divagássemos constantemente por todas as possibilidades que conseguimos imaginar de modo a responder a todos os porquês que pretendemos alcançar, desperdiçaríamos uma vida inteira sem esgotar uma ínfima parte dessas possibilidades e sem obter resultados satisfatórios.

Dirão os crentes numa realidade metafísica, imaterial, que sou eu que estou errado, que sou eu que cometo um elementar erro de análise. Mas a pergunta que lhes coloco é com que autoridade, base ou princípio me podem eles apresentar uma justificação que eu possa aceitar como credível para a existência desse mundo paralelo e inexplicável que eu afirmo apenas existir na sua imaginação? Seja qual for a resposta, ela residirá nesse incompreendido órgão que é responsável pela consciência que designamos por espírito ou alma, o nosso cérebro evoluído. É nele que todos os deuses se inventam, sempre por necessidade e sempre como solução para as questões que não sabemos responder, sobretudo porque as colocamos de uma forma errada. É nesse órgão, que existe por si próprio, que se manifestam todas as emoções e sentimentos de que necessitamos para sobreviver como espécie social, interagindo produtiva e eficazmente. E no entanto…

No entanto o conhecimento que colecionámos ao longo da nossa curta existência já nos permite responder a muitas das questões que assolam as nossas mentes constantemente em busca de se compreender, quase sempre com resultados desastrosos ou enganadores. O que me leva a não perceber o porquê de continuarmos a colocar tais interrogações, sobretudo quando muitas delas já o deixaram de ser.

Enchamos um tubo de ensaio com uma dose excessiva de dopamina e teremos um cálice de esquizofrenia; retiremos uma grande quantidade dessa dopamina e tomaremos um shot de ansiedade; enchamo-lo de novo com uma boa dose de serotonina e brindemos, inebriados de felicidade; com pouca quantidade de serotonina e dopamina sofreremos uma ressaca de depressão; façamos então um explosivo cocktail com grandes quantidades de serotonina, dopamina e oxitocina e embebedemo-nos de amor; soframos um acidente que danifique alguma área desse magnífico órgão e não seremos mais os mesmos, mudaremos existencialmente; nasçamos com algum defeito congénito cerebral e a realidade terá outro sentido; soframos agressividade externa e extrema na infância e todo o potencial que teríamos como adultos se distorcerá; tomemos qualquer tipo de droga química que não a produzida naturalmente pelo corpo e a realidade apresentar-se-á completamente distinta à nossa percepção, enquanto se mantem, no mesmo período espácio-temporal, igual ao que sempre foi para quem não a tomou; encerremo-nos numa gruta de um qualquer deserto, em pura meditação, abstendo-nos de qualquer estímulo sensorial ou da satisfação de necessidades básicas, e veremos deuses, anjos imateriais que necessitam de asas para voar no mundo material, demónios hediondos a espicaçar pecadores que se contorcem num fogo eterno, exibindo expressões de dor só possíveis na física da carne – um mundo material a materializar-se num mundo metafísico porque a entidade responsável por o elaborar evoluiu nesse sentido.

Sobre Deus nada se sabe pois nunca se apresentou à humanidade, apesar de insistentemente ouvirmos quem afirme saber o que ele pretende. E esqueçamos todas as visões transcendentais, as experiências místicas, os milagres que curam doenças curáveis ou rearranjam desordens mentais. Todos não passam de grandes embustes, de erros de interpretação, de alucinações, de acidentes químicos. Já quanto aos sentimentos, não só sabemos como e onde se originam, como sabemos o porquê de existirem. E podem perfeitamente demonstrar-se ou aferir-se. Uma vez que eles existem como reguladores de interacção social, podemos observar o resultado que as acções que eles produzem provocam nos outros, assim como podemos senti-los e geri-los a nosso bel-prazer, da forma que nos for mais conveniente. Quando não o conseguimos fazer, isso significa que ainda não atingimos a maturidade ou que algo interferiu com o normal funcionamento da máquina biológica, transtornando a experiência existencial. É nessa altura que quem se sente incompleto ou deslocado procura ajuda ou salvação, porque não compreende ou não se compreende.

Podemos não ter todas as respostas, mas as que temos são suficientes para solucionar muitos dos problemas que apenas existem porque insistimos em colocar questões que há muito estão respondidas, tendo por isso deixado de o ser. E é uma pena que nem toda a gente tenha acesso a elas ou que não as saiba compreender e, muitas vezes, aceitar.

Quer queiramos quer não, não passamos do resultado da interação de complexos processos químicos que ocorrem dentro do tubo de ensaio craniano e que nos dão a noção de ser. Deus, como qualquer sentimento, sonho, ilusão ou suposição, apenas se manifesta nesse espaço restrito e confinado. Mas se o sentimento tem um resultado prático, já Deus é apenas uma questão que se vai sumindo aos poucos à medida que a respondemos, tornando-se desnecessária tanto para explicar como para compreender.

20 de Setembro, 2013 Carlos Esperança

O Papa Francisco e a Igreja católica

Agora que, com este papa, “a misericórdia de Deus chega aos ateus” é altura de os ateus terem misericórdia por uma Igreja cujo passado, à semelhança das outras, teve um velho comportamento de intolerância, perseguições e interditos.

As Igrejas, na obediência aos seus deuses, entidades que conseguem reunir em si tudo o que de pior os homens são capazes, foram sempre entraves ao progresso e detonadoras do ódio entre os adeptos de deuses rivais.

Cada uma das Igrejas julga que o deus de qualquer outra é falso. E nisso têm certamente razão. É esse ponto comum, que nos une, que convém exaltar . Os ateus só consideram falso mais um deus e uma religião mais. No fundo somos todos ateus.

É salutar que ninguém reclame superioridade moral e que aprendamos todos, com os erros, a partilhar o planeta comum e os seus recursos.

Espero que a abertura do atual papa ao mundo moderno não seja um golpe jesuítico mas uma genuína vontade de aceitar o património herdado do Iluminismo, uma compreensão sobre os valores da Revolução Francesa que trouxeram ao mundo o humanismo que não se encontra nos livros sagrados de qualquer religião.

Há crentes com incontestáveis qualidades humanas, tal como os ateus, e, nuns e noutros, há exemplos de perversidade que urge erradicar. Que Deus exista ou não é uma questão que só interessa aos funcionários religiosos e aos exaltados da crença.

Será assim tão importante que se acredite num ser hipotético ao ponto de haver quem se disponha a matar e a morrer para o impor? Ou há princípios humanistas que devem ser comuns a todos os homens, a começar pela defesa da igualdade de género e a acabar na luta comum contra o racismo, a xenofobia e o tribalismo?

Recordo um verso de uma balada: «se todos os homens do mundo quisessem dar-se as mãos…»

18 de Setembro, 2013 Carlos Esperança

Promiscuidade entre a política e a religião

DSCN0020Este painel ornamenta a parede da Junta de Freguesia de santo António dos Olivais, em Coimbra.

Na igreja, da outra parte do largo, não é permitido colocar uma foto de Afonso Costa.

12 de Setembro, 2013 David Ferreira

11 de Setembro de 2001 – In memoriam

As memórias são como os vinhos. Evoluem com o passar do tempo. As boas apuram-se, tornando-se inesquecíveis, e as más avinagram-se, tornando-se igualmente inesquecíveis. Ambas são fruto de condições particulares. E só prevalecem as que se extremam porque fogem à norma.

11 de Setembro de 2001. O calor de Díli envelhece prematuramente o corpo e a vontade. Os corpos, moldados às diferentes estações europeias, soporizam. Tolda-se o juízo que o ai-manas* se encarrega de espevitar, acicatando a língua e espevitando a libido. O excesso de humidade sufoca e a pele é um filtro em permanente sudação.

O restaurante City Café é um dos locais mais “in” da capital de Timor Leste, local onde diariamente se reúnem as tribos de burocratas das Nações Unidas, civis e militares, para destilar a fadiga da rotina extenuante em que se tornara a construção de um novo país. O dono, um português que não resistira às maravilhas do oriente, um simpático anfitrião sempre disponível a receber quaisquer convivas provenientes de países tão distantes como distintos, partilha um sorriso amistoso e jovial, mesa a mesa. Como denominador comum da satisfação geral, uma cozinha aportuguesada, que tem tanto de saudade na apresentação como de deslumbre no tempero.

Celebrávamos a partida antecipada para o “puto” de uns camaradas nomeados para a frequência inadiável de um curso profissional. Na sala privada exibe-se uma enorme tela, fixada, ao fundo. Um quadro branco, inexpressivo, a diluir-se no branco da parede que parece fundir-se com ela ao fim de uns quantos copos de uma boa cepa lusitana. E eis que, por entre brindes de despedida e a mastigação de inesquecíveis crustáceos pincelados a fogo terrestre oriental, entra repentinamente no animado cubículo reservado o dono do restaurante, visivelmente perturbado.

– Liguem a televisão!

– Que se passa?

– Está a acontecer um ataque aos Estados Unidos da América!

– O quê?

– Isso mesmo. É o que parece.

A empregada timorense liga a televisão e a tela exibe uma das torres do World Trade Center a fumegar profusamente, como um gigantesco fósforo aceso que o vento soprara. E com o fumo se foi o jantar, perante o olhar boquiaberto dos comensais.

Haveria de passar o que restava da noite a digerir o faustoso jantar em frente a um ecrã convencional, a descrer do que via, qual crente. Há realidades que nem o sonho mais maquiavélico pode antecipar.

Recordo o meu pensamento após a queda da primeira torre: “Isto é uma implosão!” Recordo o que senti após a queda da segunda torre e, sobretudo, após a queda matematicamente simétrica do edifício anexo que não tinha sido atingido por nenhuma aeronave: “ Não me lixem! Isto são implosões!”

Sem o antecipar, a humanidade tomava um novo rumo. Assim de rompante, entre um trago de Grão Vasco e um ardor a sol na língua. Entre o agridoce sabor do fruto da terra e a amargura de um fruto desidratado que o fanatismo semeou nos céus para colher no paraíso.

Regressado à reconfortante pacatez da Pátria Mãe, haveria de saber mais tarde que a verdade nunca nos é servida de bandeja. Que aquilo que julgamos saber é, muitas vezes, apenas aquilo que outros pretendem que saibamos. Mas também que as verdades paralelas que teorizamos como aparentemente óbvias podem não ser mais que uma bandeja cheia de enganos com que alimentamos a insatisfação de não conseguirmos saber tudo o que esses outros não pretendem que saibamos na totalidade.

A vida é como um jogo de xadrez que todos intentam ganhar. E sempre que um jogador oferece a rainha em sacrifício, tanto desconfia o adversário das reais intenções do estranho ardil com que se depara, como desconfiam as peças do jogo que, surpresas mas condicionadas pela bidimensionalidade do tabuleiro onde peleiam, apenas conseguem vislumbrar a sombra do inimigo a movimentar-se em direção a elas e nunca o gesto da mão que, por cima, noutra dimensão, o movimenta , engendrando planos para o futuro de ambos.

A verdade do jogo, essa, será sempre a do vencedor. Mesmo que seja mentira.

 

* Picante timorense