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Categoria: Ateísmo

16 de Abril, 2024 Onofre Varela

Vamos enterrar Deus?

Não. Não vamos. O meu discurso de ateu não pretende acabar com a ideia de Deus. Não é essa a minha intenção nem tal coisa é possível. São bem profundas as raízes do divino na estrutura da mente e na história das civilizações. O Homem “criou Deus à sua imagem e semelhança” porque precisou dele… e contra tal necessidade não se pode lutar irracionalmente. Mas é sempre possível lançar na mente de quem ainda alimenta a curiosidade, a interrogação sobre o porquê das coisas, incluindo nelas a sua própria fé, não se deixando embebedar pelo “medo do castigo divino”.

A cabeça do crente é o verdadeiro “reino de Deus”… fora dela, não há Deus em lado algum, nem há castigos ou prémios divinos. Deus é um conceito civilizacional para ser guardado no baú dos avós como objecto de extrema importância na História do Pensamento… aí o devemos manter com a consciência de ter sido um elemento de peso na nossa evolução e na construção das civilizações, mas hoje não passa de elemento folclórico com valor antropológico. Pertence a uma “arqueologia do pensamento” e só é usado como artimanha fantasiosa pelos industriais da exploração da fé, no sentido de burlarem os necessitados da droga do divino na convicção de que a “necessidade de Deus” é fundamental para se “viver com decência religiosa”… o que me parece indecente!…

Gianni Vattimo em 1980. Adriano Alecchi /Alamy

Tal como diz o filósofo italiano Gianni Vattimo, “chega um momento em que [as religiões] já não são necessárias. E esse momento é a nossa época, porque, como pode ver-se em muitos aspectos da vida actual, as religiões já não contribuem para uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação. A Religião acaba por ser um poderoso factor de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes” (Gianni Vattimo, filósofo e político italiano, no artigo de opinião: “É a Religião Inimiga da Civilização?” Jornal El País, 1/3/2009).

O sentido religioso não está morto nem morrerá jamais… ele é intrínseco ao funcionamento do nosso cérebro. Somos um ser religioso por excelência. Mas a “morte de Deus” vaticinada por Nietzsche é factível e pode considerar-se, já, nesta realidade actual: “o que está morto, num sentido mais profundo, são as religiões morais como garantia da ordem racional no mundo”, como diz o filósofo citado. Hoje o valor da prática de uma qualquer religião só é encontrado a nível da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia, os ramos da Ciência que estudam os complexos sistemas de crenças que formatam as sociedades.

Desformatá-las desse modelo não é tarefa fácil nem é coisa que se consiga em duas ou três gerações. Aliás… entre nós podemos aquilatar dessa dificuldade olhando para o resultado da “Revolução dos Cravos” tão acarinhada há 50 anos pela esmagadora maioria dos Portugueses que tanto a desejavam como libertadora de uma ditadura. Duas gerações depois, os inimigos dos militares da Revolução e dos ideais que a fizeram, e que são amigos do regime deposto querendo recuperar sistemas sociais indesejados por quem respeita o próximo, sobem as escadas do poder empurrados, também, por seitas religiosas!…

É um fenómeno resultante dos problemas sociais que os governos que temos tido não foram capazes de resolver… e não os resolveram por uma questão muito simples: é que nas cadeiras do Poder nunca estão sentados os melhores de nós… são os mais “reguilas” (reguila é sinónimo de “burro-armado-em-inteligente”) que se perfilam nos actos eleitorais e são votados. E nós acorremos às assembleias de voto com a mesma convicção de “obrigação satisfeita” sentida pelo católico quando toma a hóstia na santa missa!…

Os cultos religiosos só são operantes porque há uma sedimentação do pensamento do divino como resquício do nosso primitivismo. Em alguns locais deste meu lindo país, quando me afirmo ateu pedem-me para “falar baixo”, olhando em todas as direcções para comprovarem a intimidade da minha declaração! É um medo patético semeado por quase nove séculos de monarquia de mãos dadas com a Igreja medieval, adubado por 40 anos de ditadura política de braço dado com a mesma Igreja, e pouco regado por cinco décadas de Democracia que se esqueceu de prolongar no tempo o Ideal Social da Revolução dos Cravos… a qual hoje é contestada, também, pelos piores de nós!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Abril, 2024 Onofre Varela

O Negócio da Fé

A fé é um negócio como qualquer outro, e quem o explora espera obter lucro. É como vender hambúrgueres e Coca-Colas… se a loja não der lucro fecha-se a porta ou muda-se de ramo… mas as lojas que são as igrejas, estão isentas de alguns impostos, o que lhes dá alguma folga económica nas despesas. Os lucros são óbvios… a demonstrá-lo está a divulgação do santuário de Fátima que obteve um rendimento superior a 21,70 milhões de euros ao longo do ano de 2023, superando todos os números de visitantes pré-pandemia Covid: um total de 6,8 milhões de peregrinos.

A fé tem esta característica: depois de o cliente se habituar ao produto, passa a consumi-lo desregradamente (como se fosse uma droga viciante) porque foi para isso que os seus clientes compulsivos foram educados. Ao contrário do jogo e do álcool, que são viciantes e têm contra-indicações merecendo alguns recados de instituições governamentais no sentido de se ter atenção a regras, na fé isso não acontece!… Não há livro de reclamações nem manual de instruções para evitar consumo exagerado de missas e deglutição de hóstias.

O Papa Francisco I é mostrado como uma boa pessoa cheia de excelentes intenções e que quer o melhor para o mundo… não só para as comunidades da sua religião. É um sentimento universalista que só lhe fica bem, o qual ficou sublinhado em 8 de Junho de 2019, segundo notícia divulgada pelo jornal espanhol El País: o Papa mostrou-se escandalizado com o marketing comercial do santuário de Lourdes (França), onde crescem as visitas, aumentam as receitas, e os peregrinos se transformaram em clientes turistas.

Os visitantes do santuário viajam desde paragens longínquas na tentativa de ali encontrarem algum milagre que lhes alivie as vidas sofridas e cure doenças. O Papa entende que o marketing comercial de Lourdes se sobrepõe à fé, no sentido em que ele quer que se entenda a fé: na “humanização da Igreja”. Por isso encarregou o arcebispo Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, de meter mãos à tarefa de melhorar o cuidado pastoral dos santuários, a qual se inicia em Lourdes… mas presume-se que não se ficará por aí.

Foto de Milada Vigerova na Unsplash

Lourdes é considerada a “jóia da coroa dos milagres” desde que a pastorinha Bernardette Soubirous disse ter visto a imagem de Maria, há precisamente 166 anos (1858), na gruta de Massabielle. Desde então a receita recolhida em Lourdes atinge somas multimilionárias!…

Fico sem perceber a verdadeira intenção do Papa!… Não é ele o chefe de uma empresa exploradora do sentimento de fé religiosa em Deus, em Jesus, em Maria e numa panóplia de santinhas e de santinhos que enfeitam as paredes dos templos como deuses menores da medieval Igreja Católica?

Não é a Igreja a grande inventora e exploradora de milagres e fazedora de santinhos?!…

Não é ela que alimenta a fé em todas as missas, sublimando o deus alojado nas mentes religiosas?!

O Papa só agora teve consciência da exploração que a sua Igreja faz do pensamento de fé?!…

Começando esta purga por Lourdes, será que ela vai chegar a Fátima?

Que dirão os adoradores dos pastorinhos de Ourém que já os elevaram ao altar e conduziram à construção de uma basílica (que já são duas) transformando o local numa outra Lourdes… que, pelos vistos, o Papa Francisco entende ser uma vergonhosa máquina de marketing comercial para extorquir dinheiro a crentes intelectualmente indefesos?!…

Oh valha-nos Deus e o São Cricalho!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

25 de Março, 2024 Onofre Varela

Quando a crença comanda o pensamento

A Natureza dotou-nos com um tipo de inteligência que nos tornou em “Homo sapiens sapiens”, um ser superior aos restantes animais nossos companheiros de vida na Terra. Pela mesma razão somos religiosos por excelência, cuja característica nos levou à criação dos conceitos da Beleza, do Sagrado e dos Deuses (de Deus). Por sua vez, esta última encaminhou-nos para a prática de cultos religiosos tão diversificados como diversificado é o pensamento de cada um de nós perante os outros. 

Na Alta Idade Média a Igreja pretendeu (parece que ainda pretende) ser proprietária do conceito de Deus, sobre o qual, no decorrer da História do Homem e do Pensamento, erigimos civilizações… mas, na verdade, do mesmo modo como a Língua que falamos é propriedade nossa, também o conceito de Deus a todos pertence, independentemente de seguirmos, ou não, uma religião… porque os deuses (o conceito de Deus) e os cultos inerentes, são fruto da nossa invenção… logo, como representantes da espécie “Homo sapiens”… cada um de nós é “co-autor” da ideia de Deus!

Foto de Kenny Eliason na Unsplash

Na pretensão vaidosa, ignorante e prepotente, de possuir “todas as verdades”, a Igreja Católica já perseguiu e puniu com tortura e morte quem se atreveu a abordar a divindade fora do âmbito da sua fé. E o Islamismo extremista ainda hoje mata em atentados terroristas praticados em nome de Deus, com os assassinos a gritarem “Allahu akbar” (Deus é grande). No século XXI voltamos à barbárie, desta vez refinada, que os mais bem intencionados de nós já tinham arrumado nas prateleiras da História mais macabra e longínqua que tanto desilustra a Humanidade. 

Relativamente à crença é conveniente termos a noção de que crer em Deus” não é o mesmo que saber sobre Deus”. O saber precisa de conhecimento, obrigando à constante renovação das ideias, sem o que o verdadeiro saber não existe. E depois, o saber” é lento, frio e racional. A crença”, não! A crença é emotiva, ferve em pouca água e por vezes provoca danos irreversíveis. 

Na crença afirma-se sem se saber, com a mente aquecida pela emoção cega. O crente não sabe, de saber certo, aquilo que afirma saber, porque crer não é saber”. Por muito que eu “creia” que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não “souber” que ele parte às dez horas da manhã. (Se não houver greve!) 

A crença rejeita a dúvida e afirma a certeza na fé. O saber obriga à constante investigação e abertura ao que é duvidoso, novo e contraditório. Sem esta atitude de curiosidade e humildade, podemos ser crentes… mas nunca seremos sabedores. Em tudo, na vida, por uma questão de honestidade para connosco e com os outros, e até para que cada um sinta segurança no seu próprio raciocínio, é indubitavelmente preferível que se “saiba”, do que se “creia”. 

Há que dizer que as religiões também são “modos de saber”, no sentido emocional da crença. Isto é: quando “eu sei que Deus existe porque o sinto”, adquiro um “saber” que ninguém destruirá, pois o meu sentimento mais profundo me diz estar a verdade do meu lado. É este “saber” que faz a “razão” dos crentes… embora não seja saber, nem razão, na verdadeira acepção dos termos. É um “saber” que não pode ser aferido pelas ciências, nem pela razão filosófica enquanto forma de chegar a conclusões reais, porque estas são contrárias àqueles saberes que não passam da imaginação que a fé alimenta. Este “saber religioso” constrói  fundamentalistas… e alguns até são criminosos. 

OV

18 de Março, 2024 Onofre Varela

Qual é a crença dos não crentes?

Quando o jornal espanhol El País ainda se vendia em Portugal (deixou de o ser em Fevereiro de 2021), a edição do seu suplemento cultural Babélia, de 27 de Abril de 2019, publicou um interessante artigo sobre Ateísmo e forneceu uma lista de nove livros sobre o tema que, recentemente, haviam sido editados em Espanha (ou reeditados, no caso das obras de Nietzsche).

A chamada de capa era feita com esta frase forte: “En qué creen los ateos?”.

Achei curiosa a indagação porque pensei que perguntar “Em que creem os ateus?”, é o mesmo que indagar “Com que se droga quem não se droga?”, resultando na natural estupefacção: “É absolutamente necessário consumirmos drogas?!”

Bem sei que o indagador parte do princípio de que o Ateísmo é, também, uma forma de crença… uma religião!… E em parte tem razão. 

O Ateísmo é uma forma de Religião, tal como a Ciência também o é, no sentido etimológico do termo que aponta para um sistema específico de pensamento, envolvendo uma posição filosófica e ética inspirada na Razão, tendo por missão a “procura das causas”, o que se entende na origem do termo latino “religio”, no sentido de “prática correcta”, cujo plural é “religiones”; já não como Fé, mas como Conhecimento, sem qualquer conotação com a procura de deuses como se entendia na Grécia e Roma antigas, bem como na Idade Média, quando o “conhecimento” era puramente religioso. Deixou de o ser depois do “Renascimento”, quando se assentaram as bases para que fosse possível a eclosão do “Iluminismo” no século XVIII, o qual passou a ser referido pela História como o “Século das Luzes” (o termo “Iluminismo” foi uma forma de identificar uma filosofia contrária ao “Obscurantismo” dirigido pela Igreja Católica durante cerca de 15 séculos). 

Retrato de Sir. Isaac Newton, atribuído a Ernest H. Edwards (1837 – 1903)

O artigo do El País aborda questões interessantes e conclui ser difícil definir o Ateísmo e condensá-lo numa única fórmula, até porque há o “Ateísmo opressivo e claustrofóbico que reproduz as manias do monoteísmo” (em todas as filosofias, sejam religiosas ou políticas, há radicais extremistas). O seu autor (Juan Arnau) diz que os valores do Ateísmo têm algo de genético, e que não podemos renunciar àquilo que herdamos e respiramos na infância, seja a favor ou contra a Religião. De facto, cada adulto é o resultado da criança que foi. As vivências da infância não se apagam com a idade… bem pelo contrário, enraízam-se, cimentam-se e são responsáveis por muitos dos pensamentos e actos de todos nós. Quer queiramos, quer não, a Religião tem uma forte influência na nossa educação e no nosso conhecimento. 

Na mesma altura uma sondagem, também em Espanha, indicava uma percentagem histórica de não crentes na ordem dos 27%, alcançando quase 50% nos jovens; e 62% dos crentes declarava assistir a missas muito raramente. Perante esta realidade o autor pergunta: “podemos viver sem igrejas… mas, poderemos viver sem Religião? As religiões não são teorias do universo, mas sim intenções de dar sentido à experiência [de viver]. Podemos viver sem estarmos «religados» ao mundo?”

Na definição daquilo que é religioso, os antropólogos recorrem ao conceito do sagrado. As religiões não seriam um sistema de crenças, mas sim de práticas sociais; e desde o tempo de Newton a Ciência tem vindo a desalojar o sagrado da vida civil.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

14 de Março, 2024 Onofre Varela

Espírito missionário

Quando cumpri o serviço militar em Angola (de Dezembro de 1965 a Fevereiro de 1968) não tinha o interesse cultural que adquiri mais tarde, no sentido de aproveitar o tempo passado em África para me engrandecer intelectualmente.

E não foi assim por mais do que uma razão: primeiro, por não ser de minha vontade prestar serviço no Exército (conto a experiência no livro 191 – Memórias de um Soldado em Angola. Editora Verso da História, 2016 / comercializado pela Book Cover Editora). E depois, porque nos meus 20 anos de idade não tinha a maturidade de que necessitava para, naquela fase da vida, ter outro interesse que não fosse o de chegar vivo ao fim de cada dia, esquecendo (ou melhor: não sabendo) outros interesses de ordem cultural e antropológico que bem podia ter aproveitado.

Só muito depois de regressar me dei conta de ter perdido oportunidades únicas que desperdicei por desconhecimento. Estive em terra africana, no berço da Humanidade, e não vi, nem senti – do modo como, obrigatoriamente, deveria ter visto e sentido – o que me rodeava. Não só a paisagem, mas principalmente aquela gente maravilhosa que tem chocolate na pele; os seus usos e costumes, mais o entendimento que tinham das coisas e da própria vida. Um manancial de estudo antropológico que desperdicei por não estar culturalmente preparado para isso nos meus 20 anos mal vividos!

Recordo que numa outra zona – por onde não passei mas de cuja existência sabia – havia militares aquartelados na “Missão”. Era um lugar de sanzalas que rodeavam o quartel militar estabelecido num edifício que serviu de morada a missionários protestantes, daí o termo por que era referido. A partir de Março de 1961, com os violentos ataques dos guerrilheiros aos colonos, e depois com o evoluir da guerra, os missionários acabaram por abandonar a “Missão” que, só então, o Exército ocupou como quartel.

Quero aqui dizer que tenho a maior admiração pela figura de “missionário” e do consequente “espírito de missão”. Muito provavelmente terei uma visão romântica do que é ser missionário (como tinha do jornalismo… antes de entrar nas redacções dos jornais).

Foto de Ben White na Unsplash

Li relatos que me mostraram o sacrifício e a heroicidade dos missionários na ajuda de populações, desde o fornecimento de comida e prestação de cuidados de saúde, acalentando a necessária confiança no futuro a quem nada tem. Bem sei que toda essa dádiva tinha a intenção de conquistar almas para um culto religioso representado por quem prestava aquela ajuda social, com a intenção de levar os pobres angolanos a abraçarem o Cristianismo. A ajuda era só a sementeira… a colheita seria feita depois.

Só quando procurei informação sobre a atitude missionária, constatei haver uma indústria do sector!… Encontrei uma lista de 23 “empresas missionárias” que procuram jovens com espírito de missão evangélica!

Empresas que ostentam nomes como: Missionários do Preciosíssimo Sangue; da Consolata; do Coração de Maria, e de São João Baptista… e li a declaração de interesses, que diz: “Missionário é ser chamado, escolhido, separado e preparado por Deus, para levar a mensagem do Evangelho (…) com o intuito de converter alguém à sua fé”.

Esta constatação dissipou o romantismo do entendimento que eu tinha da atitude missionária, por se afirmar no acto de recrutar fiéis para uma religião (tal como se recruta soldados para um exército de mercenários), no auto-convencimento de ter havido por ali uma “mão de Deus na escolha e na preparação dos eleitos” (!!!).

Mas para além desta atitude proselitista, ficou-me a certeza de haver um espírito fraterno dos jovens generosos que se deixam recrutar para prestarem serviço em missões humanitárias em regiões como África, Ásia, Oceânia e América Latina, merecendo o meu maior respeito e admiração.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

13 de Março, 2024 Onofre Varela

Graças a Deus

As frases “Graças a Deus” e “se Deus quiser” são usadas no sentido de agradecimento e no desejo de que tudo corra bem sob a benesse da divindade. São frases tão enraizadas nas mentes e tão corriqueiras que quem as profere fá-lo de um modo automático sem ter a noção do que está a dizer. 

Os extremistas islâmicos também as usam no sentido de que tudo lhes corra bem, incluindo a eliminação de vidas nos seus atentados criminosos!… Deus é pau para toda a obra… é como a nódoa… que no bom pano cai! 

Para os crentes, Deus representa tudo quanto de bom se possa imaginar, mais a fé e a esperança de que tudo corra conforme o desejo da divindade (imaginamos que o seu desejo coincide com o nosso!). O crente tem, perante a ideia de Deus (mesmo sem saber o que é nem como é Deus) uma atitude de “respeito”, temendo-o e adorando-o concomitantemente.

Quando fazemos boa viagem agradecemos a Deus por termos chegado bem… mas se tivermos um acidente, não dizemos “graças a Deus espatifamos o carro contra uma árvore, e o tio Zé morreu com o volante enfiado no peito”. O que não se percebe!… Porque se Deus é o responsável pelo bom desfecho, também devia ser responsabilizado quando a viagem correu mal, já que se retirou do seu posto de vigia quando fazia mais falta!… 

A palavra Deus acaba por ser um código para referir o objecto sagrado da nossa adoração. Se em vez da palavra “Deus”, adoptassemos qualquer outro termo… por exemplo, “Birobé”, em vez de darmos “graças a Deus”, dávamos “graças a Birobé”!… 

Foto de Olivia Snow na Unsplash

Birobé seria o autor de todas as coisas. Passava a ser o criador e o dono do nosso destino. Birobé seria a explicação para tudo quanto desconhecemos, e o guardião da fonte de todos os nossos desejos. 

Birobé é, a partir de agora, o dono da nossa alma. E só por vontade de Birobé acordamos todas as manhãs para enfrentarmos o dia que temos para viver; e vivêmo-lo graças a Birobé. Birobé é a explicação para tudo quanto desconhecemos e queremos ver explicado. Mesmo que aquilo que não conhecemos seja sobejamente conhecido por todos, menos por nós, é Birobé que preenche o enorme buraco do nosso desconhecimento. E continuando a desconhecermos a verdadeira essência da coisa, cremos conhecê-la porque “sabemos” que a coisa… é Birobé! 

Quando procuramos uma explicação, não consultamos uma enciclopédia; recorremos a Birobé porque ele tudo sabe, é Grande e o seu Poder é indesmentível. Com Birobé, tudo; sem Birobé, nada. Birobé é aquele que designamos com letra maiúscula, que cremos ser Omnipotente, Omnisciente e Omnipresente, que tudo vê, sabe e domina. Birobé é O princípio, O meio e O fim. É Ele que nos ilumina o caminho e a Ele devemos incondicional adoração.

Acha ridículo dar graças a Birobé?…

Tem toda a razão. É tão ridículo como dar graças a Deus!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

12 de Março, 2024 Onofre Varela

Quando formos grandes…

Quando se ouve uma voz que contraria a tradição e a ordem estabelecida, originam-se reacções que vão desde o escândalo dos resistentes a novas ideias, até ao fascínio dos que aderem ao que é novo. Em todos os tempos as vanguardas começaram por ser repudiadas, depois toleradas, acabando aceites. 

Lembremos Galileu Galilei e Giordano Bruno.

O julgamento de Giordano Bruno pela Inquisição Romana. Relevo em bronze de Ettore Ferrari, Campo de’ Fiori, Roma.

Galileu Galilei (1564-1642), astrónomo, construiu o primeiro telescópio e observou os astros. Concluiu que a Lua girava à volta da Terra, e esta rodava à volta do Sol. O conhecimento da sua época não era científico, mas religioso, e a Igreja garantia que o nosso planeta era o centro do mundo e que o Sol e a Lua rodavam à volta da Terra para nosso puro deleite, pois Deus assim quis e fez! Galileu foi condenado pela Santa Inquisição e fingiu retratar-se, evitando ser morto na fogueira diabólica onde a Igreja adorava queimar aqueles que não diziam amen consigo. No tribunal, terá dito: “eppur si muove” (no entanto ela [a Lua, a Terra] move-se).

Giordano Bruno (1548-1600) foi monge e estudioso do Universo. Concluiu poder ser falsa a ideia (defendida pela Igreja) de que só a Terra era habitada por vida inteligente, defendendo a hipótese da existência de muitos outros mundos habitados por gente como nós. Ao contrário de Galileu, não aceitou fazer uma retratação negando as suas ideias, e por isso foi condenado a morrer na fogueira. Os seus algozes foram mais longe. Depois de o amarrarem no poste e antes de lançarem fogo à lenha que o rodeava, com um alicate puxaram-lhe a língua e pregaram-lhe uma tábua para que o monge não blasfemásse!…

Charles Darwin teve o mesmo problema com a Igreja quando expôs a Teoria da Evolução, contrariando a Criação Divina. Hoje, passados 165 anos após a publicação do seu livro “Origem das Espécies” (1859), ainda há quem defenda o conceito religioso da Criação contra a evidência científica da Evolução!

Isto acontece assim porque o raciocínio de muita gente está amarrado a conceitos religiosos desde criança, impedindo, ou dificultando, o entendimento científico. Conclui-se que uma parte da sociedade é constituída por interesses supérfluos e serôdios, levando ao desinteresse pelas Ciências e pela História. Considerou-se ser mais importante jogar à bola, do que ler um livro; exercitar a musculatura do corpo em ginásios, do que treinar o músculo do cérebro em livrarias e bibliotecas. 

Ter músculos esculpindo o corpo é a primeira escolha porque se vê por fora e faz inveja aos nossos amigos que são tão estúpidos quanto nós. Vivemos a cultura do corpo esquecendo a cultura do espírito.

No campo destas considerações encontramos o Ateísmo que já faz um quarto da população mundial. Não é muito, mas está a crescer. Quando formos grandes… a maioria de nós dispensará a redutora ideia da fábula de Deus e dos santinhos e, provavelmente, também, a beleza exterior que nada vale se não for alicerçada na beleza interior. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

11 de Março, 2024 Onofre Varela

Acreditar em Deus

Um dia perguntaram a Agostinho da Silva, sem mais nem para quê… assim à “queima-roupa”: “Acredita em Deus?”. O filósofo respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta! Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir a essa negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque é que estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento, caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não merece crédito de existência real fora do conceito que é, nem fora da mente de quem o afirma. O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual, mas tem personalidade e forma, produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, dá e tira, e reina num universo paralelo onde nos espera depois de morrermos para nos premiar com felicidade eterna, ou nos condenar também eternamente.

Este deus, pintado assim, desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto saudável, definitivamente, não pode existir. As leis da física e da química não permitem a existência de uma coisa com tais poderes!

Imagem de Michelangelo Buonarroti no Freepik

As opiniões que contrariam a fé dos crentes costumam incitá-los à recusa imediata da opinião do outro, sem qualquer raciocínio crítico que os levasse a comparar ideias antes de negarem o “incrédulo demoníaco”. Seria mais razoável enfrentarem os factos contrários à sua fé, analisá-los com isenção, e concluírem depois. Se assim fizessem, as crenças religiosas perderiam a maioria dos seus adeptos por terem adquirido conhecimento ou se encontrarem com a dúvida.

A ignorância produz fé religiosa, e a informação, elimina-a. A fé que hoje habita o pensamento da maioria dos crentes, tem características da medievalidade do pensamento e não é compatível com a nossa época. As Ciências Humanas e Naturais arruinaram definitivamente as premissas dos dogmas religiosos que pertencem, cada vez com mais consciência, ao reino da fábula, ou da fantasia.

Na crença entregámo-nos ao sonho mais inconcretizável e à simulação, e somos vítimas de alucinações! Para o princípio da causa das coisas, há religiosos que defendem o Génesis contra a Ciência, convictos de estarem com a verdade!… Para uma mudança de atitude, bastaria que se entendesse uma coisa tão simples como isto: Para produzir um petisco tão comum e rotineiro, como é um ovo estrelado, é necessário, no mínimo, a existência de cinco elementos prévios. A saber: 1 – O ovo; 2 – Uma gordura; 3 – Um recipiente resistente ao calor; 4 – Uma fonte de calor capaz de fazer ferver a gordura; 5 – O cozinheiro, que prepara o cenário e parte o ovo sobre a gordura, esperando o momento certo para o retirar e servir. Sem estes cinco elementos podemos ter muita vontade de comer um ovo estrelado, e por mais que rezemos na esperança de que o ovo apareça estrelado à nossa frente… nunca mais saciaremos a nossa vontade, e morreremos ougados por um ovo!… Tal como morremos “ougados por saber”, quando tudo o que pensamos tem a marca de uma qualquer religião deísta.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Março, 2024 Onofre Varela

Somos como somos… e eu sou um ateu-cristão!

No tempo em que a nossa espécie vivia em pequenas hordas, todos obedeciam à autoridade de um chefe, provavelmente o elemento macho mais velho, ou mais forte, do grupo que se submetia a um regime patriarcal. A autoridade familiar era ditada pelo pai e exercida por impulsos de várias ordens: de alimento, de luta e de sexo. Todo este poder do patriarca era exercido com prazer, e supõe-se que as mulheres da tribo lhe pertenciam.

O correr do tempo fez funcionar a nossa parte mais racional que nos conduziu à Civilidade, à Moral e à Arte. No mesmo embrulho do raciocínio há um outro valor do pensamento: a Religião. Ligado à moral, seria o sentimento maior que aglutinava todos os outros, limando a animalidade ditada pela nossa condição de antropoides e predadores, e usando a ética que nos transformou em pessoas.

Talvez possamos dizer que a Religião (ou a ética nela acoplada), embora hoje saibamos ser uma ilusão, teria sido o elemento responsável pelo travão que parou o “animal” para dar passagem à “pessoa”. O Homem de hoje é o resultado de toda a História construída ao longo de centenas de milhar de anos.

Hoje sabemos que o estágio actual da nossa evolução nos faz entender a ilusão que a Religião é, e o seu efeito anestesiante nos momentos em que precisamos de nos abandonarmos nos braços da mãe que já não temos… mas que o conceito de Deus pode substituir.

Desta necessidade primeira que deu corpo à nossa sensibilidade, ferramenta com a qual construímos a civilização e a ética, também acabou por surgir o negócio do credo em forma organizada por igrejas ou seitas que exploram as mentes mais dadas à crença e ao temor da divindade.

De todas elas temos que nos precaver, estando atentos aos seus discursos, interesses e intenções, que podem não ser coisa boa, ou não tão boa como pode parecer à primeira vista e todas elas garantem ser!… Não nos devemos entregar cegamente à ideia de um deus redentor e salvador, abandonando a Razão filosófica que deveremos possuir como bitola padronizadora das nossas reacções, do nosso raciocínio e dos nossos actos.

Comparando Religião e Futebol, ambos são coios de interesses na exploração das mentes mais débeis. Se o futebol alguma vez foi exemplo de ética, deixou de o ser quando se transformou numa indústria “mafiosa”. Também existe uma indústria da fé, não porque “salva” pessoas, mas porque dá lucro e poder aos líderes das religiões. Sejamos críticos da ideia do divino e estejamos atentos ao que nos querem vender como “Única Verdade”.

Se é verdade haver um mercado da fé que faz o seu caminho na ajuda do outro (o que é sempre de louvar), não é menos verdadeiro haver nele um bom número de péssimos representantes da espécie, aglomerados em cachos de extremistas e comerciantes, dos quais nos devemos separar como se separa o trigo do joio.

Por tudo isto, e mercê do ambiente em que fui educado (porque ninguém foge às suas origens) e da consciência que tenho do meu modo de ser, me considero (e sou-o, naturalmente, mesmo que não me considerasse) um “Ateu-Cristão”. Isto é: um ateu de raiz (educação) cristã.

Se eu tivesse nascido num país islâmico e continuasse a ser ateu, seria um “Ateu-Muçulmano”… se me permitissem afirmar-me ateu!… Há países muçulmanos onde um ateu confesso não tardará a ser cadáver!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

6 de Março, 2024 Onofre Varela

O Negacionismo

O Cristianismo, nos seus conceitos fraternos – expurgado do mito que lhe dá forma enquanto religião aludindo o Filho enviado por Deus – tem positividade. Mostra-nos uma filosofia universalista no respeito devido ao outro. 

Esta sua característica aproxima-o do Ateísmo… mesmo que católicos e outros cristãos se sintam escandalizados ou ofendidos com tal aproximação! A diversidade de sensibilidades (e cada Ser Humano é uma arca cheia delas) faz com que haja quem repudie tudo quanto tresande a Igreja, e quem fuja de tudo quanto cheire a Ateísmo. Parece não haver meio termo!

Todos estamos habituados a ouvir opiniões negando os mais variados temas, desde o holocausto judeu perpetrado pelo nazismo de Hitler, passando pela honestidade dos políticos e pela boa prática dos juízes que temos, até à chegada do Homem à Lua, por exemplo. Negar a existência de Deus não é mais uma variante destas negativas que não passam de opiniões com pouco suporte para serem mantidas e aceites como reais; algumas delas, até, nem passam de invenções grosseiras e hilariantes, como são a negação da viagem à Lua e a afirmação de que o mundo é plano. 

A negação de Deus também não se enquadra no tipo do negacionismo do holocausto judeu, nem no efeito de estufa na atmosfera agredida pela poluição da indústria e da pecuária, mais a perigosidade do Covid-19, por pura ignorância e estratégia eleitoral como fizeram Trump e Bolsonaro. 

Negar ou afirmar o que quer que seja, tem de basear a opinião em algo que mereça credibilidade e se mostre razoável aos olhos dos outros, para poder ser aceite como real ou irreal o objecto que se garante existir, ou não existir. Quem nega algo, afirma alguma coisa contrária ao objecto da sua negação, convicto de possuir a verdade sobre aquele assunto. 

O que é a verdade?… É um valor absoluto, tal como o bem. Todos reconhecemos o bem e sabemos distingui-lo do mal, porque conhecemos os dois e é-nos fácil fazer a destrinça. Mas quanto à verdade, acontece este fenómeno curioso: cada um de nós tem “a sua própria verdade”!… 

Há “verdades” que, no decorrer do tempo, se tornam falsas quando são ultrapassadas pelo conhecimento que nos demonstra não ser verdadeiro aquilo que, até aí, se anunciava como real. Algumas destas “verdades-falsas”, quando enquadradas em sistemas filosóficos de pensamento, continuam “verdadeiras” apesar de poderem ser fantasiosas, ou mesmo garantidamente falsas. Podemos dar como exemplo a verdade oficializada pela Igreja no tempo da Inquisição Católica que afirmava a Terra numa posição fixa no centro do Universo, e que o Sol se movimentava à sua volta para nosso puro deleite, porque Deus assim quis e fez. E se Galileu Galilei (quando disse: “olhem que não!…”) não se tivesse retratado, teria sido morto pelos fiéis afirmadores daquela “verdade-falsa”. A figura de Deus, quando afirmada como real, enquadra-se neste último caso. 

A verdade, quando o é realmente, não admite outra opinião. Por exemplo: “a relva é verde e a neve é branca” é uma verdade indesmentível e só alguns daltónicos a podem negar… mas todos sabemos (incluindo os daltónicos) que a verdade das cores não pode ser aferida pelos seus olhos. 

A afirmação da existência real (que não do conceito) do ser, ou coisa, designada Deus, será uma espécie de “daltonismo” dos espíritos crentes?… 

Querem lá ver que “daltónicos” são os ateus?!…  

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)