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Categoria: Ateísmo

18 de Março, 2024 Onofre Varela

Qual é a crença dos não crentes?

Quando o jornal espanhol El País ainda se vendia em Portugal (deixou de o ser em Fevereiro de 2021), a edição do seu suplemento cultural Babélia, de 27 de Abril de 2019, publicou um interessante artigo sobre Ateísmo e forneceu uma lista de nove livros sobre o tema que, recentemente, haviam sido editados em Espanha (ou reeditados, no caso das obras de Nietzsche).

A chamada de capa era feita com esta frase forte: “En qué creen los ateos?”.

Achei curiosa a indagação porque pensei que perguntar “Em que creem os ateus?”, é o mesmo que indagar “Com que se droga quem não se droga?”, resultando na natural estupefacção: “É absolutamente necessário consumirmos drogas?!”

Bem sei que o indagador parte do princípio de que o Ateísmo é, também, uma forma de crença… uma religião!… E em parte tem razão. 

O Ateísmo é uma forma de Religião, tal como a Ciência também o é, no sentido etimológico do termo que aponta para um sistema específico de pensamento, envolvendo uma posição filosófica e ética inspirada na Razão, tendo por missão a “procura das causas”, o que se entende na origem do termo latino “religio”, no sentido de “prática correcta”, cujo plural é “religiones”; já não como Fé, mas como Conhecimento, sem qualquer conotação com a procura de deuses como se entendia na Grécia e Roma antigas, bem como na Idade Média, quando o “conhecimento” era puramente religioso. Deixou de o ser depois do “Renascimento”, quando se assentaram as bases para que fosse possível a eclosão do “Iluminismo” no século XVIII, o qual passou a ser referido pela História como o “Século das Luzes” (o termo “Iluminismo” foi uma forma de identificar uma filosofia contrária ao “Obscurantismo” dirigido pela Igreja Católica durante cerca de 15 séculos). 

Retrato de Sir. Isaac Newton, atribuído a Ernest H. Edwards (1837 – 1903)

O artigo do El País aborda questões interessantes e conclui ser difícil definir o Ateísmo e condensá-lo numa única fórmula, até porque há o “Ateísmo opressivo e claustrofóbico que reproduz as manias do monoteísmo” (em todas as filosofias, sejam religiosas ou políticas, há radicais extremistas). O seu autor (Juan Arnau) diz que os valores do Ateísmo têm algo de genético, e que não podemos renunciar àquilo que herdamos e respiramos na infância, seja a favor ou contra a Religião. De facto, cada adulto é o resultado da criança que foi. As vivências da infância não se apagam com a idade… bem pelo contrário, enraízam-se, cimentam-se e são responsáveis por muitos dos pensamentos e actos de todos nós. Quer queiramos, quer não, a Religião tem uma forte influência na nossa educação e no nosso conhecimento. 

Na mesma altura uma sondagem, também em Espanha, indicava uma percentagem histórica de não crentes na ordem dos 27%, alcançando quase 50% nos jovens; e 62% dos crentes declarava assistir a missas muito raramente. Perante esta realidade o autor pergunta: “podemos viver sem igrejas… mas, poderemos viver sem Religião? As religiões não são teorias do universo, mas sim intenções de dar sentido à experiência [de viver]. Podemos viver sem estarmos «religados» ao mundo?”

Na definição daquilo que é religioso, os antropólogos recorrem ao conceito do sagrado. As religiões não seriam um sistema de crenças, mas sim de práticas sociais; e desde o tempo de Newton a Ciência tem vindo a desalojar o sagrado da vida civil.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

14 de Março, 2024 Onofre Varela

Espírito missionário

Quando cumpri o serviço militar em Angola (de Dezembro de 1965 a Fevereiro de 1968) não tinha o interesse cultural que adquiri mais tarde, no sentido de aproveitar o tempo passado em África para me engrandecer intelectualmente.

E não foi assim por mais do que uma razão: primeiro, por não ser de minha vontade prestar serviço no Exército (conto a experiência no livro 191 – Memórias de um Soldado em Angola. Editora Verso da História, 2016 / comercializado pela Book Cover Editora). E depois, porque nos meus 20 anos de idade não tinha a maturidade de que necessitava para, naquela fase da vida, ter outro interesse que não fosse o de chegar vivo ao fim de cada dia, esquecendo (ou melhor: não sabendo) outros interesses de ordem cultural e antropológico que bem podia ter aproveitado.

Só muito depois de regressar me dei conta de ter perdido oportunidades únicas que desperdicei por desconhecimento. Estive em terra africana, no berço da Humanidade, e não vi, nem senti – do modo como, obrigatoriamente, deveria ter visto e sentido – o que me rodeava. Não só a paisagem, mas principalmente aquela gente maravilhosa que tem chocolate na pele; os seus usos e costumes, mais o entendimento que tinham das coisas e da própria vida. Um manancial de estudo antropológico que desperdicei por não estar culturalmente preparado para isso nos meus 20 anos mal vividos!

Recordo que numa outra zona – por onde não passei mas de cuja existência sabia – havia militares aquartelados na “Missão”. Era um lugar de sanzalas que rodeavam o quartel militar estabelecido num edifício que serviu de morada a missionários protestantes, daí o termo por que era referido. A partir de Março de 1961, com os violentos ataques dos guerrilheiros aos colonos, e depois com o evoluir da guerra, os missionários acabaram por abandonar a “Missão” que, só então, o Exército ocupou como quartel.

Quero aqui dizer que tenho a maior admiração pela figura de “missionário” e do consequente “espírito de missão”. Muito provavelmente terei uma visão romântica do que é ser missionário (como tinha do jornalismo… antes de entrar nas redacções dos jornais).

Foto de Ben White na Unsplash

Li relatos que me mostraram o sacrifício e a heroicidade dos missionários na ajuda de populações, desde o fornecimento de comida e prestação de cuidados de saúde, acalentando a necessária confiança no futuro a quem nada tem. Bem sei que toda essa dádiva tinha a intenção de conquistar almas para um culto religioso representado por quem prestava aquela ajuda social, com a intenção de levar os pobres angolanos a abraçarem o Cristianismo. A ajuda era só a sementeira… a colheita seria feita depois.

Só quando procurei informação sobre a atitude missionária, constatei haver uma indústria do sector!… Encontrei uma lista de 23 “empresas missionárias” que procuram jovens com espírito de missão evangélica!

Empresas que ostentam nomes como: Missionários do Preciosíssimo Sangue; da Consolata; do Coração de Maria, e de São João Baptista… e li a declaração de interesses, que diz: “Missionário é ser chamado, escolhido, separado e preparado por Deus, para levar a mensagem do Evangelho (…) com o intuito de converter alguém à sua fé”.

Esta constatação dissipou o romantismo do entendimento que eu tinha da atitude missionária, por se afirmar no acto de recrutar fiéis para uma religião (tal como se recruta soldados para um exército de mercenários), no auto-convencimento de ter havido por ali uma “mão de Deus na escolha e na preparação dos eleitos” (!!!).

Mas para além desta atitude proselitista, ficou-me a certeza de haver um espírito fraterno dos jovens generosos que se deixam recrutar para prestarem serviço em missões humanitárias em regiões como África, Ásia, Oceânia e América Latina, merecendo o meu maior respeito e admiração.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

13 de Março, 2024 Onofre Varela

Graças a Deus

As frases “Graças a Deus” e “se Deus quiser” são usadas no sentido de agradecimento e no desejo de que tudo corra bem sob a benesse da divindade. São frases tão enraizadas nas mentes e tão corriqueiras que quem as profere fá-lo de um modo automático sem ter a noção do que está a dizer. 

Os extremistas islâmicos também as usam no sentido de que tudo lhes corra bem, incluindo a eliminação de vidas nos seus atentados criminosos!… Deus é pau para toda a obra… é como a nódoa… que no bom pano cai! 

Para os crentes, Deus representa tudo quanto de bom se possa imaginar, mais a fé e a esperança de que tudo corra conforme o desejo da divindade (imaginamos que o seu desejo coincide com o nosso!). O crente tem, perante a ideia de Deus (mesmo sem saber o que é nem como é Deus) uma atitude de “respeito”, temendo-o e adorando-o concomitantemente.

Quando fazemos boa viagem agradecemos a Deus por termos chegado bem… mas se tivermos um acidente, não dizemos “graças a Deus espatifamos o carro contra uma árvore, e o tio Zé morreu com o volante enfiado no peito”. O que não se percebe!… Porque se Deus é o responsável pelo bom desfecho, também devia ser responsabilizado quando a viagem correu mal, já que se retirou do seu posto de vigia quando fazia mais falta!… 

A palavra Deus acaba por ser um código para referir o objecto sagrado da nossa adoração. Se em vez da palavra “Deus”, adoptassemos qualquer outro termo… por exemplo, “Birobé”, em vez de darmos “graças a Deus”, dávamos “graças a Birobé”!… 

Foto de Olivia Snow na Unsplash

Birobé seria o autor de todas as coisas. Passava a ser o criador e o dono do nosso destino. Birobé seria a explicação para tudo quanto desconhecemos, e o guardião da fonte de todos os nossos desejos. 

Birobé é, a partir de agora, o dono da nossa alma. E só por vontade de Birobé acordamos todas as manhãs para enfrentarmos o dia que temos para viver; e vivêmo-lo graças a Birobé. Birobé é a explicação para tudo quanto desconhecemos e queremos ver explicado. Mesmo que aquilo que não conhecemos seja sobejamente conhecido por todos, menos por nós, é Birobé que preenche o enorme buraco do nosso desconhecimento. E continuando a desconhecermos a verdadeira essência da coisa, cremos conhecê-la porque “sabemos” que a coisa… é Birobé! 

Quando procuramos uma explicação, não consultamos uma enciclopédia; recorremos a Birobé porque ele tudo sabe, é Grande e o seu Poder é indesmentível. Com Birobé, tudo; sem Birobé, nada. Birobé é aquele que designamos com letra maiúscula, que cremos ser Omnipotente, Omnisciente e Omnipresente, que tudo vê, sabe e domina. Birobé é O princípio, O meio e O fim. É Ele que nos ilumina o caminho e a Ele devemos incondicional adoração.

Acha ridículo dar graças a Birobé?…

Tem toda a razão. É tão ridículo como dar graças a Deus!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

12 de Março, 2024 Onofre Varela

Quando formos grandes…

Quando se ouve uma voz que contraria a tradição e a ordem estabelecida, originam-se reacções que vão desde o escândalo dos resistentes a novas ideias, até ao fascínio dos que aderem ao que é novo. Em todos os tempos as vanguardas começaram por ser repudiadas, depois toleradas, acabando aceites. 

Lembremos Galileu Galilei e Giordano Bruno.

O julgamento de Giordano Bruno pela Inquisição Romana. Relevo em bronze de Ettore Ferrari, Campo de’ Fiori, Roma.

Galileu Galilei (1564-1642), astrónomo, construiu o primeiro telescópio e observou os astros. Concluiu que a Lua girava à volta da Terra, e esta rodava à volta do Sol. O conhecimento da sua época não era científico, mas religioso, e a Igreja garantia que o nosso planeta era o centro do mundo e que o Sol e a Lua rodavam à volta da Terra para nosso puro deleite, pois Deus assim quis e fez! Galileu foi condenado pela Santa Inquisição e fingiu retratar-se, evitando ser morto na fogueira diabólica onde a Igreja adorava queimar aqueles que não diziam amen consigo. No tribunal, terá dito: “eppur si muove” (no entanto ela [a Lua, a Terra] move-se).

Giordano Bruno (1548-1600) foi monge e estudioso do Universo. Concluiu poder ser falsa a ideia (defendida pela Igreja) de que só a Terra era habitada por vida inteligente, defendendo a hipótese da existência de muitos outros mundos habitados por gente como nós. Ao contrário de Galileu, não aceitou fazer uma retratação negando as suas ideias, e por isso foi condenado a morrer na fogueira. Os seus algozes foram mais longe. Depois de o amarrarem no poste e antes de lançarem fogo à lenha que o rodeava, com um alicate puxaram-lhe a língua e pregaram-lhe uma tábua para que o monge não blasfemásse!…

Charles Darwin teve o mesmo problema com a Igreja quando expôs a Teoria da Evolução, contrariando a Criação Divina. Hoje, passados 165 anos após a publicação do seu livro “Origem das Espécies” (1859), ainda há quem defenda o conceito religioso da Criação contra a evidência científica da Evolução!

Isto acontece assim porque o raciocínio de muita gente está amarrado a conceitos religiosos desde criança, impedindo, ou dificultando, o entendimento científico. Conclui-se que uma parte da sociedade é constituída por interesses supérfluos e serôdios, levando ao desinteresse pelas Ciências e pela História. Considerou-se ser mais importante jogar à bola, do que ler um livro; exercitar a musculatura do corpo em ginásios, do que treinar o músculo do cérebro em livrarias e bibliotecas. 

Ter músculos esculpindo o corpo é a primeira escolha porque se vê por fora e faz inveja aos nossos amigos que são tão estúpidos quanto nós. Vivemos a cultura do corpo esquecendo a cultura do espírito.

No campo destas considerações encontramos o Ateísmo que já faz um quarto da população mundial. Não é muito, mas está a crescer. Quando formos grandes… a maioria de nós dispensará a redutora ideia da fábula de Deus e dos santinhos e, provavelmente, também, a beleza exterior que nada vale se não for alicerçada na beleza interior. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

11 de Março, 2024 Onofre Varela

Acreditar em Deus

Um dia perguntaram a Agostinho da Silva, sem mais nem para quê… assim à “queima-roupa”: “Acredita em Deus?”. O filósofo respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta! Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir a essa negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque é que estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento, caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não merece crédito de existência real fora do conceito que é, nem fora da mente de quem o afirma. O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual, mas tem personalidade e forma, produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, dá e tira, e reina num universo paralelo onde nos espera depois de morrermos para nos premiar com felicidade eterna, ou nos condenar também eternamente.

Este deus, pintado assim, desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto saudável, definitivamente, não pode existir. As leis da física e da química não permitem a existência de uma coisa com tais poderes!

Imagem de Michelangelo Buonarroti no Freepik

As opiniões que contrariam a fé dos crentes costumam incitá-los à recusa imediata da opinião do outro, sem qualquer raciocínio crítico que os levasse a comparar ideias antes de negarem o “incrédulo demoníaco”. Seria mais razoável enfrentarem os factos contrários à sua fé, analisá-los com isenção, e concluírem depois. Se assim fizessem, as crenças religiosas perderiam a maioria dos seus adeptos por terem adquirido conhecimento ou se encontrarem com a dúvida.

A ignorância produz fé religiosa, e a informação, elimina-a. A fé que hoje habita o pensamento da maioria dos crentes, tem características da medievalidade do pensamento e não é compatível com a nossa época. As Ciências Humanas e Naturais arruinaram definitivamente as premissas dos dogmas religiosos que pertencem, cada vez com mais consciência, ao reino da fábula, ou da fantasia.

Na crença entregámo-nos ao sonho mais inconcretizável e à simulação, e somos vítimas de alucinações! Para o princípio da causa das coisas, há religiosos que defendem o Génesis contra a Ciência, convictos de estarem com a verdade!… Para uma mudança de atitude, bastaria que se entendesse uma coisa tão simples como isto: Para produzir um petisco tão comum e rotineiro, como é um ovo estrelado, é necessário, no mínimo, a existência de cinco elementos prévios. A saber: 1 – O ovo; 2 – Uma gordura; 3 – Um recipiente resistente ao calor; 4 – Uma fonte de calor capaz de fazer ferver a gordura; 5 – O cozinheiro, que prepara o cenário e parte o ovo sobre a gordura, esperando o momento certo para o retirar e servir. Sem estes cinco elementos podemos ter muita vontade de comer um ovo estrelado, e por mais que rezemos na esperança de que o ovo apareça estrelado à nossa frente… nunca mais saciaremos a nossa vontade, e morreremos ougados por um ovo!… Tal como morremos “ougados por saber”, quando tudo o que pensamos tem a marca de uma qualquer religião deísta.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Março, 2024 Onofre Varela

Somos como somos… e eu sou um ateu-cristão!

No tempo em que a nossa espécie vivia em pequenas hordas, todos obedeciam à autoridade de um chefe, provavelmente o elemento macho mais velho, ou mais forte, do grupo que se submetia a um regime patriarcal. A autoridade familiar era ditada pelo pai e exercida por impulsos de várias ordens: de alimento, de luta e de sexo. Todo este poder do patriarca era exercido com prazer, e supõe-se que as mulheres da tribo lhe pertenciam.

O correr do tempo fez funcionar a nossa parte mais racional que nos conduziu à Civilidade, à Moral e à Arte. No mesmo embrulho do raciocínio há um outro valor do pensamento: a Religião. Ligado à moral, seria o sentimento maior que aglutinava todos os outros, limando a animalidade ditada pela nossa condição de antropoides e predadores, e usando a ética que nos transformou em pessoas.

Talvez possamos dizer que a Religião (ou a ética nela acoplada), embora hoje saibamos ser uma ilusão, teria sido o elemento responsável pelo travão que parou o “animal” para dar passagem à “pessoa”. O Homem de hoje é o resultado de toda a História construída ao longo de centenas de milhar de anos.

Hoje sabemos que o estágio actual da nossa evolução nos faz entender a ilusão que a Religião é, e o seu efeito anestesiante nos momentos em que precisamos de nos abandonarmos nos braços da mãe que já não temos… mas que o conceito de Deus pode substituir.

Desta necessidade primeira que deu corpo à nossa sensibilidade, ferramenta com a qual construímos a civilização e a ética, também acabou por surgir o negócio do credo em forma organizada por igrejas ou seitas que exploram as mentes mais dadas à crença e ao temor da divindade.

De todas elas temos que nos precaver, estando atentos aos seus discursos, interesses e intenções, que podem não ser coisa boa, ou não tão boa como pode parecer à primeira vista e todas elas garantem ser!… Não nos devemos entregar cegamente à ideia de um deus redentor e salvador, abandonando a Razão filosófica que deveremos possuir como bitola padronizadora das nossas reacções, do nosso raciocínio e dos nossos actos.

Comparando Religião e Futebol, ambos são coios de interesses na exploração das mentes mais débeis. Se o futebol alguma vez foi exemplo de ética, deixou de o ser quando se transformou numa indústria “mafiosa”. Também existe uma indústria da fé, não porque “salva” pessoas, mas porque dá lucro e poder aos líderes das religiões. Sejamos críticos da ideia do divino e estejamos atentos ao que nos querem vender como “Única Verdade”.

Se é verdade haver um mercado da fé que faz o seu caminho na ajuda do outro (o que é sempre de louvar), não é menos verdadeiro haver nele um bom número de péssimos representantes da espécie, aglomerados em cachos de extremistas e comerciantes, dos quais nos devemos separar como se separa o trigo do joio.

Por tudo isto, e mercê do ambiente em que fui educado (porque ninguém foge às suas origens) e da consciência que tenho do meu modo de ser, me considero (e sou-o, naturalmente, mesmo que não me considerasse) um “Ateu-Cristão”. Isto é: um ateu de raiz (educação) cristã.

Se eu tivesse nascido num país islâmico e continuasse a ser ateu, seria um “Ateu-Muçulmano”… se me permitissem afirmar-me ateu!… Há países muçulmanos onde um ateu confesso não tardará a ser cadáver!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

6 de Março, 2024 Onofre Varela

O Negacionismo

O Cristianismo, nos seus conceitos fraternos – expurgado do mito que lhe dá forma enquanto religião aludindo o Filho enviado por Deus – tem positividade. Mostra-nos uma filosofia universalista no respeito devido ao outro. 

Esta sua característica aproxima-o do Ateísmo… mesmo que católicos e outros cristãos se sintam escandalizados ou ofendidos com tal aproximação! A diversidade de sensibilidades (e cada Ser Humano é uma arca cheia delas) faz com que haja quem repudie tudo quanto tresande a Igreja, e quem fuja de tudo quanto cheire a Ateísmo. Parece não haver meio termo!

Todos estamos habituados a ouvir opiniões negando os mais variados temas, desde o holocausto judeu perpetrado pelo nazismo de Hitler, passando pela honestidade dos políticos e pela boa prática dos juízes que temos, até à chegada do Homem à Lua, por exemplo. Negar a existência de Deus não é mais uma variante destas negativas que não passam de opiniões com pouco suporte para serem mantidas e aceites como reais; algumas delas, até, nem passam de invenções grosseiras e hilariantes, como são a negação da viagem à Lua e a afirmação de que o mundo é plano. 

A negação de Deus também não se enquadra no tipo do negacionismo do holocausto judeu, nem no efeito de estufa na atmosfera agredida pela poluição da indústria e da pecuária, mais a perigosidade do Covid-19, por pura ignorância e estratégia eleitoral como fizeram Trump e Bolsonaro. 

Negar ou afirmar o que quer que seja, tem de basear a opinião em algo que mereça credibilidade e se mostre razoável aos olhos dos outros, para poder ser aceite como real ou irreal o objecto que se garante existir, ou não existir. Quem nega algo, afirma alguma coisa contrária ao objecto da sua negação, convicto de possuir a verdade sobre aquele assunto. 

O que é a verdade?… É um valor absoluto, tal como o bem. Todos reconhecemos o bem e sabemos distingui-lo do mal, porque conhecemos os dois e é-nos fácil fazer a destrinça. Mas quanto à verdade, acontece este fenómeno curioso: cada um de nós tem “a sua própria verdade”!… 

Há “verdades” que, no decorrer do tempo, se tornam falsas quando são ultrapassadas pelo conhecimento que nos demonstra não ser verdadeiro aquilo que, até aí, se anunciava como real. Algumas destas “verdades-falsas”, quando enquadradas em sistemas filosóficos de pensamento, continuam “verdadeiras” apesar de poderem ser fantasiosas, ou mesmo garantidamente falsas. Podemos dar como exemplo a verdade oficializada pela Igreja no tempo da Inquisição Católica que afirmava a Terra numa posição fixa no centro do Universo, e que o Sol se movimentava à sua volta para nosso puro deleite, porque Deus assim quis e fez. E se Galileu Galilei (quando disse: “olhem que não!…”) não se tivesse retratado, teria sido morto pelos fiéis afirmadores daquela “verdade-falsa”. A figura de Deus, quando afirmada como real, enquadra-se neste último caso. 

A verdade, quando o é realmente, não admite outra opinião. Por exemplo: “a relva é verde e a neve é branca” é uma verdade indesmentível e só alguns daltónicos a podem negar… mas todos sabemos (incluindo os daltónicos) que a verdade das cores não pode ser aferida pelos seus olhos. 

A afirmação da existência real (que não do conceito) do ser, ou coisa, designada Deus, será uma espécie de “daltonismo” dos espíritos crentes?… 

Querem lá ver que “daltónicos” são os ateus?!…  

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

5 de Março, 2024 Onofre Varela

Fundamentalismos e “Verdades Falsas”

As relações entre os Homens nunca foram fáceis. Jamais o serão. Manifestam-se mais complicadas na Política por ser a “arte de governar povos”… a qual nunca foi pacífica. Cada grupo social ou político (às vezes, até, cada elemento da mesma família na mesma casa) tem a “sua verdade”, apregoada como oposta à “verdade dos outros”. Todos os partidos políticos querem (ou dizem querer) o melhor para o país (às vezes só para um extracto social), estando em total desacordo com as práticas de outros partidos que, mesmo apregoando a defesa dos mesmos interesses, usam modelos não coincidentes. Cada um considera-se detentor da verdade que imagina, e garante, ser única… e sua!

Quando se trata de aferir a verdade sobre qualquer tema, o modo de o conseguir com realidade só se encontra na “explicação científica”. Porém, em Política a “verdade” não é de cariz físico nem químico… é uma “filosofia gestora”, e cada um defende a sua com a mesma legitimidade do outro. A “verdade” apregoada por cada um, será aferida pela prática da filosofia publicitada, o que só acontece depois de sufragada… e muitas vezes revela-se um fracasso para o Povo que votou nela, ao constatar que foi enganado… e aprendeu tarde!

Quanto à “explicação científica”… ela também pode estar submetida a uma certa dúvida e por isso a porta da explicação nunca é fechada definitivamente, já que a todo o momento pode haver uma investigação, um achado ou uma observação, que venha alterar aquilo que, até aí, era “a verdade” sobre aquele assunto.

As religiões também se apresentam como “filosofias da Verdade”. Esta “Verdade” (com inicial maiúscula, porque divina) é das “verdades mais mentirosas” que eu conheço… imensamente mais do que as políticas!

No campo da Religião a verdade nunca é científica. Por exemplo: não é verdade Maria ter engravidado sem relações sexuais, porque a natureza da gravidez só dispensa o acto sexual se for conseguida em laboratório por inseminação artificial (o que não podia ter sido o caso de Maria). Do mesmo modo, Jesus nunca poderia ter ressuscitado se estivesse morto… se “ressuscitou”… estaria no estado de coma?!… Não é verdade a transformação da água em vinho, nem a multiplicação dos pães, nem o caminhar sobre as águas. Trata-se de narrativas fabuladas… e até são bonitas!… Mas não configuram realidades históricas.

Também não é verdade que santinhas e santinhos possam intermediar curas milagrosas levando o pedido a Deus, o qual, com o seu poder sulfamida curativo à distância, resolve o problema do olho da senhora Guilhermina que foi todo queimadinho com azeite a ferver! Se esta intermediação fosse verdadeira, tínhamos “no céu” o mesmo efeito parasitário das “cunhas” que tão bem conhecemos cá na Terra… o que, convenhamos, não é digno de um deus… ou será?!…

E depois há a própria ideia de Deus… que, assim, tal e qual como o inventado deus é pintado pelas religiões que o criaram e adoram, não passa de um aborto mal parido, de existência real impossível de ser concretizada, já que as leis naturais da Física e da Química não só o permitem, como até o contradizem!

Os Fundamentalismos não passam de colecções de “verdades falsas” impossíveis de confirmação, mas, curiosamente, são sempre apregoadas com o estatuto de verdadeiro e acrescentado da qualidade de “única Verdade”, tanto na filosofia religiosa apregoada por credos transformados em igrejas, como na filosofia social apregoada por credos políticos transformados em partidos com laivos de Religião deísta à mistura, quando se consideram uma espécie de “salvadores da Humanidade”.

Mas não se pense que o Ateísmo escapa a esta análise!…

Os ateus também contam com os seu fundamentalistas! Não são só os profundamente crentes que detêm tal estatuto… os profundamente descrentes também podem usá-lo!

Foto de Sara Calado na Unsplash

Assisti a uma manifestação fundamentalista de um companheiro ateu que criticou o modo de trajar de uma muçulmana por quem nos cruzamos na rua. Aquela senhora (com toda a legitimidade) vestia de acordo com a prática típica do grupo social, antropológico e étnico a que pertencia. O meu amigo, ao insurgir-se contra aquele modo de vestir (com a intenção de atingir criticamente uma Religião) esqueceu-se que vociferava contra uma vestimenta regional… que naquele caso era muçulmana, mas pertencia à mesma característica inserida numa etnia, que poderia ser de uma peruana, de uma sevilhana, de uma vianesa, de um campino do Ribatejo, de um sargaceiro da Póvoa ou de um pauliteiro de Miranda!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

1 de Março, 2024 Onofre Varela

“Igrejas para Ateus”

Recentemente fui surpreendido com este mesmo título numa notícia de jornal virtual. Imaginei ser uma piada sobre associações de ateus… mas não… ao que parece são mesmo igrejas!… Igrejas com o mesmo sentido dos templos de fé, mas sem o “deus dos outros”, o que daria ao Ateísmo o estatuto de religião (que, etimologicamente, também é! Mas agora não me vou alongar com a origem do termo Religião e o seu significado. Para aqui interessa o sentido que a palavra terá (ou não terá) enquanto “fé num deus”).

Parece-me que o Ateísmo será Religião quando um sindicato operário for uma associação patronal.

No caso que comento, a notícia começa por dizer: “O declínio constante da Religião no mundo ocidental está actualmente a rever-se no crescimento das chamadas igrejas ateístas”, e refere que, de acordo com o Pew Research Center, os religiosamente não filiados são agora o segundo grupo religioso na América do Norte e na maior parte da Europa.

O professor Stephen Bullivant, da St Mary’s University de Londres, descobriu que mais de metade da população do Reino Unido não se identifica como sendo religiosa, característica que se tem vindo a acentuar desde há 50 anos, e que “ao mesmo tempo tem havido um crescimento do número de igrejas ateístas que visam reproduzir grande parte da atmosfera do serviço da igreja, mas sem religião”.

Ora… isto parece-me uma espécie de Metadona para os drogados que se querem ver livres da droga! Pode enquadrar-se no espírito de alguns daqueles que se transformaram em ateus depois de terem passado por qualquer fé religiosa, mas não de quem nunca entrou numa igreja com sentimento de fé e, por isso, não sente necessidade de um período de “desmame”, que seria a tarefa a desempenhar pelas “igrejas ateístas”.

No final da notícia dá-se conta da “igreja ateísta” mais difundida, como sendo a Sunday Assembly, sob o lema “Viva melhor – Ajude com frequência – Admire-se mais” que foi criada em Londres no ano de 2013 pelos comediantes Sanderson Jones e Pippa Evans.

Ah!… Assim já se percebe!… É comédia!…

Pois então viva a comédia. Eu também gosto de rir, e rio muito.

Em conclusão, a notícia diz que a maior parte das pessoas que frequentam estas “igrejas ateístas” sente uma “maior satisfação com a vida” graças ao poder da participação fortemente estimulada durante as reuniões.

Dentro da Sunday Assembly há quem defenda que nunca se deveria designar aquela instituição – e outras do género – como “Igreja Ateísta”. Neste entendimento, o filósofo Alain De Botton defende o nome “Humanismo Cultural”, sem qualquer conotação a modelos de religiões… ora aqui está alguém com cabecinha pensadora!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

29 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Mandar o Papa para o Céu

A publicação no X, acerca dos primeiros minutos da tertúlia, pode ser encontrada aqui.

Tempos houve em que mandar alguém para o inferno era mau. Agora, até mandar para o céu é insulto. Eu diria que é, porque a parte má está em morrer e não no que acontece depois, que é rigorosamente nada. E se isto não fosse claro e universal, não teria lido a notícia que li hoje no Observador – Programa Sacerdotal torna-se viral no YouTube depois de padres desejarem que Papa “possa ir para o céu o quanto antes”.

Não me chocou particularmente que estes padres desejassem a morte do Papa. Muitos não devem gostar dele, sejam católicos ou não. Se para um ateu a Igreja é uma coisa medievalista e retrógrada, para muitos dos seus membros, está a tornar-se um absurdo de modernidade. O contexto é simples: trata-se do episódio de dia 22 de fevereiro de uma terúlia sacerdotal – La Comunión en la mano: doctrina, mentira y desobediencia – La Sacristía de La Vendée: 22-02-2024 – que discute por sua vez um documentário (?) intitulado Comunhão na Mão, o Triunfo da Desobediência. O tema? Comungar na mão ou comungar na boca. Vamos pôr aqui um pin, que já cá voltamos.

Quando morre um Papa, o representante de deus na terra, outro é eleito, num conclave que reune o Colégio dos Cardeais no Vaticano. Não me vou alongar nos procedimentos através dos quais um Papa é eleito, porque já me bastou o tempo que dediquei aos vídeos acima, mas para quem realmente estiver interessado nos detalhes e rituais que compõem este momento da Sé Apostólica, pode ler mais aqui. Certo é que se entende, no mundo católico, que deus participa deste conclave inspirando o voto dos seus participantes. Assim, o cardeal eleito é escolhido por deus através do voto dos seus principais sacerdotes.

Seria de estranhar que sendo deus a escolher, ou a inspirar a escolha do seu representante na terra, do herdeiro do Apóstolo Pedro, a Igreja na sua representação humana, alguém então detestasse, odiasse, desejasse a morte deste ser tão santificado, especialmente no seio da própria organização sagrada que representa. Seria estranho se não soubéssemos que esta organização é inteiramente constituída por homens, sem intervenção divina, e que não representa na terra mais do que 2000 anos de patriarcado, crendice e atentados à inteligência humana. Vistas as coisas por esta perspetiva não me é assim tão estranho que sete padres católicos se juntem durante duas horas para cascar forte e feio no Papa que os rege.

É interessante que começam por rir de forma irónica quando um deles faz votos que o Papa vá depressa para o céu. Mas é mais interessante ainda que ir rapidamente para o céu seja negativo. Não é isso que se pretende? Quanto mais depressa se morre, mais depressa se acede à vida eterna de contemplação de deus. Aquele sorriso, no entanto, não engana. Ele que vá com os porcos, é o que leio ali. Que coisa tão… cristã de se dizer.

E tudo isto porque supostamente o Papa é muito progressista, é de esquerda. Sim, aparentemente o padre Charles Murr considera que se pode estar à esquerda, seja na política, seja na religião. E estes senhores, por essa ordem de ideias, estão mesmo à direita. Qualquer dia começam a celebrar a missa em latim, virados de costas para os crentes. Queixa-se de tudo, que há gente que não se confessa, mas vai comungar, que no funeral de uma pessoa trans, havia ateus e maçons e foram todos comungar. Isto é uma balbúrdia!

Então qual é a queixa central que lhes levou duas horas a discutir apesar de estarem todos à direita religiosa? Comungar com as mãos ou comungar com a boca, conforme aliás, é o tema do documentário supracitado. Esta vossa ateia muito riu com isto! Há fóruns onde fãs acérrimos de obras de ficção discutem teorias com este fervor, mas depois vão todos à livraria mais próxima comprar outros livros e tomar um café amigável. Isso eu entendo. Agora, se o crente leva a hóstia na mão ou se a toma na boca para mostrar reverência ao corpo de cristo, isso já me dá para a perplexidade.

Resumidamente, as pessoas começaram a pensar na porcalhice que é um padre enfiar os dedos nas bocas dos crentes todos. E passou a ser prática comum receber a hóstia na mão e levá-la à boca. Estes padres consideram que isso é desrespeitoso para com o corpo de cristo e acham que o Vaticano agora inventa liturgia. Caberia aqui dizer que tudo o resto que está para trás é igualmente inventado e que a hóstia é só um pedaço do alimento mais sem sabor que se conseguiu criar para o efeito. Foi como assistir a uma partida de Magic The Gathering, mas sem a emoção de saber quem vai ganhar. Só me ocorria que eram dezenas os participantes no chat do YouTube sem noção do quão ridícula é a questão.


Certo é que a piadola lhes correu mal e vieram depois desculpar-se num Tweet (Xweet?). Seriam mais corajosos se assumissem o que disseram. Alguém lhes explique que para alguém ir para o céu, tem que morrer antes. Basta ouvir o restante do conteúdo para entender que consideram que este pontificado é o pior de sempre, e que não gostam do chefe deles. Para um ateu, não seria problema. Faz-mequestionar se estes homens são mesmo crentes ou se são apenas adeptos dos jogos de poder, das fofoquices, do corta na casaca, enfim das cantigas de maldizer. Hei-de confessar-vos (mas não de joelhos), que gosto mais deles assim do que a pregar a palavrinha do senhor. Só não gosto é que ainda haja quem dê importância a isto e nos queira atirar para a Idade Média.