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Categoria: Ateísmo

3 de Janeiro, 2016 Carlos Esperança

A explicação que os crentes precisam conhecer

(Texto foi retirado do livro de Carl Sagan ” Um mundo infestado de demónios” e enviado por Paulo Franco).

Em 1894 foi publicado em Londres “The International census of Waking Hallucinations”. Desde essa época até à atualidade, inúmeras sondagens revelaram que 10 a 25 por cento das pessoas comuns, em pleno exercício das suas faculdades, tiveram a experiência, pelo menos uma vez na vida, de uma alucinação nítida – em geral, ouvir uma voz ou ver uma forma onde não há ninguém. Mais raramente, as pessoas sentem um cheiro penetrante, ouvem música ou recebem uma revelação que chega independentemente dos seus sentidos. Em alguns casos, isto transforma-se em acontecimentos pessoais marcantes ou em experiências religiosas profundas. As alucinações podem ser uma pequena porta, a que não se tem dado importância, para uma compreensão científica da religião.

Provavelmente uma dúzia de vezes depois da sua morte, ouvi a minha mãe ou o meu pai chamarem o meu nome. Claro que me chamaram muitas vezes enquanto vivi com eles. Ainda sinto tanto a falta de ambos que não me parece nada estranho que o meu cérebro de quando em quando capte uma reminiscência lúcida das suas vozes.

As alucinações deste tipo podem acontecer a pessoas perfeitamente normais, em circunstâncias perfeitamente comuns. As alucinações também podem ser provocadas por uma fogueira num acampamento à noite, pela tensão emocional, ou então durante ataques epitéticos, enxaquecas ou acessos de febre alta, ou ainda pelo jejum e pela falta de sono prolongados, ou pela privação sensorial (por exemplo, no isolamento), ou através de alucinogénios como o LSD, a psilocibina, a mescalina, ou o haxixe (o delirium tremens, o terrível estado induzido pelo álcool, é uma manifestação bem conhecida de uma síndrome de privação dos alcoólicos).

Existem também moléculas, como as fenotiazinas (a torazina, por exemplo), que fazem desaparecer as alucinações. É muito provável que o corpo humano gere substâncias – talvez incluindo as pequenas proteínas do cérebro semelhantes à morfina, chamadas endorfinas –, que provocam alucinações e outras que as suprimem.

Sejam quais forem os seus antecedentes neurológicos e moleculares, as alucinações parecem reais. São procuradas em muitas culturas e consideradas um sinal de elevação espiritual. Há inúmeros exemplos nas religiões mundiais em que patriarcas, profetas ou salvadores se dirigem para o deserto ou para as montanhas e, com a ajuda da fome e de privações sensoriais, têm encontros com deuses e demónios. As experiências religiosas induzidas por drogas psicadélicas foram uma característica da cultura dos jovens dos anos 60. A experiência, embora provocada, é descrita como «transcendente»,
«divina» e «sagrada».

As alucinações são vulgares. Se o leitor tiver alguma, isso não significa que está louco.

A literatura antropológica está repleta de etnopsiquiatria de alucinações, de sonhos REM e de estados de transe, que têm muitos elementos comuns em diferentes épocas e civilizações. As alucinações são em geral interpretadas como manifestações de bons ou maus espíritos que possuem o indivíduo.

Weston La Barre, um antropólogo de Yale, chega ao ponto de afirmar que «é defensável dizer que grande parte da cultura é alucinação» e que «toda a intenção e função do ritual parece ser um desejo de grupo de alucinar a realidade».

2 de Janeiro, 2016 Carlos Esperança

Sejam pacientes

Jose Alberto O meio de transporte escolhido não foi o mais rápido e demora o seu tempo. Sejamos pacientes.

29 de Dezembro, 2015 Carlos Esperança

Deus no Expresso Revista

Por
Dieter Dellinger

O Senhor José Tolentino de Mendonça escreve excelentes artigos que os leio sempre para pensar. A 19 de Dezembro o Expresso publicou um artigo em que Tolentino escreve sobre o teólogo alemão Dietrich Bohnhoffer. Faltou-lhe dar a conhecer ao público algo mais do pensamento do corajoso teólogo alemão, mas eu, na minha qualidade de ateu, não me atrevia a contestar um crente. Nós, os ateus, somos silenciosos e respeitadores com todos os crentes, pelo que não nos passaria pela cabeça discutir com um hindu o caráter sagrado da vaca ou com um muçulmano o significado da pedra negra de Meca e com um católico a aparição da Virgem em Fátima ou com um jihadistas a realidade das 300 virgens que o esperam no paraíso depois de se fazer explodir, assassinando um monte de gente desconhecida.

O senhor Tolentino escreveu no último número da revista do Expresso um artigo a pugnar pelo diálogo entre crentes e ateus e, por isso, aceitei o repto.

Muitos alemães estudam teologia não catequista nas universidades na esperança de encontrarem Deus como Max Plank descobriu a física quântica, Einstein a relatividade e Heisenberg o princípio da incerteza. Quase tudo elaborado na teoria e depois comprovado em complicadas experiências.

Dietrich Bohnhoffer fez uma interpretação não religiosa da Fé, coisa que eu não faço por não ter fé em nada ao escrever: “O Mundo tornou-se adulto e mostrou ser capaz de viver sem religião. A tentativa frequentemente empreendida pela apologética religiosa de o reconduzir à dependência de crenças das quais já se libertou, parece-se com a tentativa de reconduzir à puberdade um indivíduo que é já um homem”.

“Quer isto dizer – continua Bohnhoffer – que o espaço a atribuir a Deus não está nos confins do conhecimento ou da existência dos humanos, nem para além dos limites da fraqueza, da morte e da culpa do homem, mas sim no centro do homem e do seu mundo”, o que nos leva ao pensamento de Ratzinger que afirmava ser Deus identificado pela razão humana, o que muda radicalmente o problema da fé.

“Deus não pertence à esfera do transcendente ou do sobrenatural mas sim à esfera da natureza, entendida para além do vitalismo e do mecanicismo como uma forma de vida que Deus conservou no Mundo caído, dirigindo-a para a renovação por meio de Cristo”, o que mostra no pensador alemão um certo panteísmo como unidade de Deus e do Mundo, o qual será o quê? Obra do “big bang” ou do divino? Para Bohnhoffer como para Ratzinger a “razão é ela própria uma forma de vida querida e conservada por Deus”. A razão no pior e no melhor sentido, acrescento eu, razão do nazismo ou jihadismo ou da Madre Teresa, cujo milagre é a sua própria vida a favor dos mais pobres dos pobres.

Deus é pois produto da razão, uma invenção do espírito humano como também se deduz da “História Geral de Deus” de Gerald Messadié.

Diário de uns Ateus – As posições dos ateus não são dogmáticas. Cada ateu tem o seu ponto de vista.

28 de Dezembro, 2015 Carlos Esperança

O Planeta dos Idiotas

(Texto de Carl Sagan) – enviado por Paulo Franco

Considere de novo o ponto de luz azul pálido de que falamos: o planeta Terra visto de Saturno. Imagine que você está olhando fixamente para esse ponto de luz por um longo tempo. E então tente convencer-se de que um Deus criou todo o universo para apenas uma das aproximadamente10 milhões de espécies de vida que habitam este grão de poeira.

Agora deem um passo adiante: imaginem que tudo foi feito apenas para uma única nuance dessa espécie… ou género, ou subdivisão étnica ou religiosa.
Se isso não lhe parecer improvável… tomem outro dos pontos. Imaginem que ele é habitado por uma forma diferente de vida inteligente. Que também nutre a noção de um Deus que criou todas as coisas para o seu próprio bem. Até que ponto vocês levariam a sério essa pretensão?

E as luzes no céu levantam-se e põem-se ao nosso redor… Não é evidente que estamos no centro do universo?
Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, são Tomás de Aquino… E quase todos os grandes filósofos e cientistas de todas as culturas… Durante 3 mil anos até ao século XVII… Acreditaram nessa ilusão.

As imensas distâncias até às Estrelas e às Galáxias… significam que todos os corpos que vemos no espaço estão no passado… Alguns deles, tal como eram antes que a Terra viesse a existir… Telescópios são máquinas do tempo.

Há muitas eras, quando uma galáxia primitiva começou a derramar luz na escuridão circundante, nenhuma testemunha poderia ter adivinhado que biliões de anos mais tarde, alguns blocos de rocha e metal, gelo e moléculas orgânicas se juntariam para formar um lugar chamado Terra; nem que surgiria a vida; nem que seres pensantes evoluiriam e um dia captariam um ponto dessa luz galáctica… Tentando decifrar o que a enviara em sua trajetória.

E depois que a Terra morrer, daqui a uns 5 biliões de anos… Depois de ser calcinada ou até tragada pelo Sol… surgirão outros mundos, Estrelas e Galáxias também. E eles nada saberão de um lugar outrora chamado Terra.

No entanto, não importa quantos Reis, Papas, filósofos, cientistas e poetas tenham insistido em afirmar o contrário… A Terra por todos esses milénios persistiu em girar em torno do Sol…

Pode-se imaginar um observador extraterrestre severo olhando a nossa espécie com desprezo durante todo esse tempo enquanto tagarelávamos animadamente: “O universo foi criado só para nós! Somos o Centro de tudo! Tudo nos rende homenagem!” E concluído que nossas pretensões são divertidas…
Nossas aspirações patéticas… E que este deve ser o Planeta dos Idiotas.

27 de Dezembro, 2015 Carlos Esperança

A Dádiva de Carl Sagan

A Dádiva de Carl Sagan

(Texto enviado por Paulo Franco)

A nave espacial Voyager estava bem longe de casa. Pensei que seria uma boa ideia, logo depois de Saturno dar uma última olhada na direcção de casa. De Saturno, a Terra apareceria muito pequena para a Voyager apanhar qualquer detalhe. Nosso planeta seria apenas um ponto de luz, um pixel solitário dificilmente distinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager avistaria.

Planetas vizinhos, sóis distantes. Mas justamente por causa dessa imprecisão do nosso mundo assim revelado valeria a pena ter tal fotografia. Já havia sido bem entendido por cientistas e filósofos da antiguidade clássica que a Terra era um mero ponto em um vasto cosmos circundante. Mas ninguém jamais a tinha visto assim. Aqui estava nossa primeira chance, e talvez a última em décadas. Um mosaico quadriculado estendido em cima dos planetas e um pontilhado de estrelas distantes.

Por causa do reflexo da luz do Sol na nave espacial – a Terra parece apoiada num raio de Sol – como se houvesse alguma importância especial para esse pequeno mundo, mas é apenas um acidente de geometria e óptica.

Não há nenhum sinal de humanos nessa foto; nem nossas modificações na superfície da Terra; nem nossas máquinas; nem nós mesmos. Desse ponto de vista, a nossa obsessão com nacionalismos não aparece em evidência. Nós somos muito pequenos na escala dos mundos – irrelevantes – uma fina película de vida num obscuro e solitário torrão de rocha e metal.

Imagine a totalidade de todas as pessoas, de todas as felicidades e sofrimentos, milhares de religiões, ideologias e doutrinas económicas.
Cada caçador e saqueador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e plebeu, cada casal apaixonado, cada pai e mãe, cada criança esperançosa, inventor e explorador, cada educador e político corrupto, cada “líder supremo”, cada superstar, cada santo e pecador da história da nossa espécie, viveu ali:
numa partícula de poeira suspenso em um raio de Sol.

A Terra é um palco muito pequeno numa imensa arena cósmica.

Pense nas infinitas crueldades infligidas pelos habitantes de um ponto desse pixel nos quase imperceptíveis habitantes de um outro canto. Como são frequentes os seus desentendimentos, como eles estão sedentos de se matar uns aos outros; como fervilham seus ódios. Pense nos rios de sangue derramados por todos esses generais e imperadores para que, em glória e triunfo, eles pudessem ser os chefes momentâneos de uma fracção desse ponto.

Nossas atitudes, nossa imaginária auto-importância, a ilusão de que nós temos alguma posição privilegiada no universo são desafiadas por esse ponto de luz pálido. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Em nossa obscuridade em toda essa imensidão não há indício de que a ajuda virá de algum outro lugar para nos salvar de nós mesmos.

Tem sido dito que a Astronomia é uma experiência de humildade e formação de carácter. Talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas do que
essa imagem distante do nosso pequeno mundo. Essa imagem enfatiza a nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns dos outros e de preservar e estimar o único lar que nós conhecemos: O Planeta Terra, um ponto de luz azul pálido… entre muitos milhares de milhões de outros pontos de luz.

23 de Dezembro, 2015 Carlos Esperança

O eterno paradoxo e o perigo real de autoaniquilação

Por

Paulo Franco

Há muito que sabemos reconhecer o ser filosófico, espiritual e contraditório que existe em nós humanos. E o maior paradoxo que desenvolvemos é esta certeza curiosa de que quanto maior for o nosso conhecimento sobre o universo, ou sobre nós mesmos, acresce a nossa perceção da enormidade da nossa ignorância e pequenez insignificante face à imensidão do cosmos.

Se o conhecimento sempre foi, é e será fundamental para a nossa sobrevivência enquanto espécie, temos de perceber que os tempos mudam e com ele muda também o paradigma existencial da humanidade.

A humanidade nunca resolveu a bem a relação com a morte. A autoconsciência da finitude sempre foi e sempre será conflituosa e mal resolvida porque a nossa história evolutiva conduziu-nos sempre à preservação da existência (e portanto, à negação da não-existência).

Sendo verdade que a religião foi sempre péssima a dar respostas sobre as realidades do mundo, temos ao menos de reconhecer que o sucesso da religião deriva da sua magnifica capacidade para, pelo menos em parte, compreender os mecanismos da psicologia humana.

À força de repetirmos um milhão de vezes a nós mesmos que um tijolo é Deus, apesar de o nosso lado racional nos dizer que isso é ridículo, existe algo no nosso cérebro que preserva a fé e a esperança de que um tijolo é mesmo Deus. A religião sempre foi exímia a perceber a força avassaladora que a repetição de uma frase tem no autoconvencimento de uma proposição, por muito irrealista que essa proposição possa parecer.

O convencimento da ilusão autoinfligida em que a religião está mergulhada de que depois da morte, a existência será muito mais gloriosa, muito mais satisfatória; aliada às terríveis alusões dos livros sagrados para a necessária e justa aniquilação dos infiéis; coloca a humanidade face a um novo paradigma: a religião que nos ajudou a sobreviver no passado, pode agora conduzir-nos à aniquilação porque os meios tecnológicos de destruição nunca foram tão poderosos.

Os terroristas parecem ter todos uma perversa tendência para estarem encharcados de fé. Em algum momento, no futuro, adquirirão armas de destruição maciça. Nesse momento bem podemos estremecer de horror com a rejubilante alegria com que enviarão milhões de infiéis para o inferno numa fração de segundos. Eles parecem ansiar, com um grau de impaciência preocupante, pela concretização da profecia apocalíptica.

No passado, a Fé no Céu e no Inferno, por muito ridícula ou reconfortante que tenha sido, conduziu-nos à aniquilação de alguns milhares de cada vez. Hoje, a Fé no Céu e no Inferno pode conduzir-nos a aniquilação de vários milhões em segundos.

Há dias, em conversa com um crente amigo, fiz a previsão de que a próxima arma de destruição maciça será utilizada por um religioso radical. O meu amigo concordou e inclusive considerou que essa previsão nada tem de visionária. Qualquer pessoa hoje consegue prever que isso algum dia acontecerá.

12 de Dezembro, 2015 Carlos Esperança

Associação Ateísta Portuguesa

A carta ao ministro mereceu o apio incondicional de todos os sócios que se manifestaram.

Aqui fica um de um ilustre jornalista, escritor e desenhador do Porto, Onofre Varela.

«Apoio incondicionalmente a decisão da AAP em pedir explicações ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

É inconcebível que uma República Laica esqueça que o é, e que os responsáveis pelo esquecimento fiquem imunes, sem, sequer, serem chamados a dar explicação pelo acto anacrónico desempenhado fora das suas funções.

A demissão seria a opção.

E receio que nesta HRL (Hilariante República Laica) presidida por um católico assanhadíssimo crente e temente da senhora de Fátima, tenhamos, na mesma presidência após as eleições, um outro papa-missas temente a Deus e à navegante das estrelas que aterrou inopinadamente sobre uma azinheira em 1917.

De facto somos uma República Laica… mas não muito… porque hilariante!

Onofre Varela

 

11 de Dezembro, 2015 Carlos Esperança

Da série quão irracional a fé torna uma pessoa

Por

Carlos Tavares*

Orar não faz sentido
Quando não há altruísmo na fé
Os lúcidos, só os lúcidos, conseguem enxergar quão vazia de virtude e sentido é a fé. Só a desnudando, imunizado com a racionalidade – por conta de sua peçonha e perigosa toxidade – para que sua fragilidade lógica nos salte aos olhos…

Vejamos como a fé é tóxica e nos reduz à irracionalidade. Não há cidadão honesto sequer que não se indigne ao saber que o concurso público do qual participa não passa de um jogo de cartas marcadas, ou seja: que, por critérios escusos e criminosos, alguns concorrentes apadrinhados foram previamente escolhidos para as limitadas vagas anunciadas, em ludíbrio de todos os outros que pagaram inscrição, horas de cursos e se dedicaram aos estudos para disputar legitimamente, pelo intelecto e a competência, o cargo que acreditavam estar disponível, não loteado.

Injustiça! Desonestidade! É o brado comum de protesto dos vilipendiados. É que quando um cidadão concorrente, seja a qualquer pleito, busca meios extraordinários de privilégios para conquistar seu intento, ele está cometendo desonestidade e crime. Isso independe da importância do que se pleiteia. Quando se oferece ou se aceita, de forma facilitada, uma vaga funcional – que deveria ser disputada pública e democraticamente por meio de concurso intelectual de aptidão -, constrói-se um fosso de injustiças. Joga-se na lata do lixo o direito inalienável à liberdade, os sonhos, o esforço e a competência de muitas pessoas. Além de ser uma atitude de extrema arrogância – da parte de quem oferece a facilidade -, por se julgar no direito de interferir numa livre disputa; e de patético egoísmo – da parte de quem aceita ou suborna -, por se considerar mais merecedor do que os outros.

Porém quando esses mesmos indignados cidadãos se revestem da fé para, na prática, buscarem favorecimentos sobrenaturais, o senso de indignação transforma-se em louvores. Analisemos agora esse argumento à ótica da fé. João é um homem de fé. Acredita tanto em deus que o classifica como o ser mais poderoso de todo o universo. Sua fé é tão grande que ele não se constrange de, em determinados momentos, invocar o seu deus para interferir em negócios ou contendas particulares, enquanto tragédias humanitárias acontecem pelo mundo. João sempre acha que suas causas são mais justas para invocar ajuda divina. Desempregado, João se inscreve num concurso público. À função que lhe compete, poucas vagas estão disponíveis. O desolador é que centenas de candidatos também pleiteiam uma dessas vagas. João sabe que, dentre estes, muitos são mais competentes; muitos estão mais preparados. Sozinho, sem um pistolão, um apadrinhamento, sabe que não conseguirá uma dessas vagas. Mas tem João uma esperança, ainda. A fé. A sua inabalável fé. É por ela e em nome dela que João dispensa os livros, o aperfeiçoamento. “Eles podem estar mais preparados, mas eu tenho o meu deus, que é mais poderoso do que qualquer um deles. Vamos para a batalha, e deus está comigo! Tudo posso, naquele que me fortalece.” Nos trinta dias que faltam para o concurso, João se reveste da fé. Ora, jejua, participa de correntes, de vigílias, faz propósitos, chora, implora, bajula o seu deus, o todo poderoso, o maior pistolão, a maior autoridade do universo. Vai, à prova, convicto de que o seu deus a fará por ele, ou então que há de soprar-lhe aos ouvidos as questões corretas. Ignora João, porém, fato perturbador: para deus lhe dar a classificação, terá que fazer muitos outros concorrentes seus errarem. Inclusive os competentes. Diante de tanta fé, os mesmos cidadãos dirão: “Que exemplo de fé, João, que coisa linda, deus é bom, deus é fiel etc, etc”. A fé entorpece. Cega.

Ao orar e fazer penitências a uma divindade para conquistar uma vaga num concurso público, estou renunciando o esforço próprio pela comodidade de pedir, a uma suposta autoridade, uma forma de facilitar minha aprovação, mesmo que, em tese, isso signifique claro prejuízo a todos os outros concorrentes que preferiram se dedicar aos estudos a buscar apadrinhamentos, sejam eles de que instância forem. E isso serve até para aqueles que estudaram diligentemente as matérias, mas não abrem mão de acender uma vela, ofertar promessa ou dirigir orações ao objeto da crença de sua fé. Se houve dedicação ao estudo, por que pedir favores a forças ocultas? Se não me qualifiquei, tal pedido passa a ser corrupção. O simples ato de acreditar que através de orações seu deus pode sim interceder a seu favor para garantir sua vaga faz de João um desonesto. E, por que não, também criminoso. É que, independentemente da divindade invocada existir ou não, João impiedosamente ignora o sacrifício e a competência dos outros. Ele atropela a ética, não respeita a isonomia de direitos, para fazer valer a sua vontade, quando pelo simples fato de acreditar que, com sua fé, pode ser merecedor da vaga, mesmo sem possuir a competência exigida, porque o seu deus, autoridade maior, que tudo pode, manipulará o resultado do concurso em seu benefício. A fé impede João de enxergar que a sua atitude também é uma forma de suborno, tanto quanto a outra, quando apenas agentes humanos estão envolvidos. E ainda traz um gigantesco embaraço para a sua divindade adorada, que não deixa claro quando interfere e quando tibetanamente respeita a liberdade de decisão (o famigerado livre-arbítrio, criado, no século 5, pelo cristianismo) de suas criaturas. É com essa singela lógica distorcida que a fé constrói, de oração em oração, a legitimidade para se odiar gays e ateus, lapidar mulheres e queimar inocentes nas santas fogueiras de deus.

Carlos Tavares*
7 de janeiro de 2010

* Jornalista brasileiro (cidade de Três Rios – Estado do Rio de Janeiro – Brasil)