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Categoria: Ateísmo

7 de Janeiro, 2019 Carlos Esperança

Ainda sobre o Natal

Por

ONOFRE VARELA

No último artigo falei sobre o Natal de um ateu. Ficou-se a saber que é exactamente igual ao de um católico, retirando-lhe as liturgias próprias do culto da efeméride. 

O nascimento de Jesus Cristo aconteceu do mesmo modo como se faz, e nasce, uma criança em qualquer parte do mundo. A anunciação, a virgindade de Maria e a visita dos reis magos guiados por uma estrela, é folclore de uma narrativa religiosa que não passa de mito. A perseguição do bebé por Herodes, a infância de Jesus dando lições a doutores, e a ressurreição, fazem parte da mesma mitologia cristã.

A estória de Herodes na matança de bebés, é cópia de uma narrativa do deserto, anterior a Jesus, segundo a qual o rei Zohak sonhou que ia ser morto. Perguntou ao mago da corte o que significava o sonho, e o mago disse-lhe que tinha acabado de nascer o homem que o haveria de destronar. Em pânico por vir a perder o poder, Zohac mandou matar todos os bebés.

A vida de Jesus Cristo (a ter existido realmente) não foge ao que era o normal na Palestina invadida pelo poder de Roma. Havia vários grupos religiosos esperando um messias que libertasse aquelas terras do jugo romano (hoje seriam movimentos políticos). João Baptista teria formado um deles, cujo rosto foi Jesus, talvez por ter mais carisma e convencer mais gente. 

No seu tempo ninguém registou a vida de Jesus, que seria um ilustre desconhecido, e o próprio historiador Josefo, pouco diz sobre um pregador que foi sentenciado à morte. E Juvenal, poeta que satirizava os costumes, não o refere, o que sublinha o desconhecimento total da sua existência. 

O Cristianismo resultou de uma criação posterior à morte de Jesus, que foi sendo construída através do tempo. E só existe hoje porque o imperador Constantino, no século IV, deixou de perseguir os cristãos reciclando o culto em religião de Estado, transformando-o em ferramenta política. Criou Constantinopla onde elementos religiosos gregos, romanos e cristãos acabaram por se fundir no Catolicismo. Quinhentos anos depois (século IX) Carlos Magno cimentou os alicerces da cristandade medieval.

E o presépio é uma criação de Francisco de Assis no século XIII. O frade baseou-se nos Evangelhos para retirar elementos. Porém, dos quatro evangelistas, só Lucas refere o nascimento de Jesus numa manjedoura, e que foi visitado por pastores (Lucas: 2;7-20), omitindo a visita dos reis magos (que está em Mateus:2). Francisco encenou o nascimento num estábulo, decorando-o com um burro e uma vaca, pastores, carneiros e os três reis magos. É uma imagem bonita, mas não é História!…

Numa revista espanhola li o Horóscopo da semana de Natal. Todos os signos do Zodíaco falavam em reunião de família, festa, crianças e boa comida. Em nenhum referia o acto de dar e receber prendas. Porquê? Porque em Espanha, aquilo a que nós chamamos “prendas de Natal”, são trocadas no dia de Reis… o que, segundo a lenda dos Reis Magos, faz todo o sentido! 

Para cada cultura, a sua própria liturgia…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

31 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Feliz passagem de ano!

Bem-vinda a passagem de ano, porque é numa data que exonera a santidade do dia que finda e do que chega, uma data profana, sem recriminações de excessos, onde, todos os que podem, a gozam sem remorso, como se a euforia do momento se perpetuasse.

Não se assinala o número de viagens que a Terra fez à volta do Sol, apenas se destaca o dia em que no calendário gregoriano principia nova viagem, meridiano a meridiano, em mais uma volta no carrossel da vida do planeta à volta da estrela que o alimenta.

À meia-noite, tendo como referência, desde 1884, o Meridiano de Greenwich, quando a Inglaterra era a grande potência, capaz de definir os meridianos a partir do Observatório Real, empurram-se doze passas com champanhe, sem tempo para o número equivalente de desejos que é mister formular em simultâneo, como se fosse possível comer, beber e pensar uma dúzia de coisas num momento sem tempo, o intervalo entre as 24H00 do dia em que o ano acaba e as 00H00 do que inicia o seguinte.

Ficam, do momento, os sonhos e os votos, as recordações dos corpos que se fundem na embriaguez do amor, de beijos que se prolongam em promessas mudas, dos abraços que estreitam corpos e dos corpos que se erguem em dificuldade com articulações a ranger e reumatismo a recordar a erosão do tempo e os limites biológicos da existência.

Que importa, se o ano que chega vai ser pior, se tudo o que pode correr mal correrá pior, se são utópicos os desejos? Por uma vez não são cínicos os votos e a alegria corre para o calendário da vida com fogo de artifício a substituir, na beleza das cores e no júbilo que contagia, os fogos e os desastres que voltarão a ser servidos nas televisões na desvairada competição que alimenta a morbidez de gente azeda.

Façam favor de ser felizes e de se divertirem. Não há idades para o sortilégio do amor e a esperança em melhores dias. A racionalidade é o veneno que intoxica o quotidiano. Os pecados são a única coisa que vale a pena. Não troquem os sonhos pela realidade.

Pequem muito, entusiasmem-se e divirtam-se. Deus é uma aberração que inventaram para nos enegrecer a existência.

Feliz 2019!

28 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Os monoteísmos e a violência

As religiões provaram ao longo dos séculos a sua nocividade e falsidade, sobrevivendo através dos interesses instalados e de constrangimentos provocados. Os sistemas criados mantêm os povos na sujeição do clero e a intoxicação começa à nascença.

Os monoteísmos distinguiram-se pela sua intolerância e inquinaram as sociedades onde se consolidaram. Nem a modernidade os conseguiu implodir. De um livro da Idade do Bronze, o Antigo Testamento, de matriz hebraica, surgiu o judaísmo cujos seguidores residuais (cerca de 18 milhões) ainda creem na Conservatória do Registo Celeste, onde estará guardada a escritura que lhes garante direitos imprescritíveis sobre a Palestina.

Paulo de Tarso fez a única cisão bem conseguida do judaísmo, criando a primeira seita de vocação global, que o Imperador Constantino imporia com inaudita violência como a religião do Império Romano, a que serviu de cimento.

O catolicismo romano só viria a reconhecer a liberdade religiosa na década de sessenta do século XX, durante o Concílio Vaticano II. Nem o Renascimento, o Iluminismo e a Revolução Francesa o conseguiram vergar.

No entanto, o mais implacável dos monoteísmos, o Islamismo, fez da cópia grosseira do cristianismo com laivos de judaísmo, um inflexível é totalitário código de conduta que se agrava com a decadência da civilização árabe mas mantém, no seu primarismo dos 5 pilares, um poder de sedução a que não são alheios radicalismos em certas idades e em várias fases da adolescência de indivíduos que vivem à margem dos valores humanistas que a Europa herdou do Iluminismo e da Revolução Francesa.

Se as democracias continuarem a abdicar da laicidade, única forma de conter o carácter prosélito dos dois últimos monoteísmos, em especial o Islão, ficam desarmadas contra os surtos terroristas de superstições à escala global, que se reclamam da vontade divina para imporem aos outros o que só têm direito de usar como crença doméstica.

O proselitismo é a mais nefasta nódoa das crenças e a laicidade o único antídoto para o conter.

26 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Ateu, graças a Deus

Há quem por graciosidade ou provocação goste de dizer aos que elegem a consciência como única fonte de valores, que são «ateus, graças a Deus».

E não é que têm razão? Deus é uma explicação por defeito para todas as dúvidas, uma boia para todos os naufrágios, um arrimo para todos os medos – especialmente, para a mãe de todos os medos –, o medo da morte.

Não fora a invenção desse ser imaginário, à semelhança dos homens que o criaram, não haveria necessidade do contraditório. Não há antítese sem tese, nem síntese sem ambas.

Os ateus não têm o direito de perseguir os crentes, tal como a estes não assiste o direito de molestar aqueles. Diferente é o combate de ideias, batalha que cabe aos crentes travar entre crenças ou contra o ateísmo e aos ateus contra as crenças.

É preciso ser destituído do mais leve resquício de humanismo para deixar sem combate a crença nas virgens que aguardam terroristas, os pregadores do ódio e os divulgadores da vontade divina que impõe normas de vestuário, tipos de alimentação e decapitações, por heresia, blasfémia ou apostasia.

A apostasia é um direito inalienável, seja em relação a um partido político, a uma crença religiosa ou a uma doutrina filosófica. Com que direito poderia um ateu perseguir quem, depois de o ter sido, optasse por ir a pé a Fátima, andar de rastos à volta de um ícone, ou intoxicar-se com incenso?

A blasfémia, que permanece no Código Penal português, é um anacronismo sem sentido. Um islamita não tolera uma caricatura de Maomé, um trecho de música ou o desprezo de Alá? Conforme-se, tal como os ateus quando escutam um cardeal a considerar o ateísmo como a maior tragédia da Humanidade.

Idiota, tolice grossa, é animar uma maratona pia, a peregrinação a Fátima “contra o ateísmo”, peregrinação de 13 de maio de 2008, chefiada pelo cardeal Saraiva Martins. Tinha esse direito, porque a peregrinação não foi contra os ateus, que são pessoas, foi contra uma ideia – o ateísmo –, mas revela um carácter belicista a lembrar as Cruzadas.

O livre-pensamento e a liberdade de expressão são mais importantes do que as crenças particulares. Ao Estado, cuja neutralidade é uma exigência democrática, cabe apenas defender a livre expressão de todas as crenças, por mais idiotas que sejam, desde vacas sagradas à transubstanciação das hóstias em corpo e sangue de um judeu defunto, sob o efeito de sinais cabalísticos executados por um clérigo ungido e com alvará.

Mais importante do que qualquer crença é a confiança na Humanidade e na capacidade desta para se transformar e melhorar. Nessa tarefa podem ateus e crentes dar-se as mãos.

12 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Quando formos grandes…

Quando se levanta uma voz que contraria a tradição e a ordem estabelecida, originam-se reacções que vão desde o escândalo dos resistentes a novas ideias, até ao fascínio dos que aderem ao que é novo. Em todos os tempos as vanguardas começaram por ser repudiadas, depois toleradas, acabando por serem aceites. Lembremos Galileu Galilei e Giordano Bruno.

Galileu (1564-1642), astrónomo, construiu o primeiro telescópio e observou os astros. Concluiu que a Lua girava à volta da Terra, e esta rodava à volta do Sol. O conhecimento da sua época não era científico, mas religioso, e a Igreja garantia que o nosso planeta era o centro do mundo e que o Sol e a Lua rodavam à volta da Terra para nosso puro deleite, pois Deus assim quis e fez! Galileu foi condenado pela Santa Inquisição, e fingiu retratar-se, evitando ser morto na fogueira diabólica onde a Igreja adorava queimar aqueles que não diziam amen consigo. No tribunal, terá dito: “eppur si muove” (no entanto ela [a Lua, a Terra] move-se).

Giordano Bruno (1548-1600) foi monge e estudioso do Universo. Concluiu poder ser falsa a ideia (defendida pela Igreja) que só a Terra era habitada por vida inteligente, defendendo a hipótese da existência de muitos outros mundos habitados por gente como nós. Ao contrário de Galileu, não aceitou fazer uma retratação negando as suas ideias, e por isso foi condenado a morrer na fogueira. Os seus algozes foram mais longe. Depois de o amarrarem no poste, e antes de lançarem fogo à lenha que o rodeava, com um alicate puxaram-lhe a língua, pregando-a numa tábua para que não blasfemasse!…

Charles Darwin teve o mesmo problema com a Igreja quando concluiu aTeoria da Evolução, contrariando a Criação Divina. E embora já passassem cerca de 160 anos após a publicação do seu livro Origem das Espécies, ainda há quem defenda o conceito religioso da Criação contra a evidência científica da Evolução! E isto acontece assim porque oraciocínio da maioria do povo é amarrado ao ensino religioso desde criança, impedindo, ou dificultando, o entendimento científico. A sociedade é maioritariamente constituída por interesses supérfluos e serôdios, levando ao desinteresse pelas Ciências e pela Filosofia. Considerou-se ser mais importante jogar à bola do que ler um livro; exercitar a musculatura do corpo do que treinar o músculo do cérebro.Ter músculos esculpindo o corpo é a primeira escolha, porque se vê por fora. Vivemos a cultura do corpo esquecendo o espírito.

No campo destas considerações encontramos o Ateísmo que já faz um quarto da população mundial. Não é muito, mas está a crescer. Quando formos grandes… a maioria de nós dispensará a redutora ideia da fábula de Deus e dos santinhos.

(Onofre Varela in Gazeta de Paços de Ferreira, edição de 13 de Dezembro de 2018)

27 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

O medo da morte

Por

ONOFRE VARELA

O medo é um escudo protector da vida que activa os sentidos de alerta dos animais. No bordo de uma falésia, qualquer animal, incluindo o Homem, recua com medo de se aproximar demasiado e cair. Só as aves se abeiram e saltam no vácuo… porque voam! 

Nos humanos o medo é ampliado pela consciência que temos dos riscos que corremos. Quando nos encontramos em perfeito estado de consciência (o que não acontece aos suicidas), evitamos tudo quanto possa apresentar risco de vida. Não ingerimos veneno, não saltamos de uma ponte, nem nos deitamos na linha do comboio.

Também temos medo do futuro que, neste tempo de má globalização, se apresenta um inferno para quem trabalha, e um paraíso para quem explora os trabalhadores transformados em objectos de produzir lucro sem troca de ordenados miseráveis. 

Nessa consciência que alimenta os nossos medos, também tem lugar a morte natural. Ninguém gosta de morrer. Mesmo quando vivemos em sofrimento social, alimentamos a ideia de um futuro melhor que elimine as dificuldades actuais, e pretendemos chegar lá. Em situação normal enuma sociedade civilizada, a vida apresenta-se atractiva, e é uma alegria viver junto de quem amamos, sentindo-nos realizados dia-a-dia, e vendo crescer os nossos filhos e netos. Pôr um ponto final neste gozo que sentimos pela vida, só pode ser uma maldade!…

Ninguém quer morrer, mas o fim da vida é a coisa mais certa com que podemos contar sem receio de errar. Nascemos, morreremos! Desta vida, ninguém sairá vivo! É o ciclo da Natureza. A morte é o fim natural da vida, e ninguém lhe pode fugir.

A Ciência conseguirá vencer a morte?… Para já, os cientistas conseguiram prolongar-nos a vida, aumentando o “prazo de validade” com que nascemos. A eternidade do corpo, com todas as faculdades anímicas, é um mito. A eternidade só é possível na memória histórica;não na matéria. 

Gostaríamos de viver eternamente e, para alimentar esse gosto, criamos a ideia da vida eterna numa suposta vida espiritual a usufruir depois da morte, num também suposto céu, junto do igualmente suposto Deus que criamos à nossa imagem e semelhança e à medida da nossa ignorância! É um consolo crermos na vida espiritual eterna. Quem crê nela, alimenta a esperança de se encontrar com Deus depois da morte!… 

Acredito que essa ideia afugente o medo da morte da cabeça dos crentes, e os ajude a aceitar a naturalidade do fim, com a muleta da fantasia religiosa na convicção de que vão, finalmente, encontrar-se com Deus e serem felizes (derradeiro consolo)!

Esta é uma face positiva da crença religiosa, por ajudar a aceitar a morte sem dramas maiores, mesmo que o consiga com base numa mentira que o crente aceita por verdade. Depois de morrer, não se tem consciência… nem nada!… É por isso que não há reclamações da vigarice da promessa de vida eterna!… E os crentes vivos pensam que se o morto não reclama… é porque está bem!…

(Texto de Onofre Varela, in Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 29 de Novembro de 2018. O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

15 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

A confissão e o crime

Por

ONOFRE VARELA

Num dos últimos textos que aqui publiquei (Gazeta de Paços de Ferreira) abordando crimes sexuais cometidos pela Igreja australiana, disse que «a Conferência Episcopal local fez saber que os sacerdotes não podem revelar abusos sexuais de que tenham tido conhecimento através da confissão, nem podem ser forçados a fazê-lo, porque violar essa norma “vai contra a fé e a liberdade religiosa”. Esta directiva religiosa desobedece à comissão governamental que desde 2012 investiga casos de abusos a menores em instituições religiosas, e que propõe sanções penais contra quem não denuncie este tipo de crimes».

O que então não disse, digo agora: os jornalistas também estão obrigados à confidencialidade, e por isso não divulgam as suas fontes de informação. Faz parte do seu código deontológico, protegê-las. Porém, os valores humanos sobrepõe-se a qualquer código seguido por uma classe profissional, e um jornalista não pode calar um crime hediondo quando dele tem conhecimento e a sua denúncia pode salvar vidas. Por uma questão de Humanidade e Justiça, deve comunicá-lo às autoridades competentes. Os padres que calam um crime, na convicção de “a confissão” ser assunto que não pode sair do triângulo “pecador-sacerdote-Deus”, estão a colocar-se ao lado do criminoso, consentindo que a vítima não seja ressarcida dos danos que sofreu, nem o criminoso seja julgado. Sendo Deus uma criação humana, calar um crime em seu nome… é calá-lo em nome da nada!…

O jornal espanhol El País dispôs-se a investigar crimes sexuais, e tem um canal aberto ([email protected]) para os leitores sabedores de algum caso que não tenha sido divulgado, poderem fornecer elementos para investigação jornalística.

O jornal já conta com mais de uma centena de relatos de abusos sexuais alegadamente cometidos por padres e que, até agora, permaneciam ocultos. Supostas vítimas de abusos sexuais cometidos em paróquias e colégios religiosos em várias épocas, desde os anos quarenta até aos últimos anos, contaram, por escrito, os seus dramas ao El País. Até agora não os tinham contado a ninguém, por vergonha ou por respeito aos seus pais que não queriam ver a sofrer. Há quem o faça agora porque os seus pais já faleceram, e porque a sua “impotência, raiva, angústia e dor, continuam vivas”.

Um dos testemunhos diz que “a raiva ainda me acompanha 53 anos depois; sofri abusos de um padre e sei que não fui o único”. Outros, disseram: “o director do colégio abusava de mim na secretaria”; “o arcebispo ameaçou que era a minha palavra contra a sua”; “o bispado silenciou os abusos que sofri”; “ameaçou-me de que, se contasse, me enviava para um internato”.

A Igreja Espanhola silenciou, durante décadas, os casos de pederastia que conheceu, e instruiu os tribunais eclesiásticos para que não registassem todos os casos.

Conseguir informações da Igreja é tarefa impossível para os jornalistas. As dioceses negam o fornecimento de dados. Só 17 responderam, com evasivas ou negativas, e 53 optaram pelo silêncio. A Máfia e a Cosa Nostra também funcionam assim…

(Texto de Onofre Varela, in Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 15 de Novembro de 2018)

7 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

O ateísmo e o deus de cada um

Às vezes, por ironia, provocação ou humor, dizem-me: você é ateu, graças a Deus. E é um facto, contrariamente ao que julgam.

Tal como o anticlericalismo só existe porque há clericalismo, também o ateísmo é fruto de um ser imaginário que os homens criaram para se tornar a explicação por defeito para tudo o que desconhecem, a boia de salvação para todas as aflições e a esperança que resta para o que não tem remédio –, a própria vida e o seu fim.

Sem teísmo não existiria ateísmo. O primeiro é a tese, o segundo a antítese. A dialética entre um e outro levam ao livre-pensamento. Há quem cristalize numa religião, a que se habituou desde a nascença, e quem se interrogue sobre a verosimilhança das verdades que as religiões consideram imutáveis.

A crença é tão legítima como a descrença ou a anticrença. Grave é quando alguma delas produz um efeito nefasto e atenta contra os direitos humanos. Não há mal em acreditar que existe o Abominável Homem das Neves, o monstro de Loch Ness ou as adoráveis sereias, havendo no último caso testemunhos de pessoas tão credíveis como Cristóvão Colombo, que afirmou tê-las avistado nas costas da América.

Estes exemplos, que hoje merecem apenas sorrisos, não são menos incoerentes do que o nascimento de um deus, de uma virgem e de uma pomba, e, no último caso, a descrença provoca o ódio, a violência e, quiçá, a morte. O que pode levar pessoas normais a odiar a dúvida religiosa e a tolerar a descrença sobre as vacinas ou sobre uma lei da Física?

Só um processo de fanatização, apoiado por um forte dispositivo ideológico e um forte aparelho repressivo, onde não faltam os constrangimentos sociais, pode perpetuar uma ideologia patriarcal, nascida na Idade do Bronze, numa cultura tribal e xenófoba.

Depois…bem, depois os interesses criados tendem a perpetuar-se.

20 de Outubro, 2018 Carlos Esperança

Óbvio