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Categoria: Ateísmo

12 de Agosto, 2021 João Monteiro

O resultado da oração contra o Ateísmo

Parece que hoje foi o “Dia da Oração Contra o Ateísmo”, promovido no Facebook aparentemente pela página “Say no to Atheism. Say yes to Jesus“. Se essa não for uma página satírica, sinto vergonha alheia por quem a gere. De qualquer modo, o evento pode ser consultado aqui. Não é nada de especial para além de um monólogo entediante, em jeito de direto para as redes sociais. As contra-reações nas redes sociais por parte dos ateus não se fizeram esperar, da única maneira possível: com sentido de humor. Ficam aqui alguns exemplos (no facebook, no Reddit e no youtube).

O resultado esperado pelos ateus a esta oração é o mesmo que se espera para qualquer outra oração: não tem qualquer efeito.

Daqui a nada vou deitar-me sabendo com toda a certeza que o Ateísmo não irá terminar. Até amanhã, companheiros ateus.

Imagem de Pexels por Pixabay
21 de Julho, 2021 João Monteiro

Kurt Westergaard (1935-2021)

Kurt Westergaard foi um cartoonista dinamarquês que ficou reconhecido por ter retratado Maomé com um turbante em forma de bomba. Esta imagem originou manifestações na Dinamarca contra o jornal que publicou o cartoon – o Jyllands Posten – e levou a pedidos de legislação contra a blasfémia, por parte de muçulmanos. Em 2008 Kurt foi considerado pela polícia como uma pessoa em perigo e, em 2010, viu a sua casa ser invadida por um muçulmano somali armado, passando a viver escoltado até decidir habitar numa casa fortificada.

O cartoon da autoria de Westergaard que gerou polémica.

Este caso lembra-nos que também na Europa ateus ou críticos da religião podem sentir-se ameaçados – curiosamente nunca pelos supostos deuses todo-poderosos, mas pelos fanáticos que têm de atuar em nome do seu deus vingativo mas incapaz, mesmo que em causa esteja uma religião de paz (como supostamente são o judaísmo, cristianismo ou o islão).

Kurt via o seu trabalho, e as consequências do mesmo, como uma forma de colocar as pessoas, principalmente os crentes, a discutirem abertamente sobre religião.

Kurt Westergaard faleceu após doença prolongada a 14 de Julho de 2021.

Créditos: Wikipedia

Fontes:

Diário de Notícias
BBC
The New York Times

20 de Julho, 2021 João Monteiro

Porque rejeitas Deus?

Credit: Jesus and Mo

Nota: este e outros cartoons da série “Jesus and Mo”, podem ser visualizados no website: https://www.jesusandmo.net/

2 de Julho, 2021 João Monteiro

Pai Natal

Texto de João Joyce.

De todos os mitos existentes no mundo o mito do Pai Natal é discutivelmente o mais global e indiscutivelmente o mais importante.

O mito apresenta-se como uma excelente oportunidade para incentivar as crianças a desenvolverem a curiosidade, o pensamento crítico e a busca incessante pela verdade.

Como diz Dale McGowan no livro Parenting Beyond Belief:

“A nossa cultura construiu um mito ridículo e temporário paralelamente aos mitos ridículos e permanentes.”

A verdade é que não conheço nenhum adulto que acredite no Pai Natal e em renas voadoras independentemente de todos os anos de doutrinação. Isto sim, é um feito digno de ser celebrado!

Fica assim aqui a minha homenagem a este velho barbudo e sorridente que nos ensinou a desconfiar dos adultos, a não acreditar em histórias quando as evidências são insuficientes e a aceitar a realidade, por mais dolorosa que seja.

Um dia, quando um rosto familiar se vislumbrar por trás da barba de algodão, espero que o Gui sinta o orgulho da descoberta e a certeza de que a magia do mundo fantástico dos duendes não é tão maravilhosa como o Real Mundo fantástico em que vivemos.

Imagem de Xavier Turpain por Pixabay
29 de Junho, 2021 João Monteiro

O Porquê (2)

Texto de Onofre Varela publicado na Gazeta de Paços de Ferreira. Devido ao seu tamanho, foi dividido em duas partes, sendo esta a segunda parte.

Regressado do serviço militar em 1968, a curiosidade pelo fenómeno religioso (e católico) tinha tomado conta de mim no sentido de o perceber. Passei a frequentar igrejas para assistir a missas, não com o espírito de crente, que não tinha nem pretendia adquirir, mas com a curiosidade de entender o que ali se passava. Obriguei-me a ler a Bíblia, o Corão, textos Budistas e outros livros sobre o tema. 

A Bíblia, à medida em que progredia na sua leitura, revelou-se-me um livro sem interesse ou, pelo menos, sem aquele interesse desmedido que os religiosos lhe conferem. Os textos arqueológicos e mitológicos que a compõe, montados em forma de puzzle, agregando realidades históricas e ficções, com alguns conselhos e leis à medida da época e da realidade social do lugar onde foram escritos com o único interesse de contarem a história (fantasiada) de um povo: o Judeu. 

Mas são, também, uma insustentável colecção de absurdos à volta de uma divindade sem lógica e de existência real impossível. Se eu tivesse sofrido uma meninice de educação religiosa, nunca me interessaria por estas leituras do mesmo modo, no sentido racional do verbo “interessar”, ao contrário do que penso acontecer a muita gente para quem a crença em Deus é entendida como uma necessidade psicológica. Aceito essa necessidade para quem se submeta a ela… mas não é uma necessidade biológica e vital, como é comer e beber, nem uma necessidade intelectual como é ler, viajar, ver ou fazer teatro, pintar, escrever e compor música. Poderá ser mais uma necessidade aparentada ao consumo de droga!… Já fumei e sei o que me custou largar o vício do tabaco. Mas deixei-o e sinto-me muito bem por isso… se o não tivesse feito quando o fiz, há 50 anos, provavelmente já não vivia. 

Como dizia, regressado da Guerra Colonial, não só me estreei na prática de ouvir missas. Também passei a frequentar bibliotecas e livrarias. Li filósofos e ensaístas, de entre os quais destaco os clássicos Feuerbach, Shopenhauer, Hobbes, Kant, Espinosa, Nietzsche… mas também o Catecismo Católico, Santo Agostinho, David Hume, Pascal, Pierre Teilhard de Chardin… e mais Sartre, Roland Barthes, Bertrand Russell… e o Português Tomás da Fonseca, entre outros autores. Estas leituras foram feitas sem pressa, num período de cerca de 20 anos (durante o qual prestei especial atenção a artigos de opinião e notícias de jornal, mais a programas de televisão e rádio que abordavam Religião, e conversei com religiosos de várias crenças) sempre com sentido crítico e antropológico, numa atitude de aprender os vários comportamentos humanos perante o fenómeno religioso, e nunca animado de espírito guerreiro ao serviço do “anti-Cristo”. 

Também não tinha o interesse de “saber tudo e depressa”; apenas me movia a curiosidade que alimentava a minha vontade de ler sobre Religião, não me preocupando em “procurar Deus”, o que é matéria de que não necessito absolutamente. Nem, tão pouco – como se vê pelo tempo dilatado de duas décadas – me interessava tirar um curso apressado de Religião, ao estilo da carteira de cursos do célebre “doutor” Miguel Relvas. Foi com base em todas estas experiências, leituras e raciocínios, que aos 40 anos de idade me assumi ateu. Até aí apenas sabia que a fé religiosa me causava cócegas no cérebro, levando-me a imaginar que, provavelmente, seria ateu… depois tive a certeza de que o era, e só então o assumi com a convicção de, histórica e filosóficamente, estar bem fundamentado. (FIM)

NOTA: Saúdo o Padre José Augusto pela sua chegada à Gazeta, cujas páginas careciam, há demasiado tempo, da opinião de um sacerdote. Desejo-lhe longa vida sacerdotal e larga permanência no nosso jornal (rima e é verdade!). Aceite o meu abraço.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

Imagem de Colleen ODell por Pixabay
28 de Junho, 2021 João Monteiro

O porquê (1)

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta de Paços de Ferreira. Como o texto é longo, foi dividido em 2 partes.

Não se é religioso ou ateu por mero acaso. Há sempre uma razão na base da construção do adulto que somos, e ninguém foge à sua infância nem às experiências da juventude. O porquê do meu modo de pensar a Religião para além da fé, tem a sua história… e apetece-me falar-vos dela, o que ocupará dois dos meus artigos nestas páginas.

No dia 15 do último mês de Março assinalaram-se os 60 anos do início da luta de Guerrilha Angolana contra a Colonização Portuguesa. Quatro anos depois (em 1965) cheguei ao norte de Angola – integrado num Batalhão de Artilharia – à mesma região onde tiveram lugar os primeiros massacres de colonos (Dembos – vila do Úcua). 

Nem duas semanas eram passadas, tivemos um ataque ao aquartelamento que durou a noite inteira e nos causou a primeira baixa: morreu o Quim… o soldado cozinheiro Joaquim Pires Moreira, natural de Ermesinde e meu colega de camarata no navio Vera Cruz. Por isso conhecia toda a sua vida e os seus projectos. O Quim era trolha na vida civil, a sua namorada ficara grávida e era tecedeira da Fábrica Têxtil da Areosa (indústria de Manuel Pinto de Azevedo Júnior, também proprietário e director do jornal O Primeiro de Janeiro, e que mais tarde foi meu “patrão”). 

O Quim já tinha projectado toda a sua vida: aproveitaria o facto de ser cozinheiro na tropa para abandonar a talocha e a colher de trolha, tomar conta de uma adega e confeccionar comida. A sua mulher deixaria a fábrica e serviria às mesas; o seu filho já contaria dois ou três anos e teria o seu futuro traçado na continuação do restaurante do pai… mas o Quim foi o primeiro a morrer… depois morreram mais 13!… 

A pedido do médico ajudei na autópsia, o que não foi experiência fácil e ainda hoje me ocupa boa parte das más recordações de guerra. A convivência com a morte, sempre presente em pensamento e demasiadas vezes tornada realidade, levava os meus camaradas a fazerem preces para que Deus os livrasse da morte… o que me intrigava!… Em conversas de caserna apercebi-me de que era eu o único soldado que não acreditava em Deus! Intrigavam-me as suas preces e não as percebia. 

O que eu sabia, de saber certo, matemático, científico e infalível, era que se uma bala viesse na minha direcção, não havia mão de Deus que evitasse o impacto do projéctil no meu corpo, por muitas rezas que eu fizesse… e só escaparia com vida se a bala não atingisse orgãos vitais e se fosse socorrido a tempo. Parecia-me impossível haver quem acreditasse no contrário desta realidade fatal, e esperasse que a deidade interferisse na trajectória da bala!… E não tinha ninguém com quem pudesse conferir os meus pontos de vista contra-a-corrente, porque não havia por ali quem pensasse de igual modo!… 

Na tentativa de perceber o sentido da religiosidade, comecei por interrogar os meus camaradas sobre a razão da fé que tinham, iniciando aí a minha colecção de conceitos religiosos, com espírito de aprendiz de Antropologia por conta própria. Não negava as suas convicções… apenas os provocava movido pelo propósito único de os ouvir. Depois procurava perceber o porquê das suas convicções de fé. Quando eu era agressivo colhia mais informações por serem debitadas pela força da ira. Da resposta assim conseguida, deitava fora o insulto e aproveitava o resto. 

Recordo um camarada (o Tino, foto-cine) que me disse ser adventista e que assistia às missas católicas por ser o local onde se encontrava com Deus!… Considerei aquela confissão muito interessante e lógica, mas os outros camaradas, católicos, não tinham a mesma opinião e entendiam que ele devia afastar-se do culto que não era o seu. Esta atitude escandalizava-me pela falta de fraternidade e acolhimento que eu via constituir o espírito daqueles meus camaradas católicos!… (Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

27 de Junho, 2021 João Monteiro

Eis a questão

Texto da autoria de Onofre Varela, publicado no jornal O Trevim, e anteriormente partilhado na conta oficial do Facebook da Associação Ateísta Portuguesa.

«Quando diverges de mim não me empobreces, enriqueces-me»

(Saint-Exupéry)

Quando, em 1997, iniciei o movimento que conduziu à formação da Associação Ateísta Portuguesa (AAP), estava longe de supor haver tantos modos de se ser ateu, como maneiras há de se ser religioso e de cozinhar bacalhau. 

Em regra, todos nós temos tendência para negar tudo quanto não encaixe no nosso modo de ver, excluindo da lista dos amigos aqueles que pertencem à “espécie rara” de não comungarem dos nossos pensamentos, das nossas convicções e das nossas certezas… repudiando-os, até, quando não abraçam as nossas crenças. 

Se há uma matriz que identifique um religioso ou um ateu, ela é, apenas, a de se ser, ou não, crente em Deus. Para além desta simples bitola, há vários modos de crer e de não crer, e nenhum deles, por si só, permite aferir o nível da qualidade humana daquela pessoa. 

Estas diferenças, das quais não me apercebia, comecei a notá-las a partir da primeira reunião com os aderentes à ideia de se congregar os ateus numa associação nacional que os representasse, e que responderam a um anúncio que publiquei no Jornal de Notícias em Abril de 1997 (há um quarto de século!). 

O primeiro aderente (e mentor da criação da AAP, já que a ideia surgiu na primeira conversa que mantive com ele, antes de publicar o anúncio) foi Manuel Paiva, homem que, então, já contava mais de 90 anos de vida. Mostrou-se frontalmente contra a ideia da legalização do aborto voluntário, colocando-se ao lado da Igreja na defesa do embrião da vida, não admitindo a liberdade de a mulher pôr fim a uma gravidez! Mais ainda… impediu que se atribuísse a José Saramago a qualidade de sócio honorário da AAP… pelo facto de o escritor ser comunista!… 

Depois notei que aquele fundamentalismo caracterizador de alguns religiosos, também tinha lugar no pensamento de alguns ateus; a certeza de serem detentores de todas as verdades, desrespeitando ideias contrárias. Verifiquei, ainda, o desprezo e a postura xenófoba que alguns (pouquíssimos…) demonstravam ter por atitudes puramente étnicas, como o modo de vestir e de rezar de outros povos não europeus, como que se os europeus (e os ocidentais) fossem a fina-flor da Humanidade!… 

A minha virgindade na apreciação dos meus correligionários era constantemente violada pelas observações que fazia naquelas primeiras reuniões, obrigando-me a alterar, constantemente, o modo de entender as coisas que ao Ateísmo e à Religião pertencem, numa espécie de curso rápido, aprendendo a pautar a qualidade das pessoas, não pela superficial camada visível de serem crentes ou descrentes, mas pelas suas condutas sociais, pelas motivações que os conduziam à crença ou à descrença, e também pelos seus discursos comparando-os com as suas acções.

Em todas as classes sociais, em todos os partidos, em todas as religiões e em todos os grupos de futebol, sejam de bairro ou da primeira divisão, há boas e más intenções, boas e más práticas e boas e más pessoas. O rótulo que se cola a quem pensa de modo diverso de nós, não passa de preconceito estúpido e saloio.

Para usar termos que os religiosos compreendem muito bem, direi que de entre gente de muita fé em Deus e que papa hóstias em todas as missas, “há quem tenha a alma a arder no inferno”… e que de entre os mais empedernidos ateus… “há quem raie a santidade”.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

16 de Abril, 2021 João Monteiro

O deus que habita em nós

Texto da autoria de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

Conversando com um amigo, falávamos da diversidade de sensibilidades políticas e religiosas que unem as pessoas, mas que também as separam e muitas vezes conduzem a agressões verbais ou físicas condenáveis. Como exemplo desses procedimentos bélicos, referíamos os actos pouco dignos, até criminosos, de grupos fundamentalistas, sejam religiosos ou políticos, e mesmo claques de clubes de futebol. Todos têm a mesma matriz do ódio… só porque uns gostam de maçãs, e outros preferem pêssegos!…

Estas atitudes, sendo condenáveis, também são naturais em nós. Fazem parte da nossa característica de predador, de que a Natureza nos dotou como sistema de defesa e sobrevivência. Mas se a Natureza nos fez predadores – tal como fez o leão – também nos equipou com um cérebro de características especiais, dando-nos raciocínio, sensibilidade e inteligência… faculdades que o leão não possui. Por isso nos obrigamos a usar as nossas características de Sapiens, contrariando o mero animal que somos, usando “o deus que habita em nós”, abandonando a nossa parte animalesca que, naturalmente, faz o leão.

O meu amigo arregalou os olhos de espanto. Sabendo-me ateu, estranhou a minha referência ao “deus que habita em nós”! Compreendi o seu assombro porque o Ateísmo sempre foi vilipendiado e dele se faz, erradamente, exemplo de desvio comportamental no pior dos sentidos. Na verdade não há razão para espanto, porque os ateus (isto é: eu. Da sensibilidade de outros ateus não posso falar. Tal como há vários modos comportamentais de se ser religioso, também os há de se ser ateu). Dizia eu que os ateus criticam “a ideia da existência de um deus exterior a nós”, no aproveitamento social e económico que dessa ideia se faz, mas nunca criticam “o deus que habita em nós”… isto é, a ideia que nos levou à criação de deuses, e depois à sua depuração até chegarmos ao “Deus único” adorado por judeus, cristãos e muçulmanos.

O processo da “depuração da ideia de Deus” ainda não está concluído. O caminho que conduziu ao abandono de um panteão, apurando um único deus, acabará por dispensar, também, o deus Jeová (Alá) criado pelos Judeus, reciclado pelos Cristãos (e adoptado por Maomé), que sobrou da purga do tempo. Quando refiro “o deus que há em nós”, sei que sou compreendido por quem me escuta e é crente, porque a força que ele sente na crença que alimenta no “deus que habita em si” – cujo deus, na verdade, só existe dentro da sua cabeça, e não fora dela – é característica daquela parte de nós que sublinha o facto de sermos Sapiens, diferenciando-nos de todos os outros animais nossos companheiros da vida na Terra.

Só a capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade e o sentido estético que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo… e à criação de deuses… faz de nós uns seres especiais e superiores. No entanto, quando em discordância com os nossos semelhantes, somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador inferior, porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma… embora raciocinemos, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos, tomando conta da razão. E por esse caminho, muitas vezes ficamos em patamares inferiores aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que estes só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões… e acrescentamos a lista, tomados por uma irracionalidade e cupidez que espelha o pior da nossa condição animal… o que parece ser incongruente com a nossa capacidade de raciocinar a que chamamos inteligência… mas a verdade é que, naturalmente, somos assim!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
10 de Abril, 2021 João Monteiro

«Em Verdade Vos Digo»(*)

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

(Permitam-me duas palavras de apresentação: a amizade existente entre mim e o Trevim, desde os tempos áureos das sessões anuais de caricatura na Lousã, organizadas por Osvaldo de Sousa e José Oliveira com o apoio deste jornal, criou laços que jamais se romperam. Por convite da direcção serei, a partir de hoje, colaborador habitual com um texto de opinião na linha do que aqui publiquei no dia 11 de Fevereiro último. Sou ateu e difundo as minhas opiniões no respeito devido à opinião de quem é religioso. Embora tenhamos ideias diferentes, temos a dita de nos podermos expressar livremente, o que ficamos a dever aos heróicos militares de Abril).

Um dia perguntaram a Agostinho da Silva: “Acredita em Deus?”… ao que o filósofo respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta. Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir à negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento… caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não me merece crédito de existência real fora do conceito que é, nem da cabeça de quem o afirma.

O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual… mas tem personalidade e forma antropomórfica (concebeu-nos à sua semelhança). Produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, e reina num universo paralelo onde nos espera depois da morte para nos premiar com felicidade eterna ou nos condenar, também, eternamente… o que é uma maldade!

A esmagadora maioria dos crentes não contesta nem indaga as coisas da divindade. Aceita-as por certas, assim, totalmente cruas, sem livro de reclamações, defendendo-as na fé e com carácter de única e pura Verdade (com maiúscula porque divina).

À figura de Deus juntam-se as mais improváveis qualidades e capacidades, como as da omnisciência, omnipotência, omnipresença e, ainda, a mais radical de todas: a de Deus se ter criado a si próprio, já que nada existia antes de si!… Não sou eu quem o diz. A ideia faz parte da lista dos dogmas que no primeiro ponto do II capítulo intitulado “Deus o Criador”, afirma: “Tudo que existe fora de Deus foi, na sua total substância, produzido do nada por Deus”!…

Este deus, pintado desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto mentalmente são, definitivamente, não pode existir fora da cabeça de quem crê. As leis da física e da química não permitem a existência do que quer que seja com tais características e poderes. Dentro da cabeça de cada um… tudo é possível existir!… O nosso raciocínio de Ser inteligente e criativo leva-nos a navegar no reino das fantasias que ciosamente idealizamos e coleccionamos. E se nos dão paz, devemos usar… mas sempre no respeito pela ideia do não crente, já que crença e descrença são as duas faces da mesma moeda. Logo, têm o mesmíssimo valor.

(*) – Frase atribuída a Jesus Cristo, repetida dezenas de vezes nos evangelhos (incluindo a expressão Em Verdade em Verdade Vos digo, repetindo a palavra Verdade para sublinhar a veracidade do que se pretende transmitir, como, por exemplo, se faz em João: 5;24) com a pretensão de afirmar a solenidade do discurso que se lhe segue.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

17 de Março, 2021 João Monteiro

Na Polónia as pessoas afastam-se da Igreja

A notícia

Uma reportagem da Agência Reuters foi publicada no Jornal Público (8-2-2021) com o título “Na Polónia, a Igreja uniu-se à política e os católicos afastam-se“. Como se trata de conteúdo exclusivo, farei uma síntese da notícia antes de a comentar.

O contexto

Para perceber o que se passa, há que entender o contexto histórico da Polónia. Ao contrário de Portugal, que viveu décadas numa ditadura de extrema-direita com o apoio da Igreja e em que na oposição clandestina estava o Partido Comunista, a Polónia viveu uma ditadura comunista e a Igreja Católica era tida como o “farol da liberdade” durante a década de 1980. Porém, com a queda do comunismo em 1989, a Igreja Católica pressionou os governos a regressarem aos valores católicos conservadores, fazendo lobby para se criarem restrições ao aborto, por exemplo. Com isto, os cidadãos polacos foram-se distanciando da Igreja, uma tendência que tem aumentado nos últimos anos.

A atualidade

Apresentado o contexto, chegamos à atualidade. O atual partido no poder é o PiS (“Prawo i Sprawiedliwość” ou em português “Lei e Justiça”), que elegeu como presidente, em 2015, Andrzej Duda. O PiS é um partido de extrema-direita, nacionalista e autoritário, que tem mantido uma grande proximidade com a Igreja Católica. Essa proximidade tem-se refletido nos seguintes aspectos: o PiS vê a Igreja Católica como parte da identidade e repositório dos ensinamentos morais do país, a televisão pública exibe cerca de 9h semanais de programação católica, incluindo transmissões de serviços religiosos, tem havido sessões de deposição de relíquias católicas na capela do Parlamento, um membro do Conselho Fiscal do país pediu aos fiéis que rezassem pela erradicação do cosmopolitismo das universidades e alguns padres fazem propaganda política nas homilias (a favor do partido no poder).

As consequências

Como consequência da influência e lobby da Igreja, o governo tem sentido legitimidade e poder para avançar com políticas conservadoras – e algumas até atentatórias dos direitos humanos. São exemplo disso as limitações ao aborto e a perseguição à comunidade LGBTQI+. A grande maioria dos interrupções de gravidez feitas na Polónia devem-se a malformações nos fetos, ou seja, por razões médicas. Mas até essas foram proibidas na legislação mais recente dos últimos meses, por lobby da Igreja.

É por causa da geminação entre Estado e Igreja Católica, refletida na propaganda política nas igrejas, na promoção da religião pelo Estado ou no lobby da igreja na educação e nos gastos públicos, ou ainda pela limitação dos direitos individuais, como o direito a escolher quem amar ou o que fazer com o corpo, que um número crescente de pessoas se tem afastado da Igreja Católica.

O número de apostasias tem aumentado e só em Varsóvia mais pessoas pediram para sair da Igreja no mês de Novembro passado do que em todo o ano de 2019.

A vontade dos cidadãos

Na Polónia, como por cá, os cidadãos desejam a separação da Igreja e do Estado. Esse país é um bom exemplo das consequências nefastas de uma aproximação entre as duas esferas, vivendo a sociedade sob o jugo do autoritarismo, conservadorismo e limitações aos direitos, liberdades e garantias. A moral não emana de uma qualquer religião, mas das decisões em sociedade. A moral iluminista de tratar o outro da maneira como gostaríamos de ser tratados é, por si só, um bom princípio que não necessita de moral divina. Essa aproximação da Igreja ao Estado não é boa para os cidadãos nem para a própria Igreja, como se vê pela notícia, havendo inclusive padres polacos a advogarem a separação entre as entidades, de modo a recuperarem os seus fiéis.

Perante esta realidade, a Associação Ateísta Portuguesa mostra-se solidária para com o povo polaco que se sente oprimido e que se quer libertar dos grilhões da Igreja.

Nota final: os nossos leitores que também queiram realizar apostasia, podem consultar este link.

Imagem de Tasy Hong por Pixabay