28 de Novembro, 2022 João Monteiro
Somos assim… e eu sou ateu-cristão!
Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.
No tempo em que a nossa espécie vivia em pequenas hordas, todos obedeciam à autoridade de um chefe, provavelmente o elemento macho mais velho, ou mais forte, do grupo que se submetia a um regime patriarcal. A autoridade familiar era ditada pelo pai e exercida por impulsos de várias ordens: de alimento, de luta e de sexo. Todo este poder do patriarca era exercido com prazer, e as mulheres da tribo pertenciam-lhe.
O correr do tempo fez funcionar a nossa parte mais racional que nos conduziu à civilidade, à moral e à Arte. No mesmo embrulho do raciocínio há um outro valor do pensamento: a Religião. Seria o sentimento maior que aglutinava todos os outros, limando a animalidade pura e simples, ditada pela nossa condição de antropoides e predadores, usando a ética que nos transformou em pessoas.
Talvez possamos dizer que a Religião (ou o conceito filosófico da ética nela acoplada), embora sendo uma ilusão, teria sido o elemento responsável pelo travão que parou o “animal” para dar passagem à “pessoa”. O Homem actual é o resultado de toda esta História construída no decorrer de centenas de milhar de anos. Desde há muito que o estágio da nossa evolução nos faz entender a ilusão que a Religião é, mais o seu efeito anestesiante nos momentos em que precisamos de nos abandonar nos braços da mãe que podemos já não ter mas que, para uma imensa maioria, o conceito de Deus substitui.
Desta necessidade primeira que deu corpo à nossa sensibilidade, ferramenta com a qual construímos a civilização e a ética, também acabou por surgir o negócio do credo em forma organizada, seja por igrejas ou seitas que exploram as mentes mais dadas à crença e ao temor da divindade (exploração que. historicamente, começou por ser política: os sacerdotes eram, também, os chefes políticos dos povos que lideravam). De todas elas (igrejas ou seitas) temos que nos precaver, ficando atentos aos seus discursos, interesses e intenções, que podem não ser coisa boa… ou não tão boa como à primeira vista pode parecer e nos querem fazer crer!…
Não devemos entregar, cegamente, o nosso raciocínio à ideia de um deus redentor e salvador, abandonando a Razão filosófica que devemos possuir como bitola padronizadora das nossas reacções, do nosso raciocínio e dos nossos actos.
Comparando Religião e Futebol, ambos são cóios de interesses na exploração das mentes mais débeis. Se o futebol alguma vez foi exemplo de ética, deixou de o ser quando se transformou em indústria mafiosa. Também existe uma indústria da fé, não porque “salva” pessoas, mas porque dá lucro material e poder social aos seus líderes.
Sejamos críticos da ideia do divino e estejamos atentos ao que nos querem vender como “Única Verdade”. Se é verdade haver um mercado da fé que faz o seu caminho na ajuda do outro, não é menos verdadeiro estar ele enxameado de parasitas, dos quais nos devemos separar como se separa o trigo do joio.
Por tudo isto, e mercê do ambiente em que fui educado (porque ninguém foge às suas origens) e da consciência que tenho do meu modo de ser, me considero (e sou-o, naturalmente, mesmo que não me considerasse) um “ateu-cristão”. Isto é, um ateu de raiz (educação) cristã. Se eu tivesse nascido num país islâmico e continuasse a ser ateu, seria um “ateu-muçulmano”… se me permitissem afirmar-me ateu!… Pois há países muçulmanos onde um ateu confesso não tardará a ser cadáver!
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV