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Categoria: Ateísmo

26 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Crimes sexuais na Igreja e o celibato

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa.

Leio na imprensa (11 de Outubro de 2022) que a “Comissão Independente para o Estudo dos Abusos a Menores na Igreja” validou 424 testemunhos de abusos sexuais. O pedopsiquiatra Pedro Strecht, coordenador da Comissão, sublinhou que “o número de vítimas será muito maior”. Lembro-me de, há cerca de dois ou três anos, ouvir da boca de um representante da Igreja Católica a “justificação” de que os crimes de abuso sexual perpetrados por sacerdotes são muito inferiores aos mesmos crimes praticados em família (!?)… como que se tal afirmação fosse verdadeira e (mesmo sendo) configurasse uma desculpa para os crimes dos padres!… É uma tentativa desculpabilizadora que não fica nada bem a quem a faz, pois numa Igreja que se afirma representar um deus imensamente bondoso, todo amoroso e respeitador… um só caso de pedofilia seria estrondosamente trágico… quanto mais quatro centenas deles! Também Marcelo Rebelo de Sousa, um empedernido católico que um dia acordou presidente de uma República Laica, tem debitado demasiados discursos em favor da Igreja… o que, no rigor do seu papel (e no meu entender), deveria evitar… não o evitando, obrigou-se a um pedido de desculpas… do que não tinha necessidade.

No meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um Ateu” (Caminho, 2007) abordo a questão dos crimes sexuais na Igreja, considerando que o mal está “na castidade imposta aos sacerdotes”, o que se me afigura contra-natura e motivadora de atitudes sexuais criminosas. Um sacerdote (ou qualquer outra pessoa) pode ser casto e sentir-se bem recusando a prática de sexo, não se tornando num abusador sexual, quando tal recusa parte de si mesmo, da sua consciência e da sua vontade… o que não é o mesmo do que se obrigar à castidade para cumprir regras com origem fora de si, as quais lhe são impostas para poder seguir o sacerdócio, contrariando a sua realização sexual.

O celibato e o sexo eram assuntos a que a Igreja não dava importância até à Alta Idade Média. Era normal padres, bispos e papas terem filhos e várias concubinas, misturando prazer da carne com negócios e fé. Ambrósio, bispo de Milão entre os anos 373 e 397, pegando numa norma que exclui o casamento, saída do Concílio de Elvira do ano 306, lançou a discussão do celibato no seio da Igreja com a sua teoria: “O casamento é honroso, mas o celibato é-o ainda mais. Não é necessário evitar o que é bom, mas deve-se escolher o que é melhor”.

Setecentos anos depois de Ambrósio, o papa Gregório VII publicou a lei do celibato eclesial, causando bastante ira no seio da Igreja. Em consequência, milhares de sacerdotes abandonaram o sacerdócio optando pela vida conjugal que já praticavam. Foi preciso esperar mais 400 anos para que a imposição do celibato fosse aceite sem contestação visível e passasse a ser considerado uma condição normal no seio da instituição religiosa. Tratou-se de um “aceitar convencional”, apenas para contornar dificuldades… já que os sacerdotes praticavam a sua sexualidade de forma clandestina! Quando, no Concílio de Trento (realizado entre os anos 1545 e 1563) se confirmou o celibato sacerdotal, este já era encarado pacificamente… o que não quer dizer que fosse aceite.

Comparo esta atitude da Igreja com a “Lei Seca” dos EUA nas décadas de 1920 e 1930, que proibiu a fabricação e a venda de bebidas alcoólicas, promovendo um negócio clandestino por parte de vários criminosos, de entre os quais se destacou Al Capone. Esta espécie de “lei seca dos testículos sacerdotais” também conduziu ao crime, por contrariar a lei natural do uso do sexo, não só para procriar (o que é função puramente animal) mas também (e principalmente) pelo prazer que dá praticá-lo, pelo equilíbrio emocional e pela saúde mental que proporciona a quem usa o sexo de modo saudável e no respeito pela vontade da sua parceira ou do seu parceiro sexual. Quando a Igreja perceber que com as suas “fantasias fornicais” funciona contra todas as leis da Natureza e cria potenciais criminosos… a partir desse dia, o casamento será prática comum no sacerdócio católico tornando a Igreja numa instituição muito mais coerente, humana e saudável.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

23 de Dezembro, 2022 João Monteiro

A confissão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa dividido em duas partes. Em baixo podem encontrar o texto completo.

Parte I:

Da minha meninice de escola primária, lembro que um dia fui levado em grupo para a igreja. Não sabia ao que ia. Dentro do templo formamos duas filas em frente de duas cadeiras de grande espaldar, onde se sentavam dois padres, um em cada lado da nave. Era a primeira vez que entrava numa igreja. Vi os meus colegas da frente das filas ajoelharem quando chegavam junto do padre. Entre eles havia uma troca de palavras, para mim imperceptíveis, e comecei a sentir-me inquieto. Não fazia ideia do que iria acontecer quando chegasse a minha vez. Sentia uma brasa no peito a queimar-me por dentro. Chegado o momento de ficar em frente do padre, fiz o que vira fazer. Ajoelhei e esperei o que viesse… sem fazer qualquer ideia do que poderia vir!

O padre, de queixo enfiado no peito, disse algo em tom de voz tão baixo, que não percebi. Ele usava barba e bigode que lhe tapava a boca impedindo-me de ler o movimento dos lábios. Mantive-me em silêncio a olhá-lo, siderado, sentindo o cheiro a naftalina que o seu hábito branco exalava.

Ele levantou a cabeça com lentidão e olhou-me. O coitado deve ter visto a expressão mais aparvalhada de toda a sua vida, e imagino que repetiu o que acabara de dizer e que dessa vez percebi:

– Diz a confissão. – Pedido estranho!… Não fazia ideia nenhuma do que ele queria que eu dissesse…

– Não sei. – Respondi, com a boca seca pelo nervosismo já transformado em pânico.

Nunca tinha experimentado aquilo, nem sabia o que haveria eu de confessar! Haveria algum acto praticado, do qual eu deveria desculpar-me àquele padre?!…

Senti que o dia, até aí solarengo, se transformou em tormenta. Invadia-me um negrume; não sabia o que era a confissão… e encontrava-me sozinho no mundo sem ter alguém que me pudesse socorrer na aflição que ali se abatia sobre mim.

Salvou-me o que o sacerdote disse logo a seguir:

– Então vai para casa aprender, e quando souberes volta cá.

Fez-se Sol na minha alma! Levantei-me rapidamente sentindo-me leve… e saí dali.

Nunca quis aprender a confissão, nem tive vontade de voltar a entrar numa igreja!…

Esta experiência de infância obriga-me a acrescentar algo mais ao discurso. Ela levou-me a pensar, já em idade adulta, na estratégia usada pela Igreja para prender a consciência das crianças mais tenrinhas ao credo católico, com a finalidade de acorrentar aquelas almas à fé. No meu caso particular essa estratégia funcionou ao contrário. Repeliu-me… soltou-me, em vez de me prender.

O que a minha consciência me disse desta experiência, relatarei na próxima edição, porque para esta já esgotei o espaço… 

(Continua)

Parte II:

Aquela estranha atitude do professor primário conduzir os alunos para a igreja com o intuito de as crianças se confessarem (“estranha atitude” digo eu, hoje. Na época era uma obrigação decretada pelo Estado Novo de Oliveira Salazar. Lembremos que estávamos em 1952) levou-me, muito mais tarde, já em idade de ter pensamento próprio, a este raciocínio:

Tenho dúvidas de que uma criança de oito anos entenda o que é a “confissão católica”. Provavelmente, nem uma boa parte dos adultos beatos que desferem punhadas no peito a entenderá.

Para existir uma confissão, no sentido de se obter um perdão, tem de, antecipadamente, existir um delito que justifique aquele acto de confidência (e pura fé) a um sacerdote. E depois, esta confissão do delito não o elimina… pois é necessário compensar a vítima que prejudicamos com a nossa acção delituosa. Essa função de julgamento, condenação, absolvição ou perdão, pertence aos tribunais… não à Igreja!

A função da Igreja no acto da confissão está a outro nível. Enquanto que a minha culpa é redimida após uma conversa com quem desrespeitei ou prejudiquei, sanando o conflito (ou é condenada por um tribunal que me leva a expiar com prisão ou multa, a falta que tive) a confissão católica remete o perdão da minha falta com alguém, para a responsabilidade de Deus!… Sinto-me perdoado pela divindade da minha crença… mas aquele a quem prejudiquei continua prejudicado sem ser ressarcido dos danos que lhe causei… porém, eu fico na maior leveza de consciência porque Deus me perdoou!…

Isto é, simplesmente, indecente!… É de um egoísmo extremo, premiando o prevaricador e esquecendo o prevaricado. Há na confissão católica uma atitude psicológica que será positiva para o faltoso, podendo este, eventualmente, emendar o erro e jamais voltar a cometê-lo (do que duvido)… mas o outro, aquele a quem o faltoso prejudicou, continua prejudicado.

Era este tipo de “confissão a Deus” que queriam de mim aos oito anos de idade, envolvendo-me, contra a minha vontade, num acto que eu desconhecia!… Acto puramente religioso, de fé, primitivo e sem nexo para quem tenha dois dedos de testa!… Era assim (e se calhar ainda é) que a Igreja pescava crentes para fornecer a sua lota. No meu caso partiu-se a linha e perdeu-se o anzol com o isco, pois não voltei à igreja!…

O sentimento de culpa que resulta de uma transgressão, só poderá ser anulado mediante uma reconciliação com o outro num processo de pacificação. Esta é a naturalidade da resolução de um conflito. Porém, se o transgressor for um crente na divindade, nessa tentativa de reconciliação entra um outro elemento estranho ao problema, já que a reconciliação envolve a relação com Deus!…

(Se você, leitor, é crente e se sente bem depois de ter confessado os seus maus actos a um sacerdote, pensando estar perdoado pelo deus da sua crença… óptimo. Isso é muito bom para si!… Mas não se esqueça de falar com quem prejudicou, apresentar-lhe as suas desculpas… e indemenizá-lo, se for caso disso. Está combinado?… Tome lá um abraço)

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Hands off my tags! Michael Gaida por Pixabay
21 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Cirilo I e a Guerra de Putin

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa.

No suplemento cultural “La Lectura” do jornal espanhol “El Mundo” (edição do último dia 23 de Setembro), leio uma entrevista que a escritora russa exilada em Berlim, Liudmila Ulítskaya, de 77 anos, deu à jornalista Marta Rebón. Acabada de ser premiada, Liudmila considera que o prémio “foi um raio de luz no estado de depressão que compartilho com muitos compatriotas”. A escritora diz que hoje muitos agentes culturais se perguntam “como pôde acontecer que a Rússia, que no período posterior à Segunda Guerra Mundial foi líder do movimento pela Paz no Mundo, se convertesse de repente no emblema da agressão, declarando guerra a um Estado vizinho sempre considerado como amigo e habitado por um povo irmão?!”. 

Confessa que as relações humanas lhe interessam muito mais do que as relações estatais e que é fiel a  “uma ideia que me acompanha desde os meus estudos de genética: toda a actividade cultural humana, desde os seus inícios, é de carácter global. E sob esse ponto de vista carece de entendimento relevante o modo como se construíram as relações entre a Rússia e a Europa”. Nesse sentido, a escritora considera que a guerra iniciada pelos seus compatriotas é um caso muito sério que “minou a nossa esperança de que a Rússia alcance, algum dia, um lugar digno entre o grupo dos estados respeitáveis”. 

Sobre as relações da Igreja Ortodoxa com o Kremlin, Liudmila considera que na Rússia a Igreja está ligada ao poder político, concluindo que “o Cristianismo oficial depende do Estado para obter dinheiro e todos os privilégios. Entristece-me ver que alguns hierarcas ortodoxos apoiam a guerra… mas é lógico”. 

Esta entrevista remeteu-me a memória para a tentativa de o Papa Francisco I chegar à fala com Putin, cerca de dois meses após a invasão da Ucrânia, mas sem sucesso. Porém, conseguiu falar com o Patriarca do Cristianismo Ortodoxo, Cirilo I, cuja conversa o Papa reportou a um jornalista italiano: “Falei com ele durante 40 minutos por tele-chamada. Nos primeiros 20 minutos, com uma lista na mão, ele leu todas as justificações para a guerra que Putin move contra a Ucrânia. Ouvi tudo e respondi que não entendia nada disso… que não somos clérigos de Estado e não podemos usar o discurso político, mas sim o de Jesus”. 

Cirilo está do lado do invasor e não só culpa o invadido… também afirma que o “Estado Russo é o legítimo líder do Ocidente”. O patriarca do Cristianismo Ortodoxo e chefe da Igreja Russa é amigo íntimo de Putin desde que este era agente da KGB. Tem um estilo de vida extravagante, colecciona relógios suíços de valor elevado (algumas peças atingem os 30.000 euros), possui uma frota de carros alemães topo de gama e mantém um magnífico palácio junto ao Mar Negro. 

Rematando este pequeno esboço da personalidade do dono da Igreja Russa, falta dizer que ele se afirma como “o grande imperador e herdeiro legítimo do Cristianismo do Império Romano e de toda a Cristandade”. Um pensamento caracteristicamente medieval, embora situado no século XXI, aliado a outro candidato a imperador arrancado da mesma medievalidade e sentado no trono do Kremlin!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Joachim Schnürle por Pixabay
19 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Evolutivamente estamos na fase do tosco…

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

A “ideia de Deus” está em processo de depuração desde que foi criada pelo povo Sumério há cerca de 5000 anos, sendo depois exportada para o Egipto faraónico e para terras judaicas de Canaã. O processo desta depuração é longo e está longe de ser concluído… mas já evoluímos… estamos no processo do “deus único”! Um deus “single” inventado pelos homens do deserto (Hebreus) em substituição de uma colecção deles, porque o povo nómada que o criou não tinha sacola para transportar tantos deuses, nem pachorra, nem terreno, para erigir tantos templos, como tinham os seus vizinhos egípcios.

No final deste nosso caminho (que faz a História do Pensamento e nos conduziu ao abandono de um panteão, apurando um único deus) dispensaremos, também, o deus Jeová (Alá) criado pelos Hebreus, reciclado por Jesus Cristo e adoptado por Maomé, que sobrou da purga que o passar do tempo, pelo evoluir do Pensamento, fez ao panteão que gregos, romanos e egípcios herdaram da civilização mesopotâmica.

O sentimento da crença é um acto intelectual que está na linha da criação da Arte e do entendimento do belo. Só um ser inteligente reconhece o belo, produz Arte e cria deuses. Deus é uma criação intelectual… e nós só cremos porque sentimos necessidade de crer!…

Foi a nossa capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade, o intelecto e o sentido estético, que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo e à invenção de deuses.

E se esta faceta criativa que caracteriza o Ser Humano, faz de nós uns seres especiais, a verdade é que, quando em discordância com os nossos semelhantes, também somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador, porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma!… Embora raciocinemos e adoremos o deus que criamos à nossa imagem e semelhança, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos tomando conta da razão.

E por esse caminho, se bem virmos, até ficamos em patamares inferiores relativamente aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que eles só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões dos irracionais que consideramos inferiores, e ainda acrescentamos a lista, deixando-nos tomar por uma irracionalidade e uma cupidez com que cozinhamos más vizinhanças e inimizades… o que demonstra o pior da nossa condição animal. 

Esta nossa faceta que nos leva a fazer guerras, parece incongruente com a capacidade que temos de raciocinar e de sermos inteligentes… mas a verdade é que somos assim… somos muito mal acabados!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

16 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Agir em nome de deus

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho. A crónica inicial estava dividida em duas partes, que agora aqui replicamos em conjunto.

Parte I:

Peguei no livro “La fé explicada”, de Leo J. Trese (Patmos, Libros de Espiritualidad. Ediciones Rialp, Madrid, 2001. 20ª Edição) e fiquei preocupado com uma passagem do texto onde o autor dá conta do seu pensamento religioso, o qual, no mínimo, dá para preocupar qualquer alma, mesmo que essa alminha seja ateia… ou principalmente se o for. Resulta evidente que tal preocupação só é possível desde o momento em que o leitor se interroga sobre o que leu… se não se interrogar a preocupação não existe.

Depois de o autor nos afirmar que fomos criados por Deus, sem nos explicar nada sobre o processo criativo nem referir os materiais usados para conceber a obra que terminou nesta perfeita máquina pensante que somos todos nós, confronta-nos com esta inquietante pergunta: “Para que nos fez Deus?”.

A resposta dá-a ele mesmo logo a seguir, antes que nos afoguemos na dúvida: Deus fez-nos “para mostrar a sua bondade. Dado que Deus é um ser infinitamente perfeito, a principal causa pela qual faz algo deve ser uma razão infinitamente perfeita”.

Depreendemos, portanto, que Deus nos criou para poder demonstrar que é bondoso. Se nós não fossemos criados, Deus não teria a oportunidade de demonstrar a sua imensa bondade, porque a restante criação é composta por bestas… isto é, não são seres dotados de capacidades intelectuais que lhes permitam reconhecer e apreciar a excelsa bondade do Criador. Então devemos concluir que Deus nos criou para sua auto-satisfação?!… Para alimentar a sua vaidade de poder ser reconhecido como bondoso?!

Ora… sendo a vaidade um pecado, na óptica do mesmo Deus, ele começa por pecar na sua intenção de nos criar!… Mas, sendo Deus um ser “infinitamente perfeito”, então devemos concluir que a vaidade, afinal, é uma virtude divina!

O seu discurso continua com a demonstração da pequenez dos homens perante Deus, e afirma que fazer algo bem feito “é fazê-lo por Deus”.

Segundo este raciocínio de Leo J. Trese, quando alguém ajuda o próximo com a única intenção de ser útil, alheando-se de que aquilo que faz, só o faz por superior desígnio de Deus, o acto de ajudar não é perfeito, mesmo que tenha alimentado um faminto, salvo um náufrago e vestido um nu!

Se no mesmo momento de agir, o autor da acção não pensou que a sua atitude era exclusivamente tomada por excelsa vontade divina e em nome de Deus, não sei se o faminto se saciava, se o náufrago se salvava e se o nu se agasalhava!…

Esta é a conclusão que me foi possível atingir (talvez entre muitas outras conclusões possíveis) do discurso deste padre católico norte-americano que escreveu um “best-seller” que em 2001 já ia na vigésima edição… por isso, muitíssimo cotado na tribo católica… mas que lido por quem não alinha em certezas de fé, dá matéria para conclusões inquietantes, como veremos na próxima edição.

Parte II:

Pelo exposto no último artigo, podemos concluir que, sob o ponto de vista de Deus (a crer no padre católico norte-americano Leo J. Trese, autor do livro La fé explicada), ajudar o próximo sem a intenção reconhecidamente divina, fazê-lo apenas pelo mais elementar sentido de fraternidade para ajudar o outro quando ele precisa, não tem ponta de interesse nem réstia de valor. Deus alhear-se-à destas práticas solidárias, se elas não forem executadas, expressamente, em nome de Deus. Aquele que tem um comportamento cívico exemplar, bem pode ir às urtigas e deitar-se a afogar, porque não passa de uma autêntica nódoa se não tiver bem gravado na sua mente que só é exemplarmente cívico se as suas cívicas atitudes forem conscientemente tomadas em nome de Deus!

“Atitudes cívicas” é o meu modo de entender “algo bem feito”; o autor não se refere à qualidade da atitude… ele apenas diz: “Fazer algo bem feito, é fazê-lo em nome de Deus”. Esse algo por si referido não tem que coincidir com o meu conceito de “coisa bem feita”.

Então, sendo assim, podemos concluir que os activistas religiosos islâmicos, autores do desvio de dois aviões cheios de passageiros, que fizeram explodir contra as Torres Gémeas de Nova Iorque cheias de gente, porque o fizeram em nome de Deus, fizeram-no por uma razão infinitamente perfeita… (?!). Fica esclarecido que quem mata em nome de Deus, convencido de que é isso que Deus quer (mesmo sabendo-se que, por ser inexistente, Deus não quer, nem pode, coisíssima nenhuma… os homens é que querem e podem, e tanto são bons como maus em nome da inexistente divindade) porque assim interpretou as suas vontades bíblicas ou corânicas, não é louco nem terrorista assassino; apenas cumpre, e bem, pelos vistos, os superiores desígnios de Deus!

Bem sei que o discurso da prática do bem em nome de Deus não passa de um modo de prender as mentes dos crentes à divindade, impedindo os desvios nos actos de fé que alimentam as Igrejas e as seitas religiosas, fidelizando o crente.

Mas este “meu saber” é baseado no meu raciocínio humanista de ateu. Os crentes não raciocinam assim e bebem o discurso religioso como se fosse água da mais pura e cristalina, mesmo que esteja envenenada!…

Não fui além da página 16 na leitura da prosa do padre Trese (o livro tem 632 páginas) e vi, não só, justificados e abençoados todos os actos terroristas cometidos em nome de uma religião e de um deus, como ficava esboçada a ideia de que os semeadores do terror perpetrado em nome de Deus estão no caminho da beatificação!

Só um louco produz um discurso deste teor, e é demasiado comum ouvi-lo da boca de agentes religiosos que dominam o pensamento de um imenso número de crentes… e que, por isso mesmo, constitui um facto assustador!…

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

14 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Liberdades fundamentais

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.

As liberdades de acção e de expressão do pensamento, são as que, numa sociedade moderna, democrática e esclarecida, toda a gente tem. São as ferramentas fundamentais para a construção de qualquer cidadão depois de satisfeito o primeiríssimo nível das reivindicações: refeições diárias, agasalho e abrigo (conseguidas pelo trabalho que nos realiza como pessoas, o qual deve ser facultado e nunca negado. Por isso também reivindico um sistema político e económico de cariz verdadeiramente socialista). As segundas ferramentas com o mesmo nível de importância são a obrigatoriedade de conhecer a História e saber observar Arte. Só depois será um cidadão completo.

Todos nós fomos produzidos pela nossa História e pelas nossas próprias circunstâncias sociais e culturais, que são as verdadeiras responsáveis por sermos tal como somos e não de outro modo. Destas causas não podemos fugir. Devemos compreendê-las e aceitá-las, defendê-las quando merecem defesa, ou libertar-mo-nos das suas amarras se considerarmos ser caso disso e entendermos dever fazê-lo. Porém, a defesa da nossa História tem regras… não deve ser esgrimida como Cruzada, enaltecendo-a no desrespeito pela História do outro. Todos nós temos as nossas próprias histórias pessoais, familiares e comunitárias, que merecem o respeito de todos. Este princípio de sã convivência, tão básico e tão simples, ainda não é totalmente atendido porque a natureza que nos formata é conflituosa e bélica, não nos permitindo considerá-lo na total medida em que deve ser considerado, o que nos conduz para situações de mal-entendidos e, no extremo, para a guerra desejavelmente evitável.

Toda esta conversa introdutória para vos dizer que o meu Ateísmo tem a sua razão de ser e assenta nestes três factores:

1 – A estória de Deus não me convence. Como fantasia é bonita; e como boia psicológica é eficaz para o crente. Mas como realidade, na exacta medida em que é afirmada pelas crenças, essa figura de Deus é de existência real impossível. A Biologia, a Química e a Física não a permitem;

2 – Através da História, o conceito da(s) divindade(s) e a fé nela(s) depositada, sempre foi ferramenta usada pelos poderosos na exploração dos mais fracos, oprimindo-os;

3 – A fé religiosa como característica racional do Ser Humano, tem o seu lado positivo, pode dispor bem e alimentar esperanças… mas em demasia é como o vinho: embebeda!

Obviamente que, enquanto ateu, as minhas ideias sobre Religião são diferentes das de um religioso (La Palisse não diria melhor). Não enfeito o meu discurso para o tornar agradável aos crentes, porque não é! Também não visto o fato-macaco de coveiro para pegar numa pá e enterrar a fé em Deus aqui e agora. Nada disso!… Nos meus artigos apenas faço uso da crítica que o meu raciocínio me confere perante observações, conversas e leituras que me conduziram às reflexões que aqui registo. É a expressão da minha ideia no respeito pela ideia dos meus semelhantes.

Não quero, nem devo, contornar sensibilidades melindrosas… quem as tem, das duas uma: ou não me lê por discordar comigo… ou lê-me na convicção de que se a razão não “mora” comigo, poderá, eventualmente, também não “morar” consigo!… Mas para chegar a esta segunda conclusão, o leitor já tem de possuir um nível de raciocínio com muito mais qualidade (por isso não abandona a leitura) do que aquela que faz um religioso seguidista (quer numa fé religiosa, quer numa fé partidária) impossibilitado de se interrogar. Esta impossibilidade é, muito frequentemente, semeada no seu cérebro em criança ou jovem tenrinho, por uma fé que usa balizamentos opressores do raciocínio de quem lhe cai dentro.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Darwin Laganzon por Pixabay
9 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Reflexão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

No passar do tempo que tudo transforma, a minha atitude perante a Religião também sofreu alterações. Aquela frase popular «só os burros não mudam de opinião», funciona em todos os sectores… sendo que a opinião mudada pode incluir a total inversão do caminho, direccionando-o noutro sentido; ou considerar, apenas, um retoque, limando o que precisa de ser limado, quando se entende que o caminho está bem traçado e por isso se recusa um retrocesso… mas podemos (e sobretudo devemos) melhorar a nossa informação para alicerçarmos a nossa convicção mais profundamente.

A minha preocupação primeira de negar Deus, sem muita substância no pensamento que me levava à negação, alimentada na juventude que tudo sabe, pode e vence, acabou por me passar. Foi como um resfriado!… Não porque o considerasse um pensamento errado na sua totalidade, mas porque me defrontei com um raciocínio mais maduro após 20 anos a dar atenção às coisas que à Religião pertencem. A partir daí concluí que a preocupação de negar Deus não fazia sentido. 

De facto, é tão desinteressante negar Deus, como é afirmá-lo. Discutir o conceito de Deus acaba por não ter significado. O conceito existe porque foi necessário criá-lo, e todas as criações têm a sua razão, a sua função e o seu tempo. O Homem só cria aquilo de que necessita. A criação de vários deuses, primeiro, e a do conceito do Deus único, depois, resultam da mesma necessidade intelectual do Homem, ditada pela própria evolução do pensamento. A negação do conceito do Deus único, que eu faço (e que já muitos autores o fizeram e provavelmente tantos outros o farão) também pertence a essa evolução. Será o derradeiro ponto final na História dos deuses e do Deus que sobreviveu ao desmoronar de panteões.

A esta conclusão cheguei com a contagem dos anos (e já lá vão 80!…). Crer ou descrer tem tanta importância como sair de casa para ir ao cinema num centro comercial ou à missa na igreja da paróquia. Nenhuma das opções é mais importante do que a outra. Para quem as toma é uma atitude pessoal legítima que depende, unicamente, da vontade e do interesse de cada um… e cada qual atribui à questão do sagrado e dos credos relacionados, o grau que entender dever atribuir-lhe. 

As discussões acesas sobre Deus e a fé religiosa, não acrescentam nem retiram nada na medida da crença de uns, nem na medida da descrença de outros. Em regra os contendedores terminam como começaram… nenhum deles aceita ter aprendido ouvindo o outro… até porque ninguém ouve o outro… todos querem debitar discurso mais forte, real e único, fazendo orelhas moucas ao discurso do outro. 

Estas discussões só têm sentido se forem cumpridos dois requisitos fundamentais: 1 – Não falarmos só por fé de crente ou “fé de descrente”. Basear as ideias que pretendemos transmitir, de modo a que o outro entenda o que queremos dizer e porque o dizemos; 2 – Respeitar a ideia do outro que, mesmo quando é diametralmente oposta à nossa… devemos ter em consideração a hipótese (mesmo que consideremos muito remota) de poder ser ele o detentor da razão… e não nós!

Mas convenhamos que tais discursos, inflamados, ou não, pela gasolina da crença ou da descrença, no contexto social em que vivemos, com tantas preocupações bem mais importantes no dia-a-dia do mundo à borda de uma guerra que imaginamos poder ser iniciada com recurso a armamento atómico com dimensões impossíveis de prever… afinal, são nada!… Mantenhamos a amizade com quem pensa diferente de nós…  se ele aceitar!…   

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Jerzy Górecki por Pixabay
5 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Do primitivismo à racionalidade

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.

Não discuto Religião e Ateísmo do mesmo modo como se discute futebol animalesco e irracional, bem como política partidária tratada ao mesmo nível religioso que considera a sua opinião como a “única Verdade” (sempre grafada com maiúscula porque divina, ou porque é proclamada pelo líder partidário alcandorado ao nível de um deus), contra “a mentira” de todas as outras religiões e de todos os outros sentimentos políticos, em discussão inflamada com a costumeira irascibilidade desrespeitadora (quando não insultuosa) da opinião do outro.

São modos que não dignificam ninguém. Não precisamos insultar para dizermos que discordamos. São reacções que situam quem as tem num patamar primitivo, do qual o irascível contundente ainda não saiu. O sentido religioso é natural no Ser Humano, e é com essa naturalidade que eu procuro tratá-lo nestes artigos onde faço a defesa do Ateísmo. Poderei não o conseguir por ignorância e também pelo “factor-primitivismo” que igualmente me afecta, pois estou colocado no mesmo patamar evolutivo dos meus contemporâneos… e dessa realidade natural não posso fugir. 

O nosso primitivismo, por mais que nos custe admiti-lo quando nos imaginamos evoluídos (evoluídos em relação a quê?…) pode ser aferido neste simples exercício: se inscrevermos a evolução do planeta Terra no mostrador de um relógio, sendo as zero horas a causa do Big-Bang (ou do que quer que fosse de que resultou o sistema Solar) e as doze horas o tempo presente, temos que a Era actual, o Quaternário, se iniciou nos últimos dois minutos, e o Homo Sapiens surgiu quando faltava uma dúzia de segundos para o meio-dia. No decorrer das doze badaladas, consumiram-se as Idades da Pedra, do Ferro e do Bronze, o Homem espalhou-se pelo mundo, nasceram e morreram as civilizações Mespotâmica, Chinesa, Egípcia, Grega e romana, circum-navegou-se o planeta, o Homem pisou a Lua e o leitor está a ler este texto.

Quero com isto dizer que a nossa espécie é recente. Somos a última experiência da Natureza na evolução da vida que ainda não está terminada. Como produto natural que somos, encontramo-nos na fase do tosco. Cheiramos a pintado de fresco. Estamos a ser burilados pelas experiências vividas. Não podemos escapar às características do animal predador que somos, nem à fase evolutiva em que nos encontramos.

A evolução tecnológica acontece em ritmo mais acelerado do que evolui a mente humana em termos de progresso racionalista. Por muito evoluídos que pensemos ser, só o somos no nosso entendimento de egoístas vaidosos… e as nossas acções e crenças têm a marca desse primitivismo animalesco e egocentrista, espampanantemente coberto pelo pesado manto da nossa vaidade desmedida e ignorância camuflada.

É neste contexto evolutivo que acontecem as guerras, sejam elas de ordem religiosa ou patriótica. São o resultado do nosso primitivismo que o passar do tempo e a evolução da espécie promovida pelas transformações ditadas pelo ADN em resultado de mutações naturais, se encarregará de apurar. Mas, por aí… até eu já me sinto profundamente crente!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Enrique Meseguer por Pixabay
2 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Vida depois da morte

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

Perante a irremediável morte, há religiões que afirmam haver um julgamento divino além-túmulo onde serão analisadas as escolhas dos fiéis, mais os actos que protagonizaram em vida. De acordo com tal julgamento, as alminhas dos defuntos sofrerão suplícios infernais se os seus pecados passarem das marcas, ou gozarão infinitamente as delícias celestiais, se houverem tido uma vida de santo (não se percebendo como é que a alma sofre ou goza abundantemente, se não tem sistema nervoso!…). 

Para os muçulmanos ainda se reserva (ao que consta nos corredores da vida) um punhado de virgens lindas de morrer para aqueles que se fizerem explodir num mercado cheio de gente. Não consta que as mulheres-mártires que escolham o mesmo fim para “honrarem” o Islão, encontrem no além uns rapazinhos viçosos para bacanal celeste! O prémio sexual pós-morten é reservado aos machos, o que sublinha a atitude machista e quase pornográfica dos árabes que vêem a mulher, apenas, como objecto sexual. (Só os árabes?!…). 

As descrições religiosas que aliam o inferno ao fogo e o céu a um jardim, são – segundo os mais esclarecidos – imagens metafóricas. Serão “similitudes”, e não passam desse estatuto, pois a “verdadeira natureza do paraíso e do inferno é conhecida apenas por Deus” (dizem!…). E os tais fiéis “mais esclarecidos” só “sabem” que é assim, porque foram eles próprios que inventaram “os desígnios de Deus”, o seu conceito e o seu “conhecimento”!… 

De qualquer modo, todas as religiões que defendem a existência de uma vida além-túmulo aceitam por verdadeira a premissa de a morte não ser o fim da vida, mas sim um portal que dá entrada numa outra forma de viver… e com a crueldade de ser eterna! E quem acredita nisto não faz a mínima ideia de como seja tal coisa nem como se processa essa forma de vida etérea. Para o crente basta-lhe crer; por isso é crente!… E crê que a vida além-túmulo é “conhecida por Deus”. Isso basta-lhe para afirmar a sua veracidade! Esta crença é o exemplo perfeito da dispensa do raciocínio que caracteriza os bons crentes. 

Pelo exposto se conclui que se todos nós fossemos exemplos religiosos e cumpríssemos as leis de Deus em qualquer das suas versões, por intermédio de Jeová, de Jesus ou de Maomé, as esquadras de polícia e os tribunais fechavam as portas por falência, pois não havendo prevaricadores, os seus serviços não se justificariam e eram dispensados… o que se traduziria em poupança milionária no Orçamento Geral do Estado… embora pudesse haver, nas elites religiosas, uma corja de exploradores e opressores das bases, eternamente impunes. 

Não tenho dúvida alguma de que muitos religiosos são animados de uma bondosa intenção quando prognosticam um mundo de perfeição baseado em conceitos deíficos. O problema está em que nunca actuamos de acordo com tão perfeito regulamento (nem os propagandistas religiosos o fazem!) para conseguirmos atingir uma sociedade tão imaculada. E não o fazemos, simplesmente, porque tais premissas religiosas fundamentam-se em mitos, lendas e fantasias inconcretizáveis; e as sociedades são construídas com realidades políticas, sociais e económicas. A diferença é só essa… e é do tamanho do mundo.

OV

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30 de Novembro, 2022 João Monteiro

Sobre o Mito

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

O mito é uma narrativa antiga e oral que pretende explicar os grandes enigmas da vida e do mundo. Por ser oral não há registo escrito das suas origens, o que quer dizer que as narrativas mitológicas que nos chegaram através da escrita podem divergir dos relatos orais que as originaram.

O poeta latino Estácio, disse: “Primus in orbe deos fecit timor” (Foi o temor o primeiro a criar os deuses na Terra). Nesta breve frase do poeta está contida a verdadeira razão que levou o Homem a criar e a cultuar deuses (Deus). O temor que sentimos no simples e natural acto de viver deve-se ao facto de a vida estar armadilhada. Primeiro (no tempo dos nossos avós inventores de mitos) estava armadilhada pelas forças da Natureza que nos complicava a vida em tempo de grandes borrascas, e depois por interesses das camadas sociais que nos oprimem e comandam: primeiro a Igreja, desde a Alta Idade Média (como sucessora das sociedades mais primitivas, como a Suméria e a Egípcia, cujos sacerdotes eram, também, os chefes políticos) e a Economia desde sempre, mormente agora, nesta sociedade do início do século XXI, dirigida por economistas asselvajados e escravizadores, submetidos aos interesses da Alta Finança que, para nossa desgraça, comanda a Política minando o caminho de cada um de nós. As opressões políticas, sociais e económicas são os responsáveis pelo desenho do temor que ainda hoje nos limita o sentido religioso e alimenta a necessidade de se acorrer ao divino como bálsamo de mentes inquietas. É por essa razão que o recinto de Fátima enche a cada 13 de Maio.

A invenção dos deuses deve ter partido de algum sentido prático, porque o Homem só cria aquilo de que necessita, e o conceito dos deuses (de Deus) serviu o Homem sossegando-lhe o espírito na crença, perante tantas vicissitudes que o acto de viver comporta. Na antiguidade os deuses eram ferramentas apaziguadoras, e funcionavam ao nível das nossas modernas enciclopédias, por explicarem o que pedia explicação. Explicação que não o era, de facto, já que o conceito de Deus opera ao nível da crença e não ao nível do conhecimento, mas que resolvia o que havia para resolver, num tempo em que os níveis de exigência não se colocavam do modo como passaram a colocar-se após o Homem ter consciência do que é “saber”, separando-o daquilo que é “crer”.

Provavelmente os mitos foram criados porque os homens adoram contar estórias, gostam de se identificar com elas, e alguns mitos gregos são relatos alegóricos de antigos acontecimentos históricos. Entre as razões que levaram à criação de mitos, há algumas perfeitamente entendíveis neste nosso tempo de informação instantânea e frenética: Os mitos explicam fenómenos naturais, como o nascimento e a morte; ajudam a manter a união num clã, numa tribo ou numa nação; dão exemplos comportamentais; justificam estruturas sociais; registam acontecimentos históricos das primeiras civilizações, e servem os poderosos para controlarem o Povo através do medo ao castigo divino. 

Ontem, como hoje.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV