9 de Março, 2025 Onofre Varela
Humor e Fé(2)
Herman José, em 1994, teve um programa no canal 1 da RTP, denominado Herman Zap!, de grande audiência e agrado nacional. Um dia, nas suas rábulas, criou uma Última Ceia de Jesus, humorística. Caiu o Carmo e a Trindade!…
A Igreja Católica não achou piada nenhuma àquele excelente trabalho de comédia, e protestou. O bispo Maurílio Gouveia, então responsável por um gabinete que julgo denominar-se “Episcopado para a Comunicação”, apressou-se a dizer que “O programa ridicularizou o que há de mais sagrado na fé dos cristãos: a eucaristia”. A série de programas foi interrompida e realizaram-se mesas redondas debatendo a questão religiosa e a liberdade de expressão.
Marcelo Rebelo de Sousa, então presidente do PPD, declarou: “Vejo com preocupação que, sendo um canal de serviço público, nele se encontrem mensagens que podem ser consideradas ofensivas de valores partilhados pela maioria dos portugueses e também ofensivas de instituições particularmente relevantes como é a Igreja Católica”. Herman José mostrou-se surpreendido pela reacção da Igreja, e declarou: “Deus deve estar a rir-se às gargalhadas da mesquinhez de quem criticou o Herman Zap!”.

Organizou-se uma mesa redonda na RTP onde se discutiu aquele programa televisivo de diversão transformado em tragédia nacional pela Igreja, e frei Bento Domingues pareceu-me ser, de entre os vários intervenientes, aquele que teve a opinião mais lúcida. Declarou ter visto o programa e não ter encontrado nele nada que beliscasse a sua fé. Confessou que até lhe achou graça: “Aquilo tinha a ver com o meu riso, não com a minha fé”, disse.
Na madrugada do dia 24 de Dezembro de 2019 extremistas brasileiros atacaram à bomba, no Brasil, a sede da produtora de conteúdos televisivos “Porta dos Fundos”, como protesto pela transmissão televisiva de um “sketch” cómico com o título “A primeira tentação de Cristo”, na qual Jesus foi representado como um jovem que terá tido uma experiência homossexual, e também insinua que o casal bíblico Maria e José viveram um triângulo amoroso com Deus.
Eu vi o programa e não vi nele a graça que, provavelmente, os seus autores pretendiam. Teve dois ou três momentos de humor, e o restante, para o meu gosto e de acordo com o excelente trabalho que já vi do mesmo grupo, era francamente mau. A qualidade daquilo era muito rasteira… mas, daí, até se lançarem bombas contra a empresa produtora do programa, vai uma distância abissal!… Pode-se gostar ou não gostar e criticar o programa. Se nos consideramos ofendidos apresentamos o nosso protesto às entidades competentes para julgar o caso, e esperamos que a Democracia e a Justiça façam o seu trabalho… mas um ataque à bomba é crime!
Naquele momento da política brasileira (consulado de Jaír Bolsonaro), com as acções da Direita mais extremista apoiada por Bolsonaro, a liberdade de expressão e de criação artística estava seriamente comprometida. O seu próprio filho, Eduardo Bolsonaro, deputado por São Paulo, foi uma das figuras públicas a condenar o “sketch”. Os actores Gregório Duvivier e Fábio Porchat, responsáveis pela “Porta dos Fundos”, declararam: “Não nos vamos calar! Nunca!”. Eu apoio sempre qualquer luta a favor da liberdade de criação e expressão. Não admirei aquele trabalho, mas defendo a liberdade de o terem criado.
Um dia depois do atentado, um grupo ultra-nacionalista intitulado “Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integrista Brasileira”, reivindicou a responsabilidade do acto criminosoo. O espírito que sobressai do nome deste grupo leva-me a entendê-lo como uma espécie de Ku-Klux-Klan e de agrupamento Nazi. Só grupos de tal índole atacam a liberdade de expressão, alegadamente em favor de um ultranacionalismo balofo e criminoso.
(Continua)