20 de Outubro, 2011 Raul Pereira
De volta à mesma acusação de sempre
Mas ainda há quem dê importância a lunáticos destes?
Mas ainda há quem dê importância a lunáticos destes?
Só por mera curiosidade, alguém no Brasil me pode dizer se já conhecia este conselho pertinaz? E o pastor em causa, será este? É que, a avaliar pela amostra, não me admiraria nada…
…chamava-se Budismo temperado com pitadas de balelas new-age. Na opinião de Ramzi Amri, cirurgião oncológico da Harvard Medical School, que tem estudado formas do cancro que afectou o ex-patrão da Apple, a recusa em receber tratamentos pela medicina cientificamente comprovada poderá ter sido a causa da sua morte prematura, como explica o cientista no Quora.
Devo alertar primeiro que este não é um artigo contra Jobs, mas uma breve reflexão sobre o que parecem ter sido as suas opções de tratamento. Aqui não é o lugar para discutir a importância de Jobs neste início de século, nem se os Mac são melhores do que os PC, ou se o Android é superior ao iOS; até porque, embora adore computadores, considero que ainda estamos na infância da informática e continuo a achar que são todos um grande monte de esterco adorável, sem excepção: nem uma mísera cópia-de-segurança do nosso cérebro podemos fazer ainda, por exemplo! Como bosta magnífica que são, não tomo partido por nenhum, o debate é infrutífero. E longe de mim cometer o erro de atacar imediatamente quem adora os produtos Apple ao ponto de ficar dias numa fila, pois estas questões são exactamente como a religião: cada um segue o culto que quer (ou não segue nenhum) e ninguém tem nada a ver com isso… Sim, pronto, foi uma tentativa de piada. Nunca desistir do sentido de humor. Adiante.
A questão aqui é tentar perceber como é que um homem com a formação de Jobs preferiu confiar nas «medicinas» alternativas em detrimento da Medicina. E é muito difícil encontrar uma resposta quando falamos de um homem que profere um discurso como este [vídeo com legendas em Português] e não nos concentrarmos na sua espiritualidade e na época em que a adquiriu — viagem à Índia incluída. É que, ainda por cima, e de acordo com Ramzi Amri, o cancro que afectou Jobs nem era particularmente mortal, nem tampouco era o demolidor cancro pancreático que os meios-de-comunicação social (sempre rigorosos nestas coisas) divulgaram exaustivamente, mas uma forma de carcinoma que, apesar de ter tido origem no pâncreas, faz parte de um grupo restrito de tumores neuro-endocrinais que têm um prognóstico de tratamento bastante favorável, bastando para isso removê-los. Sim, simplesmente, sem beber urina diluída milhentas vezes em água, ou engolir uma pastilha de Gingko-biloba concentrado com ameixa de Elvas. Leva-nos até a questionar se teria sido o mesmo Jobs que disse, naquele discurso: «Don’t be trapped by dogma — which is living with the results of other people’s thinking». Recordámo-nos de súbito que sim, pois uns minutos antes tinha dito que caminhava 11 quilómetros para ir comer ao templo de Krishna, aos domingos… Ele afirma também, nessa mesma comunicação, que tinha sido submetido a cirurgia e havia retirado o tumor. Pois, mas passados anos a tentar mezinhas e apenas em último recurso, quando já era tarde demais, levando-o, até, a ter que remover o fígado e ao célebre transplante que se seguiu.
Claro que, para ele, que passou pela doce juventude nos anos 70 e, por essa razão, tal como tantos outros homens e mulheres na sua faixa etária no mundo ocidental, não lhe foi fácil pôr de lado as idiotices orientais que os ácidos ajudavam a cimentar nas sinapses. Mas, claramente (e ressalvando o facto de que Ramzi Amri fala sempre do ponto de vista hipotético), isto é o que pode acontecer quando se deixa passar a Ciência para segundo plano e o «veneno» da irracionalidade, como lhe chamou Hitchens, continua a corroer por dentro, mesmo em mentes brilhantes.
Steve Jobs, infelizmente, não era nenhum cientista. Ele geria, na sua forma peculiar, a criação de objectos tecnológicos e, como grande gestor que era e com a sua visão ousada e conhecimento único do seu cliente-alvo, tornou a Apple numa das empresas mais poderosas do mundo, o que já não foi pouco e é louvável a todos os níveis. Da Ciência, lamentavelmente, ele só mantinha a confiança nos componentes que lhe serviam para fabricar os seus produtos, pois para o que realmente importava, preferiu ignorá-la.
Para quem enaltece o Budismo e as paranóias new-age quando em comparação com outros cultos, este caso devia dar que pensar. Conheço até ateus que nutrem simpatia pela religião do obeso e pachorrento filósofo oriental. Amigos, tenho uma novidade para vocês: a religião é religião, é religião, é religião, é religião, e sempre esteve podre tanto a ocidente como a oriente, por toda a face do orbe terrestre.
Há uma frase que Jobs proferiu em Stanford que, apesar de completamente retirada do contexto, resume tudo: «It was awful tasting medicine, but I guess the patient needed it.»
Terry Jones, um dos membros do grupo Monty Python, criadores do belíssimo filme Life of Brian, de 1979, afirmou ontem ao The Guardian que, se fosse hoje, não realizaria o filme, devido ao ressurgimento do fenómeno religioso: «Ao tempo, a religião parecia posta de lado e era como se estivéssemos a pontapear um burro morto. Agora voltou para se vingar, e nós pensaríamos duas vezes antes de o fazer.»
Quem ainda não viu o filme, deve vê-lo. Mais informações no IMDB.
…pois a paixão que o papa sempre disse sentir por ele era afinal uma mentirinha.
O novo livro para crianças de Richard Dawkins, The Magic of Reality: How We Know What’s Really True, fala sobre os Pastorinhos de Fátima.
Faço um apelo à Casa das Letras para que o disponibilize rapidamente na nossa língua, pois vou querer oferecê-lo a todos os infantes que me são próximos.
Comentário de um amigo:
A proliferação de infames ateístas e suas sinistras organizações é preocupante, mas acabo de descobrir o golpe de misericórdia do mundo moderno contra os sagrados valores do cristianismo: a Bertrand anuncia para breve um livro intitulado Cozinha conventual com a Bimby
Duas críticas publicadas por José Carlos Fernandes, na Time Out Lisboa, a propósito de dois livros que andam (infelizmente) nas bocas do mundo, na televisão e nas linhas da imprensa e da Internet. Agradeço ao autor a permissão para publicá-las aqui.
Benjamin Wiker
Dez Livros que Estragaram o Mundo (10 Books That Screwed Up the World), 2011, Alêtheia (* mauzito)
São 15 e não dez, pois há “mais cinco que também não ajudaram nada”, e vão de O Príncipe (1513), de Maquiavel, a A Mística Feminina (1963), de Betty Friedan, passando por escritos de Descartes, Rousseau, Hobbes, J.S. Mill, Marx, Nietzsche, Lenin e Freud. Quase todos têm fraquezas, alguns (como Mein Kampf) são execráveis, mas poucos merecem ser alvo de simplificações grosseiras, leituras superficiais e citações fora de contexto, de forma a demonstrar, num exercício de panfletarismo sectário e desonestidade intelectual, que as ideias nele veiculadas são a raiz de todos os males do mundo – entre os quais estão o aborto, a homossexualidade, o sexo sem intuito reprodutivo e sem a benção do casamento e a emancipação da mulher.
O que estes livros têm em comum é serem obra de “ateus, e os ateus não gostam de coisas espirituais, porque as consideram enfadonhas” e são criaturas amorais, pois “quando se retira Deus do quadro, deixa de haver limites para o mal”. Do pai de Mill diz-se que estava “persuadido de que o destino e a felicidade dos seres humanos dependiam exclusivamente do esforço dos homens. Era um homem muito perigoso”. Quanto o marxismo, se este “permite demonstrar alguma coisa […] é que a doutrina cristã do pecado é uma doutrina verdadeira”. Já Darwin é um precursor de Hitler e só falta dizer que foi ele que planeou Auschwitz-Birkenau.
Um desses perigosos celerados que não crê no pecado original nem na imaculada concepção de Maria objectará que faltam na lista dois dos livros mais letais de sempre: a Bíblia e o Corão.
[publicado na Time Out Lisboa de 31.08.11]
Burpo, Todd & Lynn Vincent
O Céu Existe Mesmo (Heaven is for real), 2010, Lua de Papel (+ Infame)
Primeiro as boas notícias: o céu existe mesmo. A Colton Burpo, de quatro anos, filho de um pastor evangélico no Nebraska, estando à beira da morte, foi-lhe concedido visitá-lo e voltar.
Má notícia nº1: o céu de Colton corresponde ao imaginário de um miúdo submetido a doutrinação religiosa maciça desde que nasceu: Jesus tem trono, coroa e um cavalo arco-íris e ajuda as crianças a fazer os trabalhos de casa, reencontramos familiares falecidos, toda a gente tem asas, as portões do paraíso estão cravejados de pérolas, os anjos têm halo na cabeça e usam espadas com que combatem Satanás. Se o Paraíso for mesmo assim, embora as minhas probabilidades de a ele aceder fossem já escassas (demasiada masturbação na adolescência) vou tratar de roubar algumas caixas de esmolas de igrejas – mais vale não arriscar.
Má notícia nº2: 99% do livro é excipiente – vidinha de família numa parvónia do Midwest – e as visões celestiais de Colton cabem numa página.
Má notícia nº3: na redacção do livro, Todd, pai de Colton, teve o auxílio de Lynn Vincent, que possui sólida experiência em mistificações: é autora de Going Rogue, uma biografia glorificada da inefável Sarah Palin.
Má notícia nº4: esta pieguice vendeu dois milhões de exemplares em seis meses e está traduzida em 27 países (oh, por isto, qualquer escritor estaria disposto a morrer clinicamente por uns minutos).
Má notícia nº5: é o meu primeiro encontro com um livro conforme ao português de cafre instituído pelo Acordo Ortográfico, a cujos obreiros desejo que passem a eternidade no céu de Burpo.
[publicado na Time Out Lisboa de 03.08.11]
Paul Simms escreveu uma tirada deliciosa sobre Deus e a Sua «Criação» no site da The New Yorker.
(Agradeço ao amigo que mo enviou.)
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.