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Ricardo Alves

31 de Março, 2011 Ricardo Alves

Crucifixos: uma decisão que não decide por nós

É tão pacífico que não haja símbolos religiosos permanentes nas escolas públicas portuguesas que ninguém pede que sejam colocados. Compreende-se: o crucifixo não é um dos símbolos da República que mantém essas escolas. E afirmar a religião compete às igrejas, não à escola do Estado.

Todavia, desde 2005 que a Associação República e Laicidade questiona o Ministério da Educação, pedindo apenas uma circular que efective a não confessionalidade constitucional, retirando os crucifixos e cessando as cerimónias religiosas rituais que por vezes têm lugar nas escolas. E o ministério continua a fazer depender essa laicização, antipática para muitos, de um pedido explícito dos pais, empurrando os cidadãos para a constrangedora manifestação (pública) das suas convicções religiosas (privadas).


Existem portugueses crentes, católicos ou não; outros não têm religião, e são ateus, agnósticos ou indiferentes; o Estado não pode tomar partido por uns contra outros. E uma escola pública que seja veículo de difusão de uma religião, quer exibindo símbolos religiosos, realizando comunhões pascais ou tolerando proselitismos disfarçados de actividades transdisciplinares, toma partido por uma fracção da população e afasta-se da sua função unificadora e de formação dos futuros cidadãos nos valores democráticos. Uma parede nua, pelo contrário, não impõe a anti-religião.


Na sentença em que decidem que os crucifixos em escolas públicas italianas não violam a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os juízes de Estrasburgo assumiram que a sua decisão seria diferente perante provas de que, no caso concreto em julgamento, a presença daquele símbolo religioso fosse pretexto para doutrinação religiosa, proselitismo ou cerimónias religiosas. Remeteram a regulação da questão para o âmbito interno de cada Estado, e frisam na 2.ª sentença que são poucos os Estados que, como a França ou a Polónia, especificamente proíbem ou obrigam à presença desses símbolos.


Em Portugal, a inacção do Governo tornou um enquadramento constitucional mais próximo do francês numa vivência concreta que, localmente, pode ser quase polaca. É esse o caso da Madeira, onde um recente despacho do Governo regional ordenou a manutenção dos crucifixos, desafiando a Constituição e a Lei da Liberdade Religiosa, mas sem reacção do Governo da República, sempre tíbio perante aquela autonomia.

Os argumentos de tradição, maioria social ou “identidade cultural” foram desconsiderados na sentença. Recorde-se que a tradição dos crucifixos nas escolas portuguesas data de 1936, quando foram impostos como “símbolo da educação cristã determinada pela Constituição” (a de 1933), através da mesma lei que instituiu o livro único e a Mocidade Portuguesa.

A sua permanência, com uma Constituição (a de 1974) omissa em referências religiosas e que preconiza a não confessionalidade do ensino, é um resquício fossilizado da instrumentalização da religião para legitimar uma ditadura felizmente defunta. E a maioria não pode impor à minoria símbolos religiosos: seria esquecer que a liberdade é, sempre, individual.

A sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem mantém a questão em aberto: confessionalismo ou laicidade?


(Publicado no Diário de Notícias, no dia 28 de Março de 2011.)
 

 

 

23 de Março, 2011 Ricardo Alves

Só pode ser humor

Dois teólogos acusam os políticos de «baralhar as pessoas» e pedem-lhes que «não mintam». Mas a profissão de teólogo não exige precisamente esses dois requisitos?

10 de Março, 2011 Ricardo Alves

Censo de 2011: quantos infiéis somos?

Está na rua o Censo de 2011. Como ateu consciente e cidadão atento à evolução do fenómeno religioso, interessa-me a última pergunta do questionário individual: a delicada «qual é a sua religião». A situação é conhecida: o grupo em que me incluo, os «sem religião», é a maior minoria, e também a que mais cresceu entre 1991 e 2001.

O censo é a única operação oficial de contagem dos residentes em Portugal por critério de religião. Felizmente a única, porque o Estado não deve meter o nariz no que é matéria de convicção pessoal. E assim a Constituição nos garante, como deve, o direito de nem responder à questão.

As respostas registam sempre um número elevadíssimo de católicos, quase quatro vezes superior aos que se encontram na missa em qualquer domingo. O que acontece, em primeiro lugar, porque muitas pessoas entendem a pergunta «qual é a sua religião» como uma questão sobre se foram baptizados ou não. Mas não é disso que se trata.

Não ajuda que a pergunta do censo mencione, logo em primeiro lugar, a resposta «católica». Em mais nenhuma pergunta se seguiu, como a da religião aparenta, o critério da maioria (esperada) das respostas para as ordenar. Por exemplo: as respostas para o país de nascimento (quando no estrangeiro, questão oito) seguem a ordem alfabética. E as respostas à pergunta «como se desloca para o trabalho» (questão 21) começam com «a pé», e não «de carro» ou «de autocarro». No mínimo, o ordenamento é capcioso.

Também não ajuda que as categorias não católicas que se oferecem como resposta tenham designações tão estranhas que dificultam a identificação. «Ortodoxa» é um modo de viver a religião, não é uma religião. Seria melhor usar «católica romana» e «católica ortodoxa». «Protestante» será adequado para luteranos ou anglicanos, mas não para a maior minoria religiosa não católica, os que se designam a si próprios como «cristãos evangélicos». «Judaica» levanta outra questão: porquê incluir uma comunidade religiosa tão diminuta (quatro locais de culto no país inteiro) quando o Censo ignora as Testemunhas de Jeová (650 c0ngregações em Portugal, dizem eles) ou a IURD (que chegam a usar estádios de futebol)? Parece, sejamos claros, discriminatório. Porque, das duas, uma: ou o critério aqui deveria ser o número, e as opções seriam outras, ou a lista deveria ser exaustiva, e seria muito mais longa (ou com uma opção em aberto para se acrescentar «ateu», «agnóstico», «pagão», «satânico» ou «cavaleiro de Jedi»).

Seja qual for a opção, nada melhor do que escolhê-la esclarecidamente.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

27 de Fevereiro, 2011 Ricardo Alves

Al-Qaradawi, o clérigo que quer levar a revolução egípcia da praça Tahrir para a mesquita

Na primeira sexta-feira depois da queda de Mubarak, uma imensa manifestação celebratória teve lugar na praça Tahrir. Apenas a um homem foi dado o privilégio de se dirigir à multidão: Yusuf Al-Qaradawi, cheique sunita, recém-chegado de três décadas de exílio no Golfo Pérsico.

Registe-se que nesse dia não foi permitido que falasse Wael Ghonim, um dos jovens que mais simboliza a juventude egípcia mobilizada através da internete, e que aliás estivera detido de 27 de Janeiro a 9 de Fevereiro. Não: Al-Qaradawi controlava a praça.

A sua popularidade resulta, em boa medida, do programa televisivo «A chária e a vida», difundido a partir do Catar pela Al-Jazira há quinze anos (todos os domingos). As suas posições extremistas são elucidativas: defende o bombismo suicida na Palestina, a mutilação genital feminina (e a masculina, claro), punições para homossexuais e adultério, o assassinato de Salman Rushdie, e o extermínio dos judeus. Embora elogie frequentemente a Irmandade Muçulmana, já não é membro, e até se deu ao luxo de recusar liderá-la em duas ocasiões, a última das quais em 2004.

Os militares que se desembaraçaram do seu semi-fantoche Mubarak ainda não mostraram se apoiarão os jovens revolucionários  por enquanto sem partido ou os islamistas da Irmandade Muçulmana. Há quem preveja que Al-Qaradawi será para o Egipto o que Khomeini foi para o Irão. Porém, 2011 não é 1979, e a história não se repete. Mas convém manter este homem debaixo de olho.

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

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21 de Fevereiro, 2011 Ricardo Alves

Egipto: ser ou não ser islâmico

  • «O Islão é a Religião do Estado. O Árabe é a língua oficial, e a principal fonte de legislação é a Jurisprudência Islâmica (chária).» (Artigo 2º da Constituição do Egipto)
Centenas de egípcios, principalmente cristãos coptas, pediram ontem nas ruas a revogação do artigo 2º da Constituição egípcia. Compreende-se porquê. Um Estado com religião de Estado, seja essa religião a cristã, a judaica ou a islâmica, não é um Estado para os cidadãos. É um Estado para a divindade, para o além, para o que quiserem, mas não é um Estado para os problemas reais dos cidadãos concretos no único mundo que todos temos a certeza de existir. No ano em que o mundo árabe entrou em convulsão, há clérigos como o Grandessíssimo Cheik da Universidade Al-Azhar que consideram «subversão» revogar o artigo supra. A Irmandade Islâmica deve concordar. Os homens e mulheres livres, antes pelo contrário.
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
21 de Fevereiro, 2011 Ricardo Alves

Poligamia é liberdade religiosa?

É essa a opinião da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons fundamentalistas), e estão a defender essa reivindicação em tribunal.

A poligamia entre os mórmons fundamentalistas parece ser inseparável de casamentos com raparigas adolescentes, números elevados de filhos por mulher, e expulsão da comunidade de rapazes e homens que não casam. Um esquema autoritário e machista, «abençoado» pelo «Deus» dos mórmons.

20 de Fevereiro, 2011 Ricardo Alves

Tunísia: a vanguarda laicista do Magrebe

Há três meses atrás, seria considerado louco quem manifestasse a esperança de ver uma manifestação pela laicidade nas ruas de uma capital do Magrebe. Pois aconteceu ontem, em Tunes.

O pretexto imediato foram eventos como o assassinato de um padre católico, uma manifestação islamista anti-semita diante de uma sinagoga, e a tentativa, por islamistas, de incendiar uma rua de prostituição. A manifestação que podemos ver no filme afirmou claramente os valores da laicidade, da tolerância e da paz. Contra o perigo islamista.
Se existe um risco real de a revolução egípcia ser anulada pelos generais ou pelos islamistas, na pequena Tunísia há sinais de um movimento laicista e democrático que poderá desmentir todos os «civilizacionistas» e xenófobos que há décadas nos tentam convencer que um país árabe de população muçulmana não poderia nunca ser uma democracia laica.
Discute-se a perseguição às prostitutas; o véu islâmico; o papel das mulheres; o lugar da religião na vida pública; no fundo, a laicidade. Vivemos tempos de incerteza, mas fascinantes. A Tunísia, país da primeira revolução democrática árabe, dá-nos esperança de que tudo corra pelo melhor.
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
16 de Fevereiro, 2011 Ricardo Alves

A resposta era 4

A resposta correcta à adivinha que coloquei era a 4. O senhor que afirmou «Deus destruirá a semente dos árabes e há de extirpá-los do mundo. Estes árabes são patifes amaldiçoados, que choram lágrimas de crocodilo enquanto matam pessoas; é proibido ter piedade deles», foi o rabino Ovadia Yosef, ex-Rabino Chefe de Israel e «líder espiritual» de um poderoso partido parlamentar, o Shas. Quanto ao senhor que afirmou que «os israelitas legitimaram o homicídio das suas próprias crianças ao matarem as nossas. (…) Os israelitas legitimaram a morte dos seus em todo o mundo ao matarem os nossos. (…) A vitória chegará, com a vontade de Deus», foi Mahmoud Zahar, líder do Hamas.
Na caixa de comentários, não houve respostas correctas. Dois leitores erraram por pouco, ao apostar na resposta 3 (não era o primeiro muçulmano e o segundo judeu, mas sim o contrário). Uma leitora apostou na 5, mas, na verdade, dificilmente se encontram apelos ao genocídio partindo de sacerdotes cristãos em anos recentes. As frases citadas são de 2001 e 2009, respectivamente.