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Ricardo Alves

29 de Julho, 2011 Ricardo Alves

O terrorista de Oslo (2)

(continuação)Na terceira parte do «compêndio» de Anders Breivik surge a solução global para as suas angústias: a «revolução conservadora». Ele define cuidadosamente «traidores de categoria A, B ou C». Que incluem todos os «marxistas da linha dura», «marxistas culturais», «humanistas suicidários» e «capitalistas globalistas». Os traidores «A e B» estão condenados à morte pelo «Tribunal Criminal» neo-templário por auxiliarem o «genocídio cultural» da Europa (são os líderes de partidos, mediocratas, conferencistas, deputados, etc). E é a obsessão recorrente com os «traidores multiculturalistas» que explica que Breivik não tenha atacado uma mesquita, mas sim um acampamento de jovens trabalhistas. Apenas após executar os «traidores» se iniciaria a «Cruzada» anti-islâmica que era o seu objectivo derradeiro. (Apocalíptico como qualquer al-qaedista, o senhor Breivik…)

Muitos bytes têm sido escritos sobre se Breivik deve ser considerado, ou não, um «fundamentalista cristão». É verdade que não será, a acreditar no seu texto, uma pessoa profundamente religiosa (apesar de rezar numa ocasião, e escrever que, numa situação como aquela em que se encontrou em  Utoya, pensaria em «Deus»). Mas os seus objectivos eram religiosos, no sentido «cultural» e «identitário». A viragem na vida de Anders Breivik, de militante de partido populista e anti-imigração para terrorista, parece ter sido o apoio da UE aos muçulmanos do Cosovo, que entendeu como uma traição à «cristandade» (que lhe interessa mais do que o cristianismo). A sua obsessão com as cruzadas sublinha a importância que a «Igreja» (pré-reforma) tem para ele como bandeira, muito mais do que como doutrina. Aliás, as suas opiniões em matéria de doutrina são guiadas pelas suas obsessões geoestratégicas: defende que os protestantes sejam mais como os católicos porque vê a ICAR como mais próxima da tradição, e mais centrada na autoridade (papal) do que nos textos (bíblicos). Chega a recuperar, num exercício (voluntariamente?) semelhante ao dos al-qaedistas, as justificações dos papas medievais para as Cruzadas (pag. 1325), e as da Bíblia para a violência (pp 1329-1335).

Na página 1112 do seu «compêndio», explica o que dirá em tribunal depois da sua condenação. Que o «multiculturalismo» é uma «ideologia de ódio», «concebida para exterminar a cultura, as tradições e a nossa identidade europeias». Que só executou «traidores A e B», e que eles «facilitam a islamização e a guerra demográfica islâmica». E mais: que agiu «em autodefesa através de um ataque preventivo», com a autoridade maior da Europa: o «Tribunal Militar e Criminal – Cavaleiros Templários». O seu objectivo, explica a seguir, é matar «traidores» para depois expulsar muçulmanos. Nas páginas seguintes, fala várias vezes em proteger a Europa do Islão. O uso que faz da religião é instrumental (ou oportunista). Interessam-lhe a cristandade e os cruzados enquanto bandeiras guerreiras, e não enquanto espiritualidade. Do mesmo modo que alguns conservadores, mesmo que agnósticos (ou ateus) defendem a ICAR porque ela garante a ordem social e cultural que desejam manter. Breivik é um «cristão identitário» mas não um cristão (profundamente) espiritual.

Em resumo: um fanático e não um louco; um conservador e não um fascista; e um homem que actuou não movido pela religião, mas por objectivos religiosos. Nesse sentido (o sentido identitário e político), pode ser considerado um «terrorista cristão».

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
24 de Julho, 2011 Ricardo Alves

O terrorista de Oslo (1)

O atentado de sexta-feira na Noruega é o maior em solo europeu desde Atocha (em 2004). Ser a obra (directa) de um único homem, que causou quase uma centena de vítimas mortais, lembra o atentado de Oklahoma, perpetrado por Timothy McVeigh.
As ideias de Anders Behring Breivik são de extrema direita, o que constitui uma viragem histórica no terrorismo global. A pouco mais de um mês do décimo aniversário dos atentados de Nova Iorque e Washington, pode ter começado uma nova vaga de atentados, em contra-corrente à campanha islamista que durou, na Europa, até 2006.
Dediquei algum tempo a ler (na diagonal, claro) o manifesto de mil e quinhentas páginas que Anders Breivik (ou «Andrew Berwick») difundiu pelos seus 7000 amigos do Facebook poucas horas antes de detonar explosivos no centro de Oslo («2083: a European Declaration of Independence»). Era esse o seu objectivo: que o estudássemos (na página 16, refere-se a uma «operação de marketing» que devem ser os atentados). Mas, dado que toda a extrema direita deve estar a ler esse manifesto neste momento, é melhor começar a responder-lhe.
A primeira parte do livro é uma longa diatribe contra o «marxismo cultural», o «politicamente correcto» e a «escola de Francoforte» que, através do «multiculturalismo» são a «raiz» para a «islamização» da Europa. O autor descreve-se repetidamente como «conservador», com variantes como «conservador cultural» ou «nacional conservador», e como um nostálgico da sociedade europeia dos anos 50, pervertida a partir dos anos 60 pelo «marxismo cultural». A narrativa é a habitual para um conservador: o feminismo, a banalização da homossexualidade e o anti-racismo destruíram a sociedade europeia tradicional. Algumas passagens desta parte parecem ter sido plagiadas, na íntegra, do manifesto do Unabomber. Mas o mais importante para Breivik/Brewick é a «revisão» da história e o «negacionismo» dos massacres e genocídios perpetrados pelo Islão. E que não se conte como as Cruzadas eram uma empresa benéfica, justa e necessária.

Na segunda parte do livro, Breivik mostra-se um adepto da tese da «Eurábia», segundo a qual existe um plano para islamizar a Europa através da imigração, de taxas de natalidade elevadas e da pressão política. Cita abundantemente blogues como o Brussels Journal, o Jihad Watch e o Gates of Vienna, em particular o bloguista Fjordman e Bat Ye´or, a grande popularizadora dos conceitos de «Eurábia» e «dimitude» (a submissão voluntária ao Islão). Em 2006, escrevi sobre esta corrente de pensamento no Diário Ateísta e no Esquerda Republicana. À época, afirmei que «atribuir à Al-Qaeda capacidade militar para conquistar a Europa, ou olhar para os imigrantes muçulmanos como a vanguarda de uma invasão programada, ou falar da Europa como um protectorado islâmico, são delírios paranóides que relevam de preconceitos racistas, da angústia demográfica, de entusiasmo deslocado pelas aventuras militares dos EUA e de Israel, ou da obsessão identitária com a “civilização ocidental e cristã”». E acrescentei que «nos anos 20 e 30 do século passado, a extrema direita afirmou-se na Europa, manipulando [o] anti-semitismo (…) hoje, o mesmo sector político tem interesse em conjugar os sentimentos islamófobos, o apoio a guerras de conquista e o apelo identitário-conservador cristão».

A corrente de pensamento «civilizacionista» em que Anders Breivik se insere é também a de Melanie Phillips ou Bruce Bawer. Politicamente, Geert Wilders ou a English Defence League. Referências explicitadas por Anders Breivik no seu livro, embora lhes critique o «pacifismo». A passagem à violência não é óbvia. Aliás, Breivik distancia-se do nazismo e afirma-se «anti-jihadista», «anti-marxista» e até, a dado ponto, «anti-fascista». Prefere os «nacional-conservadores» alemães ao nazismo.

Na terceira parte do livro, Breivik anuncia que pertence, desde 2002, a uma organização de novos «Cruzados» (!), simultaneamente ordem militar e tribunal: os Cavaleiros Templários Justiceiros (!!). Ele próprio será apenas uma «célula» desta organização de «Resistência Europeia», liderada por um criminoso de guerra sérvio refugiado na Libéria (!!!).

(continua)

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
30 de Junho, 2011 Ricardo Alves

«Nem Alá, nem Senhor»

O documentário «Nem Alá nem Senhor», da realizadora tunisina Nadia El Fani, já provocou manifestações furiosas dos extremistas islamistas, que gritam barbaridades intimidatórias como «a Tunísia é um Estado islâmico» e «o povo quer criminalizar a laicidade». Não suportam que se debata a laicidade num país de maioria muçulmana, e que a realizadora seja ateia. Que ninguém se espante: viram-se cenas semelhantes em Lisboa há poucas décadas, por causa de uma caricatura com Papa e preservativo ou à porta de cinemas que projectavam filmes com «Maria» no título. Tunes não está assim tão distante de Lisboa.

Fica em baixo um excerto do documentário.

29 de Junho, 2011 Ricardo Alves

«Matareis os vossos animais com crueldade e mutilareis as vossas crianças»

Não me indigna nem me entusiasma a proibição do abate ritual de animais (kosher ou halal). Se concordo que não anestesiar um animal antes de o matar é uma crueldade desnecessária (ainda pior quando se reza aos ouvidos do pobre bicho enquanto se lhe corta o gasganete), parece-me um exagero sentimentalista a ideia de que os animais de outra espécie que não a nossa têm direitos inalienáveis. Todavia, por princípio não aceito que um grupo de indivíduos se reclame o direito de fazer qualquer coisa que me é proibida por lei só porque seguem uma religião, seja ela qual for. Portanto, estou a favor. Porque, embora resolutamente antropocêntrico, não entendo por que a religião ou a tradição hão-de ser fonte de direitos, como pretende certo reaccionarismo pós-modernista.
E mais: como temem alguns judeus, ficaria realmente entusiasmado se se proibisse a circuncisão,  sem motivo médico, de menores de idade. A integridade dos órgãos sexuais das crianças parece-me mais importante do que qualquer fantasma de «anti-semitismo» ou «islamofobia» que se queira invocar. Apedrejai-me, clericais.
[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
30 de Maio, 2011 Ricardo Alves

Malta divorcia-se da ICAR

O referendo sobre o divórcio, em Malta, terminou com 53% de «sins» à legalização, apesar de uma campanha histérica da ICAR, que colocou cartazes do «Cristo» pelas ruas, conseguiu que os padres fizessem campanha nas missas e nas procissões, e ameaçou negar a participação nas suas cerimónias a quem votasse «sim». Uma vitória histórica para a laicidade num dos Estados mais clericais da Europa, e onde milhares de pessoas que vivem separadas poderão agora… casar-se.