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Ricardo Alves

13 de Julho, 2005 Ricardo Alves

Copiai dez vezes e meditai no sentido

O presidente da Câmara Municipal de Barcelos copiará, no dia 16 de Julho, uma frase da Bíblia. Este acto, integrado na campanha de propaganda «Bíblia Manuscrita», não terá lugar nem na residência deste senhor nem numa igreja, mas sim no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Barcelos.
Conforme se verifica pelo exposto, o senhor Presidente da Câmara de Barcelos necessita de copiar dez vezes a frase:
«As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado»
E, já agora, o preceito §1 do artigo 4º da Lei da Liberdade Religiosa:
«O Estado não adopta qualquer religião, nem se pronuncia sobre questões religiosas».
Seria também avisado meditar no sentido destas frases.
7 de Julho, 2005 Ricardo Alves

Atentados de Londres: foi em nome de Deus?

Um comunicado de uma alegada Organização Secreta da Al-Qaeda na Europa, assumindo a autoria dos atentados de hoje de manhã em Londres, apareceu num site islamista.
«Em nome de Deus, o misericordioso, cheio de compaixão, possa a paz estar sobre o alegre e destemido lutador, o Profeta Maomé, que a paz de Deus esteja sobre ele.
Comunidade dos muçulmanos e mundo árabe, regozijai-vos pois chegou a hora da vingança contra o governo cruzado e sionista britânico em retaliação contra os massacres que a Grã-Bretanha está a cometer no Iraque e no Afeganistão. Os mujahedin heróicos realizaram um ataque abençoado em Londres. A Grã-Bretanha arde agora com medo, terror e pânico nos seus cantos norte, sul, leste e oeste.
Tínhamos avisado o governo e o povo britânicos repetidamente. Cumprimos a nossa promessa e realizámos o nosso ataque abençoado na Grã-Bretanha depois de os nossos mujahedin se terem esforçado estrenuamente durante um longo período de tempo para assegurar o sucesso do ataque.
Continuamos a avisar os governos da Dinamarca e da Itália e todos os governos de cruzados que serão punidos da mesma maneira se não retirarem as suas tropas do Iraque e do Afeganistão. Aquele que avisa está desculpado.
Deus diz: “Tu, o que acreditas: se ajudares (à causa de) Alá, Ele te ajudará, e plantará os teus pés firmemente.”»
O site onde este comunicado apareceu já não está disponível. A sua autenticidade não está confirmada.
BBC (Comunicado completo)
30 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Serão os filhos propriedade dos pais?

A Nota sobre a Educação da Sexualidade da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), já referida pela Mariana e pelo Carlos, e o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), suscitam a questão do papel que os pais e o Estado podem ou devem ter na educação das crianças e adolescentes.

O CNECV, no seu parecer, afirma ser aceitável que um adulto recuse transfusões de sangue, mas rejeita que uma criança o possa recusar, mesmo quando os seus pais assim o queiram. Este órgão consultivo estatal afirma assim o princípio de que o Estado deve proteger os filhos das consequências das convicções religiosas dos pais (no caso, das crenças das Testemunhas de Jeová). Simultaneamente, aproxima-se de aceitar a eutanásia passiva de adultos, o que é, no mínimo, curioso.

A Nota da CEP (o órgão dirigente da ICAR portuguesa) defende «para a família, o direito de cooperar no planeamento da educação da sexualidade na escola (…) incluindo a selecção e a formação dos professores» e que «compete à família decidir as orientações educativas básicas que deseja para os seus filhos». A CEP assume portanto a defesa da interferência dos pais católicos na escola estatal, o que cria um problema: é que se os pais podem, efectivamente, educar os filhos nas convicções religiosas que entenderem, a escola pública tem o dever de instruí-los sobre os factos básicos da sexualidade e sobre os princípios éticos mínimos: respeito por si próprio, pela autonomia do outro e higiene. A CEP defende explicitamente que o Estado deverá ir mais longe: «a educação da sexualidade não se resume a mera informação sobre os mecanismos corporais e reprodutores (…) desta forma, deturpa-se o sentido da sexualidade, isolando-a da dimensão do amor e dos valores, e abre-se caminho (…) à aceitação, por igual, de múltiplas manifestações da sexualidade, desde o auto-erotismo, à homossexualidade e às relações corporais sem dimensão espiritual».

As famílias nunca são laicas, e os pais encontram nas religiões justificações para afirmarem o seu poder sobre os filhos. Os pais católicos desejam que a escola desaconselhe aos filhos comportamentos inofensivos, os Testemunhas de Jeová que os filhos não recebam transfusões de sangue, os pais judeus retalham o prepúcio dos filhos do sexo masculino, os muçulmanos também, e estes últimos, em algumas variantes culturais, velam as filhas ou mutilam-lhes o clítoris. Por tudo isto, os filhos não podem ser tratados como propriedade exclusiva dos pais, e a sua educação escolar deve ser programada e decidida pelo Estado de forma a colmatar as falhas das próprias famílias. É o Estado laico que pode emancipar as crianças da violência, do obscurantismo e dos variados condicionamentos das famílias.

Ouvi uma vez Emídio Guerreiro recordar que, nos seus primeiros anos de escola, os alunos comentavam entre si que a República proibira os castigos corporais nas salas de aula. Ninguém duvida que, nas famílias, a violência física continua. Mas os excessos que as famílias cometem sobre os menores, muitas vezes em nome de convicções religiosas, podem e devem ser limitados pelo Estado. Emídio Guerreiro, que nunca transigiu na luta pela liberdade individual, testemunhava-o.
30 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Dez Mandamentos: sim e não

O Tribunal Supremo dos EUA decidiu, na segunda-feira, mandar retirar os «Dez Mandamentos» das salas de tribunal de dois condados do Kentucky. A decisão foi tomada por uma maioria de cinco juízes contra quatro e será um precedente importante para acções semelhantes noutros Estados. Na mesma data, o mesmo Tribunal Supremo decidiu manter um monumento aos mesmos «Dez Mandamentos» no exterior do Capitólio do Texas, também por uma maioria de cinco juízes contra quatro.
As diferenças entre as duas decisões resultam de as situações serem distintas. No Kentucky, trata-se do interior de salas de tribunal; no Texas, do exterior de um edifício governamental, onde se encontram dezasseis outros monumentos. A segunda situação será, sem dúvida, menos impositiva. O Tribunal afirma que, no primeiro caso, por haver exibição de propaganda religiosa, violava-se a primeira emenda da Constituição dos EUA, que estabelece a neutralidade religiosa estatal e obriga o governo a não promover religião alguma. No segundo caso, o Tribunal confessa algumas dificuldades e alega que o monumento aparece misturado com outros, que a sua presença não foi questionada durante quarenta anos e que o monumento é «passivo».
As organizações laicistas estado-unidenses, genericamente, consideram estas duas decisões uma vitória parcial. A Americans United for Church and State Separation defende que se reafirmou que o governo não pode privilegiar uma crença em detrimento das outras, e anuncia que prosseguirá na sua campanha pela retirada de símbolos religiosos em outros Estados (Maryland, Pensilvânia, Washington). O Council for Secular Humanism «aplaudiu» a primeira decisão e manifestou-se «desapontado» com a segunda (comunicado recebido por correio electrónico). A American Atheists considera os veredictos «uma derrota» e que o governo está a «elevar a religião acima da Constituição».
24 de Junho, 2005 Ricardo Alves

Livros para as férias

Aproxima-se, para a generalidade dos habitantes do hemisfério norte, a época de uma merecida pausa no trabalho, libertando espaço para a vida privada e o lazer. Um dos meus rituais prévios à partida para férias consiste em escolher alguns livros para ler. Deixo aqui algumas sugestões para ateus, ateias, agnósticos, livre-pensadores, laicistas e curiosos, escolhidas entre as edições mais recentes.
  1. O «Traité d´athéologie: physique de la Métaphysique» de Michel Onfray tem feito furor nos meios ateístas franceses. O autor, que é filósofo, milita por um ateísmo hedonista, não niílista, e procede, neste livro violentamente blasfemo e abertamente anti-religioso, à crítica dos três monoteísmos (judaísmo, cristianismo e islão), salientando o que têm em comum: o ódio à razão, à liberdade, às mulheres e à sexualidade, e a defesa da fé, da obediência, da submissão e da castidade. (Ler algumas citações.)
  2. Em «Freethinkers: A History of American Secularism», Susan Jacoby demonstra que os EUA foram fundados na separação do Estado e das igrejas e que sempre existiu uma forte corrente secularista norte-americana que incluiu figuras como Thomas Jefferson, John Adams, Thomas Paine e Robert Ingersoll, corrente essa sempre influente em progressos sociais como a abolição da escravatura, a defesa do ensino do darwinismo, ou o direito à contracepção. Um livro importante num momento em que o carácter originalmente laico dos EUA se encontra pervertido por um cristianismo proselitista.
  3. Henri Peña-Ruiz é o principal filósofo da laicidade nosso contemporâneo. O seu livro mais recente, «Histoire de la laïcité: Genèse d´un idéal», traça a história do ideal laico, ou seja, o avanço progressivo da ideia de igualdade de tratamento entre aquele que crê no céu e o que não crê, por um Estado sem religiões reconhecidas nem ateísmo de Estado, pela defesa de uma esfera pública consagrada ao interesse geral e não às guerras de identidades.
  4. Num início de século em que o Islão está no centro das atenções e das reflexões, vale a pena ouvir o que têm para dizer os apóstatas que abandonaram esta religião. A mais célebre de entre eles é a deputada holandesa de origem somali Ayaan Hirsi Ali, da qual foi publicado recentemente «Insoumise». Hirsi Ali foi excisada aos cinco anos, educada numa escola wahabita, e aos 22 anos abandonou a família para escapar a um casamento arranjado. Esta ateia corajosa tornou-se famosa após ter colaborado com Theo Van Gogh no filme «Submissão», devido ao qual este realizador holandês foi assassinado.
  5. Outra visão pouco abonatória do Islão pode ser encontrada em «Why I am not a Muslim», de Ibn Warraq. O autor analisa os mitos fundamentais do Islão, e discute a hipotética compatibilização desta religião com os direitos humanos, a democracia e a laicidade. Ibn Warraq está ligado ao Institut for the Secularisation of Islamic Society.
  6. Infelizmente, nenhum destes livros (que eu saiba) está traduzido em língua portuguesa. (Algum editor se voluntaria? Peña-Ruiz e Onfray, por exemplo, fazem muita falta.) No entanto, encontram-se traduzidos dois livros de Chadortt Djavann («Abaixo os véus!» e o que pensa Alá da Europa») sobre a polémica do véu islâmico em França.
21 de Junho, 2005 Ricardo Alves

O ateísmo contra o espírito de rebanho

Ser ateu, por si só, não é sinónimo de ser de esquerda ou de direita, democrata ou republicano, de ter princípios éticos ou de ser um facínora. No entanto, quem lê o Diário Ateísta sabe que os ateus que aqui escrevem assumem o seu ateísmo como um ponto de vista que permite combater quer os preconceitos que as várias religiões institucionalizaram, quer a ignorância obscurantista que alimenta injustiças por esse mundo fora, quer as paixões irracionais que pretendem fomentar o ódio entre grupos.

As congregações clericais alimentam o espírito de rebanho. O pastor católico, protestante ou muçulmano que se arroga pensar em nome e em vez da multidão que o ouve, pretende arregimentar pessoas que deveriam ser livres e autónomas para os seus objectivos de poder. A submissão de um grupo à hierarquia é uma especialidade clerical, e muitas vezes prepara a manipulação identitária desse grupo por outras hierarquias e outros totalitarismos. É por isso que os fascismos, mesmo quando algo pagãos, sempre se deram bem com as igrejas, particularmente a católica.

A minha militância ateísta neste blogue pretende exactamente destruir o espírito de rebanho. Só quando cada cidadão pensa livremente, liberto dos dogmas religiosos, pseudo-científicos, ou das opiniões políticas contingentes, é que se descobre aquilo que pode unir todos os cidadãos civicamente, desligando-os das comunidades da «sociedade civil» a que se pode aderir livremente, mas que, tantas vezes, oprimem os indivíduos. A mim, a autoridade estatal não me causa problemas de maior, desde que seja democrática e republicana. Não posso dizer o mesmo de determinadas «associações da sociedade civil» em que a autoridade resulta da «palavra revelada» ou do culto da violência.

Respeito todas as pessoas, mas não determinadas ideias, como o fascismo ou o clericalismo. Quer o fascismo quer o clericalismo são manipulações identitárias que pretendem substituir a capacidade individual de pensar autonomamente pelo espírito de rebanho. São dois totalitarismos que devem ser igualmente combatidos.
31 de Maio, 2005 Ricardo Alves

Terrorismo verbal e revisionismo histórico

Qualquer pessoa sensata que perca algum tempo acompanhando os debates, em blogues e caixas de comentários, sobre o Diário Ateísta e os seus artigos, não deixará de se espantar quer com o ódio que por aí grassa aos autores deste blogue, quer com a má-fé que revelam as acusações que lhes são dirigidas.

Seria fastidioso documentar essas acusações. Desde sermos marxistas-leninistas encapotados até termos falta de rigor histórico, passando por insinuações de falta de conhecimentos científicos, de tudo se tem visto. O mais lamentável, mas que demonstra a má-fé de que falo, é que raramente se lêem tentativas de refutação honestas e ponderadas dos nossos argumentos. O que não demonstra necessariamente que temos razão em cada ponto, mas sobretudo que o estado do debate blogo-esférico é lastimável.

Quem nos lê sem preconceitos sabe que partilhamos uma visão materialista do universo, mas que defendemos também as liberdades individuais contra todos os totalitarismos e o espírito crítico contra todas as abordagens dogmáticas.

Se alguém acede ao Diário Ateísta procurando um discurso fanático e verbalmente terrorista, enganou-se no endereço de http. Teria mais sorte na Voz de Fátima, onde esta semana um senhor padre chamado Luciano Guerra imagina uma Europa com «em todos os países e classes sociais, abortos aos milhões, e casamentos de homossexuais aos milhares», em que «os contentores de resíduos hospitalares vão transbordar de crianças mortas» e «corpos esquartejados de bebés vão aparecer em lixeiras de toda a espécie», e mesmo ser «transformados em cremes de amaciar a pele das próprias mães». Este padre fantasia ainda que o «Parlamento de Estrasburgo amanhã poderá vir a impôr a toda a Europa» o casamento de homossexuais, o que mostra que Luciano Guerra não leu o Tratado constitucional (que no seu artigo II-69º define o casamento como uma competência dos Estados membros).

As hipérboles de Luciano Guerra, como as daqueles que falam do «catolicismo perseguido», da «inquisição laica» e da «intolerância ateia», não são mero terrorismo verbal. São também uma forma subtil de revisionismo histórico. Na realidade pretendem, simultaneamente, banalizar os horrores passados (e reais) da responsabilidade da instituição católica, e equivaler-lhes os «horrores» futuros (e fantasiados) que aqueles que a denunciam pretenderiam perpetrar.

Recordemos, a bem da memória histórica, o pogrom de Lisboa em 1506, que foi instigado por padres e em que terão perecido cerca de duas mil pessoas.

«E, por já nas ruas não acharem Cristãos-novos, foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e mortos, nas fogueiras, sem piedade. E era tamanha a crueldade que até executavam os meninos e (as próprias) crianças de berço, fendendo-os em pedaços ou esborrachando-os de arremesso contra as paredes

Entre as atrocidades reais cometidas em 1506, por católicos, e as atrocidades fantasiadas por Luciano Guerra, quase 500 anos depois, existem semelhanças perturbantes, que eu suspeito que são intencionais. Note-se que era a inquisição que esquartejava as suas vítimas.

O revisionismo histórico, e a deturpação das palavras que o acompanha, devem ser confrontados com a realidade histórica. Em boa verdade, as piores ditaduras portuguesas tiveram sempre o apoio da ICAR, e os piores horrores que se verificaram em terras portuguesas foram perpetrados pela Inquisição. Jamais existiu uma «inquisição laica» e a tolerância religiosa foi imposta à ICAR a partir de fora. A insistência icaresca em ficcionar-se como uma instituição «perseguida» é parte da cultura católica do martírio, mas é também uma forma de revisionismo.

Convém, portanto, ter memória histórica e rigor nas palavras.

24 de Maio, 2005 Ricardo Alves

Liberdade de expressão e blasfémia

Tony Blair não desiste de legislar contra a blasfémia. Antes das recentes eleições no Reino Unido, Blair tentara fazer aprovar uma lei contra o «ódio religioso», numa tentativa de recuperar votos no eleitorado muçulmano, que se afastara dos trabalhistas na sequência da guerra do Iraque. A lei foi rejeitada três vezes.

Após a vitória dos Trabalhistas nas eleições britânicas, Tony Blair, como nos relatam os secularistas britânicos, insiste em aprovar uma lei que proteja o islão britânico da crítica, à semelhança do que já acontece, no RU, com outras religiões. Como tem sido relatado exaustivamente aqui no Diário Ateísta, as leis que limitam a liberdade de expressão, protegendo as religiões da crítica, são infelizmente comuns em muitos países europeus (por exemplo, na Grécia, na Holanda, ou na Rússia).

No entanto, a ideia de limitar a crítica da religião, para além de liberticida, é contraproducente. Ninguém é mais anti-religioso do que um religioso fanático. Há poucos anos, o bispo católico «de esquerda» Januário Torgal Ferreira teve palavras intolerantes contra a IURD num momento em que havia violência nas ruas contra esta igreja, e certos protestantes são mais anti-católicos do que muitos ateus. Na Europa contemporânea, quem quiser comprar panfletos anti-semitas encontra-os em livrarias muçulmanas, por entre comentários do Corão. Portanto, quase todas as religiões criticam as outras religiões, e frequentemente com uma violência que pode ser entendida como ódio. Criminalizar a expressão de ideias anti-religiosas ilegalizaria muitas expressões religiosas, o que é sem dúvida um paradoxo e uma ironia.

E evidentemente, quase todas as religiões criticam violentamente o ateísmo, embora uma lei por ofensas anti-ateístas não deva render os votos necessários para desencadear uma iniciativa legislativa…

O espaço público democrático não pode prescindir da liberdade de expressão, essa possibilidade de dizer aos extremistas religiosos e outros reacionários o que não querem ouvir. Salman Rushdie sabe-o bem, como o sabe a deputada holandesa Hirsi Ali, que não desiste de exercer o seu direito a criticar a religião que abandonou. Criticar as religiões, mesmo satirizá-las, é exercer a nossa liberdade de expressão. Legislar contra a blasfémia é imunizar contra a crítica aqueles que querem destruir essa e outras liberdades.
20 de Maio, 2005 Ricardo Alves

Três bispos em «jihad»

A decisão da Ministra da Educação de fazer cumprir a lei, terminando quer com a presença de crucifixos nas salas de aula, quer com os rituais religiosos nas escolas públicas, conseguiu irritar três bispos católicos no espaço de uma semana.
O sinal de partida foi dado por Jorge Ortiga (o presidente da CEP) na sua homilia de domingo, transmitida pela TVI, quando este fez alusões algo cifradas dirigidas a quem «queira retirar os sinais exteriores reveladores da cultura cristã da sociedade». A Ecclesia descodificou diligentemente essas alusões, colocando como subtítulo da notícia: «indirectas à intenção do Governo em retirar crucifixos das escolas».
Na terça-feira, o outro bispo de Braga, Dias Nogueira, no semanário O Diabo, acusou a Associação República e Laicidade de «xenofobia», de «combater a liberdade e a vontade da maioria» e acrescentou algumas insinuações extravagantes sobre teocracias islâmicas em que os cristãos, se «fizessem qualquer campanha para retirar o crescente das escolas (…) eram queimados (…) até poderiam ser condenados à morte», numa diatribe que pode ser lida como pretendendo ameaçar os laicistas com as fogueiras do Santo Ofício.
Finalmente, na quinta-feira entrou na luta política o bispo de Aveiro, António Marcelino, num editorial do Correio do Vouga. Com as boas maneiras e o rigor histórico que lhe advêm da sua formação católica, este bispo não hesita mesmo em lançar atoardas ordinárias sobre a «família laica (…) gente de que ninguém conhece nem pai nem mãe», atreve-se a ironizar com um «regime pidesco» que a ICAR historicamente apoiou e ameaça com uma «guerra religiosa».
Resumindo: estalou o verniz aos senhores bispos, por o Ministério de uma República que eles reconhecem ser laica ter decidido retirar os crucifixos de uma casa que não é deles. Mas já que de boas maneiras e rigor histórico estamos conversados, vamos lá a recapitular o que diz a lei…
  1. «O ensino público não será confessional» (artigo 43º da Constituição da República de que eu e os senhores bispos somos cidadãos);
  2. «Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa» (artigo 41º da mesma CRP);
  3. «Ninguém pode (…) ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou a assistir a actos de culto, a receber assistência religiosa ou propaganda em matéria religiosa (…)» (artigo 9º da Lei da Liberdade Religiosa).

Chega, senhores bispos? Se não chega, podemos discutir a questão no plano dos princípios. Eu estou pronto a defender o direito de qualquer católico a que não lhe seja imposto o crescente islâmico, durante a escolaridade que é obrigatória e paga por todos. Do mesmo modo, defendo que o muçulmano não deve ser obrigado a conviver com símbolos de outra religião nesse mesmo espaço. As escolas não são igrejas, nem são propriedade da ICAR. As escolas são para aprender, não são para rezar. Rezem nas vossas igrejas, dêem a catequese a quem o desejar, tenham crucifixos nas igrejas ou nas vossas casas. Os senhores bispos pretendem que a adesão à vossa religião seja livre, ou que resulte da imposição sistemática de símbolos e rituais? Se querem a segunda resposta, a «guerra», caros senhores, não é apenas com os laicistas, é com o regime democrático. Meditai nisso. Portugal não é Timor. E finalmente, se quereis ser referências éticas, deveis abster-vos de palavras belicosas e de mau gosto…

13 de Maio, 2005 Ricardo Alves

Debate amanhã, em Évora

Em representação da Associação República e Laicidade, estarei presente amanhã, às 17h30m, num debate, em Évora, sobre o Tratado constitucional da União Europeia. O debate está integrado no Fórum Social Português e intitula-se «Pela Constituição europeia, pelo sim, pelo não».