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Ricardo Alves

15 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Declaração religiosa considerada inconstitucional nos EUA

Um tribunal distrital da Califórnia (EUA) reiterou na quarta-feira a inconstitucionalidade da «promessa de lealdade» (pledge of allegiance) que é recitada nas escolas públicas (ler a decisão judicial em pdf). Em causa, estão as palavras «sob Deus», que foram inseridas nessa declaração em 1954.

A decisão judicial apoia-se numa decisão anterior (no mesmo sentido) obtida pelo ateu Michael Newdow em 2002 num tribunal de apelação, decisão essa sobre a qual o Tribunal Supremo decidira, em Junho de 2004, não se pronunciar, devido ao detalhe (exclusivamente técnico) de Michael Newdow não ter a tutela parental da filha.

Este novo caso foi aberto por Michael Newdow com a ajuda de outras famílias ateias que não abdicam de lutar por uma escola pública laica (notícia na Humanist Network News), e poderá levar este assunto, mais uma vez, até ao Tribunal Supremo.

12 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Multiculturalismo(s): identidade cultural é opressão individual

Na ressaca dos atentados de Julho no Reino Unido (ver este artigo da Palmira) e num momento em que o Canadá poderá estar prestes a reconhecer tribunais que apliquem a chária (ver este artigo da Mariana), verifica-se um questionamento crescente e inevitável do multiculturalismo, um conceito cujo sentido varia bastante.

Na verdade, alguns dos que mais veementemente afirmam «rejeitar o multiculturalismo» são fascistas mais ou menos envergonhados que pretendem aproveitar-se do fanatismo de uma minoria entre os muçulmanos e dos actos terroristas de meia dúzia para promoverem um programa político de uniformização «racial» (no caso dos racistas) ou religiosa (no caso dos clericalistas), que avançaria pela exclusão política e social dos imigrantes. A crítica que fazem do fascismo islâmico é portanto meramente oportunista e releva de intenções tão fascistas (ou clericalistas) como as dos jihadistas. Estas pessoas, quando rejeitam o «multiculturalismo», referem-se a um facto social (a presença de imigrantes e a consequente diversidade cultural) que enriquece as sociedades e as regenera demograficamente.

Numa segunda acepção, fala-se em «multiculturalismo» para descrever um discurso baseado na ideia de que os valores éticos ou mesmo os direitos políticos só podem ser criticados a partir «de dentro» de cada cultura, e portanto por «pessoas dessa cultura». Esta corrente de pensamento defende o máximo de tolerância (no limite, a indiferença) por qualquer prática apresentada com uma caução cultural ou religiosa, designadamente os casamentos forçados ou, em Portugal, a excisão do clitóris. Esta corrente aprisiona os indivíduos à sua identidade cultural ou religiosa de origem, e negligencia todos aqueles que desejam abandonar a religião ou cultura em que foram educados. Pior ainda, entrega a definição dessa religião ou cultura aos seus puristas, ou seja, aos mais integristas (Salman Rushdie acusa disto mesmo o governo britânico). Os produtores desta linha de pensamento são sobretudo académicos e educadores, tão intoxicados de pós-modernismo que são incapazes de olhar para uma pessoa sem verem a «identidade cultural» ou «identidade religiosa» a que essa pessoa pertence acidentalmente. E no entanto, por detrás desses efeitos da educação todos temos os mesmos instintos e necessidades.

Finalmente, a palavra «multiculturalismo» é ainda usada em política para designar os modelos comunitaristas, em que os cidadãos não são tratados como indivíduos iguais em direitos e deveres e destinados a conviver uns com os outros, mas sim como membros de «comunidades culturais» com direitos distintos, condenadas a coexistirem separadamente. Evidentemente, estas políticas legitimam-se com o discurso criticado no parágrafo anterior. A Holanda ou o Reino Unido são exemplos (imperfeitos) de multiculturalismo de Estado, que em ambos os casos foi o sucessor histórico do multiconfessionalismo. Refira-se, concretamente, os tribunais arbitrais islâmicos que neste momento estão em discussão no Canadá, o financiamento público de escolas privadas confessionais (protestantes, católicas, judaicas, muçulmanas) ou a indiferença perante o elogio da violência feito por alguns imãs. Existe um sector importante da esquerda que é politicamente comunitarista, mas alguma direita (mais religiosa ou mais identitária-racista, conforme os casos) está também interessada no separatismo étnico-religioso que lhe conforta os preconceitos e lhe afasta da frente os indesejáveis.

Felizmente, o debate sobre o multiculturalismo está a conduzir muitos à conclusão de que, nestes tempos conturbados, só a laicidade à francesa, com a sua separação clara entre uma esfera pública neutral e uma esfera privada onde se pratica facultativamente a religião, e também com a sua igualdade de direitos entre cidadãos independentemente da religião, poderá responder ao desafio que a integração dos muçulmanos representa. É esse o argumento de Giles Kepel, e Salman Rushdie já concluiu o mesmo. Convém esclarecer que ser racista não é criticar as culturas ou religiões minoritárias, mas sim conferir direitos diferentes (que inexoravelmente separam e discriminam as minorias) a pessoas dessas culturas ou religiões, conforme afirma Maryam Namazie.

Nós, ateus, estamos numa posição excelente para recordar ao mundo que o muçulmano que abandona a sua religião não é nem uma anomalia estatística nem um traidor à sua comunidade. É um indivíduo que exerce a sua liberdade de pensamento. E apenas uma República laica lhe permitirá seguir o seu caminho, livre da opressão identitária e dos mulás que o tentam instrumentalizar.

7 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Mais alguns dados sobre os lefebvristas

Escrevi já dois artigos sobre o encontro entre o Papa B16 e o líder da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX, lefebvristas). No entanto, não mencionei ainda vários factos interessantes sobre esta organização.

Comecemos pelo início. Em 1988, Marcel Lefebvre desafiou a ICAR de JP2 ao nomear quatro bispos: Richard Williamson, Tissier de Mallerais, Alfonso de Galarreta e Bernard Fellay. Desses quatro, Bernard Fellay é o líder actual da FSSPX e foi recebido por Joseph Ratzinger no dia 30 de Agosto, e Richard Williamson é autor de textos absolutamente deliciosos. Entre eles, encontra-se um que defende que «As calças femininas são um ataque à feminilidade das mulheres» (um excerto: «as calças numa mulher são piores do que a mini-saia, porque enquanto a mini-saia é sensual e ataca os sentidos, as calças são ideológicas e atacam a mente»; portanto, as senhoras católicas devem evitar usar calças e a «ideologia» anexa!). No entanto, Williamson não é apenas cómico, é também um anti-semita sinistro, que considera o Holocausto uma «invenção dos judeus» e que nega que as câmaras de gás tenham existido (ler uma selecção dos textos anti-semitas do bispo Williamson). Mais, Williamson acredita na existência de um complô judaico-maçónico para destruir a ICAR, no qual os comunistas e os ateus estarão também envolvidos, embora ele não seja muito específico quanto à forma da coligação entre estes grupos…

Poderá julgar-se que este fascista engajado, que considera os EUA um «país comunista» (sic), será um caso isolado na FSSPX. No entanto, as suas convicções são partilhadas por pelo menos mais um bispo lefebvrista, Tissier de Mallerais, que já escreveu que os judeus são «odiosos» e que «trabalham activamente para a vinda do anticristo». Não é portanto surpreendente que em vários países os padres da FSSPX surjam associados a membros de partidos neonazis, a negacionistas do Holocausto e a racistas, ou que sejam cada uma destas coisas mais ou menos abertamente.

As publicações da FSSPX são um manancial para quem quiser encontrar um tipo de pensamento tão ultra-católico que faz César das Neves parecer um ateu laicista e tolerante. Evidentemente, há criacionismo do mais extremo, explicações de como a pena de morte é um ensinamento tradicional da ICAR, mas também… um artigo intitulado «Defesa da Inquisição», onde se explica que «a Inquisição era um tribunal honesto, que tentava converter os hereges em vez de os punir, e que condenou relativamente poucas pessoas às chamas, e que só usou a tortura em casos excepcionais», e que a liberdade religiosa, o princípio à luz do qual se condena a Inquisição, está «em ruptura com a tradição da [ICAR]», que é de «dever de intolerância para com as falsas religiões» (eu concordo com esta última parte…). O artigo referido defende abertamente que a Inquisição «salvou a Espanha» e que se deve «reabilitar» esta instituição, e termina afirmando que «os católicos não têm nada de que se envergonhar nos trabalhos passados deste santo tribunal».

Enfim, é na direcção desta gente muitíssimo católica mas pouco recomendável que o Vaticano, segundo a expressão da BBC, se está a «movimentar».
6 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Uma sondagem curiosa

No passado dia 30 de Agosto, o jornal Le Monde publicou uma sondagem feita à população francesa de origem turca ou africana (em França, esta última é sobretudo magrebina). Alguns dos resultados da sondagem (ver em pdf) são muito curiosos.
  1. Cerca de 20% dos respondentes declaram-se «sem religião», uma percentagem que não anda longe dos 28% na população francesa em geral. Atribuindo a diferença às famílias francesas que já são ateias ou agnósticas por tradição, a percentagem de pessoas que abandonam o Islão será portanto muito semelhante à percentagem de pessoas que abandonam o catolicismo. É, sem dúvida, uma boa notícia.
  2. Entre aqueles que se declaram muçulmanos, 21% praticam regularmente (um mínimo de uma ou duas idas por mês à mesquita), uma percentagem que não andará muito longe da percentagem de franceses católicos praticantes.
  3. Ao nível dos preceitos individuais, 23% dos muçulmanos declarados assumem que bebem vinho (nem que seja «de vez em quando»…), 27% confessam que nunca rezam, e, embora 81% declarem querer fazer a peregrinação a Meca, apenas 2% a fizeram.
  4. Quanto ao casamento, mais de metade dos pais muçulmanos (57%) acha que os seus rapazes devem decidir com quem se casam, e 47% tem a mesma opinião para as filhas. A mistura pode avançar.
  5. Finalmente, a laicidade é um conceito «positivo» ou «muito positivo» para 82% dos muçulmanos franceses, 65% não estão de acordo com a frase «a laicidade é um obstáculo à liberdade religiosa», 82% estão de acordo com a frase «em França, é a laicidade que permite a pessoas de convicções diferentes viverem juntas» e 59% defendem que os símbolos religiosos não têm lugar na escola pública.

Pode portanto concluir-se que o processo de integração dos muçulmanos em França está a decorrer a bom ritmo. Existem sem dúvida fanáticos, mas são uma minoria.

1 de Setembro, 2005 Ricardo Alves

Abriu a primeira escola privada humanista dos EUA

Nos EUA, funcionará pela primeira vez no ano lectivo 2005-2006 a Carl Sagan Academy, uma escola secundária privada baseada em princípios humanistas: o livre exame, o método científico e os valores democráticos. Situa-se na localidade de Tampa, na Florida, e começará com 55 alunos divididos por três turmas.

A escola foi fundada pela Associação de Humanistas da Florida, como são fundadas por igrejas outras escolas privadas parcialmente subsidiadas pelo Estado. Os subsídios públicos comprometem a escola a não fazer a propaganda do ateísmo, tal como as escolas religiosas subsidiadas com dinheiros públicos não deveriam fazer proselitismo religioso. O financiamento restante vem do Institute for Humanist Studies. Os livros criacionistas não fazem parte do currículo.

Paradoxalmente, a escola vê-se obrigada a funcionar no edifício de uma igreja.
30 de Agosto, 2005 Ricardo Alves

B16 abriu a porta à extrema direita

Conforme o Diário Ateísta anunciara num artigo de 26 de Agosto, B16 recebeu efectivamente Bernard Fellay (o líder da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, lefebvrista) durante o dia de ontem. Segundo Navarro-Valls (o membro do Opus Dei que era porta-voz de Karol Wojtyla e que se mantém, com Joseph Ratzinger, no mesmo cargo), «o encontro decorreu num clima de amor pela Igreja [Igreja Católica Apostólica Romana, ICAR] e com o desejo de chegar à perfeita comunhão». O comunicado dos lefebvristas afirma que «foi encontrado um consenso para proceder por etapas na tentativa de resolução dos problemas» e reitera que esperam que Ratzinger resolva a «crise na Igreja [ICAR]». Pode portanto afirmar-se que o regresso à ICAR destes católicos entusiastas do fascismo e que rejeitam o Concílio Vaticano 2 e o ecumenismo terá dado um passo significativo.

Nota: chamo a atenção dos nossos leitores católicos (democratas ou fascistas) para o facto de a notícia deste encontro só ter aparecido na Agência Ecclesia após o mesmo. Se os católicos querem mesmo saber o que se vai passar, leiam o Diário Ateísta
26 de Agosto, 2005 Ricardo Alves

Ratzinger abre-se à extrema direita

Joseph Ratzinger estará disposto a reintegrar na ICAR a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), uma seita integrista que reune dissidentes de extrema direita da ICAR e que foi fundada por Marcel Lefebvre. Um primeiro sinal será dado na próxima segunda-feira em Castelgandolfo, quando o líder actual da FSSPX, Bernard Fellay, for recebido pelo Papa da ICAR (a notícia em Português; a notícia em Inglês). Em cima da mesa estará a reconciliação da ICAR com estes «católicos tradicionalistas», que colocam como condições para a reunificação a revogação da excomunhão de Lefebvre e dos seus bispos e o poderem celebrar a missa latina sem autorização escrita.

Recorde-se que a FSSPX se separou da ICAR em 1988, na sequência da nomeação, por Marcel Lefebvre, de quatro bispos que foram considerados «cismáticos» por carecerem da autorização de JP2 e que foram portanto excomungados em conjunto com Lefebvre. À época, Joseph Ratzinger serviu como mediador e tentou evitar a ruptura dos tradicionalistas com a ICAR. Lefebvre fundara a FSSPX em 1970 com outros padres fundamentalistas desgostados com o Concílio Vaticano 2, cujas conclusões rejeitavam, e que mantiveram a «missa tridentina» (em latim). A FSSPX tem conexões com sectores fascistas em vários países: em Portugal, alguns dos seus membros estiveram ligados à fundação do PNR, enquanto em França estão ligados à Frente Nacional de Le Pen, tendo sido num convento de Nice pertencente à FSSPX que foi detido, em 1989, o criminoso de guerra Paul Touvier. Lefebvre, ele próprio, lançou um livro na sede do partido (franquista) de Blas Piñar e apelou ao voto em Le Pen em 1985. A FSSPX contará, hoje, com sete seminários e quase 500 padres em cerca de 40 países.

Conforme se pode ler no último boletim da FSSPX, os seguidores de Lefebvre encaram B16 com uma expectativa positiva, devido à desconfiança deste pelo diálogo inter-religioso (afirmam que terá apresentado a sua demissão a JP2 aquando do primeiro encontro de Assis) e devido ao facto de a sua eleição ter sido feita contra os «progressistas» (aliás, o boletim da FSSPX é muito rico em detalhes sobre o conclave, pois fornece informações inéditas sobre o número de votos que Ratzinger terá tido desde o início -cerca de 50- e sobre a desistência do bispo de Buenos Aires, Bergoglio, após a segunda volta).

Os herdeiros de Lefebvre suspeitam que Ratzinger quer utilizá-los, dentro da ICAR, como contrapeso aos católicos «progressistas», o que permitiria a B16 aparecer como um moderado. Eu penso que estão a fazer uma leitura correcta.
23 de Agosto, 2005 Ricardo Alves

Mais humanistas na ONU

O Center for Inquiry Transnational (CFI), uma organização humanista que congrega ateus, agnósticos e outros livres pensadores, obteve estatuto consultivo junto do Comité Económico e Social da ONU (ler o comunicado de imprensa do CFI). Tal estatuto permitirá a este grupo humanista não religioso ter representantes acreditados junto da ONU e participar em conferências como Organização Não Governamental.

O CFI tem como objectivo principal a «defesa e promoção da razão, da ciência e do livre exame em todas as áreas do esforço humano», e inclui como dois dos seus braços mais activos o Council for Secular Humanism e o Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal. É dirigido por Paul Kurtz e congrega personalidades como Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Susan Jacoby, Ibn Warraq ou Peter Singer.

Deve recordar-se que a IHEU (International Humanist and Ethical Union), a única organização humanista a ter assento no Comité Económico e Social da ONU até agora, tentou, a 26 de Julho de 2005, que a Sub-Comissão de Direitos Humanos da ONU condenasse o terrorismo praticado em nome da religião, e que esta acção foi travada pelos Estados islâmicos da ONU. Estes Estados têm actuado em muitas comissões e conferências da ONU em coligação com alguns países de população católica, nomeadamente quando estão em causa os direitos das mulheres ou comportamentos sexuais minoritários.

O estatuto consultivo de que goza a IHEU e outras ONG´s, e que foi agora concedido ao CFI, seria o estatuto adequado para a ICAR, que infelizmente é considerada pela ONU um «Estado» não membro mas com o estatuto de Observador Permanente. Efectivamente, a Santa Sé representa uma religião e não um Estado, e por isso deveria ser representada como uma ONG, como acontece com as outras religiões e com as organizações humanistas.
22 de Agosto, 2005 Ricardo Alves

A fé é um pretexto para o sexo fortuito

Nesta época do ano, os jovens dos países afluentes do hemisfério norte procuram as praias ou os festivais de música popular, com o objectivo explícito de se divertirem e o desejo implícito de terem relações sexuais.

Os jovens católicos fazem como os outros. Em verdade vos digo: são feitos da mesma massa e no sangue correm-lhes as mesmas hormonas. Só diferem nas inibições e no pretexto, que no caso deles foi a excursão a Colónia, onde se deslocaram em rebanho, alegadamente para assistirem ao festival da fé protagonizado pelo seu ídolo, B16, mas secretamente procurando o mesmo do que os outros jovens da sua idade: sexo fortuito com jovens do sexo oposto ou, mais raramente, com jovens do mesmo sexo.

Considerados os riscos sanitários que os jovens correm com desconhecidas ou desconhecidos, e a possibilidade, para as raparigas heterossexuais, de engravidarem de um católico mais ortodoxo e portanto irresponsável, é obviamente de enaltecer a iniciativa da organização Catholics for a Free Choice de distribuir preservativos aos jovens católicos presentes em Colónia.

Lamentável é a controvérsia que esta campanha, oportuna e adequada, tem provocado (como descobri através do blogue Renas e Veados). Ao contrário do que desejaria esse superlativo do totalitarismo católico que é B16, os jovens católicos cidadãos de Estados minimamente laicos podem efectivamente seguir apenas as partes da doutrina que lhes interessam. (Todavia, se o fazem, não serão católicos coerentes. Seria portanto conveniente que, na ressaca do festival de Colónia, a juventude católica tirasse as devidas consequências das suas aventuras alemãs…)
16 de Julho, 2005 Ricardo Alves

Pode a ICAR aceitar a evolução?

O arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, escreveu um artigo («Finding Design in Nature»; New York Times, 7 de Julho) negando a teoria da evolução. Nesse artigo, Schönborn afirma: «A evolução no sentido de ascendência comum pode ser verdade, mas a evolução no sentido neo-Darwiniano – um processo não guiado e não planeado de variação aleatória e selecção natural – não o é». Schönborn afirma ainda que «Qualquer sistema de pensamento que nega ou tenta ignorar a evidência esmagadora a favor do desígnio em biologia é ideologia e não ciência» e conclui que «Teorias científicas que tentam ignorar a aparência de desígnio como um resultado do “acaso e da necessidade” não são científicas de todo». O artigo é totalmente baseado em textos catequéticos, e aplica-se a demonstrar que a «evidência» de um desígnio (inteligente) na natureza é um ensinamento dogmático da ICAR.

Schönborn já confessou que o seu artigo foi despoletado por uma conversa, em Abril, com o então Cardeal Joseph Ratzinger, que o terá encorajado a pressionar no sentido de obter da ICAR um pronunciamento mais claro sobre a teoria da evolução. Na frente oposta, estes desenvolvimentos preocupam alguns cientistas católicos, que decidiram escrever uma carta a Joseph Ratzinger pedindo-lhe que clarifique se a posição da ICAR se alterou.

Deve notar-se que Schönborn está a tentar obter um recuo relativamente às declarações de Karol Wojtyla em 1988 (quando este pedia o «diálogo» entre a ciência e a religião) e 1996, em que o Papa anterior parecia disposto a aceitar que a teoria da evolução era «mais do que uma hipótese» embora «incompatível com a verdade sobre o homem» se afirmasse que «a mente evoluíra a partir da matéria viva». Karol parecia disposto a aceitar que a teoria da evolução seria válida para todos os animais à excepção do homem; Schönborn pretende colocar toda a teoria da evolução em causa.

As últimas notícias indicam portanto um recuo dos mais altos responsáveis da ICAR no estatuto que conferem à teoria da evolução. No actual papado, a ICAR parece prestes a mergulhar, agora sem cautelas, nas trevas do obscurantismo e do dogmatismo anti-científico.