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Ricardo Alves

5 de Dezembro, 2005 Ricardo Alves

Só a laicidade garante a liberdade de consciência de todos

Num artigo publicado na quarta-feira no Diário de Notícias e na sexta-feira no Público, António Pinheiro Torres apresentou alguns argumentos em defesa da permanência de crucifixos nas salas de aula das escolas públicas portuguesas.

Nesse artigo, Pinheiro Torres assegura-nos de que «na retirada dos crucifixos, aquilo a que assistimos é (…) a adopção do laicismo (aquela atitude que consiste em afastar a religião do espaço público) como religião do Estado». No entanto, um preceito metapolítico de neutralidade estatal – a laicidade – não pode ser considerado uma religião, pois não constitui, por si só, uma forma de relação com o sobrenatural ou uma sistematização de mitos sobre o universo. O laicismo, ao contrário das religiões (sobretudo as mais clericais como o catolicismo ou o islamismo), não obriga o cidadão a uma crença qualquer – pelo contrário, liberta-o de coacções (como a imposição de crucifixos em espaços estatais) para que possa acreditar, ou não, naquilo que quiser.

Pinheiro Torres afirma ainda que «o Estado é incompetente em matéria religiosa, não podendo imiscuir-se na fé individual» e que «[para os católicos] o ponto fundamental é este: o da liberdade». Concordo com a primeira afirmação, e regozijo-me com a segunda. Mas compete justamente aos católicos mostrar que não valorizam apenas a liberdade de que gozam quando manifestam a sua fé, e que também respeitam a liberdade dos outros de não lhes ser imposta uma fé. Para tal, não podem desejar que o Estado manifeste uma fé, como continuará a acontecer enquanto tivermos crucifixos em salas de aula de escolas públicas. Portanto, que se cumpra a Constituição e que se retirem os crucifixos.
2 de Dezembro, 2005 Ricardo Alves

A lei que colocou os crucifixos

aqui referi que a tradição de haver um crucifixo em cada sala de aula das escolas públicas portuguesa foi inventada pelo salazarismo (todas as tradições foram inventadas, umas há mais tempo, outras há menos; todos os dias nascem e morrem tradições). Como afirmei, a lei em causa foi aprovada na Assembleia Nacional em 11 de Fevereiro de 1936. Quem quiser pode agora consultar a Lei nº1:941, de 11 de Abril de 1936, em pdf.

A lei intitula-se «Remodelação do Ministério da Instrução Pública» (que doravante passou a chamar-se Ministério da Educação Nacional) e reza assim, na sua Base XIII:

«Em todas as escolas públicas do ensino primário infantil e elementar existirá, por detrás e acima da cadeira do professor, um crucifixo, como símbolo da educação cristã determinada pela Constituição.
O crucifixo será adquirido e colocado pela forma que o Governo, pelo Ministério da Educação Nacional, determinar.»

Conclui-se, ainda, que a ICAR nada tem que ver com este assunto: estamos a falar de uma decisão legislativa e política. Acrescento que se trata da mesma Lei que reorganiza o ensino e os programas, implementa o livro único, institui a doutrinação ideológica dos professores do ensino público, e estabelece que «será dada à mocidade portuguesa uma organização nacional e pré-militar». Vem assinada por «António Óscar de Fragoso Carmona – António de Oliveira Salazar – António Faria Carneiro Pacheco». Quem quiser repetir o argumento da tradição, depois não se admire se alguém lhe chamar fascista…
29 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

Os crucifixos na escola pública são inconstitucionais

  1. A presença de crucifixos nas salas de aula de escolas públicas é inconstitucional e ilegal. É inconstitucional porque «as igrejas (…) estão separadas do Estado» e «a liberdade de consciência (…) é inviolável» (artigo 41º da Constituição da nossa República), porque «o ensino público não será confessional» (artigo 43º) e porque «todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei» e «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…) religião» (artigo 13º). É ainda ilegal porque «o Estado não adopta qualquer religião» e «ninguém pode ser obrigado a (…) receber (…) propaganda em matéria religiosa» (artigos 4º e 9º da Lei da Liberdade Religiosa).
  2. O actual Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, Menéres Pimentel, enquanto Provedor de Justiça assinou em 1999 um parecer sobre a presença de crucifixos nas salas de aula de uma escola pública de Lisboa, no qual declarou que «trata-se de uma situação desconforme com o princípio da separação das confissões religiosas do Estado e, concomitantemente, com a liberdade religiosa individual e com a liberdade de consciência, que não pode ser sustentada nem pelo peso da tradição, nem pela vontade maioritária ou quase unânime dos encarregados de educação».
  3. A inconstitucionalidade da presença de crucifixos nas salas de aula de escolas públicas está portanto assente e é assumida pelos poderes públicos. Apenas por desconhecimento, militância clericalista ou laxismo se pode transigir com a situação actual e inventar argumentos para não cumprir preceitos da Constituição. E o cumprimento da Constituição não pode depender nem de relações de poder de nível escolar, nem de pedidos de pais que têm o direito de manter a sua crença ou ausência de crença privada.
  4. Apesar de a lei que nos une ser clara, são invocados em defesa da permanência dos crucifixos diversos argumentos que importa desmontar. O primeiro é geralmente o argumento da tradição. A esse, respondo que tudo o que nos é essencial tem em Portugal uma tradição recente: a liberdade, a democracia ou a laicidade, por exemplo. Mais, informa-se que a «tradição do crucifixo» nem é muito antiga: data de 11 de Fevereiro de 1936, quando foi legislado na Assembleia Nacional salazarista que «em todas as escolas públicas do ensino primário e infantil existirá, por detrás e acima da cadeira do professor, um crucifixo, como símbolo da educação cristã, determinada na Constituição». Portanto, quem quiser defender a «tradição do crucifixo» que o faça consciente de que é uma tradição salazarista e fundada na Constituição fascista de 1933.
  5. Outro argumento muito invocado, e igualmente perigoso, é o da «maioria sociológica». Porém, é por termos uma Constituição que os nossos direitos individuais estão acima das maiorias conjunturais e das tradições. As «comunidades» em que vivemos não têm o direito de saber se professamos esta ou aquela religião ou nenhuma, de nos obrigarem a respeitar a religião da maioria, ou de nos obrigarem a conviver com símbolos religiosos em espaços que são de todos. Não se pode presumir a indivíduo algum, por estar inserido num grupo, uma «identidade cultural» que ele pode querer alterar ou a que pode querer renunciar de todo.
  6. Como argumento de desespero, existe quem invoque o trabalho caritativo feito por instituições ligadas à ICAR. Confesso que não suspeitava de que esse trabalho é feito em troca de contrapartidas deste género… Será que se deve fazer uma contabilidade de quantos crucifixos vale cada malga de sopa dada a um sem abrigo? É preferível que o Estado apoie as obras de assistência social independentemente da crença ou não crença de quem as faz.
  7. Numa situação de ainda maior desespero, existe quem argumente com o hipotético «valor artístico» de alguns crucifixos. Sem querer entrar em discussões de gosto, sugiro que onde houver necessidade de ter obras de arte na sala de aula se substituam os crucifixos por reproduções de quadros impressionistas ou clássicos, ou reproduções de esculturas de Rodin…
  8. Só seremos iguais como cidadãos, o ateu e o católico, o muçulmano e o baha´i, o protestante e o budista, se cada um de nós aprender a respeitar o espaço do outro, e o Estado garantir a neutralidade dos espaços que são de todos. A sociedade será tanto mais livre e plural quanto mais o Estado for laico. A liberdade religiosa exerce-se na esfera privada e associativa, sem apoios indevidos nem interferências do Estado para além de zelar pelo cumprimento das leis comuns a todos. O Estado não deve promover nem impedir o exercício da religião. As escolas não são igrejas.
21 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

«Submissão», parte 2

A ateia militante e deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali já completou o guião de um filme que estará pronto em meados de 2006 e que abordará a visão islâmica da homossexualidade.

Hirsi Ali, que teve uma educação muçulmana fundamentalista (wahabita), complementada com a excisão genital aos cinco anos e a obrigação de usar o véu na adolescência, esteve envolvida na escrita do guião de «Submissão», um filme realizado pelo seu amigo Theo van Gogh que focava o papel das mulheres nas culturas islâmicas. Na sequência da polémica causada por esse filme, Theo foi assassinado por um muçulmano fanático, que lhe prendeu ao corpo, com uma navalha, uma ameaça de morte para Hirsi Ali.

Esta mulher de origem somali, que chegou à Holanda aos 22 anos fugindo de um casamento forçado, vive sob protecção policial permanente desde o assassinato de Van Gogh. O realizador e os actores envolvidos no filme agora em rodagem mantêm o anonimato por medo de represálias. Hirsi Ali, a insubmissa, promete realizar outros filmes sobre o Islão nos tempos vindouros.
18 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

O segredo da confissão é um privilégio clerical

Um juiz de um tribunal dos EUA, que está a analisar cerca de 550 acusações contra a arquidiocese de Los Angeles, principalmente casos de abuso sexual de menores, decidiu que os sacerdotes católicos não podem invocar o «segredo de confissão» para se furtarem a depor sobre crimes de que tenham tido conhecimento ao ouvir em confissão outro padre.

Infelizmente, em Portugal esta decisão judicial seria impossível: a Concordata de 2004 garante, no seu artigo 5º, que «os eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério». Convido portanto os pais de crianças que frequentam as actividades da igreja católica local, ou colégios da dita confissão religiosa, a meditarem muito bem na situação…
12 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

O passeio da boneca

Hoje, haverá uma festa em Lisboa tendo como figura central uma boneca de louça com uma coroa de ouro. Segundo os líderes da corporação que organiza o culto deste e de outros objectos (a ICAR), a boneca que se encontra habitualmente no concelho de Ourém pernoita nas Avenidas Novas, de onde sairá às 17 horas com destino à Praça dos Restauradores, local onde a festa culminará numa, assim chamada, «Consagração de Lisboa a Nossa Senhora de Fátima».

Ingenuamente, pode perguntar-se quando e como os lisboetas deram autorização aos líderes locais da ICAR para «consagrarem» a cidade a uma boneca qualquer? Que se saiba, não houve votação alguma, os munícipes não foram consultados, e os ditos líderes religiosos nem pelos seus seguidores são eleitos: são nomeados por uma organização internacional com sede em Roma. Sendo assim, seria mais correcto «consagrar» a boneca (a «Senhora» que é deles e não nossa) a Lisboa, e não o contrário! Porque fala então a porção católica dos lisboetas em nome de Lisboa? A resposta (óbvia) é que se pretende justamente fingir que todos os lisboetas são católicos!

É portanto imperativo assinalar que a ICAR escolheu falar em nome de uma cidade onde a percentagem de habitantes que praticam o catolicismo num dado Domingo é sensivelmente a mesma do que a percentagem de pessoas sem religião declaradas como tal ao censo de 2001; onde, em 2003, 42% das crianças nasceram de pais que não estavam casados (nem sequer pelo registo civil); e numa região (a de Lisboa e Vale do Tejo) onde, no mesmo ano, a maioria dos casamentos celebrados (51%) foram-no pelo registo civil e não no altar onde o poder clerical se afirma. Pode concluir-se que os lisboetas e os seus vizinhos já abandonaram a ICAR como referência, e que o acto de hoje, como as tentativas de proselitar nos centros comerciais nos últimos dias, são acções desesperadas de quem já não consegue a atenção da população mas ainda detém o favor das instituições.

Devemos aos esforços de homens livres como Alexandre Herculano, Afonso Costa, Emídio Guerreiro e os militares do MFA, o vivermos numa sociedade em que qualquer um se pode manifestar, inclusivamente aqueles que almejam destruir a liberdade (caso dos que se manifestaram no Martim Moniz há alguns meses) ou estes que desejariam voltar aos tempos (para eles, saudosos) em que não havia liberdade porque o poder civil estava submetido ao clero, e que agora nos atrofiam com opiniões teológicas sobre questões terrenas. É ainda lamentável que a televisão que é pública, e portanto de todos, colabore. É sem dúvida estranho que a Avenida da Liberdade fique entregue, nem que seja por algumas horas, a quem atropela a liberdade humana invocando a autoridade divina. Todavia, há que ser tolerante com os católicos, ainda que com a certeza de que eles jamais o serão connosco.
7 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

Tentai evangelizar-me e eu vos responderei à letra

Caros católicos que tão devotamente ledes o Diário Ateísta,
chamo-vos a atenção para a prova gritante de «secularismo agressivo e intolerante» que os meios de comunicação social, inclusivamente os estatais, nos deram no passado fim de semana, e que ameaça repetir-se nos próximos dias. Efectivamente, nos espaços de emissão confessionais e nos programas noticiosos ou temáticos, nos intervalos e até, quiçá, nos programas de desporto ou de culinária, tem sido promovida uma campanha católica de proselitismo agressivo e fanático denominada «Congresso Internacional para a Nova Evangelização». O monopólio ateísta é de tal modo forte que os media, mesmo os estatais, não têm dado (nem se prevê que venham a dar) qualquer espaço para que os ateus ou agnósticos exerçam o direito ao contraditório que é reconhecido em todas as áreas à excepção da religião.
Esta operação de propaganda, para além de ser apoiada pelos mesmos media que daqui a uma semana voltarão a promover programas «imorais» e «desavergonhados», é apoiada por pelo menos duas autarquias locais de um Estado supostamente laico (a de Lisboa e a da Amadora), e promete importunar os cidadãos incautos em todo e qualquer espaço público da cidade de Lisboa, incluindo as praças principais e os centros comerciais mais frequentados, pressionando-os a voltarem a frequentar um culto que abandonaram de livre vontade, ou que jamais frequentaram.
Evidentemente, estou ciente de que os católicos, assim como as testemunhas de jeová e os seguidores da cientologia, têm legalmente o direito de ir pela rua fora tentando convencer as pessoas a mudarem as ideias religiosas que têm. Todos temos esse direito, aliás, embora eu e outros ateus prescindamos habitualmente de o exercer. Porém, já avisei publicamente aqui neste blogue, há mais de um ano, que sou ateu e que tenciono continuar a sê-lo até ao ocaso da minha consciência. Se me quiserdes bater à porta ou abordar na rua, ficais desde já prevenidos que vos convidarei a abandonar a vossa religião, que farei troça das aldrabices de Fátima e que criticarei o apoio público de que o vosso proselitismo, escandalosamente, beneficia.
3 de Novembro, 2005 Ricardo Alves

Maioria católica no Tribunal Supremo dos EUA

A nomeação de Alito para o Tribunal Supremo dos EUA, a ser confirmada pelo Senado após as audiências que terão lugar em breve, será a concretização, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, de uma maioria católica nesse órgão de soberania. Efectivamente, neste momento existem quatro juízes católicos, dois protestantes e dois judeus no Tribunal Supremo. Alito seria o quinto católico. De minoria religiosa perseguida no século 18 a minoria religiosa perseguidora no século 21, os católicos dos EUA estão a demonstrar as vantagens comparativas de uma seita monolítica e inamovível: mesmo sendo minoritária, acaba por impôr-se. As mulheres e as minorias sexuais poderão ser as primeiras vítimas de um Tribunal dominado por católicos.

Fontes: Washington Post, Humanist Network News, Americans United for Church and State Separation.