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Ricardo Alves

20 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

O delito de blasfémia em Portugal

«Um dos efeitos menores do caso dos cartoons dinamarqueses foi a descoberta das limitações à liberdade de expressão em Portugal, consignadas no Código Penal de 1995, muitas das quais parecem abusivas. Será que todos os partidos estão de acordo com aquelas limitações? O assunto mereceria, por si, alguma discussão

Assim termina, com o parágrafo acima reproduzido, um artigo de opinião de José Vítor Malheiros no Público de segunda-feira passada. Eu já chamara a atenção para os resquícios de «delito de blasfémia» que ainda existem no Código Penal português, e que poderão ser usados para limitar, por razões de sensibilidade religiosa, a liberdade de expressão. Vejamos quais são os artigos em questão.

Artigo 252º
Impedimento, perturbação ou ultraje a acto de culto
Quem:
a) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante impedir ou perturbar o exercício legítimo do culto de religião; ou
b) Publicamente vilipendiar acto de culto de religião ou dele escarnecer;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Na minha modesta opinião, a alínea b deste artigo nº252 deveria ser suprimida. Na prática, implica que quem troçar publicamente das missas católicas (e das procissões também?), dos rituais muçulmanos, satânicos ou outros se arrisca a uma pena de prisão por delito de opinião. Limita-se, assim, a liberdade de expressão sobre um tipo específico de actos, os actos de culto. Já a alínea a me parece razoável: o exercício do culto (da IURD, católico ou outro) deve ser respeitado. Mas vejamos também o artigo 251º…

Artigo 251º
Ultraje por motivo de crença religiosa
1. Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Na mesma pena incorre quem profanar lugar ou objecto de culto ou de veneração religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública.

No essencial, o §2 do artigo nº251 não me incomoda: não desejo matar um porco dentro de uma mesquita ou de uma sinagoga, nem jogar futebol de salão dentro de uma igreja católica. Já o §1, mesmo com a ressalva da «forma adequada a perturbar a paz pública» (que pode ser difícil de avaliar), me parece desnecessário. Seria melhor que fosse também eliminado, prevenindo assim interpretações excessivas. A não ser eliminado, poderia passar a referir-se a «Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em função da sua crença ou ausência de crença», uma vez que os insultos a quem não tem fé, por não a ter, são tão ou mais comuns do que os insultos a quem tem fé, por a ter (não faltam exemplos nas nossas caixas de comentários).

Recorde-se que a Constituição da República Portuguesa estabelece a liberdade de expressão como um direito fundamental, e que portanto os preceitos referidos até poderão ser inconstitucionais.
17 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

A oração não funciona

De acordo com um estudo científico recentemente divulgado, rezar pela melhoria do estado de saúde de outrém não tem qualquer efeito prático.

O estudo referido considerou uma estatística de milhares de pacientes. Verificou-se que orar pelas melhoras de quem tem leucemia ou doenças cardíacas não resulta.

Deve ressalvar-se que a oração tem efeito sobre quem a faz, pois distrai essa pessoa dos problemas que enfrenta. O mesmo efeito pode, evidentemente, ser obtido de outras formas, como ir ao cinema ou beber um copo. No entanto, é indubitável que a oração, quando acompanhada de ofertas monetárias ou simbólicas a favor de intermediários terrestres, beneficia de forma insubstituível o bem-estar material e a auto-estima do clero.
14 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

República laica – solução para o futuro

ENCONTRO-DEBATE com ÉTIENNE PION:
REPÚBLICA LAICA – SOLUÇÃO PARA O FUTURO

14 de fevereiro (terça-feira), às 18:30 horas, no auditório da Biblioteca-Museu República e Resistência (Rua Alberto de Sousa, nº10 – Zona B do Rego, junto à Cidade Universitária).
Entrada livre e tradução simultânea.

Étienne Pion é presidente do MOUVEMENT EUROPE ET LAÏCITÉ e autor do livro L’AVENIR LAÏQUE.

Uma iniciativa da Associação Cívica República e Laicidade.

(Reposição.)
10 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

Por um punhado de cartunes: aproveitamentos e hipocrisias

É óbvio que a crise dos cartunes tem sido aproveitada por partes interessadas. No entanto, não se tem frisado suficientemente que a crise convém a dois lados, só conjunturalmente opostos: aos xenófobos da Dinamarca e de alhures na Europa (a «nossa» extrema-direita) e aos fascistas islâmicos do Médio Oriente e vizinhanças (a extrema-direita «deles»). A primeira gostaria que os imigrantes (principalmente muçulmanos na Dinamarca, na França ou no Reino Unido) partissem, e deleita-se com a imagem de intolerância e violência que alguns muçulmanos estão (voluntariamente) a dar de si próprios; a segunda sonha com o califado mundial após a queda dos regimes não islamistas e «pró-americanos» da região, e deleita-se por apresentar os europeus como tolerantes com a blasfémia (o que é verdade) e xenófobos (o que depende dos casos).

Permanecem como alguns dos sinais mais visíveis da instrumentalização desta crise os ataques a embaixadas na Síria e no Líbano (em ambos os casos, aparentemente orquestrados por alguém em Damasco) e em Teerão. Outro sinal serão os célebres três cartunes que não fizeram parte dos doze publicados pelo Jylllands-Posten, cuja origem permanece incerta (eu apostaria na extrema-direita europeia…) e que foram divulgados por imãs apostados na exacerbação da polémica. A crise serve também aos promotores da teoria e prática da «guerra de civilizações» enquanto polarização entre cristãos e muçulmanos, entre os quais se contam Bin Laden e Samuel Huntington. (Como já escrevi, a polarização real é entre laicidade e clericalismo, liberdade de expressão e delito de blasfémia.)

Neste cenário, há hipocrisia a rodos dos dois lados. À esquerda, há quem tenha satirizado o cristianismo no passado e tenha agora descoberto pruridos em ridicularizar o Islão; e à direita, há quem seja incapaz de criticar o catolicismo e tenha descoberto subitamente o totalitarismo da religião… islâmica. Evidentemente, existe também quem critique essas duas religiões e as mais que nos aborrecerem, e é do lado desses que eu estou.

A situação tem o aspecto irritante (que para mim é habitual…) de nos quererem enfiar numa dicotomia em que não encaixamos. Mas, como ateus e anticlericais, há que repetir que as multidões de muçulmanos em fúria instigadas por imãs são a imagem perfeita do rebanho acrítico e obediente que tanta religião produz e que tanto temos denunciado. E que a ideia de que as nossas comunidades políticas devem ser «clubes cristãos» é um objectivo (que não pode avançar um milímetro) do clericalismo índigena.

Aos muçulmanos, este é o momento de lhes recomendar calma, sentido de humor e, sobretudo, capacidade de encaixe. E já agora, seria conveniente que se distanciassem dos extremistas que se apoiam no Islão (se não for demasiadamente incómodo…). Aos que subitamente se interessaram pela liberdade de expressão, gostaria de perguntar, ingenuamente, se alinhariam na eliminação da alínea b do artigo 252 do Código Penal? (Só para saber quão longe vai o apego ao direito à blasfémia…)
9 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

Por um punhado de cartunes: laicidade e clericalismo

Aconteceu-me um dia, já não sei a propósito de quê, falar do meu ateísmo a um muçulmano com quem estava sentado à mesa. O meu comensal rapidamente me informou, com veemência, de que eu não podia dizer o que pensava. Ainda me recordo de como fiquei atónito.

Serve isto, hoje, para sublinhar que ceder na expressão do que pensamos pode começar na censura de caricaturas de Maomé, mas no limite leva a que eu não possa dizer que sou ateu. Como é evidente, não me podem impedir de pensá-lo no mais inalienável dos meus espaços de liberdade: os 1100 ou 1200 centímetros cúbicos da minha caixa craniana. Mas qualquer ateu que não esconda o que pensa é uma ofensa ambulante para os islamistas.

A polémica actual foi originada por caricaturas que poderiam ser mais pertinentes (é pena que se limitem à violência terrorista de indubitável inspiração maometana, e não foquem as mutilações sexuais efectuadas a coberto de algumas tradições islâmicas, ou a opressão das mulheres justificada pelo Corão) e que foram publicadas num jornal tão «religiosamente correcto» que nem se atrevera a publicar cartunes anti-cristãos. No entanto, a polémica pôs a nu o fanatismo e o totalitarismo de alguns muçulmanos extremistas que desejam condicionar a liberdade de expressão (e o decorrente direito à blasfémia) de países em que não vivem e que talvez nem saibam situar no mapa. E desencadeou um debate sobre os limites da liberdade de expressão, no qual felizmente quase todos concordamos que o único limite consensual será a difamação, que se determina nos tribunais (embora existam bons argumentos a favor da ilegalização do incitamento à violência). Os que não concordam têm estado silenciosos, mas mais tarde ou mais cedo tentarão aproveitar a cobardia de alguns governos (incluindo o nosso) que não fizeram o que se requeria: afirmar que os cidadãos são livres de dizer disparates e de se insultarem uns aos outros, por muito gratuitas que algumas provocações pareçam, desde que assumam a responsabilidade pelo que fazem.

No Diário Ateísta, já levamos mais de dois anos em que temos blasfemado todas as semanas, senão mesmo todos os dias. Sempre o fizemos conscientes da distinção entre ridicularizar ideias e pessoas. As últimas merecem-nos respeito, entre as primeiras há as erradas (o criacionismo ou a ressurreição) e as liberticidas (a autoridade do clero em matérias políticas ou éticas, por exemplo). As reacções ao que escrevemos, pelo contrário, já passaram por insultos e ameaças, geralmente com aquela «coragem» que o anonimato confere (pela nossa parte, assinamos tudo o que escrevemos).

Acompanhámos cuidadamente, no Diário Ateísta, a lei sobre o «incitamento ao ódio religioso» no Reino Unido (a propósito: foi aprovada, com alterações, a semana passada). Demos conta do caso do livro que conta a vida de «Jesus Cristo» em banda desenhada, que foi proibido na Grécia (o autor chegou a ser condenado a uma pena de prisão). Noticiamos muitos outros casos de blasfémia. No entanto, nunca houve tanta agitação por um caso de blasfémia. Nem quando Hashem Aghajari foi condenado à morte no Irão, nem quando Younus Shaik esteve preso no Paquistão, nem quando um director de uma revista afegã foi preso. A presente crise internacional, que se deve a um punhado de cartunes, só é possível porque muitos muçulmanos ainda não compreenderam que a religião não pode ser critério englobante da vida social, e portanto tentam condicionar até sociedades em que os muçulmanos são uma pequena minoria. Se os muçulmanos se reduzissem a tentar limitar a liberdade de expressão nos países em que se crêem maioritários (como fazem os católicos, quase tão totalitários como os muçulmanos) não haveria escândalo. O total totalitarismo (passe o pleonasmo) e a violência, tornaram o Islão o maior problema internacional da actualidade.
4 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

Pensamento do dia

«A questão é que a fé, mesmo a fé moderada, é perniciosa porque ensina que acreditar em algo sem evidências é uma virtude
The point is that faith, even moderate faith, is pernicious because it teaches that believing something without evidence is a virtue.» Richard Dawkins na New Statesman.)
1 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

Luis Rodrigues e as duas cachopas casadoiras

Hoje, o mais recente colaborador do Diário Ateísta, o Luis Grave Rodrigues, irá a uma conservatória de Lisboa num esforço para que duas raparigas que vivem juntas se possam casar. Na aparente simplicidade de confrontar a Constituição igualitária com o Código Civil discriminatório, joga-se a extensão do casamento a pessoas do mesmo sexo.

Terminei o meu último artigo notando que o puritano é aquele que se horroriza com o facto de alguém, algures, procurar a felicidade de uma forma que ele não aprova. E acrescentei que o totalitário vai mais longe e tenta impedir que esse alguém, esteja onde estiver, faça algo que não afecta mais ninguém. A descrição serve tanto para o Islão como para o catolicismo: são dois exemplos de religiões totalitárias. E é pertinente neste caso: existe um preconceito social enraizado, de inspiração religiosa, contra os adultos que mantêm entre si relações sexuais que muito poucos praticariam, mas que não afectam mais ninguém. E existe uma resistência irracional, também de origem religiosa, a que essas pessoas oficializem perante o Estado uma união estável.

No Portugal da Inquisição (se me é permitido falar da Inquisição…) o totalitarismo católico foi levado às últimas consequências: mesmo no espaço familiar e privado era proibido praticar outra religião que não aquela que detinha o poder político e público. A prisão de António José da Silva, por exemplo, deu-se quando uma escrava de casa descobriu que o seu amo respeitara alguns rituais judaicos, em segredo e atrás das portas fechadas da sua residência. O dramaturgo morreu na fogueira.

As religiões atrás referidas reunem no mesmo sistema uma cosmovisão e uma ética (o que é legítimo e não aborrece ninguém), mas as igrejas que as representam laboram para impor essa ética por via política (a cosmovisão já não aguenta o confronto com a ciência). Se tivessem o campo inteiramente livre, mesmo o nosso espaço privado seria escrutinado e controlado para que se aferisse da correcção religiosa do nosso comportamento pessoal. E no entanto, as igrejas poderiam falar apenas para os seus. No caso do casamento de pessoas do mesmo sexo, até seria melhor que evitassem pronunciar as excomunhões e anátemas habituais. Não os prejudica e nem sequer os afecta: não é nada com eles. E, no dia em que passar a ser uma escolha banal, também não será nada connosco.

31 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Blasfémia: a cara de Maomé

A divulgação de caricaturas de Maomé por dois jornais escandinavos está a causar uma polémica internacional considerável. Tudo começou no dia 30 de Setembro, quando o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou doze cartunes figurando Maomé em diversas situações. A justificação apresentada foi que alguns artistas dinamarqueses dizem sentir cada vez mais pressões para não ofender o Islão. Efectivamente, nessa religião qualquer representação pictográfica de Maomé é considerada uma blasfémia.

No início da polémica, em Outubro, o Primeiro Ministro dinamarquês recusou receber os embaixadores de onze países muçulmanos que exigiam um pedido de desculpas. Seguiram-se protestos dos muçulmanos residentes na Dinamarca, que tentaram nos tribunais que o jornal dinamarquês fosse condenado. Após a decisão negativa (a 7 de Janeiro) de um tribunal local, que reconheceu não haver legislação aplicável, os muçulmanos dinamarqueses anunciaram que apelariam para o comissário europeu dos Direitos Humanos. Entretanto, a Universidade Al-Azhar do Cairo (a maior autoridade académica no mundo sunita) já anunciara que levaria a questão à ONU.

No dia 10 de Janeiro, o jornal cristão norueguês Magazinet republicou as caricaturas de Maomé. Perante a cada vez maior internacionalização da polémica, a Arábia Saudita chamou o seu embaixador na Dinamarca no dia 26 de Janeiro, a Líbia fechou a a sua embaixada em Copenhaga no dia 29 de Janeiro e o parlamento do Iémen votou uma resolução condenando a publicação dos cartunes. Evidentemente, há também diversos apelos ao boicote comercial de produtos dinamarqueses.

A minha opinião pessoal é que os cartunes não são ofensivos, particularmente se comparados com as caricaturas que circulam mostrando políticos mundiais, Papas ou o Jesus dos cristãos. Os leitores poderão ver e julgar por si próprios.

Como sabemos, muitos religiosos são puritanos e totalitários. Puritanos porque se horrorizam com o facto de alguém, algures, se divertir de uma forma com que eles não concordam. E totalitários porque querem impedir que toda a gente, seja quem for e esteja onde estiver, faça algo que lhes desagrade. Os muçulmanos, como os católicos ou outros, deveriam compreender que a verdadeira falta de respeito é impor os seus tabus e fobias a todos.

25 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Papa Ratz, Vol. 1: contra o erotismo e contra o marxismo(!)

A primeira Encíclica de Joseph Ratzinger enquanto Papa foi hoje disponibilizada. Intitula-se «Deus é Amor» («Deus caritas est») e, na aparência, destina-se a motivar e a apelar ao trabalho caritativo. No entanto, nos seus 42 parágrafos também se encontra uma condenação clara do «eros» e uma preocupação anacrónica com o marxismo. Deixo aqui alguns apontamentos que me ficaram de uma leitura rápida.

  1. Nos primeiros parágrafos, defende-se a «renúncia» ao erotismo e a sua «cura»(!). Concretamente, o alemão dos sapatinhos vermelhos diz-nos que «o eros quer-nos elevar «em êxtase» para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos» (páragrafo 5). Na verdade, esta obsessão católica (muito contra natura…) em reprimir a natureza humana é um problema real: ao longo dos séculos, as directrizes eclesiásticas têm desviado muitos sacerdotes católicos de uma vivência descomplexada e saudável da sexualidade, com danos sociais consideráveis. O problema ainda não foi enfrentado desta vez.
  2. A maior parte dos parágrafos seguintes constituem uma defesa da caridade num estilo supinamente enfadonho. No entanto, não resisto a destacar uma passagem que merece ser atirada à cara daqueles católicos que odeiam ostensivamente o Diário Ateísta e os seus redactores: «a afirmação do amor a Deus se torna uma mentira, se o homem se fechar ao próximo ou, inclusive, o odiar». Notem-se, porém, os limites que Ratz coloca ao «amor cristão»: «eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus». Ao contrário do que pensa o Papa alemão, os ateus não necessitam de qualquer «encontro» com entidades sobrenaturais para terem muita paciência e tolerância para com alguns católicos e a sua agressividade e violência (religiosamente motivadas).
  3. A partir do parágrafo 26, Ratzinger começa a demonstrar uma preocupação, à primeira vista anacrónica, com a crítica do marxismo (que é referido pelo nome umas quatro vezes). Por exemplo, já no parágrafo 31: «uma parte da estratégia marxista é a teoria do empobrecimento: esta defende que, numa situação de poder injusto, quem ajuda o homem com iniciativas de caridade, coloca-se de facto ao serviço daquele sistema de injustiça (…) por isso, se contesta e ataca a caridade como sistema de conservação do status quo. Na realidade, esta é uma filosofia desumana». A crítica parece deslocada num momento em que esta corrente política atravessa um declínio global, e numa ICAR que sempre falou para a «direita» em matérias de «costumes» mas para a «esquerda» em «questões sociais». O alvo de Ratzinger poderá ser a colaboração dos católicos ditos «progressistas» com as esquerdas marxistas e socialistas em obras de assistência social: «A actividade caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. Não é um meio para mudar o mundo de maneira ideológica, nem está ao serviço de estratégias mundanas» (parágrafo 31). Mais, num gesto de puro sectarismo, o Papa sugere que não se deve aceitar a colaboração nessas obras de quem quer apenas «melhorar o mundo» sem se inspirar na concepção católica de «amor»: «No que diz respeito aos colaboradores que realizam, a nível prático, o trabalho caritativo na Igreja, foi dito já o essencial: eles não se devem inspirar nas ideologias do melhoramento do mundo, mas deixarem-se guiar pela fé que actua pelo amor. Por isso, devem ser pessoas movidas antes de mais nada pelo amor de Cristo» (parágrafo 33).
  4. A terminar, e para aqueles católicos que acham que a «caridade» que fazem lhes dá o direito de beneficiar de isenções fiscais para igrejas e objectos de culto, de reclamar direito de consulta em matérias políticas, de exigir subsídios para fins não assistencialistas, de impor a obrigatoriedade de presença de crucifixos nas escolas e etc, deixo uma passagem ratzingeriana que lhes rebenta na cara: «a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar outros fins».
25 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Padre italiano preso por violação

O padre italiano Fedele Bisceglia foi preso na segunda-feira na cidade de Cosenza (Calábria), acusado de violar uma freira repetidas vezes e de ter organizado violências sexuais de grupo no convento franciscano onde reside.
O sacerdote católico já presidiu ao clube de futebol local, e é famoso a nível nacional por ter convertido ao catolicismo uma artista de filmes pornográficos, que depois de o conhecer entrou para um convento. Bisceglia alega que a freira que o acusou «é louca», mas a religiosa foi submetida a um exame que concluiu que está na plena posse das suas faculdades mentais.
(Ler mais: português, italiano, inglês.)