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Ricardo Alves

27 de Março, 2006 Ricardo Alves

Momento Zen de segunda-feira, 27 de Março

Ao ler o início da sua homilia de hoje, onde o inefável João César das Neves (JCN) afirma que «o nosso tempo tem um trauma com a religião», pensei por instantes que o talibã do Diário de Notícias teria finalmente a hombridade de reconhecer que a religião é a maior fonte de violência deste início de século. Efectivamente, do 11 de Setembro aos atentados suicidas no Médio Oriente, passando por Casablanca, Madrid, Bali, Londres e muitos outros lugares, o nosso mundo é aterrorizado por organizações que recrutam crentes e os convencem de que o paraíso fica ao seu alcance se se fizerem explodir levando o máximo de «infiéis» consigo. Todavia, o tema da crónica é uma alegada dificuldade contemporânea em aceitar que tudo é religião (e tudo mesmo, até o ateísmo, por paradoxal que pareça a quem não partilhe da mundividência surreal de César das Neves).

Assim, no segundo parágrafo JCN diz-nos que os movimentos espirituais ditos «da Nova Era» são religião, presume-se que da má porque aparecem, diz-nos ele, para colmatar a «decadência espiritual da Europa» (sic!). No terceiro parágrafo, insulta e blasfema a moderna música urbana, ao comparar «o rock e o metal» à religião organizada. No quarto são as canções de música ligeira que são vilipendiadas ao serem comparadas a «orações», embora ninguém cantarole a última canção da Ágata antes de se fazer explodir num restaurante.

O melhor do «amor cristão» de JCN está porém reservado, como sempre, para os ateus. Produz alguns daqueles oxímoros que tanto o embevecem: fala-nos do «dogma inabalável do cientifismo panteísta» (o dogma que consiste em não aceitar dogmas?) e assegura-nos que «o cepticismo militante mostrou ser a fé do avesso» (ter dúvidas é uma forma de fé?). Estes jogos de linguagem evidenciam como até na madraça de Palma de Cima o pós-modernismo e o obscurantismo religioso se deram as mãos.

Quase no fim, JCN conduz-nos a uma falsa alternativa que ele diz constituir o «o núcleo central do fenómeno religioso»: «a natureza e o homem não são deus, não se criam a si mesmos nem controlam o mundo à sua volta. Ou Alguém faz isso, ou então a vida e a realidade não têm finalidade e sentido». Na realidade, o mundo não foi criado para nós (aliás, nem foi criado). Quanto à vida, tem o sentido que lhe quisermos dar, e é aí que começa a nossa liberdade.
24 de Março, 2006 Ricardo Alves

O que faria Jesus Cristo

No meu último artigo, dirigi aos católicos a pergunta «o que faria Jesus Cristo perante o nazismo?». Recordo, a propósito, que ser católico é uma questão de obediência, antes de ser uma questão de fé. Um verdadeiro católico, quando confrontado com uma questão teológica, interroga em primeiro lugar um representante da hierarquia da sua igreja, e só depois a sua consciência. Como a hierarquia católica não ordenou que se resistisse ao nazismo, Ratzinger, ao entrar na Juventude Hitleriana e ao fechar os olhos perante os escravos judeus que eram maltratados a seu lado, estava a ser um bom católico.

Evidentemente, há cristãos não católicos. E esses poderão dar respostas divergentes à questão em apreço. Mas não acredito que encontrem no personagem principal do Novo Testamento critérios taxativos para discernir quando um Governo é injusto e a partir de que ponto merece oposição. Entre a colaboração entusiástica com um Estado que perseguia os «pérfidos judeus», e a resistência pacífica a um regime distante do «amor universal», parece-me que haveria passagens bíblicas que serviriam para tudo, de um extremo ao outro. Com uma excepção: nenhuma passagem bíblica ou acto eclesial poderia ser evocado para a resistência activa e, se necessário, violenta. E só essa poderia ter derrubado o regime nazi.
23 de Março, 2006 Ricardo Alves

O que fez Ratzinger

Sabemos que Joseph Ratzinger fez parte da Juventude Hitleriana. Sabe-se também que foi recrutado para uma unidade anti-aérea alemã, a qual protegia uma fábrica da BMW em que eram utilizados escravos do campo de Dachau. Porém, sugere-se que teria objecções ao nazismo, e acredita-se que não as terá evidenciado por instinto de sobrevivência.

Haverá indicações dessa oposição ao nazismo do futuro Papa? O padre Georg Ratzinger, irmão de Joseph, afirma que «era impossível resistir». No entanto, na aldeia em que viviam houve quem resistisse. Houve quem escondesse resistentes. Houve quem se tenha declarado objector de consciência (e consequentemente tenha sido enviado para Dachau). E houve quem nada fizesse. Aliás, segundo uma vizinha dos Ratzingers nessa época, «era possível resistir, e essas pessoas foram um exemplo para as outras (…) os Ratzingers eram jovens e tinham feito uma escolha diferente».

Todos estes dados são incontroversos. Mas os dados colocam um dilema ético, que pode ser abordado por católicos e não católicos. Dirijo as interrogações seguintes aos católicos.

O que faria Jesus Cristo (se é que existiu) nesta situação? O que faria o personagem do Novo Testamento perante o nazismo? Teria resistido, como resistiram tantos homens e mulheres, ou teria colaborado, como colaborou o vosso Papa? Pode Ratzinger ser considerado um exemplo ético para os cristãos?

(Darei a minha resposta ao dilema 24 horas depois da publicação deste artigo.)
15 de Março, 2006 Ricardo Alves

Onde está o bom-senso, onde está a realidade?

A propósito do seu novo filme, Manoel de Oliveira cometeu declarações no Diário de Notícias que, para ser simpático, me limito a qualificar como disparatadas: «Agora tiram o véu às meninas que vão ao colégio com véu, tiram os Cristos de algumas escolas, é proibido ter qualquer religião mas não é proibido ser ateu ou laico. Onde é que está a liberdade, onde é que está a tolerância?»

A minha vontade é responder ao conhecido realizador de cinema perguntando-lhe «onde está o bom-senso, onde está a realidade?». Efectivamente, a última vez que me dei conta de um esforço significativo para impedir alguém de ter uma dada religião em Portugal foi há exactamente dez anos, quando houve uma campanha pública contra um pequeno grupo evangélico neo-pentecostal, a IURD. Na altura, chegou-se mesmo a destruir um local de culto desta religião e a IURD foi expeditamente despejada de vários templos que não estavam devidamente autorizados. Não se constata zelo comparável na aplicação das leis quando está em causa a religião que inspira Manoel de Oliveira no seu último filme, e não me recordo de o realizador nonagenário ter defendido a liberdade de religião dessa igreja que tinha métodos de marquetíngue tão eficazes, mas que era talvez popularucha demais para a selecta estética oliveiriana.

Devo ainda acrescentar que na minha cabecinha ateísta não pode ser classificada senão como humorística a ideia de que tirar crucifixos das escolas públicas seja «proibir qualquer religião». Parece-me que impô-los a quem não os quer será, isso sim, senão «proibir» o ateísmo ou qualquer religião que não tome o crucifixo como símbolo (ou seja, todas à excepção do catolicismo), pelo menos obrigar quem não segue o catolicismo a conviver com uma religião que rejeita. Mas admito que isto sou eu, com esta minha mania de que são as pessoas e não as sociedades que têm religião e que, horror dos horrores, ninguém deve ser obrigado a seguir uma religião que não deseja.

No fundo, o melhor de Manoel de Oliveira sempre foi a comédia, e é nessa categoria que se devem arquivar as suas declarações.
6 de Março, 2006 Ricardo Alves

Policarpo quer respeito mas não respeita

«Apesar do apregoado respeito pelas religiões e pela fé de quem acredita, alguns não hesitam em brincar com o sagrado; chegou-se mesmo a apregoar, em nome da liberdade, o direito à blasfémia. Fiquem sabendo que para nós que buscamos o rosto de Deus e procuramos viver a vida em diálogo com Ele, isso nos indigna e magoa (…) com o sagrado não se brinca. O respeito pelo sagrado é algo que a cultura não pode pôr em questão, mesmo em nome da liberdade. A todos esses que sentem não acreditar em Deus, eu digo em nome do povo crente: a vossa dificuldade em acreditar em Deus, não toca na realidade insofismável de Deus. Nós respeitamos a vossa descrença (…). Mas respeitai a nossa fé, (…) sobretudo respeitai Deus em quem acreditamos.»

José Policarpo inseriu novamente um pronunciamento político numa «homilia» (uma actividade que se supõe exclusivamente «espiritual»). Desta feita, o Cardeal-Patriarca formulou um pedido (ver mais acima), mas de uma forma (intencionalmente?) ambígua: não é claro se deseja uma lei que limite a liberdade de expressão criminalizando a blasfémia, ou se quer apenas que as pessoas se coíbam de exercer a sua liberdade quando isso lhe possa desagradar. Em qualquer dos casos, impôs limites aos que não cedem à «facilidade» de acreditar em «Deus»: não se pode troçar, diz ele, de «Deus», da «fé» e do «sagrado». O totalitarismo implícito no pedido é claro: Policarpo quer impôr a sua concepção do sagrado mesmo a quem não crê, e não exclui exigir leis que o ajudem nesse propósito (como, aliás, acontecia durante a Inquisição…). É caso para recordar que é fraca a fé que tem de ser protegida, pelas leis, de ideias contrárias, pois se fosse forte não necessitaria de exigir a quem não a partilha que se abstenha de a criticar.

Pessoalmente, tenho tanto interesse em insultar o «Deus» de Policarpo como o «Grande Manitu» ou o «Unicórnio Cor-de-Rosa Invisível». Porém, reservo-me o direito de dar uma resposta proporcional quando os católicos insultam a minha inteligência e a minha sensibilidade (o que acontece regularmente em Fátima), quando insultam as mulheres ou as minorias comportamentais (é desnecessário apresentar exemplos…), ou quando insultam os descrentes por o serem. E não o poderia fazer se houvesse um efectivo «delito de blasfémia», pois os insultos emitidos pela igreja de Policarpo estariam protegidos pelo carácter «sagrado» da sua sustentação dogmática…

Devo acrescentar que Policarpo, honestamente, não deveria preocupar-se tanto. Em Portugal, sem necessidade das leis liberticidas que ele parece desejar, vigora um consenso social que circunscreve e abafa a crítica à sua religião. Um exemplo: aquando da operação proselitista «Congresso da Nova Evangelização», Policarpo foi à televisão (pública) apoiado por dois católicos, para confrontar um único descrente (o grande José Barata Moura). No mesmo programa, e aquando da crise dos cartunes, havia um muçulmano entre seis participantes. Outro exemplo: alguma vez se ouve alguém dizer na comunicação social, em alto e bom som, que o Sol não pode estar a «mexer-se para cima e para baixo» em Fátima e quietinho em Lisboa? Não. Há muito respeitinho pelo catolicismo e pelas suas crenças, e sem este blogue haveria ainda mais. Último exemplo: na imprensa e aqui nos blogues, andou tudo a chamar nomes (geralmente, merecidos) a Freitas do Amaral e a outros por não defenderem a liberdade de expressão. Com a excepção admirável de Vasco Pulido Valente, muito poucos ousam agora criticar Policarpo por dizer a mesmíssima coisa(*). E porquê? Porque é o líder índigena da igreja supostamente maioritária. A esses, que há poucas semanas se deliciaram a atacar uma religião que em Portugal nem 30 mil seguidores deve ter, recordo que também o Vaticano afirmou que «a liberdade de expressão não pode incluir o direito de ofender os sentimentos religiosos dos crentes». Portanto, desafio-os a irem contra o «religiosamente correcto» católico e chamarem «islamófilo» e «inimigo do Ocidente» a Policarpo, e insinuarem que Ratzinger tem «ódio à nossa civilização» e que é um «apaziguador» (não se esqueçam de compará-lo com Chamberlain!). Onde está a vossa coerência, meus caros «guerreiros civilizacionais»?

(*) Adenda: outra excepção ao «religiosamente correcto» católico é Rui Pena Pires. De resto, a defesa da liberdade de expressão foi relativizada pelos «indefectíveis» do mês passado. É pena.
6 de Março, 2006 Ricardo Alves

A ciência explicará a religião

A religião é um fenómeno de origem humana, e portanto natural, que um dia poderá ser explicado pela ciência. Esta ideia simples, que me parece óbvia, está a causar alguma polémica nos EUA a propósito da publicação de «Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon», um livro de Daniel Dennet que tenta explicar o como e o porquê de os homens terem inventado os deuses.

Daniel Dennet parte do princípio, quanto a mim correcto, de que compreender a origem das religiões é antes de tudo um problema científico, porque a religiosidade é um aspecto comportamental específico da espécie humana que pode e deve ser estudado como qualquer outro comportamento. O livro irritou bastante um crítico literário do The New York Times, que viu nele «uma alegre antologia das superstições contemporâneas» e que chamou ao autor «naturalista», «materialista», «racionalista» e outros «istas» (como «ateísta») que eu só posso considerar elogios. Segundo as recensões já disponíveis, o autor usa essencialmente a biologia evolutiva e a economia como ferramentas para compreender a utilidade da religião na evolução social da humanidade. E argumenta que quando compreendermos o porquê de haver crentes (o que está longe de acontecer…) poderemos precaver-nos contra os piores aspectos da religião.

O facto de Daniel Dennet ser um ateu empenhado (e um dos proponentes do termo «bright» para designar livre-pensadores em geral) adiciona algum picante à polémica
3 de Março, 2006 Ricardo Alves

O mundo das religiões (3/3/2006)

  1. Na Grécia, um dos países mais clericais da União Europeia, é finalmente possível optar pela cremação de um cadáver. No entanto, devido a um compromisso com a Igreja Ortodoxa Grega, cujo «papel predominante» é reconhecido constitucionalmente, apenas os cidadãos gregos não ortodoxos poderão ser cremados.
  2. O Tribunal Supremo do Canadá decidiu que foi uma infracção da liberdade religiosa não permitir que um estudante sikh frequentasse as aulas armado de um punhal cerimonial. No entanto, os estudantes sikhs serão obrigados, futuramente, a transportar apenas punhais pequenos para a escola, a mantê-los embainhados e a não os experimentarem nos colegas.
  3. Uma estudante russa e o seu pai decidiram processar o Governo por não ensinar o criacionismo a par da teoria da evolução. Numa convergência ecuménica enternecedora, o processo judicial será apoiado pela Igreja Ortodoxa Russa em conjunto com as comunidades muçulmana e judaica. Porém, nada foi dito sobre a defesa do ensino da ressurreição a par da segunda lei da termodinâmica ou sobre o ensino do geocentrismo a par do heliocentrismo.
2 de Março, 2006 Ricardo Alves

Manifesto dos 12 (agora em Português)

«Depois de ter vencido o Fascismo, o Nazismo e o Estalinismo, o mundo enfrenta agora uma nova ameaça totalitária global: o Islamismo.

Nós, escritores, jornalistas, intelectuais, vimos aqui apelar à resistência ao totalitarismo religioso, bem como à promoção da liberdade, da igualdade de oportunidades e dos valores laicos para todos.

Os eventos que ocorreram recentemente, depois da publicação das caricaturas de Maomé em jornais europeus, tornaram evidente a necessidade de um combate em prol destes valores universais. Trata-se de um confronto a travar no campo ideológico e que nunca poderá ser ganho pelas armas. Aquilo a que estamos presentemente a assistir não constitui um conflito de civilizações, nem um antagonismo Este-Oeste, mas antes uma luta global entre democratas e teocratas.

Como todos os totalitarismos, o Islamismo estabelece-se sobre medos e frustrações. Os pregadores do ódio apostam nesses sentimentos para formar batalhões destinados a impor um mundo de opressão e desigualdades. Contudo, nós afirmamos clara e firmemente: não existe nada, nem mesmo o desespero, que possa justificar a escolha do obscurantismo, do totalitarismo e do ódio. O Islamismo é uma ideologia reaccionária que aniquila a igualdade, a liberdade e a laicidade sempre que as encontra. O seu êxito só pode conduzir a um mundo de dominação: dominação do homem sobre a mulher, dominação dos islamistas sobre os demais. Para nos opormos a este processo, temos que assegurar direitos universais a todos os povos discriminados ou oprimidos.

Rejeitamos o «relativismo cultural», que consiste em aceitar que homens e mulheres de cultura muçulmana devem ser privados do direito à igualdade, à liberdade e aos valores laicos em nome do respeito pelas culturas e tradições.

Recusamo-nos a renunciar ao espírito crítico por receio da acusação de “islamofobia”, um conceito infeliz que confunde a crítica do Islão enquanto religião com a estigmatização dos seus crentes.

Pugnamos pela universalidade da liberdade de expressão, para que o espírito crítico se possa exercer em todos os continentes, contra todos os abusos e todos os dogmas.

Apelamos a todos os democratas e espíritos livres de todos os países para que o nosso século venha a ser um tempo de Iluminismo e não de obscurantismo

Ayaan Hirsi Ali, Chahla Chafiq, Caroline Fourest, Bernard-Henri Lévy, Irshad Manji, Mehdi Mozaffari, Maryam Namazie, Taslima Nasreen, Salman Rushdie, Antoine Sfeir, Philippe Val, Ibn Warraq.

(Tradução de Luis Mateus – Associação República e Laicidade.)

1 de Março, 2006 Ricardo Alves

«Juntos contra o novo totalitarismo»

Um grupo de escritores e intelectuais em que se incluem, entre outros, Salman Rushdie, Ayaan Hirsi Ali, Taslima Nasreen, Ibn Warraq, Caroline Fourest e Bernard-Henri Lévy, publicou ontem um Manifesto intitulado «Juntos contra o novo totalitarismo». Nele, os autores afirmam que o mundo se encontra «face a uma nova ameaça totalitária global: o islamismo», e que a resposta passa pela «promoção, para todos, da liberdade, da igualdade de oportunidades e dos valores laicos», valores esses que consideram universais.

O Manifesto foi publicado no jornal dinamarquês Jyllands-Posten e no jornal satírico francês Charlie-Hebdo e faz referência à crise desencadeada pela publicação das caricaturas de Maomé. Distancia-se das análises que insistem no «choque de civilizações» ou no antagonismo entre «Ocidente» e «Oriente», respondendo-lhes que assistimos, isso sim, a uma «luta global que confronta democratas e teocratas». Dado que ainda recentemente insisti que a clivagem é entre laicistas e clericais, não posso deixar de concordar. O Manifesto critica também o «relativismo cultural», que define como a aceitação de que «homens e mulheres de cultura muçulmana deveriam ser privados do seu direito à igualdade, à liberdade e aos valores laicos em nome do respeito pelas culturas e tradições». A terminar, os autores expressam o desejo de que «o nosso século seja um século de Iluminismo e não de obscurantismo». É um desejo que, evidentemente, partilho.
23 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

O extravagante mundo das religiões

  1. A comunidade tribal de Naulu (no interior da ilha indonésia de Seram) pratica a decapitação ritual como forma de afastar a má sorte. Uma parte deste grupo de 900 pessoas acredita que devem ser oferecidas cabeças humanas aquando da reparação da casa maior do clã tribal. Recentemente, duas pessoas foram mortas ritualmente, o que originou um processo judicial. O advogado de defesa argumentou que os cidadãos indonésios da tribo em questão ignoram totalmente as leis estatais que criminalizam o corte de cabeças humanas por motivos religiosos. Efectivamente, até manifestaram em tribunal o seu orgulho por terem cumprido as tradições culturais da sua tribo. Três dos assassinos foram condenados à morte pelo tribunal indonésio.
  2. O Tribunal Supremo dos EUA considerou, por unanimidade, que é parte da liberdade religiosa importar chá alucinogéneo e usá-lo numa cerimónia religiosa. Em causa estava um movimento religioso de origem brasileira, o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, que tem uma congregação de cerca de 130 membros no Novo México. Esse grupo utiliza um chá chamado Hoasca num ritual religioso de quatro horas que alegadamente permite aos participantes «aproximarem-se de Deus». O Governo dos EUA confiscara a droga em causa e tentara impedir a sua importação, invocando leis gerais e um tratado internacional sobres estupefacientes. Os seguidores desta religião originária da Amazónia argumentaram que o Hoasca é imprescindível para a sua prática religiosa. Notando um precedente (o uso de um derivado da mescalina em rituais religiosos de alguns grupos índios da América do Norte), o Tribunal Supremo proibiu o Governo de apreender novamente o chá alucinogéneo-religioso.
  3. O Governo da Malásia proibiu a música «Black Metal» sob a acusação de que os seus seguidores se desviam dos princípios islâmicos. Um porta-voz do Conselho islâmico nacional justificou o seu édito afirmando que a cultura «Black Metal» pode levar quem a ouve a rituais religiosos satânicos que incluem beber o próprio sangue misturado com sangue de cabra e queimar o Corão. Em Dezembro, a polícia da Malásia fizera uma rusga num concerto e detivera 105 adolescentes, que alegadamente estariam envolvidos em orgias e outras actividades religiosas satânicas contrárias aos princípios islâmicos.

Quais devem ser os limites da liberdade religiosa?