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Ricardo Alves

25 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

Policarpo faz campanha política na noite de «consoada»

José Policarpo aproveitou o espaço que as televisões (incluindo a pública, para vergonha de todos) lhe dão no dia 24 de Dezembro, para fazer campanha pela criminalização do aborto e pela investigação, julgamento e detenção das mulheres que abortam. Na mesma mensagem, o cardeal patriarca de Lisboa da ICAR aconselhou os sindicatos a afastarem-se de «ideologias», e defendeu a «criatividade» no «direito internacional» no que diz respeito à «globalização e deslocação de empresas».

O privilégio de Policarpo poder falar de política nas TV´s no dia 24 de dezembro resulta de representar o maior grupo de portugueses que se supõe acreditarem na mitologia cristã, segundo a qual teria existido um homem há dois mil anos com poderes sobrenaturais.

25 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

Rui Rio não «proibiu» o natal?

À atenção de António Marujo, jornalista do Público: o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio de seu nome, não concedeu tolerância de ponto aos trabalhadores da câmara no dia 26 de dezembro. Por menos do que isto, há quem já tenha sido acusado de «proibir» o natal. Porque será que ninguém junta este caso à «guerra» que o criativo jornalista do Público inventou nos últimos dias? Afinal, o verbo «proibir» não passou a ter o sentido que se quiser?
22 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

A «guerra» continua, «Cristo» no meio da rua!

Ao separar os cadernos do Público hoje de manhã à mesa do café, o primeiro título que me chamou a atenção estava no caderno Local e noticiava que uma figura de «Cristo» fora roubada, pela segunda vez, do presépio que se encontra num jardim de Faro. A câmara municipal, preocupada com a correcção religiosa do presépio, teme que não consiga repor a dita figura até dia 24. Pensei imediatamente: porque será que o católico militante António Marujo não juntou esta estória verídica aos pseudo-factos que coligiu no domingo passado, no seu afã para inventar uma «guerra ao Natal» que nem nos países anglo-saxónicos é real?

Passei ao caderno principal, e descobri com pasmo que o Público dedicou as páginas dois e três à fantasmática «proibição do Natal», e que existem na edição de hoje deste jornal quatro artigos de opinião (incluindo o editorial) que se dedicam a combater denodadamente na «guerra pelo Natal». (Alguns deles retomam, como verdadeiros, pseudo-factos que a carta da Associação República e Laicidade ontem publicada refutara, numa demonstração do poder da «imprensa de referência» na criação de mitos urbanos.)

Dado que a Associação é referida em dois artigos de opinião de hoje (e no próprio conteúdo noticioso), haverá a resposta devida no local próprio. Por enquanto, deixarei apenas, e a título pessoal, algumas precisões.

Primeira: a insistência em usar o termo «proibição» sugere que houve um esforço estatal, através de legislação ou de regulamentos, para normatizar as situações referidas por António Marujo, e que em muitos casos (as «boas festas» que desejamos a outras pessoas, por exemplo) estão muito para além (felizmente!) dos poderes dos Estados democráticos. Seria conveniente, a bem da clareza da discussão, que se separasse o que é feito por livre iniciativa de indivíduos ou empresas, daquilo que corresponde a recomendações do Estado. Porque, e é isso que toda esta discussão demonstra, existe na Europa ocidental um movimento de secularização da sociedade (abandono da religião e das suas referências), que não é dirigido nem coordenado, mas ao qual terá que corresponder, cedo ou tarde, uma consentânea laicização do Estado (aprofundamento da neutralidade estatal em matéria religiosa, e do igual tratamento dos cidadãos). Por muito que custe aos conservadores, a queda na frequência das igrejas não é um fenómeno passageiro e terá necessariamente consequências (algumas das quais, perfeitamente espontâneas).

Segunda precisão: os laicistas portugueses não têm, nunca tiveram, um discurso de defesa do «direito à diferença», pois temem, fundadamente, que descambe na diferença de direitos. Os laicistas defendem a igualdade de direitos de todos os cidadãos, quer sigam a religião que foi maioritária, quer sejam de uma religião minoritária ou quer não tenham religião de todo.

Terceira: faço um apelo a que se deixe de usar expressões como «bem-pensante» ou «politicamente correcto» com sentido pejorativo. Pensar bem não é mau (penso eu… «bem» ou «mal»?), e cada um de nós defende aquilo que considera ética, social ou politicamente correcto, e combate ou denuncia o que considera incorrecto. Já vai sendo tempo de contar a verdade às crianças: o movimento «politicamente correcto» é uma lenda urbana, nunca existiu, pelo menos em Portugal.

Finalmente, e quanto ao fundo da questão: qualquer «fascista por Cristo» que me queira obrigar a desejar «um santo natal» em vez de «boas festas» estará a exigir-me uma hipocrisia que recuso, e a interferir com a minha liberdade de expressão. Se há empresas que fazem essas exigências, provavelmente também as haverá que façam o contrário, e quem não gostar pode boicotá-las em conformidade. O que me importa discutir é o facto, real, de que na escola pública portuguesa existem tentativas recorrentes e documentadas de impôr a religião a crianças cujos pais têm o direito, inalienável, a que sejam educadas sem religião (tentativas que chegam a incluir «comunhões pascais» em horário lectivo e sem autorização dos encarregados de educação). Nessa esfera estatal, qualquer abuso é e será combatido pelos laicistas portugueses (já dentro de casa e dos templos, cada um faz o que quiser e que os seus aceitem). Quanto aos presépios que se encontram nas repartições públicas e nas praças, a verdade é que estão no meio da rua. E se põem a religião no meio da rua, não se queixem da chuva, do vento e das reacções de quem passa.
21 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

Feliz solstício a todos!

Caros ateus e ateias (e outras pessoas sem religião),

a noite de hoje será a mais longa do ano em todo o hemisfério norte do nosso planeta. A partir de amanhã, os períodos diários de luz aumentarão novamente.

O ponto de viragem que a noite de hoje constitui, e que se deve a factos elementares do nosso planeta, justifica que seja assinalada. E porque prezamos a liberdade, da forma que cada um quiser. Provavelmente será natural procurar os amigos ou a família, estar com quem se gosta e comer e beber bem. Porque a falta da luz do sol pode provocar uma certa angústia e gostamos de ser confortados.

Não é necessário iludirmo-nos com deuses. Nenhum sacrifício, jejum ou pensamento que façamos tornará o regresso da luz menos inelutável. A ciência garante-nos que teremos mais e mais luz a partir de amanhã.

Feliz solstício e boas festas a todos os leitores.
13 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

Padre católico condenado por genocídio

O sacerdote católico Athanase Seromba foi condenado a 15 de anos de prisão, pelo Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, por participação em genocídio e por crimes contra a humanidade. Durante os massacres de 1994, Seromba era responsável pela paróquia de Nyange. Depois de 2000 tutsis se terem refugiado na sua igreja, o sacerdote católico (que colaborava com as milícias hutus) ordenou que a igreja fosse destruída por máquinas escavadoras, com as pessoas lá dentro. Os sobreviventes foram mortos à facada.

Este é o primeiro sacerdote católico condenado por participação no genocídio por este tribunal internacional. Anteriormente, um sacerdote da Igreja Adventista do Sétimo Dia fora condenado a dez anos de prisão. O início do julgamento deste padre já fora noticiado pela Palmira e pela Mariana em 2004. Recentemente, uma freira católica, que selecionava tutsis para serem massacrados no hospital onde trabalhava, foi condenada por participação no genocídio (duas outras freiras católicas tinham sido condenadas em 2001 por um tribunal belga). Muitos outros membros do clero católico, e do clero de outras igrejas cristãs, estiveram envolvidos nos massacres do Ruanda (que antes de 1995, assinale-se, era o orgulho do Vaticano, devido à sua elevadíssima percentagem de católicos praticantes).

Existem pelo menos mais dois padres católicos detidos e aguardando julgamento.
6 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

Valha-nos Epicuro!

O «Antigo Retiro Quebra-Bilhas», um dos marcos da gastronomia lisboeta, vai ser transformado em retiro do Opus Dei. Parece uma anedota de mau gosto, mas é verdade.

O Quebra-Bilhas era um templo do prazer. Comiam-se peixinhos da horta, morcela e outros enchidos, favas com entrecosto e pataniscas com arroz de feijão, tudo bem acompanhado com um bom tinto. O espaço era agradável, até contava com um espaço ao ar livre nas traseiras, e por vezes cantava-se o fado. A casa tinha duzentos anos de tradição.

Agora, este templo do prazer servirá como templo da seita dos seguidores de Josemaría Escrivá, famosa pelas suas práticas aberrantes e pelo seu culto da dor.

Nas salas onde as famílias celebravam alegremente aniversários, os eremitas passearão agora a sua tristeza de solitários que entregaram a vida a uma entidade abstracta, cruel e perversa. Onde os amantes diziam «em tua casa ou na minha?», a conversa agora será mais do género «o teu cilício está bem apertado?». Onde as pessoas se divertiam, agora só haverá sofrimento deliberadamente procurado.

Deveríamos manifestarmo-nos à porta do defunto templo do prazer. Sugiro os seguintes slogans e frases para cartazes: «Epicuro salva»; «Antes morcela que cilícios»; «Vinho bom não tem sangue»; «Hóstia não, pataniscas sim» ou ainda «Ide mortificar-vos longe do meu prato». O que dizeis, caros leitores?
5 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

Rushdie: «A religião foi o maior erro da raça humana»

Foi um prazer assistir à conferência-debate com Salman Rushdie, Cláudio Torres e Anselmo Borges em Santa Maria da Feira, na sexta-feira.
Rushdie defendeu bastante bem a posição ateísta, e repetiu várias vezes, sem que ninguém o contradissesse, que os deuses foram criados à imagem dos homens (e não o contrário). Recordou que muitas mitologias têm um momento em que os deuses desaparecem e os homens têm que assumir as suas responsabilidades, e que entrámos nesse momento histórico a partir do Renascimento, e mais concretamente a partir do Iluminismo. Elaborou um pouco à volta do tema, recorrente nas suas entrevistas recentes, de que provavelmente nascemos com um sentido ético que nos leva a perguntar o que está certo e o que está errado, e que pode portanto levar à religião. E foi bastante claro, após as perguntas do público, sobre aquilo que nos separa dos crentes e dos seus «companheiros de estrada» clericais: não confiarmos nos sacerdotes das religiões para responder a perguntas sobre ética. Quanto ao outro uso da religião que Rushdie mencionou (explicar as origens do mundo e da humanidade), hoje já quase ninguém o leva a sério.
Politicamente, Rushdie denunciou as teses huntingtonianas do «choque de civilizações», explicando que o «mundo muçulmano» é muito diverso e está muito dividido, por exemplo entre sunitas e xíitas. Defendeu vigorosamente que apenas quando o Islão for reinterpretado, como Averróis tentou fazer no seu tempo, poderá evoluir. E recomendou a leitura de «Identity and Violence» de Amartya Sen para uma compreensão de como temos muitas pertenças, da nacionalidade e da região ao clube de futebol e à religião. Mencionou igualmente Richard Dawkins («The God delusion») para esclarecer onde sustenta o seu ateísmo.

De um modo geral, ignorou as perguntas do público.
4 de Dezembro, 2006 Ricardo Alves

A ICAR não participa em «campanhas de tipo político»?

O bispo do Algarve da ICAR anunciou no sábado a constituição de uma comissão que coordenará os movimentos anti-escolha na região, com vista ao referendo sobre a despenalização da IVG. Segundo o bispo Manuel Quintas, esta comissão, que «resulta da união da diocese do Algarve a um grupo de leigos», tem a sua origem numa ideia do próprio bispo e irá «sensibilizar paróquias» e coordenar «a nível da diocese».

Entretanto, na Guarda, o bispo local da mesma ICAR anunciou que fará catequeses específicas sobre o aborto em todos os domingos anteriores à campanha, e que a nota pastoral da CEP será comentada em todas as homilias da região, enquanto em Coimbra o bispo Albino Cleto garantiu «todo o seu apoio» aos movimentos que defendam uma cultura adversa à liberdade da mulher.

Na Madeira, o conselho diocesano da mesma igreja com sede em Roma organizará «acções concretas (…) para dar a conhecer o verdadeiro sentido do voto: “Não” ao aborto; “Sim” à Vida», naquilo que se assume ser uma «campanha de esclarecimento».

No dia 19 de Outubro, a conferência episcopal portuguesa desta mesma igreja afirmara: «Nós, os Bispos, não entramos em campanhas de tipo político»…
30 de Novembro, 2006 Ricardo Alves

Pior, é sempre possível

No actual debate sobre a despenalização do aborto, sabendo que há muito quem defenda que abortar até às 10 semanas deve dar pena de prisão, todavia aguardo ainda o momento em que alguém defenda que o uso da pílula do dia seguinte é homicídio.

Em Portugal, ainda não aconteceu. Mas, na Argentina, os bispos da ICAR local já defendem abertamente que «[se trata] (…) de um fármaco que atenta contra a vida humana, que a Constituição Nacional considera inviolável desde o momento da concepção». Já existindo portanto na galáxia católica quem defenda que usar a pílula do dia seguinte é assassínio, podemos confiar que algum católico português defenderá que existiram em Portugal, em 2005, 230 mil homicídios por ingestão de um comprimido. Este autêntico genocídio não resultou num único caso em tribunal…

(César das Neves, aceita a sugestão? Ou delega no Nuno Serras Pereira?)