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Ricardo Alves

2 de Maio, 2007 Ricardo Alves

«O que é a laicidade?»

Foi acrescentado recentemente no sítio da Associação República e Laicidade um texto sobre a laicidade, traduzido da Association Suisse pour la Laïcité: «O que é a laicidade?».
  1. «O que é a Laicidade?
    A Laicidade é a forma institucional que toma nas sociedades democráticas a relação política entre o cidadão e o Estado, e entre os próprios cidadãos. No início, onde esse princípio foi aplicado, a Laicidade permitiu instaurar a separação da sociedade civil e das religiões, não exercendo o Estado qualquer poder religioso e as igrejas qualquer poder político.
    Para garantir simultâneamente a liberdade de todos e a liberdade de cada um, a Laicidade distingue e separa o domínio público, onde se exerce a cidadania, e o domínio privado, onde se exercem as liberdades individuais (de pensamento, de consciência, de convicção) e onde coexistem as diferenças (biológicas, sociais, culturais). Pertencendo a todos, o espaço público é indivísivel: nenhum cidadão ou grupo de cidadãos deve impôr as suas convicções aos outros. Simétricamente, o Estado laico proíbe-se de intervir nas formas de organização colectivas (partidos, igrejas, associações etc.) às quais qualquer cidadão pode aderir e que relevam do direito privado.
    A Laicidade garante a todo o indivíduo o direito de adoptar uma convicção, de mudar de convicção, e de não adoptar nenhuma.
    A Laicidade do Estado não é portanto uma convicção entre outras, mas a condição primeira da coexistência entre todas as convicções no espaço público.
    (…)
  2. A Laicidade é anti-religiosa?
    De modo algum. Pode ser-se crente e laico, como se pode ser socialista ou liberal e democrata. A Laicidade não é irreligião: ela oferece mesmo a melhor protecção às confissões minoritárias, pois nenhum grupo social pode ser discriminado.
    (…)
  3. A Laicidade é anticlerical?
    Por princípio, a Laicidade garante a liberdade de crença e de culto dentro dos limites das leis comuns e da ordem pública. Entretanto, a Laicidade opõe-se ao clericalismo logo que este preconiza discriminações ou tenta apropriar-se da totalidade ou de uma parte do espaço público.
    (…)»

(Ler na íntegra.)

30 de Abril, 2007 Ricardo Alves

Um milhão de pessoas manifestam-se pelo laicismo

Só há um Estado europeu onde as manifestações pelo laicismo chegam a ter um milhão de pessoas: é a Turquia. (Como se diz no renas e veados: «Nunca se viu nada assim em Varsóvia»…)

Por muita perplexidade que me suscite o dilema entre «islamismo por via eleitoral» e «laicismo militarista», estou de vísceras e neurónios com a multidão que gritou «a Turquia é laica e continuará a ser» e «Nem charia, nem golpe de Estado, viva a Turquia independente». Fossem todos os europeus assim…
25 de Abril, 2007 Ricardo Alves

O antes e o depois

Constituição de 1933 (revista pela última vez em 1971)
  • «O ensino ministrado pelo Estado visa, além do revigoramento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, à formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País.» (Artigo 43º, §3)
  • «O Estado, consciente das suas responsabilidades perante Deus e os homens, assegura a liberdade de culto e de organização das confissões religiosas cujas doutrinas não contrariem os princípios fundamentais da ordem constitucional nem atentem contra a ordem social e os bons costumes, e desde que os cultos praticados respeitem a vida, a integridade física e a dignidade das pessoas». (Artigo 45º)
  • «A religião católica apostólica romana é considerada como religião tradicional da Nação Portuguesa. A Igreja Católica goza de personalidade jurídica. O regime das relações do Estado com as confissões religiosas é o da separação sem prejuízo da existência de concordatas ou acordos com a Santa Sé.» (Artigo 46º)
Constituição de 1976

  • «1. A liberdade de consciência, religião e culto é inviolável. 2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa. 3. As igrejas e comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto. 4. É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades. 5. É reconhecido o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório.» (Artigo 41º)

  • «O ensino público não será confessional.» (Artigo 43º, §3)
23 de Abril, 2007 Ricardo Alves

Candidatos à presidência da França: laicidade?

  1. Ségolène Royal: em 1989, achava que os desenhos animados violentos e os «manga» eram um problema mais grave do que o véu islâmico; em 2004, em plena campanha laicista por uma lei contra os símbolos religiosos ostensivos na escola pública, não encontrou nada melhor para fazer do que pronunciar-se contra o «fio dental», que achava um «atentado à dignidade das mulheres» (mesmo assim, votou a favor da lei sobre os símbolos religiosos ostensivos, seguindo a esmagadora maioria do seu partido, o PSF). Esta puritana acha que também se deve «reflectir» sobre espaços separados para rapazes e raparigas nas escolas públicas, nomeadamente nas aulas de educação sexual (e nas piscinas municipais). Manteve-se em silêncio durante a crise dos cartunes. O partido a que pertence, o PSF, é dos partidos de governo mais laicistas da Europa. Sugestão para slogan de campanha: «antes a burca do que o biquini!».
  2. Nicolas Sarkozy: quer rever a centenária lei de separação entre o Estado e os cultos; gostaria, particularmente, que o Estado pudesse financiar a construção de mesquitas. À maneira de Napoleão, que fez uma Concordata com a ICAR para melhor a controlar, Sarkozy acredita que o Estado deve colaborar com os integristas. Nesse espírito, foi o Ministro do Interior responsável pela criação do «Conselho Francês do Culto Muçulmano», onde se integraram várias organizações próximas da Irmandade Muçulmana. Defensor coerente do multiculturalismo de Estado, é a favor da discriminação positiva para os cidadãos de minorias religiosas. Escolheu Christine Boutin, uma «próxima» do Opus Dei anti-IVG, homófoba e fundamentalista para sua conselheira política. Sugestão para slogan de campanha: «o bom islamista é o islamista subsidiado pelo Estado!».

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

23 de Abril, 2007 Ricardo Alves

Dia Nacional de quê?

Embora os EUA sejam, formal e institucionalmente, um Estado mais laico do que a França, não deixa de ser verdade que os seus políticos encontram-se entre os que mais ostentam a sua religiosidade, demonstrando um proselitismo que em qualquer país europeu a oeste da Polónia seria considerado exótico. O exemplo mais recente: George W. Bush acaba de convocar um «Dia Nacional de Oração». Isso mesmo: o presidente dos EUA pede aos seus concidadãos para agradecerem as liberdades de que gozam ao seu amigo imaginário favorito. Através de pensamentos. Há gente mesmo muito estranha neste planeta.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
20 de Abril, 2007 Ricardo Alves

Peña-Ruiz: «Cinco questões a Sarkozy»

Tenho destacado abundantemente, nos dois blogues em que escrevo, textos de Henri Peña-Ruiz, o filósofo francês que melhor tem explanado o conceito moderno de laicidade. Recentemente, destaquei um texto de questões a Nicolas Sarkozy, no contexto da eleição presidencial francesa. A Associação República e Laicidade apresenta agora uma tradução desse texto, que merece leitura atenta.
  1. «Primeira pergunta. Os humanistas ateus devem usufruir dos mesmos direitos que os crentes? No seu livro sobre a República e as religiões, reconhece um privilégio à opção religiosa. De acordo consigo, fora desta, não seria possível conferir à conduta da existência as referências de sentido de que ela necessita. Sartre, o ateu, e Camus, o agnóstico, deviam, portanto, ter-se perdido perante as dificuldades da vida… E Bertrand Russel, que escreveu “porque não sou cristão”, devia encontrar-se desarmado face às questões éticas. Não percebe que quem não acredita no céu se pode sentir ofendido pela sua preferência? Honoré d’Estienne d’Orves, católico resistente, mereceria mais consideração do que Gabriel Perecer, ateu resistente? Ambos tombaram vítimas das balas nazis. Conhece a frase do poeta: “aquele que acreditava no céu, aquele que não [acreditava], que importa ao nome dado à clareza dos seus passos se um ia à igreja e o outro lá roubasse” (Louis Aragon, «La Rose et le Réséda»)
  2. Segunda pergunta. Que tipo de igualdade se pretende promover? Diz [Nicolas Sarkozy] pretender a igualdade entre as religiões e, para tal, encara a possibilidade de construir, com fundos públicos, lugares de culto, nomeadamente para permitir aos cidadãos de confissão muçulmana compensar o défice que teriam nessa matéria relativamente aos católicos que usufruem gratuitamente das igrejas construídas antes de 1905, ainda que esse direito de uso resulte de «afectação especial» e esteja limitado aos momentos da prática religiosa. Não pede, contudo, idêntico financiamento para edifícios destinados ao livre pensamento ou para templos maçónicos. Será que se assume partidário da discriminação entre os cidadãos de acordo com as opções espirituais em que eles se reconhecem? Para si, a igualdade republicana deveria reduzir-se à igualdade entre os diversos crentes, com exclusão dos humanistas ateus ou agnósticos? (…) Desde 1 de Janeiro de 1906 que a construção de novos locais de culto está unicamente a cargo dos fiéis, qualquer que seja a religião. É essa a regra, e os frequentes desvios que a ridicularizam não podem fazer jurisprudência, tal como o desrespeito pelos sinais dos semáforos não pode constituir motivo para a sua abolição.
  3. Terceira pergunta. Que prioridade para os poderes públicos? O relatório Machelon, que colhe a sua simpatia [de Nicolas Sarkozy], recorre ao conceito de liberdade religiosa, para permitir resvalar da garantia do «livre exercício dos cultos», garantido pelo primeiro artigo da lei, para o financiamento supostamente necessário dos cultos. Belo jogo de palavras e verdadeiro golpe de mão que pode bem enganar. Em República, só o interesse geral, comum a todos, visando bens e necessidades de alcance universal, merece financiamento público. Ora a religião não constitui um serviço público, tal como o são a instrução, a cultura ou a saúde. Na verdade, ela respeita unicamente aos seus crentes, isto é, a uma parte dos cidadãos. Os poderes públicos, cujos fundos resultam de impostos pagos tanto por ateus como por crentes, não devem, pois, financiar os cultos, tal como não devem financiar a divulgação do ateísmo. Está de acordo? (…)
  4. Quarta questão. Que concepção de luta contra o fanatismo? Afirma [Nicolas Sarkozy] querer evitar as intervenções estrangeiras, nomeadamente os financiamentos [ao culto religioso] vindos de países que pouco respeitam os valores republicanos e democráticos. E sustenta que pagando se poderá ter tudo sob melhor controlo. Falsa evidência. Pois que relação jurídica [pode existir] entre o financiamento e o direito de observar os objectivos dos responsáveis religiosos nos locais de culto? Ela só pode existir através do restabelecimento de um processo concordatário, ou seja anti-laico. Napoleão fez a Concordata de 1801 no compromisso de um financiamento público dos cultos cujas autoridades religiosas demonstrassem fidelidade ao seu poder. O catecismo imperial de 1807 radicalizou este sistema bastante humilhante para os crentes já que, afinal, os compra. Numa república laica, não pode existir fidelidade resultante de privilégio. Quer-se impor uma ortodoxia às religiões? (…)
  5. Quinta pergunta. O que sobra do laicismo e da República se se restabelecer um financiamento discriminatório? A República não é uma justaposição de comunidades particulares. Em França, não existem cinco milhões de «muçulmanos» mas cinco milhões de pessoas oriundas da imigração magrebina ou turca, muito diferentes nas suas opções espirituais. Um inquérito recentemente publicado pelo Le Monde, precisou que só uma pequena minoria desta população frequenta a mesquita, a maior parte faz da religião um assunto privado, só se referem ao Islão por uma espécie de solidariedade imaginária. Assim sendo, deve a República renunciar ao laicismo para satisfazer esta minoria ou concentrar os fundos públicos e redistribui-los pelos serviços públicos, pela gratuitidade dos cuidados de saúde, pela habitação social, ou pela luta contra o insucesso escolar, que abrangem, incontestavelmente, todos os homens, sem distinção de nacionalidade ou de opções espirituais? Não constitui dever dos homens políticos explicar que é pelo assegurar de iniciativas de serviço público de qualidade, igualmente proveitosas para crentes e ateus, e pela luta contra todo o tipo de discriminação que o Estado facilita, a uns e a outros, o financiamento voluntário das suas opções de convicção? (…)»

(Ler na íntegra.)

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

18 de Abril, 2007 Ricardo Alves

O rei vai nu (mas muito bem vestido?)

O João Vasco abordou o célebre conto d´«o rei que vai nu», para concluir que «mesmo que alguns ateus digam “estão a ver coisas que não existem e a enriquecer o clero inutilmente” – muitas pessoas encaram isso apenas como uma limitação dos ateus, que não conseguem ter acesso à “dimensão espiritual”». Justamente. Uma das dificuldades fundamentais do diálogo com os crentes é justamente essa: embora o rei vá nu, eles insistem que vai muito bem vestido.

Geralmente, a situação é a seguinte: nós apresentamos provas de que a «ressurreição» é impossível, que a criação do universo por uma entidade consciente é disparate, e que «vida depois da morte» é um oxímoro. Em suma, explicamos que o rei vai nu. Eles respondem que não estamos abertos «à dimensão espiritual» em que eles vêem as roupas do rei que está nu, que milhões de pessoas ao longo dos séculos disseram que o rei estava vestido embora estivesse nu, que existem escolas (e até universidades) em que se estuda o tecido da roupa que o rei usa quando vai nu, o casaco, as calças e a camisa usadas pelo rei quando vai nu, as cuecas e os peúgos do rei quando vai nu, e até os formatos e as cores dos botões da camisa que o rei leva quando vai nu. Dizem-nos ainda, com deleite, que dezenas de teólogos discutiram apaixonadamente durante séculos se os botões da camisa que o rei usa quando está nu têm dois ou quatro buracos, e que esse debate é a maior prova da beleza e da própria realidade indiscutível das roupas que o rei usa mesmo quando está nu.

A verdade é que as crenças religiosas mais populares não são «sofisticadas», «filosóficas» ou particularmente complexas. São ideias bastante simples, até enternecedoras na sua ingenuidade. Por muito protegidas que as roupas pareçam estar pelas «universidades» de teologia e pelas toneladas de papel não reciclado que se gastaram a discuti-las, a verdade é que o rei vai mesmo nu.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
16 de Abril, 2007 Ricardo Alves

Miscelânea de notícias (16/4/2007)

  1. O líder da maioria (democrática) do Congresso dos EUA, Steny Hoyer, encontrou-se no Cairo com um dirigente da Irmandade Muçulmana. A Irmandade Muçulmana está proibida no Egipto desde 1954. Um dos seus dirigentes, Sayid Qutb, foi o principal teórico do islamo-fascismo sunita. A jihad islâmica egípcia e outros grupos armados islamistas, como a Al-Qaeda, tiveram a sua origem em dissidências na Irmandade Muçulmana, que constitui hoje algo de semelhante a uma internacional islamista sunita. Não é claro se no encontro do Cairo se discutiu um possível plano de tréguas.
  2. Numa convenção, os sindicatos de professores do Reino Unido votaram uma moção pedindo que o governo deixe de financiar as escolas religiosas, muitas das quais sobrevivem à custa de subsídios do Estado, embora discriminem os alunos por critérios religiosos. A moção avisa que as escolas religiosas (anglicanas, católicas, muçulmanas, judaicas…) têm agravado a segregação social (um caso típico é a Irlanda do Norte). Algumas destas escolas parecem ser também uma das causas das gravidezes na adolescência, devido à sua insistência em programas de educação sexual irrealistas e contrários à própria natureza humana, em que se defende a total abstinência sexual.
  3. O ateísmo tem cada vez maior notoriedade e influência na Europa ocidental (talvez a região mais secularizada do mundo desenvolvido). Michel Onfray, o filósofo francês ateu e hedonista, acaba de publicar um novo livro, «La puissance d´exister». Em declarações à imprensa, diz que a fundação de toda a moral é «gozar e fazer os outros gozar sem fazer mal a si próprio ou aos outros». Não está mal como princípio.