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Ricardo Alves

28 de Maio, 2007 Ricardo Alves

Frei Gambozino e a dança que faz vertigens

No Público de domingo, Bento Domingues, por alcunha (merecida) o Frei Gambozino, diz-nos que em Fátima, a 13 de Outubro de 1917, o sol «dançou vertiginosamente num céu coberto de nuvens». Algumas perguntas simples: se o céu estava coberto de nuvens, como pode Frei Gambozino garantir que o sol «dançou»? O candeeiro mexe-se por detrás da cortina? Ou é a cortina que se mexe à frente do candeeiro? Frei Gambozino tentou as duas experiências? Ou acredita sem raciocinar? (Será essa a definição de fé?) E acredita na hipótese menos plausível porquê? Por interesse comercial e religioso? Por gostar de dançar o tango ou a lambada? Ou porque considera «estúpidos, cretinos e idiotas» os habitantes do hemisfério (e foram a esmagadora maioria…) que não viram o sol «dançar» naquele dia? Preferir as vertigens a manter os pés na terra é considerado uma virtude entre os crentes. Com os maus resultados que se podem constatar…

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
28 de Maio, 2007 Ricardo Alves

A superfície e o fundo

Uma acusação recorrente que os religiosos fazem aos ateus é a da superficialidade. Dizem-nos que a origem do universo e da vida, e a natureza da consciência, são Grandes Mistérios que nós resolvemos, insistem, de maneira superficial. Eles, pelo contrário, alegadamente atingem enormes profundidades de análise com o seu estudo dos textos sagrados da sua religião preferida. Assim, se alguém disser que aprofundou o seu conhecimento da evolução do universo estudando a relatividade generalizada e usando tensores, resolvendo equações diferenciais e adaptando a métrica de Friedmann-Robertson-Walker, os religiosos fungam com desdém e respondem que leram atentamente alguns capítulos de uma narrativa escrita por uns pastores da idade do ferro, e ainda os comentários de uns frustrados medievais. Podemos explicar que a coerência das contas não depende do desejo de quem as faz de que estejam certas, ou que as contas corroboram ou até prevêem observações que eles não sabem explicar, que a resposta será sempre a mesma: eles é que aprofundaram. Aprofundar é eliminar as dúvidas e acreditar nos devaneios de pessoas que nem eclipses sabiam prever.

Que fazer? Talvez rir…

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
25 de Maio, 2007 Ricardo Alves

John Charles Sword ajoelhar-se-á em Fátima?

Na última edição do Expresso, o militante clerical João Carlos Espada saiu em defesa do catolicismo em geral e da variedade fatimista em particular. Diga-se que eu costumava apontar este ideólogo da direita mais extrema como um dos maiores inimigos do pensamento crítico e da herança iluminista e científica em Portugal, a par do inefável João César das Neves e do obscurantista Boaventura Sousa Santos. Infelizmente para quem o aprecia, John Charles Sword tem-se limitado nos últimos anos a perorar sobre a obrigatoriedade da gravata e a produzir exortações ao «cavalheirismo» e ao consumo de chá, temas a propósito dos quais consegue sempre citar quatro ou cinco filósofos ingleses ou políticos neoconservadores num único parágrafo. Em suma, embora a sua influência não cesse de aumentar, a sua combatividade tem declinado.

O que diz Espada desta vez? Que a recente «manifestação» de Fátima foi «não política» e que o fim das ditaduras no sul da Europa e na América Latina foi parte dos «contributos (…) da religião cristã para a liberdade». Começando por aqui: o papel da ICAR nessas transições para a democracia não foi de as apressar; foi de as atrasar. O apoio da nomenclatura católica ao fascismo português foi indefectível, com uma ou duas excepções (honrosas) devidamente denunciadas à PIDE pelos superiores hierárquicos. O 28 de Maio iniciara-se em Braga, capital católica de Portugal, no momento em que aí tinha lugar um «Congresso Mariano», o qual foi visitado pelos golpistas reaccionários para recolherem conselhos e um apoio que foi adequadamente recompensado a seu tempo. O papel evidente da ICAR no nacional-catolicismo franquista, ou a bênção de Pinochet por Wojtyla, são outros exemplos que dispensam mais comentários. Querer passar um certificado de antifascismo à ICAR é uma ironia de mau gosto de que só John Charles Sword se lembraria.

Quanto a Fátima: só alguém desorientado pelo pior relativismo epistemológico pode considerar plausível a ideia de que o sol pode dançar o fandango quando visto das proximidades de Leiria e manter-se aparentemente imóvel para todo o restante hemisfério. Persistir em «respeitar» essa ideia é renunciar a desmascarar uma mentira óbvia que tem sido mantida para financiar a ICAR (não as «obras sociais» para as quais pede dinheiro ao Estado, mas as suas faraónicas catedrais) e combater o espírito científico. Espada não pode pretender dar lições de «cavalheirismo» e de «carácter», e simultaneamente transigir com quem mente e promove uma fraude com evidentes objectivos políticos e comerciais. Muito menos me parece que seja digno de cidadãos livres e emancipados andarem a rastejar de joelhos à volta de uma árvore qualquer, mas admito que o britânico conceito de dignidade de John Charles Sword inclua a prescrição dessas práticas públicas. Se for esse o caso, João Carlos Espada é livre de dar o exemplo e rastejar no joelhódromo…

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
14 de Maio, 2007 Ricardo Alves

O fracasso brasileiro de Ratzinger

Lendo a imprensa brasileira, a conclusão que se retira é que a incursão de Ratzinger pelo Brasil foi um tremendo fracasso. Politicamente, ouviu um sonoro «não» de um político que raramente se impõe. E teve menos pessoas a idolatrá-lo em público do que em qualquer festival católico de verão que tenha realizado na sisuda Alemanha.

Foi uma surpresa positiva que Lula da Silva, um Presidente ambíguo e pouco dado a rupturas, tenha dito a Ratzinger que o Brasil vai «preservar e consolidar o Estado laico». B-16 pedira, nessa entrevista, uma Concordata que garantisse os privilégios a que a ICAR está habituada noutros países: isenções fiscais e ensino do catolicismo na escola pública a expensas do Estado, por exemplo (com o acinte extra da obrigatoriedade do ensino do catolicismo). Também quereria interferir, aparentemente, na legislação sobre aborto e distribuição de anticoncepcionais. Levou, em tudo, um rotundo «não».

Nas acções de massas, a decepção de Raztinger também foi grande. Teve menos pessoas do que se esperava, e não há jornal que não frise que o catolicismo brasileiro está em regressão demográfica, em perda para as igrejas evangélicas. Uma perda de influência que se estende a toda a América Latina e que Raztinger não parece ser capaz de inverter.

Como se não bastasse, a sua viagem levou a imprensa brasileira a entrevistar os «teólogos da libertação» (como Leonardo Boff) que Ratzinger tanto detesta e que tanto tem perseguido. Enfim, uma semana aziaga para o Papa alemão.

Espero que, pelo menos, o Sapatinhos Vermelhos tenha tido tempo para umas caipirinhas…

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]
11 de Maio, 2007 Ricardo Alves

A ICAR é pobre?

Muitos responsáveis da ICAR gostam de dizer que «a igreja é pobre». Ai sim? Se é pobre, como será possível que tenha 60 milhões de euros (12 milhões de contos em moeda antiga) para pagar uma basílica faraónica como a que está a ser terminada em Fátima?

Vejamos quanto são 60 milhões de euros: 60 milhões de euros seriam suficientes para financiar 15% do que o Estado gasta anualmente em Ciência e Tecnologia; ou para subsidiar 60% do orçamento anual da Fundação Calouste Gulbenkian; ou para pagar dois anos inteiros de orçamento de uma Câmara Municipal como Beja; ou ainda para pagar dez salários anuais a um jogador de bola como Luís Figo.

E depois disto ainda vão dizer que a ICAR não apenas é pobre, como só gasta dinheiro em «assistência social»… Haja paciência.
9 de Maio, 2007 Ricardo Alves

A minha solidariedade

Quero prestar a minha solidariedade aos brasileiros que lêem este blogue, neste momento em que o último ditador da Europa ocidental está quase a chegar, e presumivelmente se prepara para promover o obscurantismo, interferir na política interna brasileira, ocupar 99,9% do tempo noticioso e proteger-se da mais leve das críticas com o argumento de que ele acha que existe outra realidade material.

Se puderem, digam-lhe tudo o que ele merece ouvir. Como todos os seres humanos, é pela crítica que pode melhorar.
8 de Maio, 2007 Ricardo Alves

Arcebispo de Pamplona diz que a extrema direita é «digna de consideração e apoio»

Num documento datado de 17 de Março, o arcebispo de Pamplona (Espanha) da ICAR, Fernando Sebastián Aguilar, tece considerações sobre a extrema direita:
  • «Hoje em Espanha há alguns partidos políticos que querem ser fiéis à doutrina social da Igreja na sua totalidade, como por exemplo a Comunhão Tradicionalista Católica, Alternativa Espanhola, Terço Católico de Acção Política, Falange Espanhola das JONS. Todos estes são partidos pouco tidos em consideração. Têm um valor de testemunho que pode justificar um voto. Não têm muitas probabilidades de influir de maneira efectiva na vida política, ainda que pudessem entrar em alianças importantes se conseguissem o apoio suficiente dos cidadãos católicos. Por isso não podem ser considerados como obrigatórios, mas sim como dignos de consideração e de apoio. Os grandes partidos, os que regem a vida social e política, são todos eles não confessionais, alguns radicalmente laicos e claramente laicistas

A Falange Espanhola das JONS é a herdeira da Falange (fascista) de Primo de Rivera; o Terço Católico de Acção Política quer fechar as clínicas de planeamento familiar e proibir as pessoas de «ostentarem a sua orientação sexual»; a Alternativa Espanhola acha que os conservadores do PP não respeitam a «lei natural» moral (seja lá isso o que for); finalmente, o outro grupúsculo clerical e extremista não o consegui encontrar…

O episcopado espanhol é muito mais conservador do que o português. Ainda quer voltar ao franquismo.

7 de Maio, 2007 Ricardo Alves

A cadeira desaparecida e outras coisas mais sérias

Um leitor atento do Diário Ateísta apontou-nos uma pérola no Correio da Manhã de ontem: no hospital D. Estefânia (Lisboa) há quem se queixe do desaparecimento de duas camas, lençóis, cobertores e batas que teriam sido usados por uma rapariga infeliz há mais de oitenta anos. Mais: até desapareceu «a cadeira que Jacinta sinalizou como “o sítio onde Nossa Senhora se sentava quando a ia visitar ao hospital”». Os nossos leitores especulam que a cadeira desaparecida poderá ter ascendido ao «céu», desafiando as leis da gravidade, um processo físico que, com todo o respeito pelas crenças gerais e particulares de quem crê, me parece de realização difícil sem foguetões, mesmo aceitando que o «céu» do catolicismo seja algures na estratosfera. Mas adiante…

Fetichização dos objectos usados ou tocados por pessoas «santas» à parte, não faz qualquer sentido que um hospital público seja transformado numa espécie de museu do culto católico, ou da sub-variedade «catolicismo fatimista» (um sub-culto que parece ter ganho vida própria). Eu não tenho o direito de espalhar pelas paredes dos hospitais cartazes com os dizeres «Deus não existe», «Fátima é aldrabice» ou «Jacinta foi manipulada pelo clero». Não tenho esse direito e não quero tê-lo, embora seja verdade que o «Deus» do catolicismo não existe e que a aldrabice fatimista é uma mentira vergonhosa.

As intenções do capelão católico do hospital são cristalinas: «porque “os santos são do sítio onde morrem e não do sítio onde nascem”, o capelão defende que “Jacinta é a grande Santa de Lisboa”. Por isso, assume que “a Igreja tem a intenção de transformar o hospital num espaço sagrado”. “Um santuário com área museológica”, diz. “Há projecto e inspiração, falta juntar a vontade dos governantes.”». Um hospital público é um espaço de todos, e não pode estar ao serviço do proselitismo religioso, como não pode estar ao serviço da propaganda política. O senhor capelão católico, como todos os capelães católicos dos hospitais públicos, recebe um salário do Estado (facto que tem merecido críticas, mesmo dentro de redutos clericais como a Comissão de Liberdade Religiosa). Para nossa vergonha, usa-o para promover a religião dele e do sub-culto fatimista dentro de um espaço do Estado. Laicidade?

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
3 de Maio, 2007 Ricardo Alves

Morte: o derradeiro trunfo da religião

A religião enquanto sistema de crenças terá servido para organizar o modo como se via o mundo. Mas, hoje em dia, ninguém acredita que existam anjos a empurrar os planetas à volta do sol, ou que seja possível fazer chover com a força do pensamento (embora haja quem continue a tentar). A confiança nas capacidades explicativas da religião, depois de duzentos anos de ciências exactas, aproxima-se finalmente de zero.

Mas, será que os indivíduos continuarão a ter fé? E porquê? A maior parte das «necessidades espirituais» que a religião satisfaz podem ser resolvidas de outras formas. A beleza estética há muito que está nos museus à vista de todos, e cada vez há mais sítios onde organizar encontros com os amigos. Acontecimentos sociais como o nascimento de crianças ou a união de casais aparecem hoje cada vez mais desligados da fé. Mas existe sempre a última fronteira: a morte. O animal humano tem consciência dos seus limites, pensa-os, e sabe que um dia morrerá. E isso não é imaginável: a consciência não consegue imaginar o que é não existir. Lidar com a perda de amigos ou familiares também não é fácil.

Todas as religiões, desde as abrâamicas com a sua consciência separada do corpo (a «alma»), até à religião tradicional chinesa (com a veneração dos ancestrais), passando pelo hinduísmo e pelo budismo (com o ciclo morte-«renascimento»), sem esquecer os antigos egípcios (a morte é uma «passagem»…) e ainda a cientologia («reencarnação» num novo corpo, talvez num outro universo), todas as religiões oferecem uma qualquer ilusão que conforta a necessidade do crente de acreditar que «algo» sobrevive à morte, e que possivelmente voltaremos a encontrar aqueles a quem quisemos bem e que nos fazem falta. Mesmo as religiões inventadas mais recentemente (como certas formas de «comunicação» com «espíritos») insistem em convencer as pessoas de que a consciência humana não é função do corpo, e de que portanto a morte não é o fim. Embora plenamente refutada pela ciência, esta crença reflecte uma necessidade forte que não desaparecerá. Aceitar o absurdo da morte exige força de vontade.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
3 de Maio, 2007 Ricardo Alves

O sucesso social da religião organizada

O facto de as igrejas e outras comunidades religiosas se manterem estáveis durante um número considerável de gerações não tem qualquer mistério. Por definição, uma instituição autoritária é estável: os dogmas não se discutem, as regras não se mudam, quem manda não é questionado.

Mas, mesmo em contextos em que é possível abandonar a religião em que se cresceu, pode haver incentivos para não o fazer. Afinal, uma congregação onde se entra criança e de onde só se sai para o cemitério, com reuniões algumas vezes por mês ou até todas as semanas, permite manter uma rede de apoio social difícil de substituir. Ao longo de toda a vida, aqueles crentes que se vão conhecendo, que aturam as mesmas missas, que acabam por acreditar (ou por dizer que acreditam, o resultado é o mesmo) nas mesmas superstições e nos mesmos valores, desenvolvem naturalmente laços de confiança. Alguns serão (mentalmente) tão ateus como eu. Mas não abandonam o grupo da bisca, perdão, da igreja.

Em sociedades rurais, em que a comunidade da aldeia coincidia com uma unidade religiosa, era muito difícil sair do rebanho. Nas cidades modernas, já não é assim. Do grupo da escola primária (ou do liceu), até aos amigos de bairro ou do andebol, qualquer indivíduo transita entre vários grupos que não se excluem, e que não convergem necessariamente numa qualquer igreja. A urbanização dá uma machadada no papel social da religião.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]