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Ricardo Alves

29 de Junho, 2007 Ricardo Alves

Os efeitos civis dos casamentos religiosos e as desigualdades entre comunidades religiosas

No Boina Frígia, o Pedro Delgado Alves escreve sobre os efeitos civis dos casamentos religiosos, ontem regulamentados pelo Governo.

  • «O que a alteração legislativa vem permitir é tratar em igualdade todas as confissões, acabando com o estatuto privilegiado de determinados ministros de culto, cujas cerimónias adquiriam efeitos civis automáticos.»

Ao contrário do Pedro Delgado Alves, parece-me evidente que se está a tratar de forma não igualitária as diferentes confissões religiosas nesta matéria, pois a Concordata de 2004 prevê várias especificidades para o casamento católico que não serão reconhecidas a outras confissões religiosas: os casamentos «in articulo mortis, em iminência de parto, ou cuja imediata celebração seja expressamente autorizada pelo ordinário próprio por grave motivo de ordem moral» (§3 do artigo 13); a não exigência de que o ministro do culto católico seja português ou tenha autorização de residência em Portugal (enquanto tal exigência é feita para os ministros do culto não católicos no §1 do artigo 19º da Lei da Liberdade Religiosa); a condução do processo burocrático pelas autoridades eclesiásticas católicas no caso do casamento católico, e pelo conservador do registo civil no caso das outras comunidades religiosas (comparar os artigos 13 e 14 da Concordata com o artigo 19º da Lei da Liberdade Religiosa); os efeitos civis da nulidade canónica (artigo 16 da Concordata); finalmente, os conselhos moralistas do artigo 15 da Concordata, exarados para nossa vergonha num Tratado internacional ratificado pela República portuguesa. Acrescente-se que, se houvesse qualquer preocupação com a igualdade entre confissões religiosas, a faculdade de celebrar casamentos com efeitos civis seria conferida a todas as comunidades religiosas reconhecidas, e não apenas às comunidades religiosas radicadas. O próprio conceito de «comunidade religiosa radicada» é uma quase perversidade instaurada pela Lei da Liberdade Religiosa, que restringe este nível de reconhecimento estatal às confissões religiosas toleradas pelo Estado Novo (esse caso exemplar de laicidade), e que sejam devidamente aprovadas por uma Comissão de Liberdade Religiosa de que fazem parte elementos directamente nomeados por uma certa e determinada confissão religiosa.

Como é evidente, partilho com o cidadão Pedro Delgado Alves a preferência pelo «modelo de tipo francês em que não há reconhecimentos automáticos de coisa alguma – quem quer ter efeitos civis do casamento casa civilmente perante uma autoridade pública, podendo, se quiser, casar de acordo com os ritos da sua fé, antes ou depois, mas sem reconhecimento de efeitos pelo Estado». Acontece que desde a Lei nº16/2001, dita da «Liberdade Religiosa», que o caminho seguido parece ser o do reconhecimento estatal de todas as peculiaridades religiosas, e da institucionalização das desigualdades entre comunidades religiosas.

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

28 de Junho, 2007 Ricardo Alves

Mário Soares nomeado para presidir à Comissão de Liberdade Religiosa

Soube-se na última hora que Mário Soares substituirá Menéres Pimentel na presidência da Comissão de Liberdade Religiosa. Esta comissão, dependente do Ministério da Justiça, foi criada pela Lei da Liberdade Religiosa de 2001, e produz pareceres sobre aspectos legais do relacionamento entre o Estado e as comunidades religiosas. Tem sido também responsável por colóquios e pronunciamentos públicos onde as perspectivas laicistas são abertamente ignoradas ou mesmo hostilizadas.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
26 de Junho, 2007 Ricardo Alves

A religião não é um serviço público

Um simpático capelão hospitalar, de visita ao Diário Ateísta como todos os seus colegas (não deve haver padre português com acesso à internet que não comece o seu dia lendo o Diário Ateísta…) deixou-nos o seguinte testemunho:
  • «Sr. Carlos Esperança, (…) um capelão ganha pelo índice 311 da carreira administrativa a que equivalem 1016,19 euros». (Ver a caixa de comentários deste artigo.)

Façamos as contas: (125 capelães hospitalares)X(14 meses por ano)X(1016,19 euros)=1 778 332,5 euros. Portanto, 1,8 milhões de euros, em números redondos, é quanto custam ao Estado os capelães hospitalares, todos católicos, que andam pelos hospitais a propagandear a sua religião, e mesmo a incomodar quem não quer nada com a religião deles.

Como se afirma numa carta recentemente enviada pela Associação República e Laicidade ao Ministério da Saúde, «porque a assistência religiosa constitui um “serviço” directamente prestado pelas confissões religiosas aos seus crentes e não ao Estado, não faz qualquer sentido que seja o Estado a remunerar os ministros do culto que prestam essa assistência espiritual, ainda que o façam em hospitais públicos». Efectivamente, a religião não é um serviço público, e o Estado não tem qualquer obrigação de salariar sacerdotes desta ou daquela igreja. Não havendo voluntários suficientes, os próprios crentes poderiam organizar-se para pagar esse serviço. Será isto assim tão difícil de compreender, senhores capelães?

22 de Junho, 2007 Ricardo Alves

O mundo das religiões (22/6/2007)

  1. Os protestos, sobretudo no Paquistão, contra a atribuição de uma condecoração ao ateu anticlerical Salman Rushdie, que nasceu no Estado indiano de Caxemira, parecem começar a ter sucesso: Margaret Beckett, ministra dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, disse ontem que tinha «pena» que os muçulmanos estivessem ofendidos. O ministro dos Assuntos Religiosos do Paquistão já chegou a afirmar publicamente que o suicídio seria justificável para matar Salman Rushdie.
  2. A parada gay de Jerusalém acabou por ter lugar, embora os seus dois mil participantes tenham sido que ser escoltados por sete mil polícias. Centenas de judeus ortodoxos aproveitaram a ocasião para demonstrar os seus sentimentos de amor e fraternidade pelos seus semelhantes, incendiando caixotes do lixo e gritando insultos. Dezanove judeus fundamentalistas foram detidos pela polícia, um deles por planear atacar à bomba a manifestação.
  3. Mais de vinte e quatro mil pessoas assistiram ontem às cerimónias neo-pagãs que assinalaram o solestício em Stonehenge, no Reino Unido, um dos países do mundo onde o retorno a religiões pré-cristãs é mais significativo. Note-se que não existe qualquer continuidade histórica e sociológica entre as comunidades pré-celtas e os actuais neo-pagãos. Veja as fotografias.
  4. Um hacker identicado como «Gabriel» colocou na internete uma cópia do último capítulo do próximo livro da série Harry Potter, que estará à venda em Julho. «Gabriel» escreveu, no fórum onde deixou a cópia, que o seu acto de pirataria informática foi motivado pelas palavras de Ratzinger, que afirmou em tempos que «Harry Potter [arrasta] os jovens para o neopaganismo».
21 de Junho, 2007 Ricardo Alves

Abandonar o Islão

É hoje apresentado em Londres o Conselho dos Ex-Muçulmanos da Grã-Bretanha. A nova organização, liderada pela iraniana Maryam Namazie, apoiará todos aqueles que abandonem publicamente o Islão, e soma-se ao Conselho Central dos Ex-Muçulmanos da Alemanha, lançado em Março passado, e a movimentos de apóstatas do Islão na Escandinávia. Está prevista para Setembro a fundação de uma organização de apóstatas do Islão na Holanda. Todas estas organizações criticam implacavelmente os políticos e os media que escolhem como interlocutores, nas comunidades imigrantes, os dignitários religiosos. Tal como acontece com os outros europeus, a maioria dos cidadãos de origem muçulmana não se sentem representados por fundamentalistas religiosos. Como se pode ler no início do manifesto dos apóstatas de Londres:
  • «Nós, descrentes, ateus, e Ex-Muçulmanos, estamos a fundar e a juntar-nos ao Conselho dos Ex-Muçulmanos da Grã-Bretanha para insistir que ninguém seja estereotipado como um Muçulmano com direitos culturalmente relativos, e para que não se considere que somos representados por organizações islâmicas retrógradas e pelos “líderes da comunidade muçulmana”.
  • Aqueles de entre nós que se têm apresentado publicamente com os seus nomes e fotografias representam muitos outros que não podem ou não querem fazê-lo por causa das ameaças encaradas pelos que são considerados “apóstatas” – algo punido pela morte nos países sob a lei islâmica. Fazendo-o, estamos a quebrar o tabu de renunciar ao Islão e também a tomar uma posição pela razão, por direitos e valores universais, e pelo laicismo.
  • Embora ter ou não ter religião seja um assunto privado, a crescente intervenção e devastação causada pela religião e em particular pelo Islão na sociedade contemporânea suscitou a nossa declaração pública de renúncia. Nós representamos a maioria na Europa e um vasto movimento laico e humanista de protesto em países como o Irão
Recorde-se que, na religião islâmica, a apostasia é castigada com a pena de morte. Neste dia de tristeza para Alá e Maomé, o Diário Ateísta saúda todos os apóstatas.
18 de Junho, 2007 Ricardo Alves

O choradinho habitual

Essa figura de referência do clericalismo nacional que é João César das Neves virou-se contra a República no seu artigo de hoje:
  • «Por cá, a república, cujo centenário se aproxima, decretou uma sistemática perseguição religiosa na linha do ateísmo oitocentista.»

Nunca é demais repetir: quando os clericais falam em perseguição a propósito da República, isso significa que consideram que um Estado sem religião oficial é «perseguidor», que um Estado em que os sacerdotes não são pagos pelo Estado está a «perseguir a religião», que ninguém ir para a prisão por «delito de blasfémia» é «perseguir o cristianismo», que legalizar o divórcio é «perseguir» a ICAR, e que não haver religião obrigatória na escola pública é ateísmo de Estado. Na realidade, o raciocínio dos clericais é cristalino a partir do momento em que compreendemos que, para eles, Estado que não obriga os cidadãos a serem e comportarem-se como católicos está a perseguir o catolicismo. Não obrigar é perseguir.

O grande César diz-nos ainda que «olhando a cultura oficial, ninguém diria que vivemos num país cristão». Será? Se assumirmos que por «cultura oficial» se entende aquela que é promovida pelo Estado, temos: largas dezenas de templos católicos mantidos e subsidiados pelo Estado; centenas de escolas com professores de religião pagos pelo Estado; a TV pública com presença regular de um sacerdote católico no RTP1 de manhã, e com um espaço específico para as religiões da parte da tarde no TV2; transmissão das cerimónias obscurantistas de Fátima todos os dias 13 de Maio a Outubro, e de missas dos católicos todos os domingos do ano… Se isto demonstra que «as manifestações da civilização cristã são silenciadas ou distorcidas», então tremo só de pensar no que seria necessário para que o nosso amigo Neves não se dissesse «perseguido»…

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

15 de Junho, 2007 Ricardo Alves

Mais um Estado islâmico?

Nas últimas horas, o Hamas tomou o controlo da Faixa de Gaza, derrotando militarmente o que restava, nesse território, da Fatah, um movimento que, apesar dos seus imensos defeitos, é laico.

O Hamas é a secção palestiniana da Irmandade Muçulmana, uma espécie de «Internacional Islamista» com braços em quase todos os países do Magrebe e do Médio Oriente e da qual têm saído movimentos exclusivamente terroristas como a Al-Qaida. Pretende instaurar um Estado islâmico na Faixa de Gaza, com a «Lei Islâmica» e as maravilhas habituais.

Na Europa, olha-se para a guerra civil palestiniana como um efeito colateral do conflito israelo-palestiniano. E no entanto, os acontecimentos na Faixa de Gaza traduzem o conflito fundamental do mundo muçulmano actual, entre laicos e islamistas. Seria melhor abandonar as dicotomias e alinhamentos herdados da guerra fria e olhar para o que está a acontecer dessa forma. Eu estou com as forças democráticas e laicas da Palestina (se as houver).

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

8 de Junho, 2007 Ricardo Alves

Pensamento religioso: o sentido proibido como modo de funcionar

O verdadeiro símbolo do pensamento religioso é o sinal de sentido proibido. Porquê? Porque o que realmente caracteriza um pensamento genuinamente religioso é a paragem no desenvolvimento normal do raciocínio, o estacar perante uma conclusão incómoda, ou até o voltar para trás com medo daquilo que está à frente.

Muitas pessoas pensam que aquilo que caracteriza o pensamento religioso é dar respostas erradas para algumas das interrogações realmente interessantes do universo. Mas o que caracteriza o pensamento religioso é o assassinar cada uma dessas perguntas com uma proibição. Enquanto o pensamento científico consiste exactamente em aceitar rever as nossas ideias de forma a adaptá-las à realidade verificável ou ao que for logicamente plausível, a religião é o exacto contrário: não rever; não verificar; não aprofundar; não questionar.

Deveríamos definir religião, em sentido lato, como qualquer modo de pensar em que todas as contradições e perguntas interessantes são bloqueadas com um sinal de proibido. Exemplo: «Cristo ressuscitou». O mais relevante seria saber como, mas o pensamento religioso não explica como. Diz que é «dogma» ou «mistério», e passa à frente ignorando tudo o que importaria realmente saber. A origem do universo? Foi «Deus». Enquanto nome que se dá arbitrariamente ao que se quiser, funciona superficialmente. Mas o problema é que explicar algo respondendo «Deus» não é uma resposta. É uma paragem forçada na marcha do raciocínio.

A religião alimenta-se tanto da ignorância sobre as respostas correctas, como do medo das consequências de colocar perguntas ou de dar respostas imprevistas. A proibição reconforta: é mais fácil parar do que andar, resolver a angústia da morte com uma esperança falsa, não estudar e não corrigir as próprias ideias, não mudar de ideias.

Esqueçam as cruzes (com ou sem «Cristo»), os crescentes e as menorás. No fundo, «Deus» é um grandessíssimo sinal de sentido proibido.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
6 de Junho, 2007 Ricardo Alves

Há 100 anos, em Portugal, ia-se para a prisão por escrever sobre religião

No Almanaque Republicano:

  • «1906 [Dia 29 de Maio] – O professor Carlos Cruz, secretário da Associação do Registo Civil sai da cadeia, indultado pelo governo de João Franco. Este cidadão encontrava-se preso por ofensas à religião e tinha sido condenado a vinte meses de cadeia

Conforme já referido pelo mesmo Almanaque Republicano (noutra nota), o livre pensador Carlos Cruz cumpriu setenta e oito dias de prisão por ter criticado publicamente, por escrito, o «Dogma da Imaculada Concepção de Maria» (segundo o qual os avós do JC não cometeram «pecado» – seja lá isso o que for – ao conceberem a mãe do próprio JC, a qual mais tarde teria engravidado sem sexo, etc.).

Os clericais tentam-nos convencer dia-sim/dia-sim de que os republicanos tentaram implantar em Portugal um regime de ateísmo de Estado horrorosamente repressivo. É necessário recordar-lhes continuamente que a liberdade em matéria religiosa não serve apenas para afirmar dogmas; também existe para criticar esses dogmas. E, como se vê, não é necessário recuar até à inquisição para encontrar casos de perseguições a livre pensadores. Pelo contrário, não conheço um único caso de um católico preso durante a «pavorosa» República por afirmar este ou outro qualquer dogma católico em público…

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

4 de Junho, 2007 Ricardo Alves

Notícias (4/6/2007)

  1. Políticos suíços têm defendido abertamente que se proíba a construção de minaretes. Este ataque à liberdade de culto, que dificilmente terá paralelo em algo que se passe em qualquer outro país da União Europeia, é selectivo: nada foi dito sobre a construção de igrejas ou sinagogas. No Irão, os casamentos temporários estão em alta (o islão xíita permite que um casal se case por algumas horas ou alguns dias, o que entusiasma alguns jovens a casarem-se temporariamente para passarem fins-de-semana no mar Cáspio). E na Malásia, uma mulher viu negado num tribunal do Estado o seu direito a abandonar o Islão, apesar de se ter convertido ao cristianismo (na minha ingenuidade, pensava que mudar de religião é um direito fundamental de qualquer ser humano).
  2. A Tailândia decidiu não adoptar o budismo enquanto religião oficial de Estado. A iniciativa poderia ter agravado um conflito entre budistas e muçulmanos, nas províncias do sul, onde já morreram cerca de 2 000 pessoas. No México, a ICAR insiste em intervir politicamente na questão do aborto. E em Malta, a presença do Presidente e do Primeiro Ministro numa canonização é severamente criticada.
  3. A seita judaica ultra-ortodoxa Gerrer Hasidic pretende proibir os computadores, que considera serem «obra de Satã». Um outro rabi avançou com a proposta de uma «internet kosher».
  4. Teodoro de Faria, que foi recentemente substituído na diocese do Funchal da ICAR, atribuiu a condenação judicial do seu secretário, o sacerdote católico Frederico Cunha, a «um acto de vingança» presumivelmente orquestrado por «diversos lugares de diversão nocturna inteiramente repreensíveis» contra os quais se teria pronunciado. Recorde-se que o padre católico Frederico Cunha foi condenado, em 1993, por crimes de abuso sexual de menor e homicídio, tendo cumprido pena de prisão até à primeira saída precária, momento em que fugiu para o Brasil. No julgamento, provou-se também que o sacerdote Frederico usava a casa de paróquia para abusar sexualmente de menores.