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Ricardo Alves

23 de Novembro, 2007 Ricardo Alves

Resposta a vários argumentos habituais

No Jornal de Negócios desta quinta-feira, publicou-se uma entrevista interessante sobre religião, que sistematiza vários argumentos que, não sendo originais, são habituais e portanto merecem ser comentados.

  1. O entrevistado afirma que «as pessoas, quando excluem Deus das suas vidas (…) ficam com um vazio, que procuram preencher de várias formas, porque sentem interiormente uma necessidade de ir além do material, do perceptível», e que «essa falta (…) dá lugar a procuras alternativas, como a actual moda dos orientalismos e da New Age, o recurso à Astrologia, a ovnilogia». Em primeiro lugar, desconheço as razões (se é que existem) que levam o entrevistado a presumir a universalidade (e portanto inevitabilidade para cada indivíduo) desse «vazio» que ele perscruta nos outros. Conheço muitas pessoas que jamais sentiram qualquer necessidade de «Deus» ou do «sobrenatural» nas suas vidas (serão mutantes?). Essas pessoas, salvo raríssimas excepções, também não me parecem muito dadas a ovnilogias e budismos. (E, numa nota pessoal, quanto acho que há qualquer coisa por explicar vou aprofundar o pouco que sei de ciência. Haverá forma melhor de encontrar respostas válidas?)
  2. Seguidamente refere-se outro substituto, as «religiões laicas» ou «crenças políticas». Sinceramente, a bem do rigor deste género de discussões gostaria que as palavras «crença» e «religião» fossem usadas com um significado mais constante. A «crença» na «ditadura do proletariado» substitui a «crença» no «Reino de Deus»? Psicologicamente talvez actuem mecanismos semelhantes, mas num dos casos não se requer a violação de leis da física, e no outro exige-se a intervenção do «sobrenatural». E se o comunismo (o exemplo é do entrevistado) constitui uma «religião» porque inclui «rituais» (o que também é discutível, mas enfim), será que as reuniões de tribunal também são uma religião?
  3. O entrevistado afirma que «a Ciência não conseguirá eliminar por completo o espaço da crença, da fé», porque «não responde a tudo (…) consegue arranjar uma explicação plausível para o “big bang”, mas deixa por explicar o que aconteceu antes». Eu concordo que há sempre espaço para a fantasia humana e para indivíduos com força de vontade suficiente para afirmarem as fantasias mais disparatadas contra toda a evidência disponível. Por exemplo: não posso refutar a existência de unicórnios cor-de-rosa invisíveis que não respiram por cima do meu ombro, não transpiram, nem são feitos de matéria. E também não posso refutar a existência de quinze milhões de passarinhos que andem a voar em bando em redor do universo, trinando o hino nacional e defecando para fora do dito universo. Para o antes do «big bang», as «respostas» da religião tradicional serão melhores do que os quinze milhões de passarinhos porquê? Porque há um clero que vive disso?
  4. O entrevistado revela-se um relativista epistemológico quando argumenta que «grande parte da nossa estrutura de conhecimento é adquirida pela fé – entendida no sentido lato, de confiança», e que portanto «pessoas igualmente inteligentes e informadas sustentam diferentes visões do mundo e da sociedade». Acontece que duas pessoas que tenham ambas estudado relatividade geral não podem ter visões radicalmente diferentes sobre a curvatura do universo e a sua causa – a menos que uma delas esteja de deliberada má fé. (As «visões da sociedade» são bem mais contingentes, e portanto não entram aqui.) E é bastante diferente acreditar que está realmente a chover e ter fé em que a chuva é causada pelo duende-pai.
  5. Argumenta-se ainda que «a obsessão com o politicamente correcto é um comportamento tipicamente religioso», e eu tendo a concordar, porque efectivamente a intolerância é típica das religiões. Mas o entrevistado cai no pior relativismo ético quando afirma que «quem sai da ortodoxia do pensamento politicamente correcto» é vítima de «verdadeiros processos inquisitoriais». Neste ponto, que alguém me corrija se estiver enganado, mas será que existe algum país da Europa em que as vítimas do temível «politicamente correcto» sejam sujeitas a estas torturas? Está alguma fogueira acesa no Rossio para queimar quem conta anedotas racistas ou sobre a pseudo-«burrice» das mulheres? Se for esse o caso, declaro desde já a minha solidariedade com essas vítimas dessa ditadura atroz que é a «ditadura do politicamente correcto». Se não for verdade, e o «politicamente correcto» não existir, anda-se a gritar «lobo» sem que este exista sequer.
  6. Finalmente, diz-se que «uma das consequências da perda de importância das religiões organizadas foi a perda de uma âncora moral para os comportamentos sociais, levando à prevalência de um relativismo moral que conduz à sucessiva degradação dos padrões morais». Começando pelo fim: eu detesto os «padrões morais» das religiões organizadas, nomeadamente (e para não ir mais longe) a defesa do abjecto e «contra natura» princípio abraâmico de que é legítimo matar um filho se houver ordem «divinamente correcta» para tal. Detesto também a ideia de que se deve fazer o «bem» para agradar a uma divindade ou por medo de um castigo «sobrenatural», e acho éticamente preferível fazer o bem por se reconhecer, em consciência, que se deve fazê-lo. E não vejo nenhuma «degradação» de padrões éticos, pelo contrário registo que existe nas sociedades europeias um repúdio pela pena de morte que não existia há duzentos e cinquenta anos atrás, quando se queimavam pessoas na praça pública. E que ainda há cinquenta anos a tortura se praticava, em Portugal, sem protesto visível dos tais «religiosos organizados». E registo também que bater em crianças é agora quase universalmente condenado, enquanto há duas gerações atrás era a norma. Enfim, se as consequências da perda das «âncoras» religiosas são estas, acho bem que continuemos no rumo actual.
12 de Novembro, 2007 Ricardo Alves

Abraão, ou a obediência

No primeiro livro da Bíblia, Abraão recebe ordem de «Deus» (dito, significativamente, «o Senhor») para matar o seu filho Isaac. Abraão não estranha a ordem e nem sequer hesita: pega no seu único filho e leva-o para o altar dos sacrifícios. Pelo caminho, Isaac (cuja idade desconhecemos mas que é suficientemente crescido para falar), pergunta ao seu pai que animal sacrificarão em holocausto. Abraão responde que «Deus proverá quanto à vítima para o holocausto, meu filho». Chegados ao altar, Abraão dispõe a lenha, ata o filho, e já ergue o cutelo no ar para lhe cortar a garganta quando recebe ordem divina para parar. Era apenas um teste, e pela sua obediência é recompensado pelo «Senhor» com a promessa de uma descendência numerosa. Registe-se que o Isaac deste episódio nascera pouco depois de uma «aliança» entre o «Senhor» e o obediente Abraão, na qual Abraão prometera cortar o prepúcio a todas as crianças do sexo masculino suas descendentes a troco de algumas terras do Médio Oriente.

O episódio do sacrifício de Isaac tem um sentido evidente: o «Senhor» («Deus») recompensa a obediência imediata e incondicional, e a disponibilidade para matar os próprios filhos. Não é demais sublinhar este último aspecto. A evolução dotou o animal humano de sentimentos de afecto pelos filhos. Matar a própria descendência é destruir a sua própria herança genética e perder também um enorme investimento em alimentos, aquecimento e educação. A disponibilidade de Abraão indica-nos o ponto na história da humanidade em que a cultura começou a combater a natureza humana, ou seja, o momento em que surgiram instituições suficientemente poderosas para tentarem convencer os seres humanos de que poderiam ter algo a ganhar na obediência acrítica e ilimitada à autoridade. Evidentemente, a aliança celebrada nesse momento não é entre os homens e um «Senhor» que não dá ordens porque não existe. A aliança é entre a religião e o Estado centralizado e autoritário: a religião convence os homens de que devem obedecer à autoridade estatal; o Estado protege a religião e os seus sacerdotes.

A religião que celebra esta aliança propõe um «Deus» sem obrigações éticas ou morais, pois pode mandar os seus seguidores matar os próprios filhos. O Estado que aceita esta aliança saberá utilizar este ideal de obediência bovina, para proveito seu e da religião abraâmica, durante séculos. Existe forma melhor de se convencer os pais (e as mães) a enviar os seus filhos para a morte quase certa numa guerra perdida à partida, do que convencê-los de que há uma vida eterna?

As religiões abraâmicas começaram a ser desafiadas na Europa e em toda a bacia mediterrânica no século 18, o momento em que se disse claramente pela primeira vez que as autoridades tradicionais podiam e deviam ser questionadas, que nenhuma autoridade se podia arrogar um poder acima dos homens (ou das mulheres), e que cada indivíduo era soberano de si próprio. No entanto, o princípio abraâmico sobrevive. Foi útil no século 20 a todos os que quiseram sacrificar o indivíduo ao colectivo, o presente ao futuro, a liberdade individual à autoridade estatal. O princípio abraâmico sobrevive hoje nas religiões que dele saíram (judaica, cristã e islâmica), e que continuam a homenagear Abraão e a sua prontidão para matar o próprio filho ao primeiro resmungo (capricho?) divino. A mutilação sexual que simboliza a «aliança» entre Abraão e o «Senhor» é praticada, até hoje, em todos as crianças que têm o azar de nascerem de pais judeus ou muçulmanos. É a obediência de Abraão que os muçulmanos homenageiam na sua peregrinação a Meca. E entre os cristãos, o homicida Abraão é elogiado por Paulo de Tarso, o verdadeiro fundador da seita. Existe mesmo em Portugal um Fórum Abraâmico que não se envergonha de ostentar o nome do obediente e entusiasta candidato a infanticida.

Em pleno século 21, felizmente são cada vez mais os que rejeitam o ideal de obediência abraâmico e preferem a sua liberdade enquanto indivíduos sem «Senhor».

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

1 de Novembro, 2007 Ricardo Alves

Mina Ahadi é a «secularista do ano»

No Reino Unido, Mina Ahadi venceu o prémio «Secularist of the year» de 2007 da National Secular Society.Mina Ahadi é de origem iraniana, ateísta de convição e politicamente laicista, e passou à clandestinidade no Irão, em 1980, depois de se envolver numa campanha contra a obrigatoriedade do uso do véu islâmico. À época, a sua casa foi assaltada pela polícia islamista, e o seu marido e quatro camaradas seus foram presos e executados pelos islamo-fascistas. Mina Ahadi exilou-se na Europa em 1990, e vive na Alemanha desde 1996. Fundou em Março deste ano o Comité dos Ex-Muçulmanos da Alemanha, uma ideia que foi seguida pela fundação de organizações semelhantes no Reino Unido e na Holanda.

A nomeação de Mina Ahadi para este prémio é particularmente feliz por se tratar de uma mulher ex-muçulmana. Nos países de tradição muçulmana, é a luta pela liberdade das mulheres e pela sua igualdade de direitos com os homens que mudará sociedades ainda dominadas pela aliança entre a religião tradicional e o machismo. Como afirmou Richard Dawkins na cerimónia de entrega do prémio:

  • «Sinto há muito tempo que a chave para resolver a a ameaça mundial do terrorismo islâmico será o acordar das mulheres, e Mina Ahadi é uma líder carismática que trabalha para esse fim.»

Para além de Mina Ahadi, várias mulheres de origem iraniana estão actualmente na vanguarda do laicismo na Europa: Maryam Namazie, Chadortt Djavann, ou Azar Majedi. Espera-se que sejam um exemplo para o seu país de origem e para o resto do mundo muçulmano.

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

31 de Outubro, 2007 Ricardo Alves

A consciência que objecta

O papa dos católicos romanos quer que os farmacêuticos aleguem «objecção de consciência» para não venderem a «pílula do dia seguinte». Duvido que os comerciantes do ramo dos medicamentos concordem em reduzir o âmbito do seu negócio, mas é divertido imaginar um mundo onde todos pudéssemos invocar «objecção de consciência» em cada aspecto da nossa vida profissional. Por exemplo: os médicos poderem recusar-se a fazer transfusões de sangue; os comerciantes poderem recusar vender fosse o que fosse a homossexuais, ou a mulheres com a cara destapada; os vendedores de calendários poderem recusar fornecê-los a casais que os utilizassem na sua estratégia contraceptiva; os professores poderem negar-se a ensinar a teoria da evolução; os produtores de vinho poderem recusar vender carrascão para ser usado nas missas católicas… Pensando melhor, o mundo da «objecção de consciência» de Ratzinger não parece divertido: parece assustador.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
28 de Outubro, 2007 Ricardo Alves

Beatificai-os também

O Ratzinger e o Saraiva Martins andam a beatificar franquistas abatidos durante a guerra civil espanhola. Por mim, também podem beatificar estes:

E mais estes:

  • «[A guerra é] a Cruzada mais elevada que os séculos já viram (…) uma cruzada onde a intervenção divina a nosso favor é bem patente» (bispo de Pamplona);
  • «A guerra é cem vezes mais importante e sagrada do que o foi a Reconquista» (bispo de Segóvia);
  • «A guerra foi pedida pelo Sagrado Coração de Jesus que deu forças aos braços dos bravos soldados de Franco» (arcebispo de Valência);
  • «A igreja, apesar do seu espírito de paz (…) não podia ficar indiferente na luta (…) Não havia em Espanha nenhum outro meio para reconquistar a a justiça e a paz e os bens que dela derivam que não fosse o Movimento Nacional» (carta pastoral dos bispos espanhóis);
  • «[O General Franco] é o instrumento dos planos de Deus sobre a Terra» (cardeal Goma)
  • «[A guerra é] uma luta entre a Espanha e a anti-Espanha, a religião e o ateísmo, a civilização cristã e a barbárie» (cardeal Goma);
  • «Judeus e maçãos envenaram a alma nacional com ideias absurdas» (cardeal Goma);
  • «Ninguém pode negar que o ‘deus ex machina’ de esta guerra foi o próprio Deus, a sua religião, os seus foros, a sua lei, a sua existência e a sua influência atávica na nossa história» (carta pastoral dos bispos espanhóis);
  • «Os galantes mouros (…) embora tenham retalhado o meu corpo apenas ontem, merecem hoje a gratidão da minha alma, pois estão a combater pela Espanha contra os espanhóis… Quero dizer os maus espanhóis… Estão a dar a sua vida em defesa da sagrada religião espanhola, como prova a sua presença no campo de batalha, escoltando o Caudillo e amontoando santos medalhões e corações sagrados nos seus albornozes» (General Millan Astray, fundador da Legião Estrangeira);
  • «Para milhões de espanhóis (…) o cristianismo e o fascismo misturaram-se e é impossível odiarem um sem odiarem o outro» (François Mauriac, em carta ao cunhado de Franco);
  • «[A guerra é] um teste de força entre o comunismo judeu e a nossa tradicional civilização ocidental» (Hilaire Belloc);
  • «Elevando a nossa alma a Deus, congratulamo-nos com Vossa Excelência pela vitória tão desejada da Espanha católica. Formulamos os nosso votos de que o vosso querido país, uma vez obtida a paz, retome com vigor acrescido as suas antigas tradições cristãs que lhe grangearam tanta grandeza. É animado por estes sentimentos que dirigimos a Vossa Excelência e a todo o nobre povo espanhol a Nossa benção apostólica» (Pio 12, papa da ICAR, em mensagem dirigida a Franco na véspera da conquista de Madrid).

E não se esqueçam do bispo de Málaga:

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
20 de Outubro, 2007 Ricardo Alves

Teresa de Ávila

  • «(…) Neste estado, agradou ao Senhor dar-me a visão que aqui descrevo. Vi um anjo perto de mim, do meu lado esquerdo; não era grande, mas sim pequeno e muito belo; o seu rosto afogueado parecia indicar que pertencia à mais alta hierarquia, aquela dos espíritos incendiados pelo amor. Vi nas suas mãos um longo dardo de ouro com uma ponta de ferro na extremidade da qual ardia um pouco de fogo. Às vezes, parecia-me que ele me trespassava o coração com esse dardo, até me chegar às entranhas. Quando o retirava, parecia-me que as levava consigo, e ficava em chamas, totalmente inflamada de um grande amor por Deus. Era tão grande a dor, que me fazia dar gemidos, mas ao mesmo tempo era tão excessiva a suavidade que me punha essa enorme dor, que não queria que terminasse, e a alma não se podia contentar com nada menos do que Deus. Este sofrimento não é corporal, mas sim espiritual, e no entanto o corpo participa, e não participa pouco.»
A prosa que se lê mais acima, caras leitoras e caros leitores, é da autoria de Teresa de Ávila, uma pobre rapariga espanhola que foi freira durante mais de meio século, no século 16. Entrou para a vida de convento aos dezasseis anos e, como se pode depreender do texto exposto, sentia-se sexualmente frustrada de uma forma terrível. Os católicos consideram-na «santa», mas deveriam realmente meditar nas vidas ardentes que se estragaram em tantos conventos e seminários, e das quais esta mulher é um mero exemplo.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
14 de Outubro, 2007 Ricardo Alves

Solidariedade com o catolicismo silenciado!

Confesso (!) que não posso, em consciência, concordar com o Ricardo Carvalho, o Bruno Resende e o Ricardo Silvestre. Eu acho que o Tarcisio Bertone tem razão: existe realmente uma tentativa para silenciar o catolicismo. E vou prová-lo.

Em primeiro lugar, considerem o caso do canal estatal RTP 1: no Sábado, dia 13 de Outubro, apenas 7h15m em 21 horas e 30 minutos de emissão foram preenchidas por programas exclusivamente sobre Fátima; na programação de domingo, o canal do Estado dedicou somente oito horas e meia em vinte e uma a Fátima, o que significa que 60% da emissão não foi monopolizada pelo fatimismo!

Em segundo lugar, constate-se que os jornalistas abordam Fátima de uma maneira crítica, eu diria mesmo obscenamente científica. Um caso particularmente grave é Fátima Campos Ferreira, que é notada por ostentar as suas convicções anti-religiosas e por fazer perguntas difíceis e embaraçosas aos cardeais. Outro, é Marcelo Rebelo de Sousa, um conhecido anticlerical que no seu tempo de antena de Domingo à noite não perde uma ocasião de criticar Fátima e os católicos.

Um terceiro sinal do silenciamento do catolicismo é o facto de o congresso do PSD ter sido marcado para este mesmo fim de semana, o que me leva a suspeitar de que o PSD faz parte de uma tenebrosa conspiração ateísta para silenciar o catolicismo, que conseguiu não apenas que os telejornais começassem com reportagens laranjas e não com homilias de tipos vestidos de branco, mas também que dedicassem meros quinze minutos ao culto fatimista.

Portanto, só me resta dizer aos católicos que a parte afectiva do meu cérebro está solidária com eles, e que chora indignada por serem tão horrendamente silenciados. Coitadinhos!

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
12 de Outubro, 2007 Ricardo Alves

Se

Se alguém disser que viu a Lua a bailar por cima da Charneca da Caparica, e que Júlio César ali desceu numa nuvem e conversou com algumas pessoas para transmitir uma mensagem da maior importância, o mais provável é internarem esse alguém no Hospital Júlio de Matos.

Se um grupo se organizar para isolar as pessoas que «conversaram» com Júlio César, as mantiver incomunicáveis até à morte, e for revelando as «mensagens» de Júlio César, por exemplo «prevendo», em Outubro de 2001, a guerra do Afeganistão, ou apelando a que se usem togas romanas nos tribunais, o mais provável é esse grupo ser tratado como um bando de lunáticos ou charlatães.

Se esse grupo, chamemos-lhes os «cesaristas», comprar o terreno na Charneca da Caparica «visitado» por Júlio César, lá construir um templo, e recolher dinheiro das pessoas que lá vão prometendo-lhes vagamente que talvez se possam curar do cancro ou das micoses, é bem possível que sejam visitados pela ASAE e até talvez responsabilizados em tribunal pela fraude que organizaram.

Se mesmo assim alegarem que a crença na descida de Júlio César dá sentido à vida de algumas pessoas, e que por isso as vozes críticas se devem calar, serão tratados como oportunistas e hipócritas.

Se encorarajarem as pessoas que lá vão a flagelarem-se e a passarem fome, serão atacados pelos conservadores como uma seita perigosa que deve ser ostracizada, e que talvez devesse mesmo ser vigiada pela polícia.

Se afirmarem que as pessoas que vão ao terreno da Charneca da Caparica legitimam as ideias que os «cesaristas» têm sobre o casamento e a contracepção, ou ameaçarem que, se o Estado não lhes der dinheiro, incitarão as pessoas que lá vão a revoltar-se contra o Governo e os cidadãos que não acreditam na «aparição» de Júlio César, o escândalo será enorme.

Se a dimensão do movimento «cesarista» for grande, o normal será que os jornalistas investiguem, os media denunciem e os fazedores de opinião se indignem contra esta aldrabice organizada. Talvez até alguns políticos queiram dizer publicamente que enganar as pessoas para as manipular politicamente e ficar-lhes com o dinheiro é feio.

Todavia, se tudo isto se passar num contexto religioso católico, as consequências normais não se seguirão e a aldrabice ficará impune.

6 de Outubro, 2007 Ricardo Alves

A ciência explicará a religião

Todos imaginamos o nosso corpo, e carregamos connosco uma imagem dele. Há pessoas que já descreveram situações em que se «sentiram» fora do próprio corpo e o «observaram». Algumas dessas situações são patológicas (epilepsia, acidentes vasculares cerebrais), outras induzidas por substâncias alucinogéneas, outras acontecem na sequência de acidentes.

Recentemente, alguns cientistas tentaram induzir essas experiências em pessoas, utilizando técnicas de realidade virtual. Os resultados indicam que a sensação de estar fora do próprio corpo pode ser induzida por um «conflito multi-sensorial» entre a informação que chega ao cérebro.

Estas «experiências extra-corpóreas» poderão explicar uma boa parte da religião, particularmente a ideia (recorrente em muitas tradições religiosas) de que o «eu» (a corrente de consciência que o nosso cérebro produz continuamente) é, de alguma forma, separável do corpo. Concorrem, com o medo da morte, para explicar a obsessão com a «alma». E banalizam as experiências místicas reportadas por monges budistas, as «revelações» alegadas por Paulo de Tarso e Maomé, ou a «meditação transcendental».

Um dia, a ciência explicará a totalidade da religião.