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Ricardo Alves

5 de Janeiro, 2008 Ricardo Alves

O clericalismo não é exclusivo dos cristãos

A judia fundamentalista Esther Mucznick brindou-nos, no Público de quinta-feira, com a sua (má-)fé e fanatismo habituais.

Exemplo:

  • «(…) a laicidade radical que considera a religião como um factor de atraso e obscurantismo a banir do espaço público, e se possível da estratosfera, está de facto completamente ultrapassada, não só em França, mas onde quer que ela se manifeste. Existe apenas em cabeças dogmáticas que fizeram do laicismo e do anticlericalismo a sua própria religião».

Em primeiro lugar, a laicidade constitucional é bem mais «radical» nos EUA do que em França (note-se os subsídios estatais de que gozam centenas de igrejas católicas em França, e que seriam inconstitucionais nos EUA). Em segundo lugar, considerar a religião «um factor de atraso e obscurantismo» não é anticlericalismo (ou laicismo), mas sim anti-religiosidade. Em terceiro lugar, os laicistas sabem distinguir o espaço estatal (que deve ser religiosamente neutro) do espaço público (que pode ser
pluriconfessional). Em quarto lugar, considerar o laicismo uma religião necessita de um conceito tão abrangente de religião que duvido que a senhora Mucznick lhe aturasse as consequências. Mas é de registar a espontaneidade com que associa dogmatismo e religião.

E continua:

  • «“Se não tiveres Deus”, afirma T.S. Eliot, “terás de te prostrar perante Hitler ou Estaline.” Certo ou errado, a verdade é que a religião tem sido frequentemente um fermento no combate às ditaduras políticas e militares: contra os regimes comunistas no Leste europeu, contra as próprias ditaduras militares seculares no mundo islâmico, onde as mesquitas são frequentemente, e com os excessos que se conhecem, o único centro de oposição política, ou mais recentemente na resistência dos monges birmaneses a um dos regimes mais opressivos do mundo.»

Esqueceu-se a senhora Mucznick do papel de «combate» às ditaduras desempenhado pela ICAR em Portugal (saberá onde fica?), na Espanha de Franco a Aznar, na França de Pétain, na Alemanha do católico Hitler, na Eslováquia do padre Tiso, na Croácia de Pavelic e Stepinac, na Argentina dos militares, no Chile de Pinochet, e, já agora, o papel de «fermento» da religião no Irão dos aiatolás, no Tibete feudal, na Arábia Saudita onde as
mulheres não podem sair à rua sozinhas, ou no Sudão, para nos ficarmos apenas pelos casos mais recentes. Esqueceu-se também a senhora Mucznick de que quem se prostrou perante Hitler foi o Partido do Centro Católico que lhe votou os plenos poderes (ditadura) e o Pio 12 da Concordata que a ICAR recebeu em troca. Esqueceu-se ainda de que o ser humano não tem nenhuma tendência natural para a prostração ou para rastejar, são as
religiões abraâmicas que o tentam transformar em escravo.

No fundo, o clericalismo judeu é pior do que o católico, embora se dê menos por isso.

28 de Dezembro, 2007 Ricardo Alves

Sam Harris lança o «Projecto Razão»

Sam Harris, depois do sucesso do seu primeiro livro e da publicação de um segundo, prepara-se para lançar uma fundação («The Reason Project») dedicada a «difundir o conhecimento científico e os valores laicos» na sociedade, com o propósito de contribuir para a «erosão (…) do dogmatismo, superstição e fanatismo». A fundação contará, no seu conselho consultivo, com figuras como Richard Dawkins, Daniel Dennett, Rebecca Goldstein, Ayaan Hirsi Ali, Steven Pinker, Ibn Warraq e Steven Weinberg, e promoverá conferências, produzirá filmes e fornecerá bolsas.

Em muitos casos, o ateísmo militante é uma porta de entrada para a militância laicista ou para a divulgação científica. Em Setembro, na conferência da Atheist Alliance (aqui referida pelo Ricardo Silvestre e pelo Helder Sanches), Sam Harris mostrara já ter compreendido que a religião não vai desaparecer, talvez nem no século 4º da era iluminista, e que os ateus, de facto, têm pouca apetência para «converter» crentes. Efectivamente, não existem, em todo o mundo, muitas organizações ateístas. Os ateus que decidem associar-se optam ou pela intervenção política laicista, ou pela difusão do pensamento crítico e céptico (nalguns casos, pelos dois caminhos), em ambas as situações misturados com outros que não são ateus ou não se definem nesses termos. Em Portugal, temos a Associação República e Laicidade e a Associação Cépticos de Portugal.

26 de Dezembro, 2007 Ricardo Alves

O maior drama

  • «Todas as expressões de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esquecimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade» (José Policarpo)

Habituara-me a situar José Policarpo entre os mais moderados dos bispos portugueses. Afinal, enganei-me. É um fanático que acha que existirem pessoas com ideias diferentes das dele é mais grave do que existir fome, guerras ou miséria. Enfim. Estamos a falar de uma religião que acha que há pensamentos que podem condenar uma pessoa a viver a «eternidade» em sofrimento. E portanto.

20 de Dezembro, 2007 Ricardo Alves

Vaticano contra «A Bússola Dourada»

O Vaticano, através do seu órgão central de propaganda, criticou o filme «A Bússola Dourada», que acusa de mostrar um «mundo sem Deus» e de promover a ideia de que os indivíduos podem controlar os acontecimentos e serem senhores do seu destino. Não é surpreendente: o ódio clerical à liberdade humana é recorrente. Desta vez, excitou-se com esta grande produção norte-americana que conta com Nicole Kidman e Daniel Craig nos papéis principais.

A campanha católica contra o filme, a mais violenta desde «O Código Da Vinci», é tanto mais estranha quanto o realizador teve o cuidado de eliminar (censurar) tudo o que pudesse «ofender os sentimentos religiosos» (ou a ICAR), o que prova, mais uma vez, que nem o mais «religiosamente corrigido» dos filmes satisfaz o zelo fundamentalista dos herdeiros da inquisição.

O filme «A Bússola Dourada» foi o mais visto em Portugal na semana de 6 a 12 de Dezembro, com mais de 74 mil espectadores. Todavia, há quem insista em que os portugueses (ainda) são muito católicos. Fantasias.
30 de Novembro, 2007 Ricardo Alves

Quatro anos

O Diário Ateísta celebra hoje o seu quarto aniversário. Afirmámo-nos como um dos dez blogues de língua portuguesa mais lidos, embora sejamos, provavelmente, desses dez o menos citado (o que atesta como sobrevivem, mesmo num meio pretensamente desenvolto como a blogo-esfera, os preconceitos de origem religiosa e as dificuldades em lidar com um blogue apartidário).

Num país em que a TV pública fala das «aparições» de Fátima como se fossem um facto, em que os jornais ainda precedem o nome dos bispos (mas só dos da ICAR) de um reverente «D.», e em que raramente se fala de como pensa e vive essa (afinal…) maioria da população que não pratica qualquer religião, o Diário Ateísta destacou-se por fornecer uma visão ateísta e científica do mundo, reflectir sobre ética e valores a partir de premissas humanistas seculares, divulgar notícias que os jornalistas «religiosamente correctos» escondem ou distorcem, e tratar os membros do clero como pessoas iguais às outras. Nestes quatro anos, o Diário Ateísta ajudou também a organizar três encontros de ateus, duas idas à televisão, publicitou dois livros de autores da casa ou quase, e contribuiu para mudar o modo como se olha para a religião em Portugal.

É de toda a justiça recordar os colaboradores que nos ajudaram a chegar aqui, e que por razões diversas que pessoalmente lamento em cada caso, se afastaram do Diário Ateísta: Palmira Silva, Ludwig Krippahl, Luís Rodrigues, Pedro Fontela, André Esteves, Christiane Assis Pacheco e Mariana Pereira da Costa. E seria falta de educação deixar de agradecer o apoio dos nossos comentadores mais frequentes: gt, 1atento, José Moreira, Ana, D. Frederico da Sé de Braga, Nina the Cat, panúrgio, Veríssimo, kavkaz, Adão Latorre, Satanucho, ateu comunista, FR, entre muitos outros.

Infelizmente, a presença nas caixas de comentários de católicos (leigos e sacerdotes) deseducados pela missa, que cospem óstia e vomitam o seu discurso de ódio, insultos e ameaças, pode obrigar-nos a alterar o modo de funcionamento das caixas de comentários. Chegámos a um ponto em que a tolerância excessiva se tornaria laxismo. O Diário Ateísta tem a singularidade de ser um espaço criado por ateus e para ateus, e portanto não permitiremos que as constantes tentativas de boicote desvirtuem essa intenção. Acima de tudo, estamos aqui para nos divertir.

24 de Novembro, 2007 Ricardo Alves

RTP 1, 21 horas

Hoje, o programa «A Voz do Cidadão» (organizado pelo Provedor dos telespectadores da RTP) será sobre religião. Às 21 horas no canal RTP 1, e às 19h44m no RTP Internacional, com repetição amanhã às 14h45m no RTP 2, e às 19h45m no RTP N. Vamos ver.

  • Linque RTP (agradeço ao kavkaz esta indicação).
24 de Novembro, 2007 Ricardo Alves

Angelina Vidal: «Conclusão Scientifica»

Se consulto os fenómenos geológicos,
Se contemplo no céu as nebulosas,
Se interrogo os segredos histológicos,
E os restos das esferas luminosas;

Vejo sempre matéria em traços lógicos,
No espaço, nas entranhas tenebrosas,
Com átomos subtis, embriológicos,
Tecendo maravilhas assombrosas

Transformação constante – a causa eterna
Eis a lei que preside e que governa,
O facto que destrói a escura fé.

É debalde que os crentes se consomem,
Se Deus veio primeiro do que o homem,
Deve ser, quando muito, um chimpanzé.

Este soneto claramente ateísta foi publicado, em 5/6/1910, no Jornal de Abrantes, pela republicana, feminista e socialista Angelina Vidal. Repare-se no deslumbramento perante um universo cujos mistérios só se resolvem pela ciência, e na coragem da blasfémia final.