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Palmira Silva

30 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Símbolos católicos nas assembleias de voto

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) vai apreciar em plenário no dia 5 de Dezembro o pedido da Associação Cívica República e Laicidade (ARL) que pede o cumprimento do artigo 133º da Lei Orgânica do Regime do Referendo que proíbe a existência de propaganda nos locais de voto, isto é, pede a proibição de símbolos religiosos nas assembleias de voto no referendo sobre o aborto.

No Correio da Manhã lê-se ainda que «O tema é delicado», não explicando o autor do artigo o que há de delicado em fazer cumprir a lei, a não ser, quiçá, a pecha da Igreja de Roma em considerar que está acima da lei!

De facto, a referida lei é explícita: «por propaganda entende-se também a exibição de símbolos (…) representativos de posições assumidas perante o referendo». A ICAR tem apregoado em todos os orgãos de comunicação social a sua posição pró-prisão pelo que não há quaisquer dúvidas na interpretação da lei. Podemos apenas esperar que essa seja também a conclusão da CNE!

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30 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Biologia Reprodutiva – Uma Nova Síntese

Um post simplesmente genial que parodia as barbaridades debitadas pelos neo-criacionistas bíblicos disfarçados de IDiotas a que cheguei via o que já todos sabem ser o meu blog de ciência favorito! Uma sátira às imbecilidades criacionistas cristãs mais bem conseguida ainda que a teoria da Queda Inteligente e a deometria ou matemática para crentes. Hilariante desde a primeira linha, com uma mui apropriada escolha dos nomes do autor e instituição:

Biologia Reprodutiva – Uma Nova Síntese
por M. A. Charlatan, M.S., Ph.D., D.Phil, M. Div
(Um artigo encomendado pelo Instituto Indescrítivel)

passando pelo resumo do artigo:

Resumo
As teorias normalmente aceites em ciência não são sujeitas a uma re-avaliação radical excepto em casos raros (ver Kuhn para uma discussão mais alargada). Nós no Instituto Indescritível acreditamos que é tempo para uma dessas mudanças radicais de paradigma no campo da Biologia Reprodutiva – nomeadamente contestando a noção que a reprodução (normalmente definida como a «produção de novos indíviduos» ou a «perpetuação de uma dada espécie») ocorre via mecanismos geralmente aceites como sejam a «fertilização de um óvulo por espermatozóides» e «36-38 semanas de gestação» que são descritas sob a teoria «Reprodução Sexuada». Dados os numerosos problemas inerentes à Teoria da Reprodução Sexuada propomos que teorias alternativas, tais como a Teoria da Cegonha, a Teoria do Campo de Couves (equivalente à Teoria do Vindo de França em Portugal) e a Hipótese Encontrado Debaixo de uma Ponte, merecem uma análise mais alargada e devem ser ensinadas como parte de qualquer curriculum de Biologia representativo ao nível do ensino secundário.

e terminando em glória não só nas conclusões mas especialmente nas notas de rodapé:

Conclusão
Vivemos tempos excitantes no campo da Biologia Reprodutiva. Estamos no limiar de uma grande revolução. As bases em que assenta a Teoria da Reprodução Sexuada estão a desmoronar. Daqui a 10 anos, a nossa perspectiva da reprodução humana pode ser radicalmente diferente. No entretanto não podemos deixar de admirar a magnificência do espírito humano – a grandeza das nossas mentes curiosas. Está na nossa natureza desafiar ideias ultrapassadas, ver o mundo com uma nova visão, despertarmos para a glória do Universo.

Footnotes:
1) O autor não tem algo a declarar. De momento não tem financiamento, mas tem três projectos pendentes, um no NIH (National Institutes of Health), outro no NSF (Nacional Science Foundation) e outro no Toys R Us. Perguntas sobre emprego, bolsas de postdoutoramento, etc. devem ser dirigidas ao Instituto Indescrítivel.
2) Este artigo foi encomendado pelo Instituto Indescrítivel (página em construção). Entretanto, por favor visitem a instituição análoga – o Discovery Institute cuja missão é similar à nossa mas no campo da Biologia Evolucionista (não Biologia Reprodutiva). No entanto, devemos avisar os nossos leitores que enquanto nós propomos três teorias alternativas falseáveis à Reprodução Sexuada, o Discovery Institute ainda não produziu uma sequer [na realidade já produziu uma, a Teoria dos Anjos e outras tretas].

O artigo é demasiado extenso para traduzir na sua totalidade mas há detalhes deliciosos que parodiam o que ululam os IDiotas em nome de um mito, mais especificamente que há um lobby «evolucionista» que impede não só que os «muitos problemas» com o evolucionismo sejam reconhecidos como é a razão de os seus delírios religiosos não serem publicados em revistas científicas, isto é, carpem supostas teorias da conspiração urdidas pelos «satânicos» darwinistas para impedir o progresso científico(?) da «teoria».

O Case Study de John Pellembell – professor associado de Biologia na Euphoric State University (Universidade do Estado Eufórico) correntemente a lítio – é absolutamente… divinal!

29 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Menos fé, mais razão

Steven Arthur Pinker, durante 21 anos professor no Departamento do Cérebro e Ciências Cognitivas do Massachusetts Institute of Technology, MIT, antes de regressar a Harvard em 2003, um grande divulgador de ciência – recomendo os livros The Language Instinct, How the Mind Works, Words and Rules e The Blank Slate, The Modern Denial of Human Natureescreveu uma carta aberta em que critica o planeado requisito curricular «Fé e Razão» para o ingresso em Harvard.

Em primeiro lugar, a palavra «fé», neste e em muitos outros contextos, é um eufemismo para religião. Um exemplo egrégio são as «iniciativas baseadas na fé» da corrente administração [Bush], assim chamadas porque são mais comestíveis que «iniciativas baseadas na religião». Uma Universidade não deveria tentar esconder o que está a estudar atrás de códigos de palavras mornos-e-nebulosos.

Em segundo lugar, a justaposição das duas palavras faz parecer que «fé» e «razão» são formas paralelas e equivalentes de conhecimento e que temos de ajudar os estudantes a navegar entre ambas. Mas as Universidades tratam da razão, pura e simples. Acreditar pela fé em algo sem boas razões para o fazer não tem lugar em algo excepto uma instituição religiosa e a nossa sociedade não tem falta dessas instituições. Imaginem se tivessemos um requisito para «Astronomia e Astrologia» ou «Psicologia e Parapsicologia». Pode ser verdade que mais pessoas tenham conhecimentos sobre astrologia que sobre astronomia e pode ser verdade que a astrologia mereça ser estudada como um fenómeno histórico e sociológico significativo. Mas seria um erro terrível justapor astrologia com astronomia quanto mais não seja pela falsa aparência de simetria.

Gosto especialmente das conclusões, embora considere que a religião, nomeadamente o catolicismo, tenta recuperar na Europa a proeminência a que Pinker se refere, e eu concordo, como anacrónica:

Exponenciarmos a importância da religião como um tópico equivalente no seu alcance à ciência, à cultura ou à História do Mundo e assuntos actuais é dar-lhe demasiada proeminência. É um anacronismo americano, penso, numa era em que o resto do Ocidente progride deixando a religião para trás.

É reconfortante confirmar que o despertar da complacência e contemporização em relação às religiões por parte da comunidade científica não se restringe às ciências exactas!

28 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Se não acreditas no Deus cristão vais para o Inferno

Matthew LaClair, um jovem que há um ano se tornou notícia quando recusou recitar o pledge of allegiance ou juramento de lealdade com que as crianças americanas iniciam o seu dia – jurando fidelidade à bandeira e a uma nação indivisível sob Deus -, volta a animar a blogoesfera americana e os media de New Jersey, estado onde se situa a Kearny High School onde estuda.

O professor de História de Matthew, um devoto pastor baptista que dá pelo nome de David Paszkiewicz, que não acredita na separação Estado-Igreja – a que chama «engenharia social» – e acha que desde o jardim de infância as crianças devem ser ensinadas a não tolerar «comportamentos sexuais desviantes», utiliza as suas aulas para proselitar os estudantes, ameaçando-os com o inferno se não acreditarem no Deus cristão e nos dislates que debita!

De facto, no meio das patetadas criacionistas usuais dos fanáticos cristãos – tais como terem os dinossauros estagiado na Arca de Noé ou serem anti-científicos o Big Bang e o evolucionismo enquanto o criacionismo bíblico é comprovado por … profecias bíblicas -, em vez de História Paszkiewicz ulula para os seus estudantes que a Bíblia é a palavra de Deus e que quem não aceita Jesus vai para o Inferno. Acerca de uma das estudantes da classe, muçulmana, o devoto cristão lamentou o seu destino inevitável se não se convertesse à única verdadeira religião.

Matthew LaClair, não-cristão, não achou muita piada que os delírios de Paszkiewicz fossem debitados numa escola pública e pediu uma entrevista com o director da escola em que essencialmente pretendia não só uma desculpa pelas ofensas vociferadas pelo devoto pastor como uma correcção das afirmações falsas e anti-ciência deste. Umas semanas depois, o director, aparentemente outro devoto cristão – Paszkiewicz não sofreu qualquer sanção, disciplinar ou outra – acedeu ao pedido do estudante.

Confrontado com as declarações de LaClair, o devoto pastor mentiu com quantos dentes tinha e negou ter debitado as afirmações que Matthew reproduziu, nomeadamente negou ter ameaçado com o Inferno os descrentes no Deus cristão.

Mas Matthew, que aparentemente conhece bem os fanáticos cristãos, temia exactamente isto: que como bom cristão o professor mentisse descaradamente por um mito e ninguém acreditasse na palavra de um estudante, nomeadamente um que a escola não tem em grande consideração devido à sua postura face ao juramento de lealdade, contra a de um professor e gravou as alucinações religiosas do pastor nas aulas supostamente de História! Delírios dos quais alguns podem ser escutados aqui (gravação a que cheguei via Pharyngula)!

Depois de Matthew mostrar dois CDs em que tinha gravadas as aulas do pastor este recusou continuar a conversa sem a presença de um representante do sindicato e lançou uma acusação de ateísta à «caça do grande (!) peixe, o grande (!) cristão que é professor» a Matthew.

Nem o professor (obviamente) nem algum responsável da escola emitiram qualquer pedido de desculpas pelo inaceitável comportamente de David Paszkiewicz…

26 de Novembro, 2006 Palmira Silva

In memoriam Mario Cesariny

Cruzeiro Seixas,Mário Henrique Leiria, Natália Correia e Mário Cesariny de Vasconcelos na galeria Otollini, por ocasião da exposição «O cadáver esquisito e pinturas colectivas no meio século da Revolução Surrealista», Fevereiro de 1975.

«O Homem só será livre quando tiver destruído toda e qualquer espécie de ditadura religioso-política ou político-religiosa e quando for capaz de existir sem limites»
Mário Cesariny, declarações reproduzidas em «A única real tradição viva», que o próprio Cesariny reuniu no substancial «A intervenção surrealista» (Assírio & Alvim, 1997).

«O ex-surrealista, o rigoroso e ateu e anti-clerical Mário Cesariny de Vasconcelos»* faleceu esta madrugada com 83 anos.

Com Alexandre O’Neil, António Pedro, José-Augusto França, Marcelino Vespeira, Moniz Pereira, António Domingues e Fernando de Azevedo fundou o Grupo Surrealista de Lisboa, um movimento inspirado no lançado, em 1924, pelo francês André Breton – que Cesariny conheceu em Paris quando frequentava a Academia de La Grande Chaumière- que se propunha a «mudar a vida» e «transformar a sociedade».

Um artista polivalente, com uma extensa obra plástica e poética pontuada de um corrosivo humor, Cesariny foi o dinamizador da prática surrealista em Lisboa, não só com a criação do referido grupo como de «antigrupos» – como Os Surrealistas, com Henrique Risques Pereira, António Maria Lisboa, Fernando José Francisco, Carlos Eurico da Costa, Mário-Henrique Leiria, Artur do Cruzeiro Seixas e Pedro Oom – com a mesma orientação mas questionando e procurando um grau extremo de espontaneidade, objectivo que permeia toda a sua obra poética.

Para Cesariny, homossexual assumido, o amor, «a única coisa que há para acreditar», é «o único contacto que temos com o sagrado. As igrejas apanharam o sagrado e fizeram dele uma coisa muito triste, quando não cruel».

*in Pacheco versus Cesariny – Folhetim de feição epistolográfica, Luiz Pacheco, Editorial Estampa, 1974.

26 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Regeneração cardíaca e células estaminais

Embora na última década, a investigação cardiovascular tenha conhecido um crescimento exponencial que se traduz num melhor conhecimento das alterações moleculares associadas à insuficiência cardíaca, este aumento de informação não teve o resultado esperado na prática clínica, visto que esta doença ainda apresenta um prognóstico sombrio, constituindo presentemente umas das principais causas de morte no mundo industrializado.

A insuficiência cardíaca é assim um problema de saúde pública com elevados índices anuais de morbi-mortalidade, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. O tratamento clínico com os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) e os betabloqueadores, melhoraram o prognóstico dos pacientes sintomáticos, mas o tratamento farmacológico apresenta grandes limitações, sendo o número de pacientes refractários muito alto.

Esta situação pode mudar em breve graças a descobertas revolucionárias descritas em dois artigos publicados online na revista Cell na passada quarta-feira.

Uma equipa de cientistas do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School em Boston, liderada por Kenneth Chien, identificou células estaminais embrionárias em ratos que se podem transformar nos vários tipos de células que constituem o coração, cardiomiócitos, células endoteliais vasculares e células musculares lisas.

Os cardiomiócitos são células altamente diferenciadas que param a sua multiplicação logo após os primeiros anos de vida. A morte dos cardiomiócitos, por exemplo como consequência de um enfarte do miocárdio, origina uma fibrose tissular, que dependendo da extensão pode levar a insuficiência cardíaca.

A equipa de Chien tinha descrito num artigo anterior um grupo de células precursoras do músculo cardíaco a que chamaram células islet-1 (isl1+). Estas células, que são definidas pela presença da proteína is11, foram encontradas nos tecidos cardíacos de ratos e humanos recém-nascidos.

Neste artigo os cientistas descrevem o que acontece a estas células, que podem ser obtidas de células estaminais embrionárias, que, para sua grande surpresa, são percursoras não apenas das células que constituem o músculo cardíaco mas igualmente de todo o tipo de células cardíacas.

Como afirmou Chien, «Este estudo documenta um paradigma para a cardiogénese, em que se mostra que a diversificação das linhagens de células musculares e endoteliais derivam de uma decisão a nível de uma única célula, a célula multipotente isl1+ que é uma célula progenitora cardiovascular».

No segundo artigo, a equipa liderada por Stuart Orkin do Howard Hughes Institute em Chevy Chase, Md., isolou células de um embrião de rato que expressam um gene cardíaco específico, o Nkx2.5+. Estas células diferenciam-se espontaneamente em cardiomiócitos e células do sistema de condução cardíaco – que conduzem os impulsos eléctricos que permitem os batimentos do coração. Com alguma surpresa verificaram que algumas destas células – que expressam um segundo gene, o c-kit e a que chamaram c-kit+Nkx2.5+ – se transformavam em células musculares lisas.

As células Isl1+ estudadas por Chien podem dar origem às células c-kit+Nkx2.5+ descritas por Orkin, mas a relação precisa entre os dois tipos de células é um tema que necessita ser investigado.

«Não se sabe qual é a relação entre estas células, se é que há alguma. Uma pode ser a predecessora da outra ou podem ser linhas separadas» afirmou Orkin apontando que as as células estudadas pelas duas equipas parecem corresponder a campos diferentes de progenitores cardíacos. Estudos anteriores indicam que os campos cardíacos primário e secundário geram estruturas no lado esquerdo e direito do coração, respectivamente.

A descoberta destas células mãe específicas para tecidos cardíacos é extremamente promissora para terapias regenerativas de corações doentes. A regeneração usando células estaminais embrionárias totipotentes tem riscos associados à possibilidade de crescimento descontrolado destas dando origem a teratomas, um tipo de tumor.

Dada a posição oficial do Vaticano em relação à investigação em células estaminais, e ao facto de que para a Igreja de Roma uma célula estaminal – assim como um óvulo fertilizado e um embrião – é uma pessoa, usar para fins terapêuticos uma célula estaminal embrionária, como ululou Tarcisio Bertone, secretário da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé «Do ponto de vista ético, é como pôr fim a uma inocente vida humana».

Para serem coerentes com a sua «ordem moral natural, isto é, cristã», os fundamentalistas católicos que ululam contra «o comportamento profundamente leviano, promíscuo, debochado e, sobretudo, egoísta» das «homicidas» de vida não nascida dever-se-iam abster deste tipo de tratamento quando ele for disponibilizado. Mas claro, os pró-prisão na realidade estão-se nas tintas para a defesa da vida, apenas querem ver punidas as levianas, promíscuas, debochadas e egoístas mulheres, pelo que neste, como em outros temas, não é de esperar qualquer coerência dos fundamentalistas católicos…

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26 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Separação da Igreja e do Estado na Noruega

Como o Ricardo já tinha referido, a situação anacrónica de um dos países menos religiosos do mundo, a Noruega, em que existe uma religião oficial e uma igreja de estado a que pertencem nominalmente 88% mas de facto apenas 10% da população, está prestes a terminar.

A discussão pública sobre a separação entre o Estado e a Igreja na Noruega iniciada há uns meses – que inclui a possibilidade de um referendo sobre o tema – num país em que a larga maioria da população apoia a medida, foi reforçada pela decisão de há uns dias do órgão máximo eclesiástico, o Sínodo Geral, que votou maioritariamente (63 contra 19) a favor da separação da Igreja e do Estado neste país.

Como referiu igualmente o Ricardo, a Igreja da Noruega, luterana, é liderada pelo Rei da Noruega, com o Storting (Parlamento Norueguês) como órgão legislativo supremo. A Constituição desta monarquia impõe que a família real e pelo menos metade dos membros do Governo professem a religião de Estado, uma imposição bizarra num país em que desde 1964 uma emenda à Constituição permite a todos os habitantes o direito de praticar a sua religião ou não religião livremente.

25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres II

Pelas razões indicadas no post anterior, não é de espantar que a argumentação recorrente dos pró-prisão – que se desdobram em regurgitações «moralistas» sobre os motivos que levam as mulheres a abortar – assente implicita ou explicitamente no paradigma católico da mulher, um ser sem direitos que se deve «sacrificar» por um qualquer óvulo fertilizado, sendo as que não o fazem seres imorais em quem não se pode confiar a decisão sobre o futuro de uma gravidez indesejada!

De facto, sem se aperceberem que essa argumentação deixa claro que não é a defesa da vida por que militam os pró-prisão, mas sim a recusa em reconhecer direitos à mulher, os que consideram ser a prisão o lugar das mulheres que abortam por motivos «fúteis» ou «egoístas» ululam:

«o que está em causa e o SIM autorizará, é que a grávida possa decidir, sem qualquer justificação ou outra motivação, abortar»

Ou seja, o problema não é abortar, o problema é que a mulher possa abortar por decisão própria sem autorização de moralistas que julgarão os seus motivos! O que subentendem os defensores do NÃO ao referendo que se aproxima é que a mulher não tem qualidades morais para que se possa deixar a decisão sobre a interrupção de uma gravidez indesejada em mãos femininas!

Como ironiza Fernanda Câncio no Glória Fácilde leitura diária recomendada – «a ideia primordial de quem defende o não» é assim «a ideia de que a uma mulher que rejeita a gravidez não tendo sido violada ou não lhe tendo sido detectada qualquer malformação no feto não se reconhecem ‘justificações’para abortar» .

Isto é, contrariando todos os axiomas em que deveria assentar o Direito num estado moderno, os pró-prisão consideram perfeitamente legítimo que o Código Penal nacional criminalize um crime sem vítimas – o embrião não é uma pessoa, como eles próprios admitem ao considerar perfeitamente «morais» os abortos permitidos pela lei actual – , isto é, que se mande para a prisão as «desavergonhadas» que pensam serem pessoas de plenos direitos que podem decidir por si próprias!

A criminalização do aborto é uma forma de violência contra as mulheres e «atenta contra os valores da sua autonomia e dignidade enquanto pessoas humanas». Hoje é um dia em que os adeptos do NÃO deveriam reflectir sobre os motivos porque não só toleram como acham justificada a manutenção desta violência contra as mulheres!

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25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres

A incapacidade de compreender e conviver com a diversidade e de aceitar que os direitos do Homem se referem também à mulher, mesmo quando disfarçadas por manobras de marketing, são o apanágio da Igreja de Roma. A Inquisição, uma das fontes privilegiadas para tipificar a intolerância, preservada na congregação dirigida durante décadas pelo actual Papa, especializou-se em difundir na sociedade civil o pensamento único e em perseguir ou estigmatizar todos os que ousassem questionar os ditames do Vaticano.

De facto, durante séculos fomos educados para a intolerância e para o radicalismo. Dogmas religiosos foram pacientemente secularizados como peças estratégicas para a preservação de grupos e sistemas ideológicos. Urge quebrar paradigmas, ousar, como fizeram os demolidores de preconceitos de todas as épocas, sair do espírito de rebanho cultivado pelos que não toleram críticas ou divergências.

A sexualidade é o tema em que a influência nefasta do cristianismo, em todas as suas vertentes, especialmente a misoginia e a homofobia, contamina com mais virulência a nossa sociedade. Uma das faces da misoginia cristã, a relegação da mulher a um sub-humano sem direitos, é o tema onde os monolíticos preconceitos cristãos – de que muitos não percebem as origens – se têm demonstrado mais difíceis de erradicar da nossa sociedade, completamente condicionada até há escassos 30 anos pelos representantes locais da Igreja de Roma!

Hoje, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, deveríamos reflectir porque razão, como é apontado por Dulce Rocha, vice-presidente da Associação Portuguesa das Mulheres Juristas, «Bater na mulher é um comportamento que é tolerado na sociedade».

Porque razão a PSP e a GNR registaram, apenas no primeiro semestre de 2006, 10.308 queixas por violência doméstica , o que significa que em seis meses pelo menos o mesmo número de homens considerou ser perfeitamente justificada a punição física de qualquer comportamento menos «próprio» da respectiva mulher/companheira.

Condicionadas pelo paradigma mariano da mulher que permeia a sociedade nacional, quantas mais mulheres não se queixaram por considerarem que o espancamento foi «merecido»?

De facto, a nossa é uma sociedade em que permanece anacronicamente o modelo cristão da mulher subjugada ao marido, aos filhos e à casa, uma sociedade que faz julgamentos de valor sobre os comportamentos das mulheres e que desdenha como «egoístas» e epítetos ainda menos simpáticos as que não seguem esse paradigma.

Modelo inculcado pelo matraquear incessante da Igreja de Roma, que não reconhece direitos – a que chama «exigências ‘para ela mesma’»- à mulher, apenas deveres, nomeadamente o dever de morrer por um qualquer óvulo fertilizado ou às mãos de um marido mais violento.

Igreja que santificou a violência conjugal ao apontar como exemplo a seguir Isabella Canori Mora, que preferiu morrer às mãos de um marido abusivo a «violar a santidade do matrimónio». Igreja que nega o direito à vida da mulher ao canonizar como «santa Mãe de Família» Gianna Beretta Molla, que preferiu morrer a abortar.

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(continua)