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Palmira Silva

8 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

700 000 visitas

O Diário Ateísta ultrapassou hoje as 700 mil visitas graças a ateus dedicados, visitantes acidentais e crentes que a respectiva religião obriga ao proselitismo, convencidos que tornar público o testemunho da sua fé converterá de per se o ateu mais racional. A todos os nossos leitores um muito obrigado, inclusive aos que visitam estas páginas com a vã esperança de nos evangelizarem.

Como referia há menos de um ano, com o humor habitual, o Carlos aquando das nossas 300 mil visitas, «destes últimos, há-os inteligentes, dialogantes, cultos e com sentido de humor.

No entanto, muitos parecem ter saído da pia de água benta sem tempo de se enxugarem, disparados da missa com a hóstia mal deglutida ou de longas genuflexões com a coluna e os joelhos ainda doridos.»

«O Diário Ateísta está, e continuará, ao lado das causas que promovem o progresso, a liberdade e a emancipação da humanidade. Defendemos a democracia, batemo-nos pela aplicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, combatemos o racismo, a xenofobia, as teocracias, a homofobia, as ditaduras e o poder clerical. Combatemos no campo das ideias, só nesse, Deus por não existir e os seus padres por existirem, sem pôr em causa o direito de ter e o de não ter religião».

De facto, o Diário Ateísta existe também para expor as intolerâncias intrínsecas e indissociáveis das religiões. No nosso mundo cada vez mais global em que urge a coexistência pacífica, especialmente de credos (ou inexistência deles), qualquer grupo que pretenda ser o detentor intolerante da verdade e moral absolutas, que se arrogue «divina» e superiormente justificado para impor a sua forma de ver e estar na vida é uma ameaça à paz e à justiça.

Todos nós somos testemunhas do perigo dos fundamentalismos religiosos. Os que têm curiosidade em investigar a Históriam mesmo a recente, sabem que nada de bom adveio do absolutismo religioso em termos do que deveriam ser os valores universais, independentes dos deuses por que cada um jura, nomeadamente o respeito pelo outro.

A paz, a justiça, os maltratados direitos humanos e a própria sobrevivência do homem só serão de facto possíveis quando as religiões se remeterem para o foro privado, que deveria ser o seu papel, sem tentativas de transpor para a res pública os preconceitos religiosos, nomeadamente querendo transformar em crimes os «pecados» das respectivas religiões. Quando os crentes não se acharem com direito a julgamentos de valor sobre a qualidade moral dos que não subscrevem a respectiva religião porque os preconceitos e o sentimento de superioridade moral resultantes justificam (e justificaram) as acções mais ignóbeis de que a Humanidade foi vítima.

A pouco mais de dois meses do referendo em que vamos não apenas referendar a despenalização do aborto, que todos os nossos políticos concordam ser uma «questão de consciência», como referendar o estatuto da mulher na sociedade portuguesa, é especialmente importante que todos recordem que ninguém tem o direito de ser o guardião da consciência alheia! Respeitar o outro, reconhecer a dignidade intrínseca do outro, implica reconhecer-lhe o direito a escolhas de consciência, por muito que estas difiram das nossas!

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7 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

Vitória simbólica

Como indicámos na altura, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) apreciou em plenário no dia 6 (e não 5) de Dezembro o pedido da Associação Cívica República e Laicidade (ARL) que pedia o cumprimento do artigo 133º da Lei Orgânica do Regime do Referendo que proíbe a existência de propaganda nos locais de voto, neste caso propaganda da Igreja Católica, que já assumiu publicamente a sua vertente política e se desdobra em apoios aos movimentos do NÃO ao referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.

A resposta ao pedido da ARL de proibição de símbolos da Igreja Católica nas assembleias de voto foi divulgada ontem. Assim, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) recomendou às câmaras municipais e juntas de freguesia que no referendo sobre aborto não coloquem mesas de voto em locais onde existam «outros símbolos» para além daqueles ligados à República.

Lê-se ainda na notícia da Lusa, que «o porta-voz da CNE, Nuno Godinho de Matos, sublinhou que a deliberação não refere expressamente os símbolos religiosos, até porque considera que não faz parte das suas competências verificar a existência destes nos locais de voto.

‘Mas faz parte das competências da CNE ver se existem, junto às mesas de voto, manifestações gráficas ou escritas que possam influenciar a forma como se vota’, explicou.

De acordo com Godinho de Matos, ‘a CNE decidiu recomendar às entidades responsáveis pela organização das mesas de voto, câmaras municipais e juntas de freguesia, que não coloquem mesas de voto em locais onde existam outros símbolos para além daqueles ligados à República e suas instituições’.

No entanto, e uma vez que se trata de uma recomendação e não de uma determinação expressa na lei, não existe uma multa definida para os infractores, tendo a CNE que decidir caso a caso, se forem apresentadas reclamações.»

Estão de parabéns não só a ARL como todos os portugueses, uma vez que quando ganha a República ganhamos todos nós. Agora, não nos demitamos da cidadania e quando votarmos dia 11 de Fevereiro devemos estar atentos ao cumprimento da lei.

Apelo assim aos nossos leitores no sentido de apresentarem uma reclamação às autoridades competentes se detectarem alguma irregularidade nas mesas de voto. Não só símbolos e demais propaganda católica como o material sobre o tema que os professores de Educação Moral e Religiosa Católica por todo o país estão neste momento a preparar com os respectivos alunos e que eventualmente pode ser afixado perto das assembleias de voto!

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6 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

You Can Leave Your Hat On II

Continuando a analisar as falácias dos pró-prisão, o espantalho SNS é fácil de desmontar e não só porque os custos para o SNS dos abortos clandestinos existem e são extremamente elevados – e não apenas em termos materiais, como persistem em ignorar os pró-prisão. De facto, como recordou Pedro Nuno Santos, da Juventude Socialista, «O SNS já tem custos com o tratamento das complicações decorrentes do aborto clandestino, tratamentos que são mais dispendiosos que as interrupções da gravidez até às dez semanas».

Por um lado, não é ainda claro se o SNS, que tem dificuldades em responder aos pedidos das IVGs permitidas actualmente pela lei, vai suportar aquelas que vamos referendar no caso de o resultado ser afirmativo.

Mas mesmo que o faça, este não é um argumento admíssivel para votar NÃO, isto é, não é argumento afirmar que o aborto deve ser crime porque não se quer pagar o comportamento «irresponsável» alheio!

Porque se considerarem que este é um argumento válido, e apenas como um possível exemplo, face a notícias como esta:

eu, do alto da indignação moral conferida pelos meus 1,65m e 50kg, com a força moral dos meus índices de massa corporal e gordura ligeiramente abaixo dos valores estipulados como «normais» pela Organização Mundial de Saúde, dos meus irrepreensíveis níveis de colesterol, triglicéridos e demais indicadores, exijo que a obesidade seja criminalizada!

Na realidade, face a esta argumentação dos pró-prisão, porque razão não se devem considerar igualmente «imorais» os custos que a obesidade acarreta para o estado não só na comparticipação no tratamento das inúmeras doenças acessórias – nomeadamente insuficiência cardíaca, umas das principais causas de morte em Portugal – como nos tempos de improdutividade, baixas e internamentos que um obeso provoca?

Custos que são facilmente atribuíveis a «comportamentos irresponsáveis». De facto, estamos inundados não só de informação sobre as causas da obesidade como sobre as formas de a evitar, nomeadamente uma alimentação equilibrada e exercício físico regular. Posso igualmente considerar que só é obeso quem insiste num comportamento «irresponsável» e não quero que o dinheiro dos meus impostos pague a irresponsabilidade alheia!

Claro que ignoro aqueles que são obesos por razões genéticas mas os pró-prisão ignoram igualmente que não há métodos contraceptivos 100,00% eficazes e que muitas mulheres se encontram a braços com uma gravidez indesejada mesmo quando têm um comportamento «responsável»…

Portanto, senhores pró-prisão, um pouco de seriedade, deixem as falácias debaixo do chapéu e expliquem bem explicadinho porque razão deve ser crime interromper uma gravidez até às 10 semanas e apenas nos casos que ainda não são previstos na lei. Ou seja, porque é alterado ao sabor das conveniências o estatuto ontológico do embrião, o único ponto que deveriam estar a discutir!

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6 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

You Can Leave Your Hat On

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado

A falácia do espantalho, infelizmente uma das mais utilizadas pelos que que não conseguem rebater os argumentos do oponente, basicamente consiste em desviar a discussão do tema em análise para assuntos laterais, fugindo assim à discussão do que está em causa com um ou mais argumentos sem nada a ver, com especial predilecção por aqueles que podem ser interpretados tendenciosamente por uma faixa larga do público-alvo. Assim, passam a imagem de que os argumentos do oponente foram rebatidos quando na realidade nem sequer os abordam.

No tema aborto, os pró-prisão esgrimem principalmente dois espantalhos. Um deles é aquilo a que já chamo a falácia das Nove Semanas e Meia, isto é, em vez de explicarem porque razão deve constituir crime a interrupção da gravidez até às 10 semanas exigem insistentemente que se explique porquê 10 semanas e não 9 ou 14 ou outro número qualquer. Ora a pergunta a que temos de responder no próximo dia 11 de Fevereiro não tem mais quaisquer alíneas, temos apenas de decidir se devem ir para a prisão as mulheres que abortam em Portugal até às 10 semanas.
Apelos à emoção com imagens falsas e manipuladas de nados-mortos ou fetos do 3º trimestre abortados por razões médicas como sendo o resultado trivial de um aborto «pró-escolha», imagens de fetos de elefante de … silicone e quejandos não explicam porque razão os pró-prisão consideram ser uma pessoa de plenos direitos um embrião ou um feto até às 10 semanas!

A única questão implícita a que estamos igualmente a responder é se consideramos que as mulheres que decidirem interromper uma gravidez indesejada o podem fazer em condições de segurança «em estabelecimento de saúde legalmente autorizado». Ou se achamos que devem ser ainda punidas com riscos consideráveis para a saúde ou até para a vida!

O outro espantalho, passível ainda de um apelo à emoção ou argumentum ad populum com eco em muitos, pode ser apreciado no seu «esplendor» num dos blogs pró-prisão:

«Há mais de 227 mil portugueses nas listas de espera para cirurgia, sendo o tempo médio de espera superior a 6 meses (notícia aqui).
– Ontem, na tsf, dizia-se que alguns hospitais recusavam tratamentos a doentes com esclerose múltipla, alegando razões financeiras.
Gostava que alguém me explicasse quais as consequências da inclusão dos abortos na lista de cirurgias prioritárias ao nível do tempo de espera por cirurgias para tratamento das (verdadeiras) patologias, bem como qual a perspectiva de custo do financiamento estatal do aborto a pedido até às 10 semanas
».

Isto é, fogem à explicação de porquê deve ser considerado um assassínio o aborto até às 10 semanas ululando que não querem que o dinheiro dos seus impostos, numa altura de contenção económica em que o governo fecha maternidades e outros estabelecimentos de saúde, pague a «irresponsabilidade» e o «egoísmo» das «fúteis» mulheres!

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(continua)
5 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

Aborto e religião

Deveria ser consensual, bastando olhar para o mapa mundial da legislação sobre a IVG para o confirmar, que apenas razões religiosas – ou sexistas, o que vai dar no mesmo – impedem a implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) da ONU e das recomendações desta organização em relação à despenalização do aborto!

Acho por isso muito divertidos os protestos dos católicos que asseveram não ser fundamentada na religião a respectiva posição pró-prisão em relação às iníquas mulheres que exibem um «comportamento profundamente leviano, promíscuo, debochado e, sobretudo, egoísta», sub-humanos que o Estado tem a obrigação de vigiar e controlar já que são potenciais «homicidas» da vida não nascida por dá cá aquela palha.

Mas depois lemos que «No «não» [à despenalização do aborto] pode estar muita gente. No «sim» também. Mas no «sim» não haverá católicos. Mesmo que pensem o contrário, que vão à Missa e que comunguem todos os dias (pérola encontrada via Arrastão). E, obviamente, todo o empenhamento da sucursal nacional da Igreja de Roma no movimento pró-prisão não tem nada a ver com religião!

Mas claro, os fundamentalistas católicos (e volto a frisar a palavra fundamentalistas, não me refiro aos crentes normais) não encontram paradoxos nestas posições já que ululam defender «valores radicados na natureza mesma do ser humano», verdades fundamentais indispensáveis à consciência colectiva dos Estados em que se inserem, nomeadamente consideram ser dever do Estado impor esses «valores morais universais e absolutos» na letra da lei. E apenas os «fanáticos» ou «fundamentalistas» ateus não reconhecem a «superioridade moral» do catolicismo e se obstinam em lutar contra as «leis divinas» e a criminalização dos «pecados»!

Como bramia o padre de Santos, nos tempos idos das minhas aulas de catequese, em resposta às perplexidades de uma criança de 6 anos sobre as inconsistências biblicas e contradições morais encontradas na teoria e na praxis católica, as mulheres têm de ser vigiadas e controladas porque são «fracas de espírito» e «atreitas» às tentações do Demo.

E o padre ululava serem obra do Mafarrico as minhas afirmações infantis de que se algo é errado intrinsecamente, então é sempre errado fazê-lo e não percebia porque alguns comportamentos podiam ser errados ou perfeitamente correctos dependendo de quem os fazia ou das circunstâncias! De facto, a duplicidade moral católica, a proibição de tudo e mais umas botas às raparigas – como assobiar ou andar de bicicleta no adro da igreja – não porque fosse errado per se, apenas porque «parecia mal» uma fêmea fazê-lo, não me convenciam!

Esta duplicidade moral misógina indissociável do catolicismo está subjacente à argumentação dos que ululam serem pró-prisão porque «o que está em causa e o SIM autorizará, é que a grávida possa decidir, sem qualquer justificação ou outra motivação, abortar». Isto é, o aborto pode ser errado ou não dependendo das circunstâncias, ou seja, da motivação feminina para o fazer.

A grande questão, ganem os que não reconhecem competência moral para esta decisão à «fraca de espírito» mulher, é que as mulheres fazem «abortos pelas mais fúteis razões». Ou seja, não são contra o aborto quando decidido por quem de direito, a classe médica, ou em caso de violação – a mulher não teve «culpa» da gravidez, isto é, só as levianas, promíscuas, debochadas ou egoístas devem ser punidas – são apenas contra o aborto por decisão (fútil e egoísta) da mulher!

Como afirmou recentemente Ana Vicente, investigadora e membro do movimento leigo «Nós Somos Igreja», «as religiões servem de obstáculo ao desenvolvimento e ao empoderamento das mulheres». E o que está em questão no referendo é simplesmente a recusa católica em reconhecer direitos às mulheres, «inadmissíveis exigências» reinvidicadas por «feministas radicais»!

De facto, durante séculos fomos educados para a intolerância, para o radicalismo e em particular para a misoginia ou preconceitos contra as mulheres. Dogmas religiosos foram pacientemente secularizados como peças estratégicas para a preservação de sistemas ideológicos e, especialmente, para a preservação do poder (e concumitante fausto) da Igreja.

O facto de alguns (muito poucos) ateus serem pró-prisão – e, curiosamente, só conheço ateus, nunca conheci uma única ateia pró-prisão – reflecte apenas este condicionamento. Condicionamento que se traduz na convicção masculina de que têm os homens direito a fazer julgamentos de valor em relação aos comportamentos femininos. Nenhum ateu pró-prisão me convenceu de que a sua posição não é simplesmente uma posição sexista, especialmente porque consideram que um embrião não tem valor intrínseco, isto é, só tem um valor que se sobrepõe aos mais elementares direitos humanos in utero. E consideram serem legítimos os abortos realizados por motivos não fúteis – um adjectivo exclusivamente utilizado no feminino cá no burgo!

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3 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

SIM ao referendo do aborto


Como lembrou Helena Matos no Público de ontem «Por tudo isto votarei sim a 11 de Fevereiro. Mas não considero que o caso fique aqui encerrado. Em política como na vida as responsabilidades devem ser pedidas a quem de direito. E esta situação aberrante em que nos encontramos tem responsáveis. São eles António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa. Sobrepondo-se à Assembleia da República, estes dois líderes acordaram na realização dum referendo que não só não resolveu problema algum, como criou vários. Algum dia quer um, quer outro terão de ser confrontados com isto.»

De facto, é aberrante que um país supostamente laico continue no século XXI com uma lei com as teias de aranha da cristandade medieval que ornamentam a nossa. E como recordou Helena Matos aos de memória mais curta, esta situação inadmissível num estado de direito deve-se apenas à beatice dos dois líderes dos maiores partidos nacionais que criaram esta situação por a Assembleia da República ter decidido o que as suas «consciências» católicas não aceitavam: que fosse deixado ao livre arbítrio das mulheres algo condenado pela Igreja!

Por outro lado, apenas quando a alteração à anacrónica lei que temos é mencionada, há unanimidade em torno da necessidade de mais e melhor educação sexual, mesmo por parte dos pró-prisão. Porque também nestas matérias a memória é curta, convém recordar a (pseudo)polémica levantada há cerca de ano e meio pelo movimento MOVE àcerca da disciplina de Educação Sexual. Mais concretamente, e como referi à data, uma campanha difamatória contra a Associação para o Planeamento da Família, APF, que incluiu uma petição que circulou célere na Internet e onde, entre outras coisas, se exigia a suspensão de supostos programas de educação sexual em curso nas escolas, promovidos pelo Ministério da Educação em parceria com a APF.

O slide que ilustra este post foi descoberto pela Shyznogud «numa das muitas apresentações de powerpoint que o MOVE disponibilizava». E retrata exemplarmente o que motiva os pró-prisão para as suas campanhas terroristas! Que não tem remotamente algo a ver com defesa da vida!

Porque convém não esquecer que a campanha caluniosa – que boicotou a introdução da disciplina de Educação Sexual nas escolas – foi lançada por associações ultra-conservadoras, nomeadamente a Associação Juntos pela Vida, as mesmas que hoje ululam merecerem prisão as mulheres que decidirem interromper uma gravidez não desejada.

E porque o referendo se aproxima e os pró-prisão, com a Igreja Católica a liderar os movimentos, estão, como seria apenas expectável, ultra mobilizados para o terrorismo do costume, é uma boa notícia saber que já têm blog o Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim – que integra membros do movimento católico «Nós Somos Igreja» – e os Médicos Pela Escolha.

O Movimento pela Despenalização da IVG já está na blogosfera há uns meses, aliás vale a pena ler este post que relata em primeira mão as tácticas terroristas da Igreja Católica nacional. Uma lista dos blogs nacionais a favor da despenalização da IVG está a ser compilada pelo Daniel Oliveira no Arrastão. Se algum dos nossos leitores souber de algum não indicado, deixe a hiperligação nas caixas de comentários (neste momento reféns de um alucinado cristão pró-prisão que, sem grande surpresa, as utiliza para debitar o seu veneno e como tal os comentários estão sujeitos a aprovação).

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3 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

Valores cristãos

James Dobson e a «cura» de Ted Haggard. Bill Mahler comenta aqui os resultados das últimas eleições americanas em que os republicanos perderam muitos «votos morais».

Uma sondagem do Barna Group descobriu, para grande consternação dos teocratas americanos, que «Os grandes líderes cristãos americanos são desconhecidos do grande público, mesmo entre cristãos» enquanto Denzel Washington é não só conhecido por praticamente todos os americanos como apresenta quase um pleno de aprovação – em contraste com os baixissimos níveis favoráveis aos cinco líderes escolhidos.

Fazendo soar todas as campainhas de alarme, o presidente do grupo evangélico, George Barna, interpretou os resultados como indicando que «o cristianismo está a perder o seu poder na cultura americana» indicando ainda que «os cristãos estão mais sintonizados para questões de cultura e divertimento que para questões de fé» e conclui que tal acontece «porque mesmo os líderes mais importantes da comunidade cristã têm ressonância limitada com a população». E, horror dos horrores, «Estes números indicam que milhões de cristãos dedicam mais da sua energia mental à literacia cultural que à literacia bíblica».

Diria que, infelizmente, as conclusões do evangélico estão longe da realidade, e demasiados americanos na população em geral demonstram que de facto o cristianismo não perdeu o seu poder, político especialmente. Basta olhar para o item «Os evangélicos pensam diferente» em que Barna indica que em relação à população em geral os evangélicos brancos apresentam maiores níveis de aprovação de G. W. Bush e uma visão mais negativa de Bill Clinton, por exemplo. Em relação à literacia bíblica basta pensar na percentagem de americanos que acredita piamente nas patetadas criacionistas para confirmar que não só impera nesta faixa da população como a iliteracia cultural é de facto a sua imagem de marca. Aliás, carpem que «Nós [os cristãos] estamos sob ataque do segmento inteligente e instruído da sociedade»!

Por outro lado, são os que apresentam um maior nível de aprovação dos «grandes líderes cristãos» escolhidos por Barna, onde se incluem aberrações como o reverendo Doomsday (dia do juízo final) Tim LaHaye – co-autor da série apocaliptica «Left Behind», fundador da American Coalition for Traditional Values, da Coalition for Religious Freedom, da organização anti-feminista Concerned Women for America e do Institute for Creation Research – e James C. Dobson, fundador e presidente da maior organização teocrata americana e uma das mais radicais, – a organização fundamentalista Focus on the Family – que comparou a investigação em células estaminais embrionárias com as experiências nazis conduzidas com pacientes vivos, durante e antes do Holocausto.

Não sei exactamente qual o objectivo do preocupado evangélico com este artigo, provavelmente tentar mudar os hábitos televisivos dos cristãos norte-americanos, o que não deve ser difícil dada a quantidade de redes cristãs de televisão onde os delírios dos referidos lunáticos podem ser apreciados ao vivo e a cores.

Como nota de curiosidade, uma das sondagens produzidas pelo Barna Group, que publica anualmente o relatório «State of the Church» em que analisa o estado da nação em relação ao cristianismo, foi retirada da página do grupo por pressão das organizações cristãs que não queriam pública essa informação.

A sondagem tão execrada pelos teocratas indicava que, contrariamente ao que é ululado por todos os flavours do cristianismo que se reclamam os grandes defensores da moral e bons costumes e da «família», a taxa de divórcio nos Estados Unidos apresenta os valores mais elevados nos cristãos conservadores e os valores mais baixos entre… ateus e agnósticos! Assim como a taxa de aborto apresenta o seu máximo entre… católicos!

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2 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

China executa fundador de seita evangélica

Cultos esotéricos e muitas vezes violentos não são novidade na História da China, como é exemplo a Sociedade do Lótus Branco, um misto entre budismo messiânico (Maitreya) e maniqueismo, que se tornou proeminente pelo seu papel na Revolta do Lótus Branco (1786-1804) que resultou na queda da dinastia Qing. Aliás, estas seitas do milénio, que acreditam na volta de um messias (neste caso Buda Maitreya) estão na base da maioria das quedas das dinastias governantes, desde os «Turbantes amarelos» que derrubaram a dinastia Han até às revoltas de Taiping – a sociedade Nian por trás desta revolta contra a dinastia Qing (1850?64) é considerada uma «reencarnação» do Lótus Branco – e Boxer – mais uma vez fomentada pelo Lótus Branco agora na versão Yihequan (1899-1901), – que abriram caminho ao comunismo.

Na realidade, desde os primórdios da China, que o «Mandado dos Céus», um conceito chinês utilizado pela primeira vez pela dinastia Zhou e depois por todos os imperadores chineses, é invocado para justificar o poder temporal: os governantes são abençoados pelos céus mas se não governarem bem os céus ficam desagradados e o «Mandado» será oferecido a outrem.

O vácuo ideológico deixado pela falência do comunismo neste país tem vindo a ser preenchido por um interesse fanático na religião, especialmente nas comunidades rurais, onde a qualidade de vida é francamente baixa e em que muitas seitas, especialmente evangélicas, prometem saúde – em zonas em que o estado se demitiu das suas responsabilidades em termos de cuidados básicos de saúde- prosperidade e a certeza do «arrebatamento» no Apocalipse que afirmam estar prestes a chegar. Tudo a troco de dinheiro, lealdade à seita e secretismo absoluto.

De facto, como indicou o Francisco, o Estado controla estritamente as religiões, pelo que este interesse pelas religiões traduz-se na clandestinidade da maioria destas seitas, que operam maioritariamente nestas zonas rurais empobrecidas, e onde a competição entre seitas atinge níveis de violência mortais.

As autoridades chinesas executaram na passada semana pelo menos 12 membros, incluindo o líder e fundador, da «Three Grades of Servants Church», que com a sua rival «Eastern Lightning» são as duas seitas evangélicas com mais seguidores na China. Os muito agressivos métodos de angariação ( e manutenção) de clientes da primeira, que resultaram na morte de 20 membros da sua rival, estão na base das condenações.

1 de Dezembro, 2006 Palmira Silva

Dia Mundial de Luta contra a Sida



Desde que o Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) foi identificado pela primeira vez há 25 anos, já causou a morte de 25 milhões de pessoas, das quais 2,9 milhões ocorreram este ano. As estimativas da ONUSIDA (Programa Conjunto das Nações Unidas e da Organização Mundial de Saúde sobre o VIH/SIDA ), indicam que existem actualmente 39,5 milhões de pessoas com o vírus da SIDA. Estes números podem ser uma estimativa conservadora já que de acordo com o relatório epidemiológico do VIH/SIDA de 2006 que acaba de ser divulgado, apenas 10 por cento das pessoas infectadas pelo VIH conhecem o seu estatuto serológico.

A epidemia de SIDA é particularmente dramática em África, onde se estima que 2.8 milhões de pessoas foram infectados em 2006. Na África sub-sahariana, cerca de 59% dos infectados são mulheres, o que é extremamente preocupante de per se mas também porque menos de 10% das mães seropositivas têm acesso aos medicamentos que previnem a transmissão do VIH ao filho.

O aparecimento do vírus HIV forçou uma mudança sem precedentes na forma com a sexualidade é discutida na praça pública. Para uma prevenção eficaz desta epidemia, um dos maiores flagelos da história da humanidade, é obrigatório falar sobre sexo – e sobre os preservativos, a forma mais eficaz de deter o progresso das infecções -, obrigação que deveria ser assumida pelas entidades públicas especialmente a nível dos profissionais da saúde (públicos e privados) e educadores.

Mas as indispensáveis campanhas de informação têm sido boicotadas nos países em que os prosélitos de Deus detêm poder político já que estes se opõem tenaz e veementemente a todos os programas de educação sexual e sobre o uso de preservativo, contrapondo como alternativa as respectivas homilias de desinformação e mentiras grosseiras, nomeadamente as mentiras que especialmente a Igreja Católica dissemina sobre a ineficácia do execrado preservativo.

De facto, a condenação católica do uso de preservativos, «tanto como medida de planeamento familiar, como em programas de prevenção da SIDA», associada a campanhas de mentira deliberada sobre o seu uso, nomeadamente em África em que responsáveis locais, para além de organizarem orgias de fé queimando preservativos, asseveram que é o preservativo o culpado pela disseminação da SIDA, tem sido desde sempre alvo de críticas, inclusive da Organização Mundial de Saúde.

De facto, a Igreja Católica e o actual Papa em especial – enquanto Raztinger considerou inadmissível o uso de preservativos – condena o uso do preservativo como profilaxia da SIDA, ou seja, é contrária ao uso de preservativos (e qualquer método contraceptivo), mesmo no caso de casais em que um dos cônjuges está infectado com o HIV.

Decorreu esta semana em Roma a XXI Conferência Internacional do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, que decorreu em Roma, sob o tema «Os aspectos pastorais dos cuidados a ter com as doenças infecciosas». No item SIDA ficámos a saber que a «a Igreja tem 26,7% das unidades existentes específicas para o tratamento da Sida» – em África a percentagem é substancialmente maior -, isto é, que em mais de um quarto destas unidades, que deveriam não só tratar como informar, os infectados são desinformados e exortados a não usarem preservativos, garantindo a perpetuação da doença.

Apesar das esperanças dos católicos normais de que o documento de 200 páginas em análise na ex-Inquisição resulte no fim da proibição da Igreja do uso de preservativo por pessoas infectadas pelo vírus (o único ponto em análise), a análise do papado de Ratzinger – que há pouco mais de 2 meses criticou a sociedade ocidental por se preocupar e dispender fundos com minudências, como políticas de saúde ou de combate à exclusão social, em vez no que deveria ser realmente importante: a evangelização – permite-me prever que a Igreja Católica continuará, 25 anos depois do início do flagelo, «o maior obstáculo na luta contra o HIV/SIDA».

Para que os objectivos da ONU de erradicação da doença sejam cumpridos é imprescindível que todos, governos, crentes de boa vontade e não crentes, se empenhem em combater este obstáculo!