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Palmira Silva

26 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Fernando Valle



O Diário Ateísta presta a sua homenagem a uma referência cívica para todos nós: Fernando Valle, médico que «empobreceu a fazer Medicina», humanista, republicano, laico, «democrata, de maneira profunda, muito ligado ao povo».

O «Matusalém sem idade», como o intitulava Miguel Torga, faleceu hoje em Coimbra. Foi um opositor da ditadura, o que lhe valeu várias detenções pela polícia política, e o afastamento, por Salazar, das funções de médico municipal e delegado de saúde em Arganil. Foi fundador, na clandestinidade, do Partido Socialista.

25 de Novembro, 2004 Palmira Silva

De volta ao Genesis

Uma pesquisa divulgada pela CBS indica que cerca de dois terços dos americanos deseja que o criacionismo seja ensinado nas escolas como alternativa ao evolucionismo. Na realidade 37% dos americanos quer mesmo que o ensino do criacionismo substitua o evolucionismo nos curricula escolares.

A pesquisa indica ainda que a maioria dos americanos acredita que Deus criou os homens na sua forma actual e dos restantes, que aceitam a evolução do Homem, apenas 13% diz que não houve envolvimento de Deus no processo.

Os resultados deste estudo, para além de preocupantes, são inesperados na nação onde a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico subsquente, nomeadamente a nível das biotecnologias, são considerados os mais avançados do mundo. Constituem também razão de reflexão para a comunidade científica que aparentemente falhou na passagem da sua mensagem para a população em geral. O criacionismo é completamente absurdo, sem qualquer base científica e as pretensões dos pseudo cientistas que o divulgam muito fáceis de desmascarar. Por exemplo, as fantasias que a Terra tem apenas seis mil anos, que o Grand Canyon foi formado num dia como consequência do dilúvio ou que os homens coexistiram com os dinossauros, como é afirmado no parque temático Dinosaur Adventure Land na Flórida.

21 de Novembro, 2004 Palmira Silva

O ateísmo atómico

«…a natureza é sempre a mesma, e sempre única e igual em eficácia e poder de acção; i.e., a ordem e as leis da natureza, dentro de todas as passagens e mudanças de uma forma para outra, é em todo lugar sempre a mesma; sendo assim, deveria existir um método unico para compreender a natureza de todas as coisas, ou seja, através das leis e regras universais da natureza.» Baruch Spinoza (Ética, parte III)

O símbolo do ateísmo, o modelo do átomo de Rutherford, poderá a um observador mais incauto parecer despropositado ou uma escolha casuística. Na realidade, a concepção atomista do Universo corresponde à primeira filosofia ateista de que há registo histórico e é indissociável dos movimentos intelectuais que culminaram no libertar da Humanidade do obscurantismo imposto pela religião. Durante séculos, esta teve a primazia da verdade, que afirmava ser global, inultrapassável e indispensável, tanto no que respeita à natureza como ao homem. O reafirmar do pensamento proscrito dos primeiros atomistas entrou em confito com a pretensão tridentina da verdade «científica» ditada por uma Igreja total e absolutamente incompetente na matéria, mas a longo prazo (e muitos processos e fogueiras inquisitoriais) permitiu à ciência uma autonomia de pensamento face à Igreja.

A constituição da matéria e a elaboração de teorias para explicar a natureza do mundo e as nossas relações com ele surgem na Antiguidade clássica a partir da análise do movimento. O movimento e a constante mutabilidade da matéria constituem a questão central que irá orientar a filosofia grega; isto é, o movimento levanta o problema da continuidade da matéria, ou seja, como conceber que exista uma identidade entre o momento anterior e o posterior?

Era necessário, portanto, algo que permanecesse imutável no processo de transformação. Esse algo foi originalmente concebido através da redução da multiplicidade a uma unidade fundamental, identificada com um elemento da natureza, a matéria básica para a formação dos demais materiais, e na qual todos se reduziriam. Esse elemento primordial, ou “princípio” (arqué), assumiria a forma de uma substância concreta, sendo identificado com a água (Thales 640-546 A.C.), depois o ar (Anaximenes 560-500 A.C.), o fogo (Herakleitos 536-470 A.C.) e a terra (Xenophanes).

Mais tarde, Empedokles (490-430 A.C.) identificou as quatro substâncias supracitadas – água, ar, terra e fogo – como os elementos fundamentais a partir das quais tudo seria formado.

Por volta de 475 BC, Parmenides no seu poema filosófico On Nature esboçava os rudimentos do que seria explorado dentro de poucos anos pelos primeiros atomistas:

«Considerem quão semelhante é um fogo de outro fogo.
Mas reparem quão opostas em natureza são todas as noites escuras do fogo.
»

Parmenides afirma que, não obstante diferentes aparências, tudo é formado do mesmo ser, solitário, nunca criado e eterno, aquele que é «sem princípio e sem fim». Parmenides não especula sobre a natureza do «ser eterno» mas fornece dois dados fundamentais que as teorias atomistas retomam: todos os objectos do mundo físico são constituídos por uma substância elusiva e constante, que não é criada e nunca acaba, devendo-se as diferenças entre objectos a diferentes configurações dessa substância.

átomos de EpicurusAo conciliar a concepção da permanência e da unidade, em aparente contradição com as evidências de mudança e de diversidade observadas, fundamenta-se então a unidade da matéria e a sua conservação. Mas até aqui a dualidade foi expressa em termos do móvel em oposição ao imóvel. A partir de Democritus e especialmente de Epicurus esse dualismo inscreve-se como «matéria»/«vácuo» com base na concepção da unidade fundamental: os átomos. Estes seriam indivisíveis e em si mesmos imutáveis, embora a alteração da sua posição relativa produzisse uma grande diversidade de fenómenos. Estes átomos difeririam em tamanho e em forma, e apresentariam uma constituição interna sólida e homogénea.

Leucippus de Miletus (?-480 BC) e o seu discípulo Democritus de Abdera (460-340 BC) são os pais reconhecidos do atomismo, uma explicação filosófica do mundo físico absolutamente inovadora, que, na linha sugerida por Heráclito, afirma que tudo flui na natureza mas que subjacente a esta mutabilidade há algo de eterno e de imutável: o átomo (a= prefixo de negação, tomo= divisão). Nesta explicação do mundo natural o calor, cor e sabor não são em si entidades mas meras consequências dos átomos que as formam. Para avaliarmos a inovação e arrojo desta visão, puramente empírica, da natureza, basta pensarmos que o calor foi considerado um fluído até meados do século XIX, o calórico de John Dalton (1766-1844), o pai do atomismo moderno.

Epicurus (341-270 BC) reformulou o atomismo de Leucippus e Democritus e o epicurismo, não muito popular entre os filósofos gregos, nomeadamente Aristóteles e Platão, que adoptaram os quatro elementos fundamentais de Empedokles, teve entre os romanos os seus principais seguidores, alguns tão influentes como o orador Cícero e o poeta Horácio. A insistência epicurista em causas materiais para todos os aspectos da natureza foi incompatível com a influência crescente do cristianismo e no século V o epicurismo já era uma filosofia marginal.

De facto, o cristianismo condenou primeiro e proibiu depois esta filosofia ateísta que, para além de refutar a transubstanciação do pão e do vinho, negava a intervenção de qualquer força, inteligência ou entidade divina nos processos naturais. Não havia intenção no movimento (aleatório) dos átomos, o que não implica que tudo o que acontece é um acaso, pois tudo é regido pelas inalteráveis leis da natureza. Os atomistas acreditavam que todos os fenómenos têm uma causa natural, ou seja, negavam o argumento teleológico.

Os movimentos espontâneos e aleatórios dos átomos para além de serem a origem do livre arbítrio explicam ainda as percepções sensoriais. De tudo o que existe emanam átomos que, ao chocarem com o corpo humano, tornam a realidade inteiramente apreensível pelos sentidos.

Epicurus propõe ainda que a alma é composta por átomos especiais, particularmente arredondados e lisos, os átomos da alma espalhados por todo o corpo. Quando alguém morre, os átomos de sua alma dispersam-se e eventualmente agregar-se-ão (devido aos movimentos aleatórios) noutra ou noutras almas, ou seja, o epicurismo afirmava a mortalidade da alma.

É impossível referir o epicurismo sem mencionar Lucrecius, o poeta romano e autor do épico filosófico De Rerum Natura (Da natureza das coisas), uma exposição exaustiva do epicurismo, que afirma os deuses como fabricação dos homens. Redescoberto no século XVII, o poema é a base intelectual de virtualmente todas as ciências modernas, da física (apresenta, entre outros, a lei da inércia, a relatividade, a universalidade das leis físicas, o movimento browniano, o som como onda de pressão no ar) à química (prevendo átomos e moléculas e que, por exemplo, o cheiro se deve à forma das moléculas que se ligariam a receptores no nariz) passando pela biologia, incluindo o evolucionismo (Lamarck, Herbert Spencer ou Darwin eram epicuristas), já que Epicurus foi o primeiro a propor a selecção natural e a evolução das espécies.

19 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Repressão e clausura na Casa do Gaiato

Os resultados da auditoria da Inspecção-Geral da Segurança Social à Casa do Gaiato divulgados pelo «Público» são devastadores para a obra do Padre Américo.

Concluído desde o início de Junho mas só agora tornado público, o relatório traça um retrato atroz das condições deploráveis em que vivem as crianças e jovens acolhidos pela instituição supostamente para educação: maus tratos, psicológicos e físicos, isolamento, repressão e clausura, sendo mesmo apontados casos de trabalho infantil.

O ministro da Segurança Social já assegurou terem sido tomadas as medidas necessárias para salvaguardar os interesses das crianças da Casa do Gaiato e defendeu que o modelo de funcionamento da instituição deve ser repensado.

Esperemos que a instituição anacrónica que funciona com regras medievais seja completamente abolida, como aconteceu com as lavandarias das Madalenas irlandesas. Estas instituições com fins lucrativos, sediadas em conventos, albergaram por dois séculos até 1996 as raparigas irlandesas de «mau porte», as demasiado bonitas para a sua «salvação» moral ou filhas pecaminosos concebidas sem a benção do Igreja, que lavavam «os seus pecados» (gratuitamente, claro) juntamente com a roupa dos clientes, em completa escravidão santificada.

16 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Fundamentalismos católicos: Rocco Buttiglione forma lobby

Depois da sua rejeição para o cargo de Comissário, Rocco Buttiglione tenta uma forma alternativa para impor na Europa os designados «valores cristãos», isto é, os preconceitos e a discriminação resultantes dos dogmas da dita religião.

Inspirando-se no exemplo americano formou um grupo de pressão (ou lobby) com o objectivo de forçar os anacrónicos ditames da Igreja de Roma no que designa por instituições totalitárias, nomeadamente o Parlamento Europeu.

Será que esta gente nunca mais aprende que nada de bom alguma vez resultou da mistura religião e política? Não há fundamentalismos bons e fundamentalismos maus… Espero fervorosamente que o objectivo de Buttiglione esteja votado ao insucesso e que a resposta ao fundamentalismo islâmico não seja mais do mesmo!

E que, contrariamente ao que acontece no Parlamento português, não se torne prática corrente em Estrasburgo a reunião em gabinetes fechados para aulas de catequese pelo movimento Comunhão e Libertação

15 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Sobressaltos na Índia

A prisão de um líder religioso hindu, Jayendra Saraswathi, acusado de ter assassinado um antigo contabilista do templo que dirige, está a causar grandes distúrbios no sul da Índia. O religioso, reverado pelos seguidores, é uma das principais figuras de um secto Hindu da comunidade Brahmin e lidera o Kanchi Shankara Mutt, no templo Hindu em Kanchipuram, no estado Tamil Nadu.

O grupo Hindu Vishwa Hindu Parishad (VHP), que afirma ser a prisão de Saraswathi um «ataque grave à comunidade hindu», planeia uma demonstração para hoje na cidade de Chennai.

«É necessário precaução contra exortações apressadas por indíviduos e organizações que apresentam a prisão do líder religioso de Kanchi como uma conspiração diabólica contra o hinduismo», lê-se no jornal The Indian Express.

13 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Violência religiosa na Tailândia

Os últimos dias serão lembrados na Tailândia como dos mais violentos da história de (mais) um conflito de origem religiosa. Uma série de explosões atingiu hoje alvos civis nas províncias de Yala e Narathiwat.

A violência em três províncias do sul da Tailândia causou a morte de mais de 500 pessoas desde Janeiro último, quando foi reavivado um conflito adormecido entre budistas e muçulmanos.

A escalada de violência conheceu um pico em 25 de Outubro quando 78 muçulmanos morreram sufocados em camiões do exército tailandês apinhados, na sequência de confrontos entre a polícia e manifestantes que exigiam a libertação de seis detidos por suspeita de fornecimento de armas aos rebeldes separatistas muçulmanos.

O movimento separatista Islamic Pattani United Liberation Organisation (PULO), desde então tem cumprido a sua promessa de intensificar os ataques. De início dirigidos a alvos militares e policiais (para roubo de armamento) mas actualmente visando civis budistas, que têm sido barbaramente assassinados, nomeadamente por decapitação.

“Eles querem deixar-nos com raiva, querem fazer-nos usar a força bruta e, depois, espalhar a notícia. Então, os simpatizantes deles no exterior dar-lhes-ão mais apoio”, afirmou o primeiro-ministro tailandês.

12 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Terrorismo religioso na Europa: reflexões sobre a Holanda

O assassínio do cineasta Theo van Gogh despoletou uma tensão, por muitos descrita como étnica mas na realidade religiosa, nunca conhecida numa Holanda encarada como o paradigma da tolerância, da liberdade de opinião e de expressão, da integração de todos com absoluto respeito pelas suas especificidades culturais.

Todos os paradigmas se desmoronaram em escassos dez dias… O bárbaro, injustificado e injustificável assassínio do realizador, por motivos puramente religiosos, está a ser lido pelos holandeses como um aviso de guerra, uma ameaça aos valores da sua sociedade multicultural e tolerante com que não estão dispostos a compactuar.

Na carta cravada a talhe de carniceiro no corpo de van Gogh são dirigidas ameaças explícitas a Ayaan Hirsi Ali, sendo igualmente visados outros políticos considerados «inimigos do Islão», Geert Wilders, a ministra da Imigração, Rita Verdonk, e o prefeito de Amesterdão, Job Cohen (de origem judaica).

O ministro da Justiça holandês, Piet Hein Donner, depois de a ler, afirmou numa conferência de imprensa que «A carta expressa uma ideologia religiosa extremista e nela os inimigos do Islão são advertidos de que devem temer pela sua vida» acrescentando que «contém ameaças e cita a ‘guerra santa’ lançada pelos muçulmanos extremistas».

O atentado contra Theo van Gogh, assumidamente assassinado por se atrever a expressar a sua opinião sobre a religião islâmica, suscitou na Holanda o medo de uma situação semelhante à vivida nos Balcãs, onde o reacender dos conflitos religiosos entre bósnios muçulmanos, sérvios ortodoxos e croatas católicos foi o rastilho da sangrenta guerra que resultou no desmembrar da Jugoslávia.

A resposta do governo holandês foi imediata, nomeadamente no reforçar das medidas de segurança e policiais. Mas também foi decidido retirar a nacionalidade holandesa a todos os emigrantes que ajam contra os interesses do estado e obrigar os imãs a falar holandês nas mesquitas. E a ministra Rita Verdonk afirmou, numa conferência sobre integração, que toda a Europa deve combater a radicalização de jovens muçulmanos, já que «a Europa não se pode converter num reduto de terroristas muçulmanos» e que «os governos Holandeses foram muito ingénuos ao dedicar pouca atenção aos elementos radicais na sociedade».

Enquanto os holandeses fazem a sua introspecção à procura de uma resposta para o que correu mal neste país com uma tradição centenária de tolerância, berço de pensadores humanistas revolucionários, como Erasmus ou Spinoza, a imprensa internacional quasi que ignora o sucedido reservando as manchetes para o funeral de Arafat e outras minudências. Com alguns periódicos europeus, por exemplo o diário dinamarquês Politiken, a compararem a investigação policial na capital internacional da paz, Haia, à noite de Cristal nazi. Com excepção da imprensa espanhola, claro, especialmente porque existem suspeitas de ligação entre os autores do atentado que abalou a Espanha e o grupo a que pertence o assassino de van Gogh. O El Mundo escreveu esta semana que «toda a Europa se deve espelhar na Holanda para evitar que o mal se propague ainda mais».

O fundamentalismo religioso, seja de que confissão for, é a pior ameaça à humanidade na actualidade. O reconhecimento inequívoco deste facto, sem reacções de avestruz ou complexos «les main sales», urge ser feito! Há assuntos cuja gravidade não lhes permite serem tratados de forma «politicamente correcta», até porque este é um problema religioso que os fundamentalistas islâmicos tentam capitalizar transformando-o numa questão étnica (que o não é).

Não nos podemos deixar manipular e manietar por fanáticos de qualquer religião por medo que esgrimam (falsas) acusações de racismo, intolerância ou discriminação. Assim como o parlamento europeu rejeitou Rocco Buttiglione deve responder de forma ainda mais firme a estes atentados (mais graves) contra os valores e direitos fundamentais defendidos por uma Europa aberta, laica, pluralista e tolerante. Antes que seja demasiado tarde, porque este não é o episódio isolado e irrelevante que o silêncio da maioria dos fazedores de opinião faz subentender…

11 de Novembro, 2004 Palmira Silva

E agora?

A autoridade palestiniana declarou a morte de Yasser Arafat.

Que irá agora acontecer nesta zona tão conturbada do globo com a morte do carismático líder palestiano, cuja aversão a rivais impediu uma sucessão clara e incontestada? Será que vai emergir o líder forte que permita as negociações efectivas da paz que Israel sempre reclamou ser impossível com Arafat? Ou os conflitos alargar-se-ão a disputas internas pela liderança palestiniana? As próximas horas podem ser cruciais…