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Palmira Silva

13 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Sudão

Num país martirizado pelo genocídio que tarda em ser reconhecido, surgem agora notícias de incursões do grupo ugandês Lord’s Resistance Army (LRA), que atacou sábado passado a aldeia Rajaf, no estado Bahr el-Jebel, matando sete mulheres e crianças, ferindo oito e ainda raptando quatro aldeões.

O LRA é um grupo rebelde que opera no norte do Uganda, liderado pelo auto-proclamado profeta Joseph Kony, que deseja derrubar o governo e instituir no país um governo estritamente baseado nos dez Mandamentos bíblicos. Estes guerreiros em nome de Deus são conhecidos na área pelas atrocidades que cometem, nomeadamente o rapto de crianças para escravatura sexual ou para treinar como futuros guerrilheiros.

Entretanto na véspera do ataque à aldeia sudanesa, a primeira dama do Uganda, a senhora Museveni, juntou-se a centenas de virgens ugandeses a quem afirmou que «Foram todos criados à imagem de Deus e Deus concedeu-vos a capacidade de auto-controle.». A iniciativa, organizada por várias igrejas e movimentos como o americano «True Love Waits», destinava-se a promover a abstinência e o sexo só depois do casamento, e ostentava cartazes em que se podia ler: «Os preservativos são completamente ineficientes».

O pastor Martin Sempa, um advogado muito vocal da abstinência, afirmou que a iniciativa pretende «resistir» ao ataque das campanhas que apelam ao uso de preservativos, promovidas no âmbito de agendas de grupos de «homossexuais e peritos ocidentais que não sabem como a epidemia da SIDA se propaga em África».

11 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Panaceias e sicofantas

A Athenaeum Pontificium Regina Apostolorum vai oferecer aos padres católicos um curso especial «teórico e prático» em satanismo e exorcismo, de forma a melhor os equipar para o que é descrito pela Igreja como um interesse preocupante no oculto demoníaco.

A descoberta há uns meses dos corpos de dois membros da banda «Beasts of Satan», assassinados no que foi descrito como um rito satânico foi assim convenientemente aproveitada pela santa Igreja para corroborar a sua pretensão da existência real do Mafarrico. De facto, o ritual exorcista foi alterado em 1999, pela primeira vez desde os velhos tempos da Inquisição, em 1614.

A Igreja de Roma tenta assim perpetuar o Senhor das Trevas, a sua invenção mais bem conseguida no passado para dominar os fiéis através do medo e para justificar as mais abjectas práticas, que reclamavam ser dirigidas não a pessoas mas a servos do Demo.

Como nota para meditar, a Regina Apostolorum é uma instituição, dita universitária, privada, sustentada pelos Legionários de Cristo e pela Regnum Christi, fundadas pelo padre mexicano Marcial Maciel Degollado, uma «máquina» de angariação de fundos para a Igreja de Roma, sobre o qual pendem há décadas inúmeras acusações de abuso sexual de menores. Todas elas ignoradas pelo Vaticano, que não quer hostilizar uma das suas mais bem conseguidas fontes de rendimento. Em vez de se preocupar com demónios imaginários, a ICAR devia reflectir sobre o «demónio» bem real da pedofilia no seu seio!

Sobre Maciel ler «Vows of Silence: The Abuse of Power in the Papacy of John Paul II», de Jason Berry e Gerald Renner e uma análise do livro no National Catholic Reporter.

10 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Direitos Humanos

Faz hoje 56 anos que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Infelizmente, mais de meio século passado, os considerandos desta declaração, que todos consideraríamos de senso comum, consensuais e indiscutíveis, não permearam indelevelmente as sociedades do século XXI. Em boa parte porque o espectro das religiões voltou a assombrar a humanidade com o concomitante ressurgimento de intolerâncias religiosas que ameaçam os mais fundamentais direitos humanos. Os fundamentalismos que eclodem em todos os pontos do globo, mesmo nos mais improváveis, se não forem eficazmente combatidos, corresponderão a uma regressão civilizacional imprevísivel há escassos anos. Quando todos desconsiderávamos a questão religiosa, acreditando serem crimes em nome de qualquer Deus algo de um passado que não se repetiria… Infelizmente a História recente provou o nosso engano e espero que nos tenha despertado da atitude complacente em relação às religiões e acordado para a ameaça latente que estas constituem para o modelo de sociedade preconizado na supracitada Declaração.

10 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Submissão

Um grupo de muçulmanos na Dinamarca apresentou queixa oficial às autoridades competentes contra uma emissora pública de televisão dinamarquesa, acusada de incitar ao ódio ao Islão.

A afronta ao Islão cometido pela Danmarks Radio reside na transmissão do filme «Submissão» do assassinado realizador holandês Theo van Gogh. O presidente da comissão de imprensa da Sociedade da Religião Islâmica, Kasem Said Ahmad, afirmou à revista Politiken que «Queremos enviar uma mensagem política aos muçulmanos da Dinamarca de que este é o caminho a ser tomado com estas coisas e aos dinamarqueses de que não desejamos que nossa religião seja ridicularizada assim.»

Depois da proibição de um número da Newsweek no Paquistão, continua a polémica associada ao filme concebido pela deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali, natural da Etiópia e de origem muçulmana.

A Holanda foi um dos poucos países no mundo a permitir a exibição do filme de Jean-Luc Godard, «Salve Maria», considerado pelo Vaticano nos anos 80 como uma blasfémia. Blasfémia continuada pelo lançamento recente, na Holanda, do livro «Judas«, por Walter Kamp. O escritor holandês argumenta que Jesus era homossexual num livro de ficção que aqueceu ainda mais os debates sobre tolerância e liberdade de expressão num país que se orgulha da sua longa tradição de ambas.

4 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

O quadro negro do desenho inteligente

Apesar da razão e da ciência,
os maiores trunfos da humanidade,
condescende em ilusões e práticas mágicas
que reforçam o teu auto-engano,
e perder-te-às incondicionalmente!

Mefistófeles no Fausto de Goethe

Nas religiões em geral e no Catolicismo em particular, a dúvida deve ser evitada, enquanto a fé é nutrida e cultivada. A história de São Tomé é uma advertência contra a procura de confirmação experimental, de provas de «milagres» que contrariam as leis da natureza. É exaltada a fé sem restrições espúrias como sejam as evidências materiais e científicas.

Para defender a fé, o cristianismo destruiu bibliotecas, repositórios do conhecimento de civilizações «pagãs», queimou livros de ciências «profanas» em orgias de fé, deixando o mundo cristão mergulhado na ignorância, na superstição e no fanatismo. A Idade Média correspondeu a um período negro na História das civilizações Ocidentais, um período de obscurantismo, do qual o mundo cristão só saiu quando foi redescoberta a Cultura Greco-Romana. Uma Ciência, uma Arte e uma Filosofia novas começaram a despontar, sob os olhos aterrorizados da Religião que temia perder o seu domínio despótico e tirano, mantido pela força da espada, fogueira ou afins, durante séculos.

A disputa do cristianismo contra a Ciência pela posse da verdade é assim História antiga. No Ocidente, o embate mais mediático e conhecido foi o caso Galileu. Essa batalha foi vencida pela Igreja, que obrigou Galileu a renegar as suas teses para não sofrer o destino de Giordano Bruno: ser imolado pelo fogo em nome da pureza e verdade da fé. Mas o futuro dessa disputa seria diferente: pouco a pouco, a religião perdeu a autoridade para explicar o mundo. Quando, no século XIX, Darwin lançou a sua teoria sobre a evolução das espécies, contra a criação divina, o fosso entre ciência e religião já era intransponível.

No post «Os Dinossauros de Deus» abordei o princípio antrópico. Este é devotado ao «Desenho Inteligente», DI, mais uma suposta arma final apresentada pelos crentes numa batalha que foi perdida no século XVII: a batalha para descrever a Natureza com base nas Escrituras ou em termos de causas finais (princípio teleológico) e causas eficientes.

Um dos fundadores do movimento DI foi o professor de direito da Universidade de Berkeley, Philip E. Johnson, autor do livro «Darwin on Trial», que se descreve como um cristão conservador criacionista, que acredita que o evolucionismo é incompatível com a crença num Deus omnipotente, criador do céu e da Terra e do Homem à sua imagem. Ou seja, o distinto jurista cunha a Evolução como uma filosofia (fundamentalista) ateísta e naturalista, e afirma que «Ser um cientista não é necessariamente uma vantagem, quando lidamos com um tópico tão abrangente como a evolução, que se entrelaça com muitas disciplinas científicas e também envolve os toques da filosofia.», ou seja, um juiz será, também necessariamente, o mais capacitado para opinar (negativamente) sobre evolução que um cientista! E estes deveriam esperar por autorização «superior» das instâncias religiosas antes de ousarem explicar algo que seja já alvo de uma explicação religiosa.

Claro que esta tentativa de afirmar os cientistas incapazes de descrever a Natureza, pelo facto de descartarem causas sobrenaturais e de desígnio insondável na explicação de fenómenos problemáticos para as religiões, não é muito convincente e assim o passo seguinte na defesa de um «arquitecto supremo» foi a arregimentação de cientistas para a causa.

Os dois cientistas mais activos no DI são Michael Behe, autor de «Darwin’s Black Box» (A Caixa Preta de Darwin), e William Dembski, autor de «Intelligent Design: The Bridge between Science and Theology» (Desenho Inteligente: A Ponte entre a Ciência e a Teologia). Dembski e Behe são membros do Discovery Institute, um instituto de «pesquisas» de Seattle patrocinado por fundações cristãs.

William Dembski é um matemático que alega poder provar que a vida e o universo não poderiam ter acontecido por acaso e por processos naturais e, como tal, são o resultado do projecto inteligente de Deus. Também afirma que «a solidez conceptual de uma teoria científica não pode sustentar-se distanciada de Cristo» o que ilustra a motivação (e solidez) das suas teses.

Já Michael Behe restringe-se aos “sistemas irredutivelmente complexos,” sistemas que não poderiam funcionar caso faltasse apenas uma das várias partes. “Sistemas irredutivelmente complexos… não podem evoluir de uma maneira Darwiniana,” afirma, porque a selecção natural opera na forma de pequenas mutações. Logo, para este autor, o desenho inteligente deve ser responsável por esses sistemas irredutivelmente complexos. Na realidade, alguns dos supostos sistemas complexos que Behe utiliza como argumento, por exemplo o flagellum bacteriano, já foram explicados, ou seja, o seu principal argumento é baseado não só na sua ignorância do trabalho de outros investigadores como na assunção que a Natureza é limitada pela imaginação de Behe.

As supostas «descobertas» destes cientistas não foram publicadas em qualquer revista ou editora científicas, apresentadas à comunidade científica ou sujeitas ao julgamento dos pares. Pelo contrário, a refutação das ideias disparatadas de Behe por um evolucionista (por acaso mencionado no livro de Behe como uma «testemunha» de defesa ) mereceu um artigo na Nature (apenas acessível a subscritores). E respostas de cientistas conhecidos e respeitados na comunidade científica, como Peter W. Atkins ou H. Allen Orr que recomendo. Assim como o artigo de Richard Dawkins sobre a indevida imiscuição da religião na ciência.

O conflito entre a visão mecanicista da Natureza e a visão teleológica que se delineou a partir do século XVI resolveu-se per se. A ciência afirmou-se e progrediu em parte porque os cientistas tentaram descrever os fenómenos naturais sem recurso a um propósito final. O Deus de Leibniz, cuja existência é perfeitamente demonstrável, que contém em si todas as verdades eternas e necessárias, tornou-se assim uma hipótese desnecessária para a ciência.

2 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Ainda o princípio antrópico, II: a posição «cientificamente correcta»

«Na sua versão «forte» o Princípio Antrópico diz o seguinte: O Universo é tal que:

1) Necessariamente leva ao aparecimento da Vida e da Vida inteligente;

2) Uma vez surgida a Vida inteligente, esta prosseguirá a sua evolução sem nunca desaparecer.

Dito de outra maneira: a Vida inteligente é como que um feto do Universo (implantado talvez por Deus) que se irá desenvolvendo de forma harmoniosa… E não há aborto, voluntário ou não, possível.

À primeira vista, esta tese não parece muito convincente. De facto sabemos que muitas espécies têm desaparecido (os dinossauros constituindo o caso mais espectacular). Os humanos, esses estariam condenados a não desaparecer…

Por um lado, se a Humanidade – a nossa Humanidadezinha – continuar com os pés na Terra, certamente que desaparecerá. Isto porque o Sol, fonte de vida, da energia e da nega-Entropia, é, como todas as estrelas, uma estrela condenada. Condenada a gastar o seu (abençoado) combustível nuclear até à exaustão.

Por outro lado, a Humanidade construiu armas poderosas- bombas nucleares capazes de levar a uma autodestruição. Por que é que tal não aconteceu, em particular nos anos quentes da guerra fria? Será que Kennedy e Kruchov ou Reagan e Bresnev tinham uma protecção (divina) que travava os seus instintos destruidores?

Mais uma vez aparece a pescadinha a querer meter o rabo na boca. Será pelo facto de haver um princípio teleológico que a Humanidade existe, ou será exactamente o contrário: porque a Humanidade existe inventou-se um princípio teleológico?

Em conclusão: a posição «cientificamente correcta» – a posição cc – parece continuar a ser a de Monod e Weinberg: somos fruto do acaso e da necessidade, nada mais há para além disso.

Naturalmente que todos temos o direito – e talvez o dever -, como Einstein, de nos deslumbrarmos, encantarmos, comovermos com o milagre do Universo e da Vida.

Haverá mesmo, talvez, irredutibilidade das questões de Gauguin (donde viemos, onde estamos, para onde vamos) a um tratamento estritamente científico. A razão poderá ter a ver com a impossibilidade que temos de responder a questões mais globais que se colocam na teoria. A questão do Nós e o Cosmos poderá ser uma questão meta-científica no sentido do teorema de Gödel. Por palavras simples: não se pode explicar tudo. Não pode haver teoria explicativa completa!

Termino com uma citação de Max Planck, o Físico dos Quanta, do fim do século XIX e do começo do século XX:

«A Ciência não pode resolver o mistério final da Natureza. Isto porque, em última análise, nós próprios somos parte do mistério que tentamos resolver»

Eu penso que Gödel não teria dito melhor!»

2 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Ainda o princípio antrópico, I: pescadinha de rabo na boca

Há uns dias tive oportunidade de escrever aqui a minha opinião sobre o Circulus In Demonstrando ou verdade de La Palice que dá pelo nome princípio antrópico, apresentada como uma alternativa deísta ao evolucionismo «ateu». Uns dias depois, em conversa com o presidente do CENTRA, o Centro Multidisciplinar de Astrofísica do Instituto Superior Técnico, Jorge Dias de Deus, um paradigma nacional em divulgação científica, pedi-lhe uma contribuição para o Diário Ateísta sobre esse e outros temas.

O Jorge informou-me que já tinha dissertado sobre o assunto, nos longínquos finais do século XX, quando todos pensávamos que a religião não seria sequer um parâmetro equacionável na descrição do «ser» do Universo, quando o Jorge afirmava que «a Evolução é uma das noções que, após grandes reacções de fundamentalismos vários, mais fortemente se enraizou na tradição científica», muito menos teria a evolução catastrófica para o progresso da Humanidade a que o dealbar do século XXI assistiu.

Assim, enquanto todos esperamos futuras contribuições, deixou-me com uma palestra que apresentou em Julho de 1998, no âmbito de uma iniciativa de divulgação científica, os V Cursos Internacionais de Verão de Cascais.

Palestra que, por ser demasiado extensa para transcrição na íntegra, partilho parcialmente em duas partes com os leitores do Diário Ateísta.

«Há um princípio, Princípio Antrópico, que pretende demonstrar que o número de civilizações inteligentes é necessariamente maior ou igual a um e, para os defensores mais extremistas do princípio, o número é exactamente igual a um. Trata-se efectivamente de uma tentativa de recuperar um sentido para o Mundo, através de um princípio teleológico, correspondendo a uma actualização das ideias de Teilhard de Chardin.

O Princípio Antrópico, na sua versão «fraca» diz que:

1) as forças da Natureza Têm as intensidades e alcances que têm:

2) as massas, cargas e outras características das partículas têm os valores que têm;

3) o Universo tem a idade que tem, de modo a permitir a existência e evolução da Vida (com base no carbono).

Em relação ao Universo, já vimos que a sua idade (na ordem de 1010 anos) é compatível com a evolução (cerca de 109 anos para que se chegue, por Evolução, à Vida Inteligente). Se fosse mais velho haveria menos estrelas a funcionar (teriam já gasto o seu combustível nuclear) e a probabilidade de se encontrar um Sol e uma Terra baixaria enormemente. Se fosse muito mais novo não teria havido tempo para o aparecimento de um Sol e de uma Terra, e não teria havido tempo para a evolução.

Quanto às massas das partículas, se a massa do electrão fosse 200 vezes maior do que é (se fosse igual à massa do muão) o átomo seria 200 vezes mais pequeno e nós seríamos igualmente 200 vezes mais pequenos! De facto, a situação é mais dramática do que isso: com átomos 200 vezes mais pequenos os electrões (de carga negativa) ficam dentro do campo dos protões (de carga positiva) do núcleo, sendo por estes capturados com a produção de neutrões e neutrinos (de carga zero). Os núcleos acabariam por ser instáveis e, por exemplo, as estrelas ficariam neutras, incapazes de produzir luz, que é uma pré-condição essencial para a vida. Dito de outra maneira: não haveria Sol!

Mas haverá, sim ou não, algo de misterioso nestas – chamemos-lhe assim – coincidências? É difícil de dizer onde é que está a boca e onde é que está o rabo da pescadinha: mas realmente parece um problema de pescadinha de rabo na boca. Não viveremos, talvez, no «melhor dos Mundos», mas temos de viver num Mundo onde possamos viver. Ou então não viveríamos.

Portanto, o Princípio Antrópico, nesta versão fraca, só serve para chamar a atenção para a necessidade de consistência entre as características da Vida inteligente conhecida, e as características do Mundo exterior. Em certa medida, o Princípio é tautológico. Por outro lado, nesta versão, não é de modo algum inconsistente com a evolução e o darwinismo. Limita-se a dizer: se eu existo têm que existir pré-condições para a minha existência.»

(continua)

30 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Dia Mundial da luta contra a SIDA



Amanhã comemora-se o Dia Mundial da luta contra a SIDA. No continente mais flagelado por esta pandemia, a África sub-saariana, onde se estima que 70% da população está infectada, os preparativos estão em marcha, nomeadamente com várias iniciativas que visam a recomendação da prática de sexo seguro e o uso de preservativo.

A Igreja Anglicana em África, especialmente o prémio Nobel da Paz, o arcebispo Desmond Tutu, têm sido muito vocais a recomendar o uso de preservativo como forma de prevenção da doença.

Desmond Tutu foi especialmente crítico da posição da Igreja Católica sobre este tema. Que envolve a disseminação de informação errada, nomeadamente que os preservativos não protegem da SIDA e a promoção da queima de preservativos.

28 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Os dinossauros de Deus

«Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei o entendimento dos entendidos.» Coríntios 1:18-27.

«A Tradição é a personalidade dos imbecis» Albert Einstein

As religiões mais antigas reverenciavam o Sol e a Lua como deuses: a ciência provou que são apenas corpos celestes. Durante muito tempo acreditou-se que a Terra era plana. Depois, acreditou-se que o centro da criação era o homem na Terra. A ciência provou que o próprio Sol se move no universo, bem como todo o sistema solar. Existem inúmeros pontos semelhantes: cada vez que a religião coloca algum tipo de santidade no plano do concreto, a ciência vem contradizê-la, o que é feito naturalmente, sem perseguições. Alguém conhece perseguições promovidas pela ciência? Mas todos conhecem perseguições religiosas de todas as espécies e especialmente perseguições a cientistas que pagaram com a vida ou a liberdade a ousadia de afirmar que os ensinamentos supostos científicos da santa Igreja eram apenas um chorrilho de disparates.

Agora que as fogueiras inquisitoriais estão fora de moda, as pretensões tridentinas de mistificação da ciência assumem novos contornos. Especialmente no que diz respeito ao evolucionismo, visto por alguns como o maior «inimigo» do teísmo. Assim, existem várias versões de negação do evolucionismo, algumas completamente rídiculas e acéfalas, como seja o criacionismo puro e duro, que advoga uma leitura literal do Genesis.

O expoente máximo do oxímoro Criacionismo Científico, é o primeiro presidente do Institute for Creation Research, Henry Morris, um engenheiro hidráulico arregimentado por John C. Whitcomb, Jr., um teólogo com interesse na geologia do Dilúvio e no criacionismo, cuja Tese de doutoramento (em Teologia, claro) tinha o título sugestivo «O Dilúvio do Genesis».

Que debitava «pérolas» como:

«A evidência final e conclusiva contra a evolução é o facto de a Bíblia a negar. A Bíblia é a Palavra de Deus, absolutamente inerrante e verbalmente inspirada.»

«O cristão instruído sabe que as evidências para uma completa inspiração divina das Escrituras têm muito mais peso do que as evidências para qualquer facto da ciência. Quando confrontado com o testemunho bíblico consistente sobre um Dilúvio universal, o crente certamente tem de aceitá-lo como sendo inquestionavelmente verdadeiro.»

Mas por que não se rendem aos factos os dinossauros em nome de Deus e aceitam que a Evolução Biológica é inquestionável? E porque têm sucesso em algumas faixas da população? A grande maioria da população não tem acesso à ciência, e as suas descobertas são passíveis de deturpação em nome do proseletismo religioso. A grande preocupação dos prosélitos do criacionismo reside no facto de que se Deus não criou a vida, então todo o mito do cristianismo cai por terra. Muitos cristãos já não acreditam no conto da criação de Adão e Eva, mas não se aperceberam (por enquanto) das suas implicações. Ao desabar a crença na criação do homem, todos os fundamentos desta religião desabam qual castelo de cartas. E uma das cartas fundamentais consiste no mito do pecado original. Se o pecado original é uma fábula, então toda a expiação desse pecado não tem sentido. Assim como a lenda associada ao criador do cristianismo que supostamente se sacrificou para redenção do mítico pecado original.

Para os cristãos cientificamente mais esclarecidos existem versões aparentemente mais sofisticadas e apresentadas como imbatíveis e irrefutáveis. Uma delas é designada por «Princípio Antrópico», ou princípio da natureza do homem, que, baseada na verdade de Monsieur de La Palice que se as constantes da natureza (como por exemplo, a carga e a massa do electrão, a constante de Planck, a velocidade da luz, a permitividade no vácuo, enfim todas as constantes que governam as leis da Física ) fossem diferentes, o Universo como nós o conhecemos não seria possível.

O princípio antrópico recusa que sejamos o que é subjacente ao evolucionismo, ou seja, o produto do acaso e propõe que o Universo e as leis da Física foram «desenhadas» para a existência do Homem. Existem essencialmente três versões do princípio antrópico, desmistificadas aqui ou aqui e ainda aqui:

Princípio Antrópico Fraco (WAP): Os valores das constantes físicas e cosmológicas estão restritas pela exigência que existam locais onde a vida baseada no carbono possa evoluir e pela exigência de que o universo é velho o suficiente para esta já ter evoluído;

Princípio Antrópico Forte (SAP): O universo deve apresentar as propriedades que permitem o desenvolvimento da vida. Ou seja, mais um raciocínio circular, ou Circulus In Demonstrando, a vida existe, logo as constantes fundamentais e as leis de natureza devem ser tais que vida possa existir. Os valores das constantes físicas fundamentais incompatíveis com a vida (e vida inteligente) são proibidos;

Princípio Antrópico Final (FAP). Esta versão diz que o processamento de informação inteligente tem que entrar em existência no universo, e, uma vez entrado em existência, nunca desaparecerá. O FAP tem em Frank Tipler o seu principal advogado de defesa, nomeadamente no livro pomposamente chamado «A Física da Imortalidade».

Este tratado da arrogância pseudo-científica contem um «apêndice para cientistas» de 110 páginas, cheio de operadores, derivadas parciais e integrais, um amontoado de equações matemáticas complexas, confusas e desconexas, que não têm rigorosamente nada a ver com a tese que o autor quer sustentar: a inevitabilidade da existência de Deus. Claro que qualquer cientista que inspeccione as páginas ficará perplexo sobre o que estes apêndices estão lá a fazer… mas o leitor leigo em ciência ficará certamente impressionado com os supostos argumentos científicos do autor. Olhando para os apêndices da minha área de especialização, por exemplo, o apêndice D, «A lei das accções da massa requer indistinguibilidade quântica», só vejo uma forma rebuscada e propositadamente confusa de apresentar a 2ª lei da termodinâmica (com algumas incorrecções formais) que não tem rigorosamente nada a ver com nada que seja apresentado no livro.

Pessoalmente só acredito no CRAP (Princípio Antrópico Completamente Ridículo), como é denonimado o princípio antrópico pelo céptico Martin Gardner.

27 de Novembro, 2004 Palmira Silva

Newsweek proíbida no Paquistão

Um magistrado paquistanês ordenou que todas as cópias do número da Newsweek de 22 de Novembro fossem destruídas sob a alegação de que continham material ofensivo para o Islão.

Em causa está um artigo sobre o assassinato de Theo van Gogh, «Choque de Civilizações» que o magistrado Tariq Mahmood Pirzada afirmou «conter algumas afirmações questionáveis que correspondem à profanação do Corão».

As autoridades paquistanesas estão ainda a considerar uma acção legal contra a publicação, embora não tenham adiantado pormenores sobre a mesma.

Sob a lei paquistanesa da blasfémia, alguém culpado de insultar o Islão, o profeta Maomé ou o Corão, é condenado à morte. O diário em língua inglesa de maior circulação no Paquistão, News, classificou ontem o artigo ofensivo como «blasfemo e altamente provocativo».