Loading

Palmira Silva

23 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

A verdadeira Ideologia do Mal

Foi publicado hoje o novo livro do Papa, «Memória e Identidade: Conversações entre Milénios», que mereceu ondas de protesto da comunidade judaica pela comparação entre o aborto e o Holocausto. A dimensão do disparate, que iguala um dos maiores horrores da História da Humanidade e a recusa de um dogma da Igreja de Roma, é tal que o Cardeal-arcebispo de Colónia, Joachim Meisner, que fez a mesma comparação, já apresentou as suas desculpas à comunidade judaica pela comparação.

Claro que o Papa não se retractou e na conferência de Imprensa de ontem, o Cardeal Joseph Ratzinger afirmou que as críticas das comunidades judaicas são infundadas já que o Papa «não tentou colocar o Holocausto e o aborto no mesmo plano» mas apenas avisar que o mal é omnipresente «mesmo em sistemas políticos liberais». O que é um pouco difícil de acreditar já que o papa compara a legislação que permite o aborto ao Holocausto e afirma que ambos surgiram quando os governos decidiram usurpar a «lei de Deus»!

O pio Papa aproxima-se cada vez mais do Pio IX que beatificou e parece comungar não só do horror à democracia como à liberdade de opinião e expressão. Assim, depois de no livro ter advertido para os perigos da democracia fora dos auspícios do Vaticano e das «leis divinas», ataca os meios de comunicação numa Carta Apostólica de 20 páginas, apresentada na segunda feira. Meios de comunicação que considera precisarem urgentemente da «redenção de Cristo». E onde propõe que «Todos devem saber como fomentar uma vigilância constante, desenvolvendo uma saudável capacidade crítica no que diz respeito à força persuasiva dos meios de comunicação», isto é, promove a tão católica tradição da censura. Na apresentação da carta, o bispo Renato Boccardo disse que grande parte dos media enfermava de um «processo degenerativo» em que os valores cristãos eram ignorados. Ou seja, entre outras degenerações, como aceitarem a liberdade de expressão e de opinião, não se coibem de ir contra a opinião do Vaticano exibindo filmes e programas considerados «imorais» pela Igreja.

Talvez estes programas façam parte dos tais «padrões culturais negativos» difundidos pelo Ocidente, que o Papa critica no seu livro, que o preocupam especialmente pela possível «contaminação» dos países da Europa de Leste juntamente, claro, com os casamentos homossexuais, parte destacada do que considera uma «ideologia do mal» que ameaça insidiosamente a sociedade.

Pessoalmente considero a verdadeira «ideologia do mal» as prosas emanadas do Vaticano, nomeadamente estas que negam as liberdades fundamentais da cidadania, que menosprezam e banalizam o Holocausto comparando-o com o não acatar dos dogmas da Igreja, que querem no fundo voltar a escravizar a Humanidade aos ditames de uma Igreja autocrática e autoritária que se considera dona e senhora da verdade e criminosos malvados os que não aceitam essas verdades!

21 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

O Papa ensandeceu!

Monty Python, «The meaning of Life»

O último livro do Papa João Paulo II, a publicar na quarta feira pela editora do costume, a Rizzoli, e que reflecte a obsessão deste Papa em acabar com a laicidade, está já a levantar celeuma e protestos um pouco por todo o mundo. E suponho acabar por revelar-se contraproducente para os objectivos de uma Igreja de Roma que não se contenta em ditar normas anacrónicas para os seus crentes e que quer estender tentáculos de poder a todos. O tiro no pé reside na comparação, ignóbil e insane, entre o Holocausto e o aborto e na condenação da democracia.

Na sua ânsia em mostrar que os ditames da Igreja devem estar subjacentes ao Direito, obviamente não laico, e em atacar acefalamente a democracia, não ratificada pelas «leis divinas», João Paulo II escreve que «It was a legally elected parliament which allowed the election of Hitler in Germany in the 30s. The same Reichstag gave Hitler the power which opened the way for the political invasion of Europe, the creation of concentration camps, the introcution of the so-called ‘final solution’ to the Jewish question which led to the extermination of millions of sons and daugthers of Israel.».

Assim, depois de afirmar que não aceitar os ditames dos Evangelhos é uma nova forma de totalitarismo e que este novo totalitarismo está «insidiously hidden behind the appearance of democracy», conclui que «We have to question the legal regulations that have been decided in the parliaments of present day democracies. The most direct association which comes to mind is the abortion laws …». Acrescentando que «Parliaments which create and promulgate such laws must be aware that they are transgressing their powers and remain in open conflict with the law of God and the law of nature.»

Claro que o piedoso Papa se esqueceu de mencionar que Hitler chegou ao poder com o precioso auxílio do Partido Católico, Zentrum, liderado pelo monsenhor Klaas, que foi íntimo colaborador de Eugenio Pacelli (depois papa Pio XII) nos anos 20 e de outros partidos cristãos tal como manifestou o pio Pacelli depois das eleições para o Reichstag em 1932 «É expectável e desejado que, como o Zentrum, e o Bavarian People’s Party, assim também os outros partidos que se sustentam nos princípios cristãos e que agora incluem também o Partido Nacional Socialista, nesta altura o partido mais forte no Reichstag, usarão todos os meios de forma a impedirem a bolchevização cultural da Alemanha, que está em marcha pelo mão do Partido Comunista.»

Para além deste branqueamento imperdoável do papel dos partidos cristãos em geral e católicos em particular na ascensão ao poder de Hitler, o Papa dos cristãos menoriza de uma forma vergonhosa o genocídio nazi, insulta, com a habitual e expectável tolerância cristã, todos os que não consideram sagrado um óvulo fertilizado ou um embrião, chamando-lhes implicitamente neo-nazis. Claro que o insulto explícito a todas as mulheres que alguma vez abortaram apenas segue a norma de uma Igreja misógina que ainda hoje considera que a mulher se deve remeter a um papel menor como expiação do pecado original de uma Eva que a ciência já provou nunca ter existido!

Quero ver o que será dito amanhã na conferência de Imprensa convocada para apresentar o livro! Não podem imputar o imperdoável dislate a delírios provocados pela doença de Alzheimer já que no mês passado o insigne Cardeal de Colónia, Joachim Meisner, fez exactamente a mesma comparação, acrescentando à lista Stalin e Herodes, por mercê da sua mítica matança de recém-nascidos (que a História desmente!

15 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

As cartas de Soror Lúcia de Jesus

Clique aqui para ver uma versão maior desta carta e aqui para ver a carta de Lúcia elogiando Salazar.

Seguem-se, sem comentários, excertos da carta acima digitalizada, datada de 7 de Novembro de 1945, da Lúcia cujo falecimento mereceu luto nacional. Enviada pelo cardeal Cerejeira ao seu amigo António Salazar, em vésperas das primeiras eleições supostas livres à Assembleia Nacional, para «levar-te muita consolação e confiança», acrescentando «E se tu a lesses toda, mais consolado e confiado ficarias ainda. Escuso de dizer que isto que ela diz, o não diz dela mesma, mas por indicação divina (segundo ela deixa entender)»:

«Salazar é a pessoa por Ele (Deus) escolhida para continuar a governar a nossa Pátria, … a ele é que será concedida a luz e graça para conduzir o nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade. É preciso fazer compreender ao povo que as privações e sofrimentos dos últimos anos não foram efeito de falta alguma de Salazar, mas sim provas que Deus nos enviou pelos nossos pecados. Já o bom Deus ao prometer a graça da paz à nossa nação nos anunciou vários sofrimentos, pela razão de que nós éramos também culpados».

12 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

Satirycon

«A ideia de um Ente supremo que cria um mundo no qual uma criatura deve comer outra para sobreviver e, então, proclama uma lei dizendo: ‘Não Matarás’ é tão monstruosamente absurda que não consigo entender como a humanidade a tem aceite por tanto tempo.» Peter de Vries

Peter de Vries, editor do «The New Yorker» desde o final da década de 40 até meados dos anos 70, é um dos meus autores satíricos favoritos, juntamente com Tom Sharpe, Joseph Heller e Kurt Vonnegut.

Pessoalmente considero de Vries como um dos grandes satíricos do século passado, com uma pena fabulosa em trocadilhos, mas infelizmente é não só pouco conhecido como os seus livros são muito difíceis de encontrar, normalmente só em livrarias de livros em segunda mão ou de livros raros (comprei os meus preciosos exemplares numa deliciosa mistura de ambas em Hilcrest, San Diego). Presumo nunca ter sido traduzida para português alguma das suas obras primas. No entanto, banalizámos muitos epigramas de De Vries no léxico do nosso quotidiano, como, por exemplo, «Nostalgia isn’t what it used to be» (a nostalgia já não é o que era).

Nos seus fabulosos textos satíricos, Peter de Vries deixa-nos apreciações sortidas que nos deveriam fazer reflectir. No seu romance Reuben, Reuben, adaptado para o cinema por Julius J. Epstein, escreve sobre Aristóteles que «a prova do seu domínio sobre o homem ocidental é que ele domina o pensamento de gente que nunca ouviu falar a seu respeito».

O livro que recomendo, quando for reeditado, claro, Mackerel Plaza, conta-nos as vicissitudes do pastor da People’s Liberal Church em Avalon, Connecticut, Andrew Mackerel, ou Holy Mackerel. O jovem pastor perde a esposa num acidente de canoagem que é uma hilariante sucessão de incidentes e, passado pouco tempo, apaixona-se por uma ex-actriz com quem deseja casar. Mas os seus piedosos paroquianos consideram que, depois de ter sido casado com uma «santa», o seu pastor deve permanecer celibatário o resto da vida. Algumas iniciativas para manter viva a memória da falecida consistem num painel de néon que relembra «Jesus salva» e a construção de uma praça, a Mackerel Plaza. Toda esta devoção força o pobre pastor a encontrar-se com a sua amada em bares e hoteis de reputação duvidosa.

No livro, Holy Mackerel debita pérolas como «A prova final da omnipotência de Deus é que ele não necessita existir para nos salvar».

12 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

Um excelente dia de Darwin

São os votos da equipa do Diário Ateísta! E sugerimos que o celebrem inscrevendo-se como Amigos de Darwin . De forma à celebração planeada para 12 de Fevereiro de 2009 evoluir para uma festa global!

O dia de hoje é celebrado por todo o mundo como um símbolo da ciência e da humanidade, não só por se comemorar o nascimento de Darwin há 195 anos como a publicação do livro «A origem das espécies» publicado há exactamente 145 anos.

Podem ainda espreitar os prémios Darwin deste ano.

9 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

Rock (the) Bottom



Atenção skaters, bikers e inliners! Esta é convosco!

Depois de uma campanha eleitoral com tónica nos chamados «valores morais», uma onda de leis sobre temas relacionados com sexo (mesmo vagamente) e religião invadiu a Assembleia Geral do estado da Virginia.

Depois de aprovarem uma emenda (por 69 votos a favor e 27 contra) constitucional que permite orações, proselitismo e outras actividades religiosas em espaços públicos, no que se incluem as escolas, supostamente para contrariar um esforço crescente para silenciar cristãos, os puritanos representantes pretendem agora penalizar a forma como se vestem os adolescentes deste estado americano.

Por absurdo que pareça, foi aprovada uma lei que prevê uma multa de 50 dólares para quem tenha roupa interior (abaixo da cintura, por enquanto) à mostra. Ou seja, calças de corte baixo passaram a ser anátema neste mui religioso estado.

Esta defesa incondicional da «moral» e da religião, que tanto tempo ocupa aos zelosos representantes, impediu que uma lei que pretendia que fossem banidas armas de fogo dos campus universitários fosse sequer apreciada. Aparentemente é mais importante a «saúde» moral que a nova regra de indumentária impõe… Ou seja, «decentemente» vestidos, com muitas rezas e predicações e… de arma à cintura!

7 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

Momento Zen de Segunda

Segunda-feira é um dia em que, com um frémito de antecipação, saboreio o meu momento zen semanal com a coluna de opinião de João César das Neves. Por vezes o referido autor desilude-me e em vez de um momento zen tenho de contentar-me com uma pausa Kit Kat já que a sua opinação de segunda (feira, claro) não é contaminada com as mais absurdas elucubrações de cariz religioso.

Mas hoje, sob o tema «A clivagem escondida das eleições», o professor não me desiludiu. Os momentos altos do texto do fazedor de opinião do Diário de Notícias são «As recentes eleições americanas mostraram bem o que outros países também confirmam as ‘guerras culturais’ são a grande batalha do nosso tempo. O que separa hoje as pessoas não é já o regime político, sistema económico ou estrutura social. A verdadeira luta doutrinal trava-se na definição da família e do direito à vida. A contestação de valores seculares situa-se agora nos elementos mais nucleares da humanidade.» que nos indica que o professor considera que a refutação dos valores seculares são a ‘guerra’ do século no sentido de regressarmos ao passado em que os dogmas da Igreja de Roma faziam a letra da lei. Ou seja, a luta do século, para este ilustre spin doctor, cujo beato de eleição parece ser o pio Pio IX que condenava veementemente os erros da modernidade, como a liberdade de opinião e expressão, é a abolição da laicidade do Estado, o regresso aos tempos em que a Igreja ditava os destinos das nações e, quiçá, o regresso aos gloriosos tempos da Inquisição em que eram silenciados os que não comungavam dos ditames da Igreja de Roma.

Somos ainda mimoseados com pérolas de raciocínio, pejadas de falácias como é habitual e caracteriza o estilo único de JCN, neste caso em que a conclusão iguala o comunismo e a defesa de temas «fracturantes» como o aborto, a eutanásia, o divórcio e a homossexualidade: «A liberdade de abortar e a diversificação do casamento parece hoje tão moderna como há umas décadas pareceu a sociedade sem classes. Aliás, os que hoje atacam a família e a vida são exactamente os mesmos que há uns anos defendiam a ditadura do proletariado.»



Adenda
: João César da Neves foi pronunciado e vai responder em julgamento por difamação. No despacho da juíza do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa, segundo o comunicado da Opus Gay que interpôs a acção, pode ler-se que a opinação do professor da Universidade Católica no Diário de Notícias, «ultrapassa largamente os meros artigos de opinião» e «O arguido equivale os actos homossexuais ao crime de pedofilia, refere que os recentes casos de pedofilia são todos, mesmo todos, homossexuais, equipara os homossexuais com drogados e considera-os doentes». Certamente que as vozes do costume vão carpir esta «perseguição» dos católicos, erguer-se em acusações de novas Inquisições, em suma, proferir os dislates de vitimização a que já nos habituaram!

6 de Fevereiro, 2005 Palmira Silva

Reabertura das hostilidades

Desde a Constituição Apostólica «In eminenti» do Papa Clemente XII, de 28 de Abril de 1738, que a Igreja tem proibido aos fiéis a adesão à Maçonaria ou associações maçónicas. Após o Concílio Vaticano II a excomunhão automática de quem o fizesse ficou de certa forma no limbo mas uma nota pastoral, de um cardeal português bem colocado na hierarquia eclesiástica, não deixa dúvidas sobre o endurecimento das posições da Igreja de Roma.

Assim, o cardeal-patriarca de Lisboa, José Policarpo, um dos candidatos para o trono papal, reafirmou ontem a regressão imparável da Igreja de Roma na recuperação de um passado integrista e fundamentalista, que muitos católicos teimam em não ver. O alvo foi a Maçonaria que «sempre afirmou, e continua a afirmar, a prioridade absoluta da razão natural como fundamento da verdade, da moralidade e da própria crença em Deus. A Maçonaria não é um ateísmo, pois admite um ‘deus da razão’. Exclui qualquer revelação sobrenatural, fonte de verdades superiores ao homem, porque têm a sua fonte em Deus, não aceitando a objectividade da verdade que a revelação nos comunica, caindo na relatividade da verdade a que cada razão individual pode chegar, fundamentando aí o seu conceito de tolerância.».

Para José Policarpo «Um católico, consciente da sua fé e que celebra a Eucaristia não pode ser mação».

Segundo o prelado, este ênfase na razão, inimiga da fé, e na recusa de verdades reveladas (obviamente interpretadas pela Igreja de Roma) coloca um carácter absoluto na liberdade individual. A liberdade individual é uma abominação desde sempre combatida pela Igreja de Roma que nunca a aceitou, e que culpa dos males do mundo.

Nesta época de revisionismo histórico convem não esquecer que, por exemplo, a Igreja foi sempre a favor da escratura tal como Paulo dizia na sua carta aos Corintos, «Que cada um permaneça no estado em que foi chamado. Tu que foste chamado sendo escravo, não te preocupes (…) mesmo quando possas recobrar a tua liberdade, ao contrário, aproveita teu estado de servidão, porque aquele que foi chamado sendo escravo é um alforriado do Senhor».

E, como diz o ilustre prelado na sua Nota Pastoral, «Entre as organizações que protagonizaram esta visão imanente e laicista da história, avulta a importância da Maçonaria que, a partir de meados do século XVII, fez sentir a sua influência em todas as grandes correntes de pensamento e nas principais alterações sócio-políticas» ou seja, foi a maçonaria a promotora da luta contra os governos por direito divino, sancionados por Roma, que introduziu o lema «Liberdade, Igualdade, Fraternidade» e consequentemente lutou pela abolição do esclavagismo em Portugal. Esclavagismo muito defendido pela Igreja. Por exemplo, as posições de defesa do esclavagismo pelo bispo de Pernambuco, Joaquim José da Cunha Azeredo Coutinho, foram consideradas ofensivas dos sentimentos do público pela Academia Real das Ciências, outra instituição que elegia a razão em detrimento da fé, que não permitiu a impressão da sua «Análise sobre a justiça do comércio do resgate dos escravos da costa da África». O livro, traduzido em francês, foi publicado em Londres, em 1798.

Nesta época conturbada de regressão a fundamentalismos religiosos sortidos, a Igreja de Roma, pela pena do Cardeal Patriarca de Lisboa, reabre assim as hostilidades com a sua velha inimiga, a Maçonaria. O que não preconiza nada de bom para o futuro!

29 de Janeiro, 2005 Palmira Silva

A religião e o Holocausto: II

«The descendents of those who hated Jesus, who condemned him to death, who crucified him and immediately persecuted his pupils, are guilty of greater excesses that those of their forefathers …. Satan helped them invent Socialism and Communism …. The movement for freeing the world from the Jews is a movement for the renaissance of human dignity. The Almighty and All-wise God is behind this movement.»

Padre Franjo Kralik «Why are the Jews Being Persecuted» artigo na Acção Católica croata, Maio de 1941.

God, who directs the destiny of nations and controls the hearts of Kings, has given us Ante Pavelic and moved the leader of a friendly and allied people, Adolf Hitler, to use his victorious troops to disperse our oppressors… Glory be to God, our gratitude to Adolf Hitler and loyalty to our Poglavnik [fuhrer], Ante Pavelic.” Carta Pastoral de 1941 do Arcebispo de Zagreb Aloysius Stepinac, beatificado pelo Papa João Paulo II em 1998.

Depois das ondas de indignação despertadas pelo meu post sobre o envolvimento das Igrejas protestantes com o regime nazi, reconhecido recentemente por estas, acho que se torna indispensável reiterar que estes posts servem como aviso para a necessidade absoluta da laicidade do Estado e relembrar quão fácil é usar a religião para os mais ignóbeis fins. Como podemos testemunhar no século XXI.

O envolvimento do Vaticano com os nazis e seus regimes satélites não nega o facto de que muitos católicos, padres, freiras ou simples leigos, combateram heroicamente os nazis e foram solidários com os judeus e outros perseguidos. Mas é inegável que o silêncio ensurdecedor das altas cúpulas do Vaticano, de Pio XI e especialmente de Pio XII, o Papa nazi para muitos, incomodou e incomoda muitos crentes. Que tentam ver nesse silêncio uma expressão de diplomacia, que afirmam que se Pio XII tivesse falado abertamente contra os nazis o horror do Holocausto teria atingido dimensões ainda maiores.

Pessoalmente tenho dificuldade em acreditar nessa explicação que não só ignora os factos que apresento no post seguinte como também é contrariada pela actuação do Vaticano noutros conflitos da época. Nomeadamente essa contenção não foi seguida pelo Papa Pio XI, que em 1936 exorta os católicos espanhóis a lutarem lado a lado com Franco na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».

A Igreja de Espanha declarou-se imediata e entusiasticamente do lado de Franco, nomeadamente através da pastoral «Las dos ciudades» do bispo de Salamanca, Enrique Pla y Deniel (nomeado cardeal por Pio XII em 1946, sem dúvida em reconhecimento pelos bons serviços prestados), datada de Setembro de 1936. E não podemos esquecer que em Julho de 1936, tinha começado uma rebelião contra o governo democraticamente eleito da Frente Popular.

Uma rebelião, que se transformou na Guerra Civil Espanhola, tornada possível em grande parte pelo apoio do Vaticano, de Mussolini e de Hitler, tendo este último enviado tropas em apoio de Franco. Em Abril de 1937, os aviões alemães da Legião Condor bombardeiam e destroem pela primeira vez na história uma cidade a partir do ar. Foi a cidade de Guernica, na província espanhola do País Basco, imortalizada por Picasso. Para recordar a estupidez de uma guerra que causou um milhão de vítimas e o exílio de centenas de milhares de espanhóis.

Para além se ser negada pela atitude de muitos responsáveis católicos em países satélites do regime de Hitler. Mal as forças alemãs marcharam sobre Viena em Março de 1938 o Cardeal Theodore Innitzer, arcebispo de Viena, entrou em contacto com Hitler. Três dias depois envia instruções aos seus subordinados: «The faithful, and those who have the care of their souls, must rally unconditionally to the Führer and the great German state. The historic battle against the criminal illusion of Bolshevism and for German security, for work and bread, for the power and honour of the Reich and for the unity of the German nation, manifestly has the blessing of divine Providence.» Duas semanas depois o episcopado austríaco emite um comunicado de apoio ao plebiscito sobre a incorporação da Aústria no III Reich (que teve o apoio de 99,73% dos votantes) em que se pode ler «On the day of the plebiscite it is clearly our national duty, as Germans, to declare in favour of the German Reich, and we likewise expect all Christian believers to correctly understand their duty to the nation.»

Em Março de 1939, a Alemanha invade as regiões checas. A Eslováquia forma então um país separado, sob a tutela alemã e com um regime pró-nazi, chefiado pelo católico monsenhor Josef Tiso, que foi executado em 1947 pelos crimes cometidos, indefectível até ao fim de Hitler.

Ante Pavelic, lider católico dos Ustase, tornou-se lider (poglavnik) do Estado Independente da Croácia depois de Hitler ter invadido a Jugoslávia em 1941. Pavelic pretendia exterminar um terço dos sérvios (ortodoxos), expulsar outro terço e converter ao catolicismo os restantes. Tudo sob o ar benévolo do Vaticano, que desculpava os massacres cometidos como sendo «teething troubles of a new regime» (expressão usada pelo secretário de estado do Vaticano, Monsenhor Domenico Tardini). Apenas quando a vitória aliada era um facto consumado o Vaticano denunciou o genocídio levado a cabo em boa parte por membros do clero católico. E Ante Pavelic nunca enfrentou um tribunal de guerra, sendo-lhe oferecido santuário pelo Vaticano no mosteiro de San Girolamo, indo depois para a Argentina onde foi conselheiro de segurança de Juan Peron, até uma tentativa de assassínio o fazer fugir para a Espanha de Franco onde morreu em 1959. A cumplicidade do Vaticano na fuga de Pavelic, com um espólio de guerra considerável, está a ser alvo de uma acção legal que pretende a devolução do dinheiro do tesouro da Croácia transferido ilicitamente para o banco do Vaticano.

Sobre as atrocidades cometidas pelo regime católico Ustasa ou Ustasha, o massacre de 600 000 sérvios, 30 000 judeus, e 26 000 ciganos, os livros indicados são elucidativos, o último escrito por um sobrevivente do campo de concentração de Jasenovac, dirigido até 1943 pelo frade franciscano Miroslav Filipovic-Majstorovic.

E não esqueçamos que em Outubro de 1941, enquanto os exércitos nazis ultimavam a invasão de Moscovo, Pio XII pedia aos católicos para orarem pela rápida realização da promessa da Senhora de Fátima de «conversão da Rússia». No ano seguinte, no dia 31 de Outubro de 1942, após Hitler ter declarado que a Rússia Comunista tinha sido «definitivamente» derrotada, Pio XII, numa mensagem de Jubileu, cumpriu a primeira das exigências daquela «Senhora», «consagrando o mundo inteiro ao seu Imaculado Coração».

«Convert or Die: Catholic Persecution in Yugoslavia During World War II» Edmond Paris

«The Yugoslav Auschwitz and the Vatican» Vladimir Dedijer

«Witness to Jasenovac’s Hell» Ilija Ivanovic


Freiras marchando com soldados Ustasa
27 de Janeiro, 2005 Palmira Silva

A religião e o holocausto: I

« The Government, being resolved to undertake the political and moral purification of our public life, is creating and securing the conditions necessary for a really profound revival of religious life (…) The national Government regards the two Christian confessions as the weightiest factors for the maintenance of our nationality. It will respect the agreements concluded between it and the federal States. Their rights are not to be infringed.(…) The Government of the Reich, which regards Christianity as the unshakable foundation of the morals and moral code of the nation, attaches the greatest value to friendly relations with the Holy See, and is endeavoring to develop them..»

– Adolf Hitler, discurso no Reichstag em 23 Março de 1933

Um post do Carlos criou veementes protestos, nomeadamente a acusação de mistura de alhos com bugalhos, ou seja, a mistura da religião católica com o horror do Holocausto. Na realidade acho que o post do Carlos nos recordou quão fácil é usar a religião para os mais ignóbeis fins. E é um alerta para que os eventos que tão tristemente relembramos hoje não se venham a repetir. A intolerância disfarçada com as roupagens da fé não deixa de ser intolerância mas é certamente mais «aceitável» para os crentes. Porque acima da razão e da crítica deve estar a obediência a Deus e aos seus representantes na Terra, os exegetas que interpretam à sua conveniência os textos ditos «sagrados».

As causas da II Guerra são, como é óbvio, complexas e diversas mas não devemos ignorar o papel desastroso que a religião teve nos acontecimentos que culminaram no Holocausto. O ódio de Hitler pelos judeus foi incutido pela sua religião, a visão exegética da religião católica dominante, e reforçado pela cultura germânica da época. A sua obsessão pela exterminação dos judeus, o «eixo do mal» para Hitler, era a sua forma de realizar o trabalho de Deus. Muitos altos dignitários das igrejas cristãs viam o trabalho de Hitler, não só na eliminação dos judeus mas também no combate ao comunismo soviético, como divinamente inspirado. Os nazis apresentavam-se como mais que um partido político, como um movimento que pretendia abranger todos os aspectos da vida quotidiana, em que a religião tinha um papel preponderante. O próprio Hitler usa a sua fé católica como inspiração para os seus inúmeros discursos, para o «Mein Kampf» de triste memória e como justificação para todo o mal que cometeu.

O Holocausto foi aceite sem grande contestação pelo povo alemão porque foi precedido por uma intoxicação da opinião pública contra os judeus por parte não só da propaganda nazi, como das igrejas protestantes, e por partidos católicos na Áustria e na Alemanha. Com o beneplácito da Igreja de Roma, como veremos no post seguinte.

A laicidade na Alemanha nunca foi sequer considerada antes da segunda guerra mundial. Por exemplo, os jovens que se formavam nas Escolas Militares alemãs do final do século XIX juravam obediência a Deus e ao Kaiser. Aliás é essa promiscuidade, a aliança entre a Igreja – Estado na Alemanha que inspira Nietzsche para o seu livro «O Anticristo». Mas um factor decisivo foi a celebração, em 1917, do quarto centenário das Teses de Martinho Lutero. O evento, infelizmente, tornou-se um veículo de idolatria de Lutero como um herói alemão, encarnando o espírito germânico. O anti-semitismo manifestado por Lutero foi assim facilmente utilizado na cooptação da Igreja Protestante como instrumento do Estado nazi.

Em 1920, o Partido dos Trabalhadores Alemães, precursor do Partido Nacional Socialista, adoptou um manifesto de 25 pontos, obviamente anti-semita, que limitava a liberdade religiosa, permitindo-a apenas na medida em que não ferisse os sentimentos raciais alemães, adoptando o que foi chamado de «Cristianismo Positivista».

Em 1928 surgia o movimento do Cristianismo Germânico, associado às Igrejas Protestantes da Alemanha, oficializado posteriormente em 1932. O líder do movimento era o Pastor Ludwig Muller, o chefe da Gestapo a partir de 1939, investido bispo da Igreja do Reich em 1933.

Em Julho de 1933, o Cristianismo Germânico ganhou as eleições nas igrejas protestantes com 70% dos votos e elaborou uma proposta de constituição para uma nova Igreja do Reich, muito desejada por Hitler, formada por todas as 28 igrejas regionais protestantes, reconhecida oficialmente pelo Reichstag em 14 de Julho. Da facção perdedora,o Evangelho e a Igreja, emergiram os religiosos que se opuseram a Hitler, que são agora usados como confirmação da oposição das Igrejas a Hitler, quando na realidade eram apenas uma honrosa minoria.