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Palmira Silva

28 de Março, 2005 Palmira Silva

Momento Zen de Segunda

Vanitas vanitatum, et omnia vanitas

Com o habitual frémito de segunda abri as páginas virtuais do Diário de Notícias (DN) em busca da opinação que me proporciona o meu momento zen semanal. E esta semana vale mesmo a pena, já que o Prof. João César das Neves se excedeu. Usando como inspiração o mito de Tomé, e num texto que parece dirigido aos ateístas, J.C. das Neves desdobra-se nas falácias que caracterizam o seu estilo inigualável mas que desta vez, de tão contraditórias, têm um efeito contraproducente.

Se não vejamos:

«A cada momento, e de múltiplas formas, muitas pessoas querem justificar-se por não aderirem ao grande movimento civilizacional que nasceu do acontecimento pascal, o maior processo global que o mundo jamais viu. E essa justificação é, simplesmente, porque não vêem nada. Vivemos num tempo científico, objectivo, realista…»

Neste parágrafo o professor admoesta-nos condescendentemente com um Argumentum ad Antiquitatem/Ad Numerum e lamenta o efeito pernicioso do pensamento científico no florescer da fé. Como já o tinha feito na sua homilia em que menoriza um dos cientistas nacionais de maior prestígio, António Damásio.

Seguidamente o professor mimoseia-nos com aquela que é talvez a pérola mais redonda da sua opinação de segunda:

«Tomé, tal como os nossos contemporâneos, não se dá conta da falta de lógica da sua posição. Se ele visse, não precisava de acreditar. Uma pessoa que observa reconhece, admite, aceita, mas já não consegue crer. Quem vê perde a possibilidade de acreditar.»

Misturar lógica num discurso construído à base de falácias é algo que não esperaria de um docente universitário, mas, como a sua elegia pretende mostrar, fé e razão são incompatíveis quiçá daí o deslize… de qualquer forma, neste parágrafo o Dr. das Neves adverte-nos dos perigos do método científico e da procura das evidências da existência do seu Deus. Mas estraga o ramalhete quando mais à frente nos indica essas mesmas «evidências», cuja procura (e inexistência), segundo o inenarrável opinador, é a fonte da céptica actualidade e contrária à fé: «A presença de Deus é evidente. A beleza magnífica da Criação, a grandeza paradoxal da Humanidade, a versatilidade inesperada da bondade».

Ou seja, para além de sugerir ser adepto do princípio antrópico e do desenho inteligente, o spin doctor de estimação do DN tenta desesperada e incipientemente mostrar que a saída do obscurantismo imposto pela mesma religião de que ele nos tenta impingir os dogmas é indesejável já que «A triste condição da Humanidade é a de ansiar sempre, por múltiplos modos e formas, à felicidade que só se pode ter na contemplação definitiva do Deus soberano». Mas como «um dos maiores dons que Deus nos deu, Ele que nos cumulou de mais graças do que podemos reconhecer, é precisamente o dom de não vermos» então «Temos mais mérito que Tomé», não obstante a reconhecida (e pleonástica) «grandeza do grande São Tomé».

O circunlóquio de êxtase místico, livre de qualquer contaminação de racionalidade, que é este «O dom de não ver» conclui que «essa terrível maldição» de procurar a felicidade que nos afasta de um salutar obsurantismo, pela graça d’«Ele, que até do mal tira o bem» por uma razão qualquer obscura e não explicitada pode transformar-se «no caminho de mérito e de participação na nossa própria salvação». Porque… «nós não vemos»?

24 de Março, 2005 Palmira Silva

Morreu Gregório XVII, o papa alternativo

Igreja de Gregório XVII

Clemente Dominguez, ou Gregório XVII, o líder de um culto católico que pretendia ter sido coroado Papa pela virgem Maria após a morte de Paulo VI em 1978, morreu anteontem na cidade onde se baseava o culto, El Palmar de Troya, na Andaluzia.

A carreira religiosa do papa alternativo teve início em mais um episódio tipo Fátima: quatro raparigas afirmaram que a Virgem lhes aparecera num arbusto quando apanhavam flores. Como habitual nestes fenómenos uma série de peregrinos inundou o local, entre eles Dominguez, que exibia o que pretendia serem stigmata, ou os estigmas da crucificação, e que rapidamente se tornou uma figura de culto.

Dominguez durante o seu «papado» canonizou Franco, pela sua defesa do catolicismo durante a Guerra civil espanhola, e Cristovão Colombo. Talvez por ter excomungado a família real espanhola Palmar não tenha conhecido a história de sucesso económico de Fátima. A ordem fundada por Dominguez, Carmelitas da Face Sagrada, tem um património estimado nuns modestos 90 milhões de euros.

24 de Março, 2005 Palmira Silva

Vulcões em águas turvas

Os IMAX de estados do cinturão da Bíblia (Bible Belt), nomeadamente nas duas Carolinas, no Texas e na Georgia, decidiram vetar o filme «Volcanoes of the Deep Sea» (vulcões do mar profundo), um filme concebido pelo biólogo marinho da Universidade de Rutgers, Rich Lutz, porque as suas referências à evolução poderiam ofender as convicções religiosas dos devotos sulistas.

Ou seja, parece que nalguns estados americanos falar em evolução é considerado blasfémia! Será que as autoridades destes estados vão recusar igualmente a venda dos antibióticos de última geração desenvolvidos graças a técnicas de evolução dirigida? Ou rejeitar vacinas para novas estirpes do vírus da gripe que pressupõem que este evoluiu?

22 de Março, 2005 Palmira Silva

Tragédia no Minnesota

Os legisladores americanos nos últimos tempos têm demonstrado uma inusitada preocupação com a religião, empenhando-se em fazer passar leis que imponham uma religiosa moral e bons costumes dos seus cidadãos, tais como a proibição de mostrar a roupa interior e a negação do direito a morrer com dignidade, para além de fomentarem financiamento público de actividades religiosas que o façam.

No entanto qualquer restrição à posse de armas é vista pelos mesmos legisladores como uma intrusão nos direitos dos indíviduos. Ontem numa escola secundária em Red Lake, Minnesota, um adolescente abriu fogo sobre os seus colegas, matando sete e ferindo vários, depois de ter morto dois dos seus avós!

Quando a religião ocupa a agenda política a saúde da «alma» é o tema dominante e o bem estar físico irrelevante!

20 de Março, 2005 Palmira Silva

Direito a morrer: desenvolvimentos

Aparentemente os apelos do Vaticano para a revogação da ordem judicial que permitia a interrupção da manutenção assistida de Terry Schiavo foram ouvidos. Os microfones da Rádio Vaticano têm estado muito activos com o caso: o bispo Elio Sgreccia, presidente da Academia para a Vida, afirmou , na semana passada, que o «caso ultrapassa a situação individual devido ao seu carácter exemplar e à importância que os media lhe atribuíram». Já o Cardeal Martino, que preside ao Conselho Pontifício para Justiça e Paz, relembrou as palavras recentes do Papa sobre o caso «confirmando que a qualidade de vida não pode ser aferida por sucesso económico, beleza e prazer físico (já agora nem por consciência de si próprio) mas consiste na dignidade suprema da criatura feita à imagem e semelhança de Deus» e que «ninguém pode ser árbitro da vida excepto o próprio Deus».

De facto, os fazedores de leis republicanos trabalharam arduamente no sábado para produzir uma lei federal que obrigue os médicos a prolongar a vida de Terry Shiavo, a americana que sofreu um acidente cerebral muito grave e irreversível há 15 anos, que a deixou num estado vegetativo permanente.

A lei, que deve ser aprovada a curto trecho, foi produzida 24 horas após os médicos, por ordem judicial de um tribunal da Flórida, terem removida o tubo que alimentava Terry e que a manteve viva nos últimos 15 anos, já que sem suporte externo Terry teria falecido logo após o acidente que privou o seu cérebro de oxigénio.

O presidente Bush, o grande defensor da vida que todos conhecemos, interrompeu as suas férias no Texas para assinar a dita lei, que é discutida hoje numa sessão especial do Congresso americano, convocada especialmente para o efeito.

O senador Bill Frist, líder da bancada republicana e representante do Tennessee, afirmou que «O congresso dos Estados Unidos tem trabalhado ininterruptamente nos últimos três dias para manter a dignidade humana e afirmar a cultura da vida».

É pena que a invasão do Iraque não tenha merecido uma quantidade análoga de trabalho extra para manter a dignidade humana dos iraquianos e afirmar o seu direito à vida! Ou que os filhos dos crentes das muitas Igrejas cristãs que consideram blasfemos os hospitais e tratamentos médicos, considerando que o único tratamento possível é a oração, continuem a morrer de doenças facilmente curáveis ou para as quais existem vacinas há décadas. Mas, claro, obrigar alguém a tratamento médico que rejeita por questões de fé é completamente diferente de retirar esse tratamento por razões ateístas como respeitar o direito a morrer em dignidade!

É pena ainda que o tempo dos congressistas não seja dispendido a declarar inconstitucional a lei do estado do Ohio que reza na secção 2151.03(e):

«Uma criança que, em vez de tratamento médico ou cirúrgico para uma ferida, doença, incapacidade, ou doença física ou mental, está sujeita a tratamento espiritual através de oração, de acordo com os preceitos de uma religião bem reconhecida, não é uma criança negligenciada…»

acrescentando na secção 2151.421, que «nenhum relatório é necessário no que concerne a uma criança nessa situação.»

20 de Março, 2005 Palmira Silva

Massacre de Kanungu: cinco anos depois

Em 17 de Março de 2000, cerca de 1 000 pessoas foram imoladas pelo fogo na Igreja do culto Movimento para a Restauração dos Dez Mandamentos de Deus, liderado por Joseph Kibwetere, Credonia Mwerinde, Angelina Mugisha, padre Joseph Kasapurari e padre Dominic Kataribabo. O culto católico apocalíptico pregava que o fim do mundo ocorreria na passagem do milénio e que a admissão directa no Céu só era possível por restauração dos Dez Mandamentos.

O movimento teve a sua génese nas visões da Virgem Maria de Credonia Mwerinde, católica e filha de piedosos católicos que por necessidade tinha feito uma incursão pela prostituição, que a mandou fundar a Ishaatuuriro rya Maria (A Igreja de Maria Mãe de Deus). Uma versão africana do «milagre» de Fátima que, numa zona do globo de abissal pobreza, desespero e obscurantismo, teve um fim trágico. Credonia afirmava ainda que em 14 de Junho de 1980, fora instruída pela Virgem para observar o Sexto Mandamento, cujo desvio era a causa da SIDA.

Credonia era assim a colaboradora ideal para o que seria o líder do culto, Joseph Kibwetere, um político, que afirmava igualmente ter experienciado encontros imediatos com a Virgem Maria que o instruíra para reformular os Dez Mandamentos. Um dos «segredos» comunicados era o fim do Mundo na passagem para 2000…

Com um discurso salpicado liberalmente de ameaças do apocalipse, os líderes do culto manipularam os seguidores, camponeses ignorantes na sua maioria, à submissão. Todos os direitos fundamentais lhes eram negados sem serem admitidas quaisquer perguntas ou dúvidas sobre a verdade revelada aos líderes, como é prática corrente nas religiões reveladas. Toda a estrutura do culto assentava em princípios que violavam os direitos humanos e de cidadania: os pais eram separados dos filhos, as crianças que choravam à noite eram expostas aos elementos até deixarem de chorar, os casais não podiam relacionar-se sexualmente, as mulheres que engravidavam eram escorraçadas dos campos do culto pelos líderes, os membros eram encorajados a despojarem-se dos bens materiais (entregando-os aos líderes do culto, claro), etc..

Claro que enquanto os crentes eram despojados dos mais elementares direitos, bens e conforto materiais, os líderes religiosos apreciavam em grande estilo os seus!

O problema para os líderes do culto surgiu quando o Mundo não acabou na passagem de ano de 1999 para 2000. Os seguidores foram encorajados a rezar mais fervorosamente e a jejuar enquanto os líderes preparavam o golpe final para se livrarem dos agora incómodos crentes. Pensa-se que estes últimos foram envenenados num jantar preparado para emular a Última Ceia e conduzidos à Igreja que foi então incendiada. As contas bancárias do culto e seus seguidores tinham sido limpas previamente…

Cinco anos depois os (ricos) líderes do culto e responsáveis pelo massacre, continuam em liberdade em parte incerta.

20 de Março, 2005 Palmira Silva

Colónia (In)Dignidade

A Argentina expulsou para o Chile Paul Schaefer, de 83 anos, um antigo nazi depois pastor evangélico e fundador de um culto cristão sinistro, para que este possa ser julgado por crimes de pedofilia e tortura cometidos durante o regime de Augusto Pinochet. Schaefer está fugido da justiça chilena desde a emissão de um mandato para a sua captura em Agosto de 1996 para responder a múltiplas acusações de pedofilia, sendo depois condenado em 2004 juntamente com 22 pessoas responsáveis pela colónia fundada por Schaefer em 1961.

Schaefer foi capturado há uma semana na localidade de Tortuguitas, perto da capital argentina, Buenos Aires, após seis meses de investigação da polícia local.

Paul Schaefer, um paramédico no exército de Hitler, pastor evangélico depois da guerra, fugiu para o Chile em 1961 depois de ser acusado de abusar sexualmente de dois rapazes no lar que fundou, supostamente para auxiliar os orfãos de guerra.

Aí, sob os auspícios de Augusto Pinochet, com quem colaborou entusiasticamente, nomeadamente na tortura artística de opositores do ditador, ao som de Mozart e Wagner, fundou a Colonia Dignidad, «um estado dentro de um estado» como se lê num relatório do Congresso chileno, cercado de arame farpado e cercas eléctricas, onde floresceu o seu culto cristão, envolvendo muitos exorcismos de demónios e demonização do sexo. Excepto, claro, o imposto abusivamente pelo próprio Schaefer aos jovens do culto…

19 de Março, 2005 Palmira Silva

Bispo católico despedido

O prelado argentino Antonio Baseotto, bispo das Forças Armadas, foi destítuido das suas funções após ter afirmado que o ministro da Saúde do seu país devia ser atirado ao mar, uma prática recorrente na ditadura militar.

O bispo da Igreja que é intransigente na defesa da vida, com o inestimável apoio de citações do Novo Testamento, afirmou que dever-se-ia amarrar uma pedra ao pescoço do ministro Gines Gonzalez Garcia e atirá-lo ao mar, já que este tem assumido posições reiteradas em defesa da legalização do aborto.

O referido ministro da Saúde tem sido contestado e alvo de críticas dos devotos católicos argentinos devido a decisões como a distribuição gratuita de contraceptivos no país e a revogação de uma decisão judicial que bania o uso da pílula contraceptiva e de dispositivos intra uterinos. Em relação a esta última, Gonzalez Garcia declarou ser uma decisão «absurda e baseada no apelo de fundamentalistas religiosos» e impediu que tivesse efeitos, nomeadamente a destruição de todos os dispositivos e pílulas existentes no país.

Não obstante ser apenas o Vaticano a entidade com autoridade para destituir Bispos e Roma ter reagido aos dislates do Bispo ratificando a sua nomeação, o governo argentino já declarou que iria retirar o seu apoio ao Bispo, nomeadamente que deixaria de lhe pagar o respectivo salário.