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Palmira Silva

4 de Junho, 2005 Palmira Silva

Crónicas fantásticas

A fantasia ou ficção fantástica é um género de literatura normalmente menorizado e relegado para literatura infantil. Basta lembrar que o livro que antecede a trilogia de «O Senhor dos Anéis» de J. R. Tolkien, «O Hobbit», está classificado nesta categoria!

O meu primeiro contacto com a fantasia, para além dos contos de fadas, aconteceu por volta dos sete anos com três livros da editora Civilização que descobri numa feira do livro: o referido livro de Tolkien, vendido como «O Duende», e dois livros de George MacDonald, «A Princesa e os Duendes» e «Curdie e a Princesa». O tema recorrente da fantasia é a luta do bem contra o mal em que, após muitas peripécias que normalmente envolvem a viagem dos paladinos do bem ao antro do mal, o bem vence. Na maioria dos livros de fantasia as alegorias do bem e do mal são completamente maniqueístas e, estranhamente, transcrevem muitos dos mitos cultivados pela comunidade essénia cujos escritos foram recentemente descobertos: os manuscritos do Mar Morto. A luta do bem contra o mal é uma luta da luz contra as trevas e a beleza física está associada ao bem. Basta recordarmos a saga das Guerra das Estrelas para confirmarmos que George Lucas seguiu à risca a «receita» mágica da fantasia, incluindo, no último episódio, o pormenor não despiciendo da tranformação física sofrida por Palpatine e, especialmente, por Anakin Skywalker.

De facto, apesar de a fantasia não ser considerada literatura «nobre», no cinema revela-se um grande sucesso de bilheteira, com pelo menos sete dos dez filmes mais bem sucedidos na história do cinema pertencendo ao género (alguns, como a Guerra das Estrelas, mais propriamente fantasia SciFi).

Tendo a fantasia o seu maior sucesso nas camadas mais jovens da população não é de estranhar que os fundamentalistas se indignem com o que consideram fantasia perniciosa, nomeadamente a série Harry Potter. Ironicamente, ou talvez não, a guerra dos fundamentalistas cristãos contra a série foi despoletada por um artigo satírico, que ridicularizava os acéfalos fanáticos, na indispensável «Cebola».

Clive Staples Lewis (1898-1963) ou C. S. Lewis é conhecido pela sua série «As Crónicas de Nárnia», publicadas em sete volumes entre 1950 e 1956. Lewis, um cristão fervoroso, escreveu a série após um debate sobre um dos seus livros estritamente religiosos, Milagres, em que foi «trucidado» por Elizabeth Anscombe. As Crónicas de Nárnia são uma forma diferente do autor transmitir a sua visão cristã do mundo.

O primeiro livro da série, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa, foi passado ao grande écran pela Disney estando a estreia prevista para Dezembro próximo. Neste episódio a acção desenvolve-se entre o Velho Testamento (Génesis) e o Novo Testamento, com o leão Aslan, o verdadeiro soberano de Nárnia que a malvada feiticeira tenta impedir de assumir o legítimo trono, no papel principal de salvador (e criador) de Nárnia. Considerado uma alegoria de Cristo, ele tem poderes de cura e prega o amor ao próximo. As crianças são os seus apóstolos, com Edmund no papel do traidor Judas. Tentado pela feiticeira através da gula Edmund torna-se numa parte fundamental da execução de Aslan, que, claro, o perdoa. E após uma morte cerimonial, com direito a via crucis, o leão sagrado ressuscita fechando e confirmando todo o círculo alegórico.

Com este filme acaba para a Disney um boicote de nove anos por uma associação de fundamentalistas cristãos, a American Family Association. Esta associação acusava a Disney de promover a homossexualidade e exigia que a Disney criasse um conselho consultivo de cristãos evangélicos. Para além, claro, de exigir que a Disney proibisse a reunião de homossexuais, GayDay, que se realiza anualmente nas suas instalações em Orlando.

Nenhuma das reinvidicações dos fundamentalistas cristãos foi atendida pela Disney mas os primeiros declaram-se satisfeitos por Michael Eisner, o director executivo de 62 anos da Disney, ter anunciado que se ia retirar em Setembro de 2006. A anunciada cisão da Disney com a Miramax, que esteve envolvida em filmes tão «ofensivos» como Pulp Fiction e Fahrenheit 9/11 também ajudou ao levantamento do boicote, mas a razão principal foi a adaptação ao grande ecrán de fantasia boa, recomendada por todos os cristãos!

Pessoalmente preferiria que a Disney tivesse continuado a transcrever em filme as «Crónicas de Prydain» de Lloyd Alexander de que fizeram um único episódio: «Taran e o Caldeirão Mágico».

28 de Maio, 2005 Palmira Silva

Afeganistão libertado dos talibãs?

Shaima Rezayee, apresentadora do equivalente afegão da MTV, foi assassinada a tiro em sua casa por um desconhecido. A polícia acredita que o assassínio está ligado ao seu anterior trabalho como «veejay» no programa Hop, da estação privada Tolo TV.

Há cerca de dois meses a apresentadora de 24 anos, que conquistara as novas gerações afegãs no programa com o maior índice de audiências no Afeganistão, foi despedida por pressão dos mullahs que a acusavam de transmitir valores não islâmicos. Não só pela música em si mas também pelo facto de ser uma mulher, numa profissão que os talibãs queriam exlusivamente masculina, que ainda por cima rejeitara o shalwar kameez e a burka.

Em Março último o Conselho nacional dos Ulema, um painel governamental de religiosos, emitiu uma declaração acusando a estação e, principalmente, o programa Hop, de transmitir conteúdos que são contra o Islão e os valores nacionais do Afeganistão.

Shaima Rezayee esperava que o seu comportamento pouco tradicional encorajasse mais mulheres a desafiar as regras impostas pelos talibãs. Um fanático fundamentalista cortou cerce essa e todas as esperanças da jovem afegã. No Afeganistão as mulheres continuam reféns da religião e dos talibãs que a impõem…

27 de Maio, 2005 Palmira Silva

Ameaça IDiota na Europa

O director de uma escola protestante na Holanda foi aconselhado a «descansar» uns dias em casa depois de vigorosas argumentações com os docentes do Augustinus College, em Groningen, para que estes aderissem ao criacionismo cristão.

Peter Boon,vice-presidente do CDA (partido democrata cristão) , declarou numa entrevista ao jornal Dagblad van het Noorden que não podia tolerar que um dos seus professores se declarasse aos alunos como um seguidor da teoria da evolução.

Boon afirmou ainda que continuará, quiçá menos vigorosamente, as discussões sobre o tema com os docentes da escola e que «Estou convencido que encontraremos o caminho para a sabedoria».

Quiçá espere contar com a ajuda da ministra holandesa da Educação Cultura e Ciência, Maria Van der Hoeven, que anunciou recentemente ser favorável à realização de um debate sobre os méritos relativos do desenho inteligente (ID) versus evolucionismo. Porque não acredita em «coincidências», acha que o evolucionismo não é uma «teoria completa» e gosta da ideia de que a vida na Terra foi «planeada»! Felizmente que, por agora, nem os seus colegas de partido subscrevem a ideia!

Portanto quem acha que as IDiotias se restringem ao Novo Continente deveria reconsiderar… Depois de Silvio Berlusconi, que queria retirar o evolucionismo dos curricula escolares e só cedeu depois de uma semana de protestos massivos e da ministra da Educação da Sérvia, Ljiljana Colic, que suspendeu o ensino da evolução e apenas o permitia se em paralelo fosse ensinado o criacionismo, o fundamentalismo criacionista ataca agora a Holanda!

27 de Maio, 2005 Palmira Silva

IDiotas: metereologia o próximo alvo?

Galileu marcou o nascimento não somente de uma nova física mas também de uma nova concepção do mundo. O conflito cosmológico foi na realidade um conflito ideológico cujas implicações de poder/política determinaram as posições dos envolvidos, nomeadamente da Igreja Católica. Com efeito, qual seria o poder dos príncipes, (vide o livro de Maquiavel do mesmo nome), sejam estes príncipes da Igreja ou governantes por direito divino, se a ordem das coisas fosse regida por leis simples e materialistas e não por vontade divina? Se os fenómenos terrestres forem rigorosa e naturalisticamente determinados, não é apenas Deus que está em causa mas especialmente os seus «representantes» na Terra, sejam governantes ou membros das hierarquias religiosas. Que deixam de ser credíveis para interceder junto a Deus pela concessão de «milagres» sortidos!

Como tal, não percebo porque os defensores do desenho inteligente (ID) têm como alvo da sua sanha persecutória apenas o evolucionismo. Philip Johnson, um dos fundadores do movimento ID, explica as suas razões numa entrevista ao Washington Post:

«Compreendi que… se uma explicação Darwinista pura fosse correcta e a vida não passasse de um processo material não desenhado então a metafísica e crenças cristãs são fantasias».

Ou seja, não percebo porque razão Philip Jonhson e seus correligionários afirmam apenas em relação ao evolucionismo que este é na realidade uma forma de disseminaçao do ateísmo por ser uma filosofia ateísta, materialista e naturalista. Porque todas as ciências são naturalistas e materialistas, caso contrário não seriam ciências, logo, de acordo com os ilustres IDiotas, todas elas deveriam tornar «fantasias» «a metafísica e crenças cristãs». Não percebo assim por que os que se afrontam com o «ateu» evolucionismo não assestam baterias noutras ciências, francamente mais atentórias da «verdade» da Bíblia. Por exemplo a medicina, geologia, física, química ou a meteorologia! Afinal até ao século XVIII os cristãos acreditavam que os relâmpagos, dilúvios, terramotos e outras catástrofes climáticas naturais eram retribuição divina aos pecados dos homens! Porque na Bíblia há mais «evidências» que Deus controla o clima do que a biologia:

Génesis 7:4 «Em apenas mais sete dias farei chover sobre a terra por quarenta dias e quarenta noites.»
Deuteronómio 11:14 «Então darei certamente chuva à vossa terra no seu tempo designado, a chuva outonal e a chuva primaveril.»
Samuel 12:18 «Samuel clamou a Deus e Deus passou a dar trovões e chuva naquele dia, de modo que todo o povo ficou com muito temor de Deus e de Samuel.»
Marcos 4:39 «Ele [Jesus, com o poder de Deus], acordando, censurou o vento e disse ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ E o vento cessou, e deu-se uma grande calmaria.»

O controlo absoluto de Deus sobre o clima é ainda evidenciado em, por exemplo, Êxodo 10:13; Isaías 11:15; Jeremias 4:12 e 10:13; Ezequiel 13:13; Zacarias 10:1; Lucas 8:25; Jonas 1: 4 e 4:8.

Não serão as previsões metereológicas, que nunca mencionam «vontades divinas» «Deus» ou quaisquer causas não naturais, tão «ateístas» (isto é, materialistas/naturalistas) como a evolução? Ou será a medicina ateísta por não contemplar causas não naturalistas ou sobrenaturais para uma doença?

Muitos cristãos ainda rezam por chuva ou pela saúde própria ou de um ente querido mas seria absurdo querer transpôr para as salas de aula «teorias» alternativas de «intervenção divina» à «naturalista meteorologia» pelo facto de que há alguns fenómenos climatéricos que ainda permanecem inexplicados ou de que os cientistas ainda não preveêm correctamente o clima. O mesmo em relação à medicina!

Assim não percebo porque razão para os iluminados criacionistas o evolucionismo promove o ateísmo e deve ser ensinado «equilibrado» com a necessidade de um criador e a metereologia não. Ou será que a metereologia já está inscrita na lista das ciências a precisar de redefinição por «virar inúmeras mentes contra o evangelho de Cristo e a autoridade das Escrituras»?

27 de Maio, 2005 Palmira Silva

Museu da criação ou Museu do Disparate?

«O museu da Criação proclamará ao mundo que a Bíblia é a autoridade suprema em todas as matérias de fé e práticas e em todas as áreas que toca. Este museu «passeando pela História» será uma maravilhosa alternativa aos evolucionistas museus de História Natural que estão a virar inúmeras mentes contra o evangelho de Cristo e a autoridade das Escrituras.»

O mentor do Museu da Criação, o pastor Ken Ham, afirma que o museu é uma forma de fazer chegar a mais pessoas a «verdade», em conjunto com o site Respostas no Génesis que reinvidica 10 milhões de visitas por mês e o programa de rádio «Respostas com… Ken Ham», transmitido em todo o mundo por mais de 725 estações de rádio.

Este monumento ao disparate criacionista, cuja inauguração está prevista para 2007, mostra nas suas instalações de 25 milhões de dólares que a Terra tem apenas 6 000 anos, que Deus criou o mundo em seis dias (de 24 horas), que foi o grande dilúvio em alguns dias e não a erosão ao longo de milhões de anos que originaram o Grand Canyon, que os dinossauros foram transportados por Noé na sua barca e outras idiotias semelhantes. Por exemplo, de acordo com o movimento «Respostas no Génesis» a tragédia no liceu de Columbine deve-se ao ensino da evolução nesse liceu, já que segundo os iluminados fundamentalistas os dois adolescentes acreditavam na sobrevivência do mais apto de Darwin. Algumas idiotias exibidas são francamente perigosas como as que representam tragédias da humanidade, como doenças e fome, que são atribuídas aos pecados da humanidade. Nomeadamente uma das exibições culpa os homossexuais pelo flagelo da SIDA.

Numa «Sala da autoridade da Bíblia» os visitantes são avisados de que «Todos os que rejeitarem esta história, incluindo a criação em seis dias e os dinossauros na barca de Noé, são ignorantes por vontade própria». Claro que devem ser encorajados a nem sequer aflorarem o que têm a dizer sobre o nonsense criacionista a Scientific American ou a American Association for the Advancement of Science, simplesmente a associação de ciência com mais prestígio a nível mundial!

Como afirma o próprio devoto pastor com a inauguração deste museu «A elite evolucionista receberá uma chamada de despertar.»

Será que este e outros disparates cada vez mais abundantes dos fundamentalistas cristãos não são suficientes para nos acordar da complacência em relação às religiões?

26 de Maio, 2005 Palmira Silva

Momento Zen de Segunda

Embora com algum atraso, não posso deixar de partilhar aquele que é um dos meus momentos zen de segunda mais dignos do nome. Refiro-me à opinação do inefável João César das Neves «O alarme do palhaço de Kierkegaard», em que este, certamente muito magoado com os media nacionais, que, depois de, durante semanas, terem dedicado quasi em exclusivo à religião católica os seus tempos de antena, não anunciam com pompa e circunstância, a «enorme movimentação preparatória do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, que Lisboa acolherá em Novembro».

Na ausência das fanfarras etéreas que o isento «spin doctor» de segunda considera merecidas, e no rescaldo dessas mesmas manifestações mediáticas à estreia do filme de Ridley Scott «Reino dos Céus», a obra de ficção que parece substituir na indignação que provoca nas «santas» hostes aqueloutra em processo de passagem para a tela, «O código de da Vinci», JC das Neves lança-se na construção de um cenário completamente obtuso para, segundo ele, enquadrar o porquê do declínio da credibilidade da Igreja.

Devo reconhecer que o fazedor de opinião (católica, claro) acertou em cheio ao depositar na ciência e no conhecimento científico o ónus da culpa neste declínio, que propicia a visão dos mui celebrados pela Igreja de Roma cristãos medievais, reiterada no filme de Ridley Scott, como «parolos ignorantes e boçais, vítimas de superstição».

Agora a obtusidade do cenário apresentado, que para JC das Neves «nem é bizarro», reside no suponhamos «que dentro de décadas toda a gente pense que a ciência é uma actividade sinistra, enganadora, perigosa» e «que aquilo que agora é tomado como sólido e básico, referência fundamental da vida contemporânea, venha daqui a uns anos a ser atacado, desprezado e vilipendiado» «minando a confiança absoluta que temos no conhecimento científico». Especialmente pelas razões apresentadas: «O uso de tecnologias por terroristas, os infindáveis debates académicos, as dúvidas sobre teorias estabelecidas» a primeira das quais certamente introduzida para justificar a conjuntura actual em que a religião é de facto o motivo dos ataques terroristas que marcam pela negativa o início do século XXI e da maioria da violência que vemos por todo o planeta.

Em relação aos «infindáveis debates académicos» ou «as dúvidas sobre teorias estabelecidas» só reflectem que o ilustre professor universitário ainda não assimilou o que é ciência e como avança a ciência, exactamente devido aos infindáveis e acalorados debates científicos (não necessariamente académicos) e ao contínuo questionar da interpretação dos dados disponíveis.

Na realidade o cenário avançado por JC das Neves é completamente absurdo. Nem os fanáticos religiosos americanos que tentam redefinir ciência, reduzindo-a ao método científico e negando a sua capacidade para apresentar explicações para o mundo observável, têm a veleidade de dizer que quem acredita na ciência são «parolos ignorantes e boçais, vítimas de superstição». Quanto muito são perigosos ateístas que implicam que só há mundo observável e desprezam o inobservável ou metafísico. Porque é impossível negar a importância vital da ciência no mundo contemporâneo, isto é, as tentativas de a atacar, vilipendiar e, especialmente, desprezar estão votadas ao insucesso. Seria complicado dizer a alguém que quando toma um antibiótico para uma qualquer maleita está a ser supersticioso, mesmo quando esse antibiótico foi desenvolvido por evolução dirigida. Ou que está a ser um parolo ignorante e boçal quando navega na World Wide Web, liga um qualquer interruptor, enfim, viva no século XXI!

Assim como é pouco credível que seja minada «a confiança absoluta que temos no conhecimento científico» porque daqui a pouco tempo os displays de plasma ou LCD’s, ou os processadores de 64 bits a 3.73GHz, vendidos como a última palavra da tecnologia e avanço científico, serão certamente substituídos por displays flexíveis de polímeros conjugados e processadores mais rápidos! Ou porque doenças hoje consideradas incuráveis deixarão de o ser! Que reflectem os «infindáveis debates» científicos, uma das causas que JC aponta no seu cenário para a queda da credibilidade da ciência.

Ou seja, o nosso quotidiano é completamente dependente da ciência e do avanço do conhecimento científico. Mesmo a prosa debitada pelo presciente opinador depende da ciência para baralhar ou divertir quem o lê! Contrariamente ao que se passa com a religião, é consensual que a ciência explica e prevê o mundo observável. E é consensual que a ciência progride e que tal não é um óbice mas uma benesse!

E baralha-me que um tão ilustre economista não se tenha ainda apercebido das benesses, nomeadamente que o sucesso económico de um país está dependente do seu progresso científico e tecnológico… Quiçá esse desconhecimento por parte de muitos economistas cá do burgo seja uma das causas de a nossa economia estar no estado que todos conhecemos e deploramos!

18 de Maio, 2005 Palmira Silva

De Rerum Natura

No século XXI, o extraordinário progresso da biologia e da medicina alterou radicalmente as condições de vida e de morte da humanidade. Este progresso científico reflectiu-se na alteração de alguns conceitos morais e sociais, e na necessidade de actualização da ordem jurídica face a questões novas.

Mas este progresso científico não foi interiorizado pela sociedade na sua globalidade e nomeadamente na questão do aborto assistimos por parte dos que se denominam pró-vida -subentendida humana claro- a um esgrimir de argumentos supostos científicos misturados com outros de natureza moral/religiosa, sempre numa óptica redutora e maniqueísta.

O aborto clandestino e as mulheres mortas ou com problemas de saúde em consequência das deficientes condições em que esses abortos clandestinos se realizam são realidades incontestáveis. Legalizar o aborto é a única forma de diminuir a violência contra as mulheres e a própria sociedade no seu conjunto. E não implica a defesa incondicional ou leviana do aborto, apenas a possibilidade de humanizar e dar condições a uma prática que, queiramos ou não, é uma realidade.

E a questão a que devemos tentar responder neste tema deve ser: qual o estatuto moral do embrião? Ou por outras palavras, em que altura do desenvolvimento desta nova forma de vida humana a consideramos uma pessoa, com pleno direito à vida?

Pessoalmente atribuo ao embrião apenas o valor biológico que lhe é devido, sem qualquer valoração metafísica nem sacralidade. Porque a concepção não é um momento sagrado nem absoluto. Há um contínuo de vida desde os gâmetas (espermatozóide e óvulo) zigoto, entidade multicelular, embrião, feto e criança recém-nascida. Não há nenhum momento em que a vida «começa» porque ela nunca acabou, e certamente ninguém tenta chamar crime à menstruação ou à masturbação masculina. Assim como não é crime dispôr dos embriões excedentários da fertilização in vitro. Qual a razão porque deve ser criminalizada a disposição de óvulos fertilizados in vivo indesejados?

Porque a ciência não indica referenciais para o começo de vida. Indica apenas referenciais para a distinção entre um monte de células e um ser que começa a exibir uma forma de consciência – a consciência nuclear – que é comum a humanos e outros animais e não está dependente das capacidades cognitivas. Consciência nuclear que surge quando se começam a estabelecer as sinapses neuronais que permitem ao feto ter consciência de si e do meio exterior e que, em especial, lhe permitem sentir dor. No terceiro trimestre de gravidez!

Há assim várias concepções sobre o início de uma nova pessoa. Religiosas, científicas e filosóficas. Não cabe ao Estado nem a um determinado grupo escolher uma delas como a única credível e impô-la a toda a sociedade!

17 de Maio, 2005 Palmira Silva

Kansas redefine ciência

«Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei o entendimento dos entendidos.» Coríntios 1:18-27.

Na sequência do julgamento da evolução que decorreu nas últimas semanas no Kansas os defensores do «desenho inteligente» advogam agora uma redefinição de ciência, a incluir na introdução dos objectivos científicos nesse Estado. Assim pretendem que se defina ciência como «um método sistemático de investigação continuada» sem especificar quais os objectos dessa investigação. De facto, os criacionistas pretendem que o Conselho de Educação do Kansas rejeite a definição actual de ciência, que especifica ser a ciência uma explicação natural de fenómenos observáveis.

Esta pretensão indignou a comunidade científica americana que teme que nas aulas de ciência possam ser discutidas explicações sobrenaturais para fenómenos da natureza. Que aliás é o objectivo dos criacionistas, como explicou Stephen Meyer do Discovery Institute, o grande centro criacionista americano, que considera ateísta a ciência tal como é definida e ensinada. Porque o mundo é tão complexo que tem de existir Deus e os alunos devem saber isso! Ou seja, os ilustres teocratas criacionistas pretendem voltar à Idade Média em que o sobrenatural se confundia com ciência!

Podem ver a absurda proposta para as alterações aos programas de ciência do Kansas da Intelligent Design Network assim como a resposta de um professor de biologia ou uma compilação de várias respostas na página da associação Kansas Citizens for Science.

17 de Maio, 2005 Palmira Silva

Aborto: um dogma recente

Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possivel haver ser é maior que todos os deuses

Fernando Pessoa

O tema aborto será nos próximos tempos o cavalo de batalha da Igreja Católica que recorrerá, como nos avisava Ana Sá Lopes no seu artigo «O terrorismo da Igreja Católica», no Público de domingo (link indisponível), às suas tácticas terroristas para polarizar uma questão que só o é por se tratar de um dogma secularizado. E porque concordo que «É enorme, portanto, o risco – para os defensores da despenalização – de uma derrota nesse campo de batalha maniqueísta onde vale tudo. Trata-se, efectivamente, do vale tudo. E nesse vale tudo da demagogia, a Igreja Católica tem tido um papel maior.» nos próximos tempos será também o meu tema de eleição.

O que é irónico nesta questão, dita fracturante, é que o dogma da sacralidade do embrião é um dogma recente na «santa» Igreja. O conceito neolítico de que a mulher era apenas o terreno onde o princípio masculino germinava foi consolidado na Antiguidade Clássica com Aristóteles. Este filósofo acreditava que o sémen conteria «uma pessoa inteira ou, mais precisamente, um homem inteiro, já que uma mulher só ganha existência por alguma falha no processo de desenvolvimento». Num dos seus tratados biológicos afirmou que um embrião masculino adquiria alma ao fim de 40 dias após a concepção e um embrião feminino no dobro do tempo. Durante muitos anos a Igreja Católica, que adaptou a ética aristotélica, permitiu o aborto até este prazo.

Alguns dos teólogo mais conhecidos incluindo os inescapáveis Tomás de Aquino e S. Agostinho não condenavam o aborto. Este último escreveu:

«A grande interrogação sobre a alma não se decide apressadamente com juízos não discutidos e opiniões imprudentes; de acordo com a lei, o aborto não é considerado um homicídio, porque ainda não se pode dizer que exista uma alma viva em um corpo que carece de sensação uma vez que ainda não se formou a carne e não está dotada de sentidos»

Tomás de Aquino defendia que só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. A posição de Aquino sobre o assunto foi oficialmente aceite pela igreja no Concílio de Viena, em 1312.

Só em 1869, em pleno século XIX, o Papa Pio IX repudiou a teoria da hominização tardia aristotélica e declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize.

Curiosamente, em grande parte do mundo industrializado o aborto não era considerado um crime até que uma série de leis anti-aborto foram promulgadas na mesma época das declarações do pio Pio. Por essa altura, os proponentes da proibição do aborto realçavam os perigos clínicos do aborto. Também curiosamente agora que o argumento clínico deixou de ser válido, o ponto central dos argumentos anti-aborto deslocou-se para a sacralidade do embrião e feto. A que os terroristas católicos insistem em chamar «bébé».

Mas, numa época em que a Igreja católica exalta o espírito cristão medieval, convém relembrar uma doutrina dessa época, mais concretamente do século XVII, o probabilismo. Que afirma o direito dos fiéis de discordarem da hierarquia eclesiástica em questões morais, baseados numa base probabilística firme de ser legítima essa posição. Essa probabilidade pode ser intrínseca ou extrínseca. Probabilidade intrínseca refere-se à percepção individual da inaplicabilidade de um ensinamento moral. Probabilidade extrínseca diz respeito à possibilidade de se suportar essa divergência moral em autoridades teológicas, sendo suficiente cinco ou seis teólogos de reconhecida reputação moral que defendam pontos de vista diferentes.

Talvez por isso Ratzinger se devotou a calar as vozes divergentes na Igreja Católica. Mas existem teólogos reconhecidos, incluindo os mui celebrados Agostinho e Tomás de Aquino, que sustentam a moralidade da decisão por um aborto. Por isso, tal como Ana Sá Lopes, acho que «Convinha que os católicos que se demarcam destas posições e defendem que as mulheres que recorrem ao aborto não devem ser julgadas nem penalizadas aparecessem a dizer alguma coisa.»

15 de Maio, 2005 Palmira Silva

Momento Zen de Domingo

Numa entrevista ao Diário de Notícias João César das Neves afirma «É falso que eu seja homofóbico». E para confirmar a sua tolerância em relação à homossexualidade, que avisa «Não se deve é banalizar», refere que a sua posição «é a da Igreja» ou seja, considera que «a homossexualidade é ‘uma desordem moral grave’». Assim, no fim da entrevista revela que «há imensos homossexuais que vivem sem problemas, calmamente, e é assim que deve ser.». Ou seja, calmamente, sem reinvidicações, sem revelarem ao mundo a sua «desordem moral», na «Santa Hipocrisia» preconizada pela Igreja de Roma.

Mas a pérola da entrevista consiste nas locubrações do devoto sobre abuso sexual. Nomeadamente abuso sexual sobre menores do sexo masculino: «Imagine que quem tinha abusado dos rapazinhos eram mulheres. Não é evidente que os rapazinhos teriam até orgulho no facto?».

De facto, um espécimen a colocar na mesma galeria de horrores católicos que o padre Domingos Oliveira, o tal que acha mais violento abortar um embrião, que não tem consciência de si nem do meio ambiente, que não sente dor, que assassinar brutalmente uma criança de 5 anos!