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Palmira Silva

29 de Junho, 2005 Palmira Silva

Emídio Guerreiro (1899-2005)


Morreu o humanista insubmisso e generoso, o sonhador da liberdade. O Diário Ateísta recorda e homenageia o homem que olhava serenamente para a morte: «O problema da morte nunca me preocupou muito, nem do ponto de vista espiritual nem filosófico. Por uma razão: eu encaro a morte como uma necessidade biológica, tão necessária como o respirar». Que apenas temia a perda de dignidade: «Temo que o sofrimento atinja a minha dignidade. Não a morte. Penso que ter uma morte digna é um direito que todo o homem tem e deve ser respeitado.»

Porque, como afirmou na entrevista que concedeu ao Expresso, por ocasião do centenário do seu nascimento, a dignidade humana foi o ideal por que lutou toda a sua vida. «Como não pode haver dignidade se não houver liberdade, naturalmente que eu lutei pela liberdade. Lutei contra todos os regimes prepotentes, lutei contra todas as ditaduras».

Também como tributo a este cidadão exemplar, o Diário Ateísta continuará a sua modesta contribuição para que se concretize o vaticínio de Emídio Guerreiro:
«O terceiro milénio será, na minha opinião, o milénio da desalienação humana. O homem criou mitos, depois confiou atributos a esses mitos, depois sujeitou-se a eles. Agora vai-se libertar deles.»

25 de Junho, 2005 Palmira Silva

Linha dura islâmica no Irão

Segundo o ministério do interior, e com a contagem dos votos quase terminada, o ultra-conservador Mahmud Ahmadinezhad ganhou a eleição presidencial no Irão com 61% dos votos, largamente destacado de Akbar Hashemi Rafsanjani com 35%.

Votaram 22 milhões de eleitores, cerca de 47% do eleitorado, contra 63% na primeira volta, quando foi eliminado o «reformador» Mehdi Karroubi.

Aparentemente os habitantes das províncias pobres do Irão compareceram massivamente às urnas para votar no ex-militar, apoiado pela teocracia ultra-conservadora islâmica, que prometeu resistir à decadência do Ocidente, combater a corrupção e melhorar as condições de vida de milhões de iranianos.

Segundo os observadores internacionais ocorreram «falhas» nas eleições. Os apoiantes de Rafsanjani e os candidatos reformistas afirmaram que estas foram manipuladas, os últimos acusando os Guardas Revolucionários do Irão e a segurança Basij de orquestrarem um conluio de forma a dar a vitória ao ultra-conservador, que afirmou ao votar ontem «Hoje é o início de uma nova era política para a nação iraniana»

Um dia de facto triste para a liberdade, religiosa e não só, no Irão. E o fim da esperança de regresso para muitos iranianos exilados, perseguidos e torturados pelo regime do ayatollah Khomeini, que tomou o poder após a revolução iraniana que depôs o Xá Reza Pahlavi, em Fevereiro de 1979. Conheci muitos iranianos nestas condições nos Estados Unidos, na sua maioria membros da comunidade científica.

E um dia de reflexão para os que acreditam que apenas na laicidade estrita e inviolável reside uma sociedade com um futuro pacífico. Os fundamentalismos sortidos têm a sua génese em crises económico-político-sociais, um pouco como assistimos hoje em dia na Europa. Na realidade os fundamentalismos islâmicos são epifenómenos do descrédito sofrido pelo nacionalismo árabe durante a década de 1970, em que as sociedades muçulmanas assistiram, gradualmente, à substituição do pan-arabismo pelo pan-islamismo como ideologia política de massas. Assim, imediatamente após ter tomado o poder, Khomeini apelou à revolução islâmica. A Revolução iraniana afirmava dois dos pontos centrais dos adeptos do islamismo radical. O poder tinha de ser conquistado através da força das armas, neste caso através da revolução, e o Ocidente «decadente», com especial ênfase nos Estados Unidos, o grande Satã, é o inimigo principal do Islão.

O primeiro ponto não foi necessário hoje no Irão mas o segundo é uma constante. Todas as religiões precisam de um Satã a quem atribuir os males do mundo e para mobilizar os crentes no necessário exorcismo. Normalmente violento, porque o demo tem muitas manhas…

24 de Junho, 2005 Palmira Silva

Submissão II

A deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali, que escreveu o argumento da curta-metragem «Submissão – Parte I», sobre a repressão sofrida pelas mulheres no Islão, afirmou à BBC que pretende continuar os planos originais e filmar a sequela do filme, não obstante o perigo envolvido em tal propósito.

De facto, «Submissão» foi a causa do bárbaro assassinato do realizador Theo Van Gogh, morto em Novembro último por um fundamentalista islâmico e a razão porque até hoje Ayaan Hirsi Ali continua rodeada de rígidas medidas de segurança. Mas para a parlamentar não realizar a continuação do filme «Recompensaria os assassinos de Theo van Gogh, recompensaria a violência, sugerindo que (os terroristas) conseguem impor às pessoas o comportamento que querem que estas apresentem».

Assim, Hirsi Ali pretende cumprir os objectivos do filme, «colocar uma lente nos detalhes dolorosos do Islão».

Detalhes nos quais está incluído que, como consequência da realização deste filme, com ou sem continuação, a vida desta holandesa nunca retornará à normalidade, perseguida até à morte pelos fanáticos islâmicos, tal como ainda acontece a Salman Rushdie pela publicação em 1989 dos «Versículos Satânicos». Mas segundo ela, «Independentemente dos riscos, vou fazer o filme, para mostrar que não nos devemos submeter à violência».

E considera que «É o que acontece – quando, como muçulmano, alguém afirma que não é muçulmano ou afirma algo que os radicais consideram apostasia, então eles acreditam que matar essa pessoa os levará para o Céu. Por isso vou viver, para lhes provar que não existe Céu – ou Inferno, já agora».

21 de Junho, 2005 Palmira Silva

100 anos de Jean Paul Sartre

«O existencialismo não é senão um esforço para tirar todas as consequências duma posição ateísta coerente» Jean Paul Sartre

Completa-se hoje o centenário do nascimento de um dos pensadores mais polémicos do século XX, pelas reflexões antagónicas que ainda hoje provoca, Jean-Paul Sartre. O intelectual que melhor encarnou a figura do intelectual, o único laureado que até hoje recusou um Prémio Nobel, o da Literatura, o ateu convicto e coerente!

A «reabilitação» recente de Sartre por um dos seus maiores críticos, Bernard Henry-Lévy, no livro «Le Siécle de Sartre», reflecte a conjuntura actual em que problemas como a exclusão social, o advento de fundamentalismos sortidos, incluindo movimentos nacionalistas ou identitários, de certa forma derrubaram os paradigmas pós-existencialistas. Depois da crítica violenta à filosofia sartreana por Henry-Lévy e André Gluksmann na década de 80, assistimos agora ao regresso à ribalta da reflexão filosófica, política e ética do sujeito de Sartre: um produto do livre arbítrio e como tal destinado a ser livre e a lutar pela sua liberdade.

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Crucificação exorcista

A freira romena que morreu na sequência de um exorcismo mal sucedido, conduzido pelo padre Daniel com ajuda de quatro freiras, sofria de esquizofrenia, condição que os piedosos membros do clero acharam ser indicação concludente da sua possessão pelo mafarrico.

O padre Daniel, acusado de ser o responsável pelo crime, declara que não tem nada de que se arrepender: «Deus realizou um milagre com ela e finalmente a Irina foi libertada do mal». Claro que o pequeno pormenor de a infeliz freira de 23 anos ter sido também «libertada» da vida é irrelevante para o devoto padre, certamente mais preocupado com a salvação da alma que a preservação de uma vida tão maculada pelo demo.

O padre acrescentou ainda que «Não percebo porque razão os jornalistas estão a dar destaque a isto. O exorcismo é uma prática comum no coração da Igreja Ortodoxa Romena e os meus métodos não são de todo desconhecidos dos outros padres».

Considerando os métodos utilizados é de perguntar quantos mais infortunados com doenças do foro psicológico terão sucumbido nas mãos destes exorcistas!

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Casamento humanista

Celebrou-se hoje na Escócia o primeiro casamento humanista legalmente reconhecido.

Karen Watts e Martin Reijns foram casados por um humanista depois de se ter alterado as regras anteriormente em vigor, consideradas restritivas e discriminatórias. De facto, a celebração do matrimónio só era reconhecida se ministrada por uma autoridade religiosa ou por um representante do registo civil. Pretende-se agora que as novas regras sejam estendidas ao restante território britânico, de forma a que as cerimónias matrimoniais de ateus e agnósticos possam ser conduzidas de forma menos impessoal como o é a simples visita ao cartório. E os casamentos humanistas (antecedidos da formalização asséptica civil) são muito populares nas Ilhas Britânicas!

Para além da Escócia, os casamentos humanistas são possíveis apenas na Austrália e Nova Zelândia. Claro que cá em Portugal, país só supostamente laico, nem sequer se deve considerar a hipótese!

19 de Junho, 2005 Palmira Silva

Mais materializações iconográficas na e-bay

Jeffrey Rigo, 30 anos, ateu, está a divertir-se (e eventualmente lucrar) com a onda de histeria religiosa que grassa nos Estados Unidos. Depois de tartarugas demoníacas e tostas de queijo com a imagem da «Virgem», a e-bay tem agora à venda um pedaço da casa de banho do engenheiro informático, mais concretamente o estuque manchado com o que ele afirma ser uma imagem do mítico fundador da religião cristã. Por uns meros 1999,99 dólares os interessados podem possuir esta magnífica materialização iconográfica, que o feliz vendedor confessa não achar ser qualquer tipo de manifestação divina.

Talvez por o vendedor não se mostrar devidamente impressionado com o «milagre» e confessar que todo o procedimento não é para ser levado a sério, não apareceram muitos interessados. Mas vale a pena espreitar as perguntas suscitadas pelo acontecimento e apreciar o fino humor de Jeffrey Rigo nas respostas!

Gosto especialmente destas:

Pergunta: Em relação à sua reacção «Não (é Deus)- Jesus Cristo» queria informá-lo que Jesus é de facto Deus, igual e parte da Santa Trindade.
Resposta: Quando eu era criança tinha aqueles carros que se transformavam e que ligados uns aos outros formavam um carro GIGANTE, por isso penso que sou capaz de contextualizar o que diz. O único problema é que me faltava um dos carros mais pequenos e por isso o carro realmente grande não tinha a perna esquerda. Uma vez caiu e aterrou em cima do cão.

Pergunta: Tem a certeza que não será atingido por um raio por causa do seu leilão blasfemo?
Resposta: Não, não tenho de todo a certeza. Na realidade em preparação para este leilão criei um fato por medida, um fato completo de latex reforçado. E uso o fato dentro de uma gaiola de Faraday na minha sala de computador. O hamster olha meio de lado para mim de vez em quando e a recepção do telemóvel é péssima mas quando esse raio cair do céu estarei preparado.

Pergunta: II Coríntios 9:7 «… Deus ama ao que dá com alegria.»
Resposta:«…Mexa as natas e o pesto até obter uma mistura homogénea. Salpique com tomate. Sirva com vegetais.» Creamy Pesto Dip – Betty Crocker’s Quick & Easy Cookbook, p.11

18 de Junho, 2005 Palmira Silva

O regresso do Malleus Maleficarum

Algumas das práticas de tortura preconizadas pelo Santo Ofício da Inquisição. Entre outras não representadas pode-se observar na gravura, de cima para baixo, para além da morte na fogueira ou por enforcamento, técnicas como exposição das vísceras, quebra e fractura de ossos, açoitamento, decapitação e amputação das mãos.

A polícia inglesa têm as mãos cheias de casos de abuso e tortura de crianças relacionadas com exorcismos de supostos feiticeiros/bruxos.

Ontem foi revelado oficialmente que a polícia e os serviços sociais investigam mais cinco casos de abuso de menores relacionados com práticas de exorcismo. Uma fuga de informação revelou ainda dados de um relatório da polícia metropolitana que investiga tortura de menores por razões religiosas. O relatório, obtido por um jornalista da BBC, indica que há inúmeros pastores e igrejas, em Inglaterra, na Europa e em África, a explorar e potenciar de forma abjecta a superstição dos crentes. Superstição encorajada pelas autoridades eclesiásticas de todas as confissões cristãs!

Nomeadamente revela a existência de uma rede de tráfico de crianças com um fim abominável: são trazidos de África rapazes não circuncidados para serem sacrificados em altares de seitas que acreditam conseguirem «magias» poderosas com o assassínio destas crianças.

O relatório, despoletado pelo assassínio de outra bruxa de oito anos, Victoria Climbié, identifica ainda inúmeros casos de exorcismos de menores realizados por sectos cristãos fundamentalistas, exorcismos estes que resultam na tortura e muitas vezes morte das infelizes crianças consideradas possuídas pelo demo. Igrejas fundamentalistas como a Igreja do Combate Espiritual, envolvida recentemente num caso de tortura de uma «bruxa» de oito anos.

O espírito cristão medieval tão exaltado pelo finado João Paulo II e pelo actual papa regressa em todo o seu «esplendor». Aparentemente muitos cristãos consideram ainda em vigor a bula Summis Desiderantes, que «constatando» que «muitas pessoas de ambos os sexos abandonaram a fé e se entregaram aos demónios, incubi e succubi» «decretamos que os ditos inquisidores tenham poder de para proceder à justa correcção, apresamento, e castigo de qualquer pessoa.»

16 de Junho, 2005 Palmira Silva

41 anos depois

O pastor segregacionista Edgar Ray Killen foi finalmente acusado da morte de três defensores dos direitos civis da comunidade negra do Mississipi, cometidos no longínquo ano de 1964. O devoto membro do Ku Klux Klan, que se considera em paz com Deus, foi a julgamento em 1967, com mais 17 réus, acusados de violar os direitos dos três acusados. Sete dos réus foram à época condenados a penas até seis anos de prisão. Edgar Ray Killen foi considerado não culpado. O elemento do júri que votou pela inocência do réu confessou mais tarde ser incapaz de condenar um devoto pastor.

De facto, Killen e outros pastores cristãos usavam os púlpitos para recrutar membros para a sinistra ordem, os cavaleiros «místicos» que hoje recolhem fundos para o auxiliar, afirmando que Deus sancionava as suas acções.

16 de Junho, 2005 Palmira Silva

A pequena pedra

O fundador do culto apocalíptico cristão a Ordem de Santo Charbel, William Kamm, que reclama uma linha directa com o panteão católico, Maria, José, Cristo e, em algumas ocasiões, vários anjos e demais criaturas celestiais, estabeleceu a sua autoridade com profecias sortidas transmitidas por estas divindades cristãs, com especial incidência pela «virgem» Maria.

Como em tantos outros cultos apocalípticos estas profecias referem-se ao fim do mundo, com referências ao estado deplorável da Igreja católica actual e à sua «liberalização». Aliás, William Kamm, ou a pequena pedra, pretende que a «Virgem» lhe anunciou ser ele o sucessor de João Paulo II, não o oficial, que seria o anti-Cristo, mas o espiritual. Com uma missão delicada divinamente predestinada: ser o pai da humanidade que sobreviverá ao apocalipse (que ele já previu por diversas ocasiões…) por intermédio da sua progenitura com 12 rainhas e 72 princesas.

A explicação de como a «Virgem» suspendeu as leis normais católicas, nomeadamente as respeitantes ao adultério e à (hiper)abundância de consortes, por mor da sua missão sagrada foi transmitida pela televisão nacional australiana em Novembro de 1997, (no programa 60 Minutes, TCN Channel 9), e, em 1 de Janeiro de 1998, reafirmou a sua obediência aos preceitos católicos numa carta pública que afirmava ser o seu adultério permitido pelo papa Inocêncio III.

Aparentemente a justiça australiana não reconheceu as revelações divinas e a pequena pedra está a ser julgada por crimes sexuais, nomeadamente acusado por uma das «escolhidas» para tão honrosa distinção, que tinha 15 anos à altura da benesse. Embora não seja a primeira vez que a pedra vai a julgamento por casos semelhantes, espera-se que desta vez seja condenado!

Já desde 2000, data do massacre em Kanungu, se suspeita que a pequena pedra foi o inspirador do líder desse outro culto apocalíptico, o Movimento para a Restauração dos Dez Mandamentos de Deus, o actualmente em parte incerta Joseph Kibwetere.